Workaholism entre docentes de pós-graduação stricto sensu em enfermagem no Brasil^*

Resumos

Objective:

to identify the prevalence and factors associated with workaholism among stricto sensu graduate nursing professors.

Method:

a cross-sectional study with 333 professors of master’s/doctorate degrees from 47 Brazilian public universities. Participants answered a characterization questionnaire and the Dutch Work Addiction Scale, which were analyzed descriptively and by multiple logistic regression.

Results:

the prevalence of workaholism was 10.5%. The factors associated with the dimensions of workaholism were: having a marital relationship, being dissatisfied with work and sleep, indicating low ability to concentrate and few leisure opportunities, belonging to Graduate Programs with grades 3, 4 and 5, receiving a research productivity grant, considering the influence of work on life as negative, showing difficulty in combining work with personal life, to present work-related anxiety, feel pressure for scientific publishing, elaborate more than 11 articles simultaneously, give more than 21 opinions in the last year, work an extra 11 hours a week in addition to the work schedule and dedicate less than 10 hours a week to graduate school.

Conclusion:

there is an indication of workaholism in the investigated professors, and the associated factors were related to working conditions and requirements. Universities must adhere to management models that include occupational health promotion.

Descriptors:
Occupational Health; Education, Nursing, Graduate; Faculty; Universities; Work Performance; Working Conditions

Objetivo:

identificar la prevalencia y los factores asociados con el workaholism entre los docentes de posgrado stricto sensu en enfermería.

Método:

estudio transversal con 333 docentes de maestría/doctorado de 47 universidades públicas brasileñas. Los participantes respondieron un cuestionario de caracterización y la Dutch Work Addiction Scale que se analizaron descriptivamente y mediante regresión logística múltiple.

Resultados:

la prevalencia de adicción al trabajo fue del 10,5%. Los factores asociados con las dimensiones de la adicción al trabajo fueron: tener una relación matrimonial, estar insatisfecho con el trabajo y el sueño, lo que indica una baja capacidad de concentración y pocas oportunidades de ocio, pertenecer a los programas de posgrado con los conceptos 3, 4 y 5, recibir una subvención de productividad, considerar la influencia negativa del trabajo en la vida, mostrar dificultades para combinar el trabajo con la vida personal, experimentar ansiedad laboral, sentir presión para realizar publicaciones científicas, elaborar más de 11 artículos simultáneamente, emitir más de 21 opiniones en el último año, desarrollar más de 11 horas a la semana además del régimen de trabajo y dedicar menos de 10 horas a la semana al posgrado.

Conclusión:

hay una indicación de adicción al trabajo en los docentes investigados y los factores asociados estaban relacionados con las condiciones y requisitos de trabajo. Las universidades deben adherirse a los modelos de gestión que abarcan la promoción de la salud ocupacional.

Descriptores:
Salud Laboral; Educación de Postgrado en Enfermería; Docentes; Universidades; Rendimiento Laboral; Condiciones de Trabajo

Introdução

O workaholism tem sido relatado nos estudos como uma das causas de adoecimento mental e físico de trabalhadores^(1-3). Estima-se que 10% dos norte-americanos sejam workaholics ⁽⁴⁾, sendo essa condição mais comum entre os trabalhadores que exercem atividades em nível gerencial e em setores específicos, como profissionais de saúde e professores⁽⁵⁾. Entre os enfermeiros, um estudo realizado na Noruega demonstrou que esse fenômeno associa-se, fortemente, com as características laborais em relação às individuais⁽⁶⁾.

O workaholic foi, por muito tempo, considerado como proativo e, portanto, uma qualidade do indivíduo, principalmente no ramo industrial e empresarial, que objetiva grande produtividade como resultado do processo de trabalho⁽⁷⁾. No entanto, o termo workaholism origina-se da junção do prefixo “work” com o sufixo “aholism”, para descrever o vício no labor, caracterizado pelo trabalho compulsivo e excessivo⁽⁸⁾, que é executado de forma descomedida e irracional, visto que mesmo ciente do excesso, o trabalhador não assume o controle da sobrecarga⁽⁹⁾.

No mundo contemporâneo, percebe-se que a cultura organizacional das instituições não se distancia dessa realidade, inclusive nas universidades, pois observa-se na dinâmica de trabalho do docente, mais especificamente, nos Programas de Pós-graduação (PPG), alguns potenciais determinantes para o desenvolvimento do workaholism.

Nesse sentido, para promover o progresso técnico-científico, os docentes dos Programas de Pós-graduação em Enfermagem (PPGEnf) devem desempenhar, diuturnamente, atividades de ensino, pesquisa, extensão e administrativas, como: ministrar aulas nos diferentes níveis de ensino e proferir palestras; orientar e avaliar monografias, dissertações e teses, além de iniciação científica, de extensão e de ensino; coordenar projetos de ensino, pesquisa e extensão; redigir artigos, editoriais, livros, capítulos, emitir pareceres para periódicos científicos e agências de fomento; organizar e participar de eventos e grupos de trabalho institucionais nacionais e internacionais; coordenar cursos e comissões de gestão e de trabalho nas universidades, entre outras.

A maioria dessas atividades são consideradas nas avaliações dos PPGEnf pela Coordenação de Aperfeiçoamento Pessoal de Ensino Superior (CAPES)⁽¹⁰⁾ e podem levar o docente a trabalhar compulsiva e excessivamente, dedicando tempo e esforço substanciais e abdicando de outras atividades como lazer, família e amigos, além de vivenciar um ambiente de alta competitividade e elevada cobrança por produtividade⁽¹¹⁾. Esses aspectos aumentam a quantidade de horas dedicadas ao labor, para além do contrato com a instituição, o que é fomentado pelas tecnologias de informação e comunicação, fazendo com que o trabalhador não se desligue do trabalho, mesmo fora dele, levando-o ao adoecimento⁽⁷⁾.

Apesar do exposto, há poucos estudos que identificaram a prevalência e os fatores associados ao workaholism entre indivíduos inseridos no processo de trabalho dos diversos ramos de atuação do setor público ou privado^(1-3), sobretudo entre docentes enfermeiros de PPGEnf. Estudos que preencham esse gap são importantes para subsidiar ações gerenciais e políticas públicas em relação aos riscos à saúde do trabalhador, pois o workaholism é uma condição patológica que implica em redução do desempenho profissional, presenteísmo⁽¹²⁾, tecnoestresse⁽⁷⁾, burnout ⁽¹³⁾, deterioração das relações interpessoais, principalmente as sociais e familiares⁽²⁾, aumento do risco cardiovascular⁽¹⁴⁾ e karoshi, a morte súbita por excesso de trabalho⁽¹⁵⁾.

Portanto, o objetivo deste estudo foi identificar a prevalência e os fatores associados ao workaholism entre docentes de pós-graduação stricto sensu em enfermagem.

Método

Estudo do tipo transversal realizado com docentes de PPGEnf de 47 universidades públicas das cinco regiões do Brasil. Tratam-se de programas recomendados e reconhecidos pela CAPES, com conceitos 3 ao 7, vinculados à Área 20 - Enfermagem, que ofertam cursos de mestrado e/ou doutorado acadêmico.

A população de estudo foi composta por 919 docentes permanentes credenciados aos PPGEnf em estudo, conforme dados extraídos da Plataforma Sucupira em maio de 2018. Foram incluídos docentes com graduação em enfermagem e que estavam vinculados há, no mínimo, um ano ao programa. Foram excluídos aqueles que estavam afastados do trabalho por quaisquer licenças. Foram convidados todos os docentes e 368 responderam ao questionário, dos quais 333 enquadraram-se nos critérios de elegibilidade do estudo e tornaram-se a amostra dessa investigação.

A coleta de dados ocorreu por meio de uma plataforma virtual, desenvolvida por dois programadores, com formação em Sistemas de Informação. Para o frontend e backend do sistema foram utilizadas as linguagens de programação JavaScript e Hypertext Preprocessor (PHP), em conjunto com o sistema de gerenciamento de banco de dados My Structured Query Language (MySQL). A referida plataforma abrigou os instrumentos do estudo e foi configurada para enviar, quinzenalmente, por e-mail, os convites aos docentes cadastrados; esta plataforma continha o sítio eletrônico que direcionava ao questionário on-line, antecedido pelo aceite em participar da pesquisa, mediante o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

No período de julho a dezembro de 2018, os participantes responderam a um questionário elaborado pelos autores, com perguntas sobre caracterização sociodemográfica, condições de vida e trabalho com elementos específicos do processo de trabalho docente: sexo (masculino ou feminino), situação conjugal (com ou sem relacionamento estável), região brasileira a que pertence o PPGEnf (Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste ou Sul), regime de trabalho (dedicação exclusiva, tempo integral, tempo parcial ou docente sênior, que se aposentou e voltou a trabalhar voluntariamente no PPGEnf), recebimento de bolsa produtividade (sim ou não), número de PPG de credenciamento (um, dois ou três), tempo de trabalho em PPG (em anos), tempo de docência (em anos), tempo semanal dedicado a pós-graduação (em horas), tempo dispendido além do contrato de trabalho em noites ou finais de semana (em horas), nível de atuação no PPGEnf (mestrado e doutorado, somente mestrado ou somente doutorado), conceito CAPES do PPGEnf (três, quatro, cinco, seis e sete), pós-graduandos sob orientação (número discreto), artigos em elaboração (número discreto), pareceres emitidos nos últimos 12 meses para periódicos ou agências de fomento (número discreto), satisfação com o trabalho no PPGEnf (insatisfeito ou satisfeito), influência negativa do ritmo e intensidade do trabalho sobre sua vida (sim ou não), pressão para publicação científica (sim ou não), ansiedade no desenvolvimento das atividades laborais (sim ou não), dificuldade de compatibilizar o trabalho com a vida pessoal e familiar (sim ou não), capacidade de memória e concentração (pouca ou bastante), oportunidades de lazer (pouca ou bastante) e satisfação com o sono e repouso (insatisfeito ou satisfeito).

A Dutch Work Addiction Scale (DUWAS) na sua versão adaptada e validada para o português do Brasil^(16-17) foi utilizada para avaliar o workaholism em suas duas dimensões: trabalho compulsivo (itens 1, 2, 4, 6 e 8) e o trabalho excessivo (itens 3, 5, 7, 9 e 10). Os 10 itens apresentam respostas de Likert de 5 pontos (0- nunca e 4- sempre). Os escores dessas dimensões são dicotomizados em alto e baixo, considerando o percentil 75 como ponto de corte^(2,17), que após combinadas fazem emergir quatro padrões diferentes de trabalho: trabalhadores positivos ou relaxados (pessoas com baixa pontuação em trabalho excessivo e trabalho compulsivo), trabalhadores hard (aqueles que obtêm alta pontuação apenas em trabalho excessivo), trabalhadores compulsivos (alta pontuação apenas em trabalho compulsivo) e workaholics (alta pontuação em trabalho excessivo e trabalho compulsivo).

Os dados foram analisados no Statistical Package of Social Sciences (SPSS), versão 20.0, por frequências absolutas, relativas, medianas e intervalos interquartílicos (IIQ) (p-25-p75), visto que as variáveis quantitativas não aderiram à distribuição normal, conforme indicado no teste de Shapiro-Wilk (p<0,001). Como todos os itens eram de preenchimento obrigatório não houve dados missing.

Os desfechos deste estudo foram as duas dimensões do workaholism: trabalho compulsivo e trabalho excessivo. Os fatores associados foram determinados por modelos múltiplos de regressão logística, que se iniciaram por análises univariadas, para verificar a relação das variáveis dependentes com as independentes (características sociodemográficas, ocupacionais e condições de vida).

Os modelos múltiplos foram elaborados pelo método stepwise forward, no qual as variáveis independentes foram adicionadas individualmente conforme a ordem pré-determinada (valores decrescentes de significância). No modelo, permaneciam as variáveis significantes estatisticamente (p<0,05), conforme o teste de Wald. Todas as análises foram ajustadas pelas variáveis sexo, idade, anos de docência no mestrado e/ou doutorado por indicação da literatura^(2,17) e professor sênior e número de PPG de vínculo, por considerar-se potenciais confundidores dessa relação.

Os testes de Hosmer-Lemeshow e Nagelkerke R Square verificaram a qualidade do ajuste do modelo final e variação explicada dos modelos em relação aos desfechos, respectivamente. Os resultados foram apresentados em odds ratio (OR) brutos e ajustados com intervalos de confiança de 95%.

No desenvolvimento deste estudo seguiram-se os princípios de ética em pesquisa envolvendo seres humanos vigentes em nível nacional e internacional, incluindo aprovação de Comitê de Ética em Pesquisa, conforme Parecer n.º 2.347.839.

Resultados

A amostra deste estudo foi composta de 333 docentes com idade mediana de 53 anos (IIQ: 18 anos). A maioria era do sexo feminino (87,7%), com relacionamento conjugal estável (69,4%), sendo que 45,6% eram oriundos da Região Sudeste, 26,7% da Sul, 18,6% da Nordeste, 6,6% da Centro-Oeste e 2,4% da Norte.

Em relação à caracterização ocupacional, 66,7% possuíam regime de trabalho de dedicação exclusiva, 7,2% eram docentes sêniores, 19,8% recebiam bolsas de produtividade e 29,7% estavam credenciados a em dois ou três programas. O tempo de trabalho em PPG foi, em mediana, 8 anos (IIQ: 8 anos) de docência, de horas semanais dedicadas a pós-graduação foi de 10 horas (IIQ: 12 horas) e de horas além do contrato de trabalho em noites ou finais de semana foi de 10 horas (IIQ: 13 horas). Os docentes atuavam tanto no nível de mestrado como no de doutorado (70,6%), em PPGEnf com conceitos CAPES três (13,2%), quatro (25,2%), cinco (46,8%), seis (6,3%) e sete (8,4%).

Ainda sobre as condições de trabalho na pós-graduação, 69,7% indicaram sofrer pressão para publicação científica e 71,2% estavam satisfeitos com o trabalho na pós-graduação. O número de pós-graduandos e de artigos em elaboração foram, igualmente, em mediana 5 (IIQ: 4); já de pareceres emitidos nos últimos 12 meses para periódicos ou agências de fomento, a mediana foi de 8 (IIQ: 8).

Além disso, 39,9% referiram ansiedade no desenvolvimento das atividades laborais, 62,5% acreditavam que o ritmo e a intensidade do trabalho influenciam negativamente em suas vidas, 47,4% indicaram dificuldade de compatibilizar o trabalho com a vida pessoal e familiar, 72,7% julgavam possuir bastante capacidade de memória e concentração, 63,4% indicaram poucas oportunidades de lazer e 56,8% estavam satisfeitos com o sono e repouso.

Sobre as dimensões da DUWAS, 20,1% apresentaram alto trabalho compulsivo e 19,5% alto trabalho excessivo. Da combinação dessas dimensões emergiram os padrões de trabalho, em que 70,9% enquadraram-se como trabalhadores positivos, 9,0% trabalhadores hard, 9,6% trabalhadores compulsivos e 10,5% workaholics.

O modelo múltiplo apresentado na Tabela 1 mostrou excelente ajuste (Hosmer-Lemeshow: 0,977) e explicou 38,0% da ocorrência do trabalho compulsivo (Nagelkerke R Square: 0,380).

Tabela 1
Modelo múltiplo com os fatores associados ao trabalho compulsivo entre docentes de pós-graduação stricto sensu em enfermagem (n=333). Brasil, 2018

Modelo múltiplo	p-value	Odds ratiobruto (Intervalo de Confiança 95%)	p-value	Odds ratioajustado* (Intervalo de Confiança 95%)
Conceito do PPGEnf a que está credenciado (3, 4 e 5 x 6 e 7†)	0,003	1 0,319(0,150-0,675)	0,005	1 0,324(0,148-0,707)
Bolsista produtividade (não x sim†)	0,011	1 3,210(1,300-7,930)	0,016	1 3,417(1,258-9,284)
Influencia negativa do ritmo e intensidade do trabalho sobre a vida (não x sim†)	0,002	1 3,181(1,556-6,500)	0,001	1 3,356(1,596-7,056)
Dificuldade de compatibilizar o trabalho com a vida pessoal e familiar (não x sim†)	0,011	1 2,875(1,278-6,467)	0,018	1 2,697(1,183-6,147)
Ansiedade no desenvolvimento de suas atividades (não x sim†)	0,007	1 3,486(1,413-8,597)	0,007	1 3,467(1,394-8,622)
Horas semanais além do regime de trabalho (≤10 h x ≥11 h†)	0,015	1 2,475(1,193-5,135)	0,024	1 2,428(1,122-5,254)
Satisfação com sono (insatisfeito x satisfeito†)	0,009	1 0,340(0,152-0,760)	0,011	1 0,342(0,149-0,783)

• ^*
  ajustado por sexo, idade, anos de docente em programa de pós-graduação, ser docente sênior, número de programas de pós-graduação a que o docente é credenciado;
• ^†
  categoria de referência x categoria de teste

Em relação aos fatores associados ao trabalho compulsivo constatou-se que apresentaram chances aumentadas os docentes que pertenciam aos PPGEnf de conceito CAPES 3, 4 e 5, os que tinham bolsa produtividade, os que referiram influência negativa do ritmo e intensidade do trabalho sobre a vida, os que sentiram maior dificuldade de compatibilizar trabalho com a vida pessoal e familiar, com ansiedade no desenvolvimento de suas atividades laborais, os que afirmaram desenvolver mais de 11 horas semanais além do regime de trabalho e os que indicaram estar insatisfeitos com o sono.

A Tabela 2 mostra o modelo múltiplo explicativo de 35,4% da ocorrência do trabalho excessivo (Nagelkerke R Square: 0,354), que se apresenta adequadamente ajustado (Hosmer-Lemeshow: 0,544).

Tabela 2
Modelo múltiplo com os fatores associados ao trabalho excessivo entre docentes de pós-graduação stricto sensu em enfermagem (n=333). Brasil, 2018

Modelo múltiplo	p-value	Odds ratiobruto (Intervalo de Confiança 95%)	p-value	Odds ratioajustado* (Intervalo de Confiança 95%)
Situação conjugal (sem x com relacionamento†)	0,042	1 2,195(1,030-4,678)	0,036	1 2,331(1,059-5,132)
Pressão para publicação científica (não x sim†)	0,029	1 2,629(1,104-6,259)	0,031	1 2,681(1,094-6,570)
Horas semanais dedicadas à pós-graduação (≤10 h x ≥11 h†)	0,004	1 0,375(0,191-0,734)	0,007	1 0,383(0,192-0,767)
Pareceres emitidos nos últimos 12 meses (≤20 x ≥21†)	0,027	1 3,122(1,141-8,540)	0,038	1 3,014(1,062-8,548)
Artigos em elaboração (≤10 x ≥11†)	0,015	1 3,366(1,262-8,981)	0,022	1 3,198(1,187-8,622)
Satisfação com o trabalho na pós-graduação (insatisfeito x satisfeito†)	0,003	1 0,371(0,192-0,717)	0,006	1 0,394(0,202-0,770)
Capacidade de concentração (pouco x bastante†)	0,004	1 0,371(0,190-0,723)	0,002	1 0,340(0,169-0,683)
Oportunidades de lazer (poucas x muitas†)	0,004	1 0,299(0,131-0,680)	0,002	1 0,260(0,111-0,609)
Satisfação com sono (insatisfeito x satisfeito†)	0,038	1 0,488(0,248-0,959)	0,047	1 0,496(0,248-0,991)

• ^*
  ajustado por sexo, idade, anos de docente em programa de pós-graduação, ser docente sênior, número de programas de pós-graduação a que o docente é credenciado;
• ^†
  categoria de referência x categoria de teste

Conforme demonstrado, apresentaram chances significativamente aumentadas de trabalho excessivo os docentes com relacionamento conjugal estável, que indicaram sentir maior pressão para publicação científica, os que referiram emitir mais de 21 pareceres nos últimos 12 meses e os que assinalaram possuir mais de 11 artigos em elaboração no momento da coleta. Em contrapartida, apresentaram chances significativamente diminuídas de alto trabalho excessivo, os docentes que dedicavam menos de 10 horas semanais de seu regime de trabalho à pós-graduação, os satisfeitos com o trabalho na pós-graduação, aqueles com bastante capacidade de concentração, os com muitas oportunidades de lazer e os satisfeitos com o sono.

Discussão

A prevalência de workaholism foi de 10,5% entre os docentes de mestrado e doutorado estudados, sendo menor que a obtida entre enfermeiros hospitalares da Itália⁽¹⁸⁾. No entanto, o estudo italiano utilizou a mediana como ponto de corte e na presente investigação utilizou-se o percentil 75, o que pode ser uma limitação para a determinação sobre o número e o tipo de pessoas afetadas pelo workaholism⁽²⁾.

Os workaholics trabalham de forma excessiva e compulsiva, ou seja, abdicam de momentos de lazer ou convívio social e familiar devido ao ritmo do trabalho, todavia, na maioria das vezes, não atingem a performance desejada, pois o workaholism aumenta a vulnerabilidade para a incapacidade laborativa, devido ao acometimento da saúde biopsicossocial^(19-20).

A prevalência identificada nesse estudo em relação às dimensões do workaholism indica que dois em cada dez docentes dedicam ao trabalho uma quantidade excessiva de tempo e pensam, de forma persistente e constante, no labor mesmo fora da universidade. Ainda deve ser considerado que 7,2% dos docentes da amostra do presente estudo não conseguiram se desligar do trabalho no momento da aposentadoria, visto que voltaram às atividades no PPGEnf como professores sêniores, mesmo sem vínculo empregatício pecuniário. Acerca disso, estudo realizado com docentes de uma universidade pública brasileira revelou que eles retornam ao labor pelo desejo de continuar vivenciando os sentimentos de prazer que o trabalho proporciona, bem como pela contribuição que podem proporcionar com a experiência profissional adquirida⁽²¹⁾.

Em algum momento da vida as pessoas precisarão deixar o mundo laboral, sendo fundamental a preparação para a aposentadoria, pois contribuirá para que a pessoa apodere-se e vivencie-a, em sua plenitude, sem que adoeça física ou mentalmente⁽²²⁾.

Sobre os padrões de trabalho, parte representativa dos participantes da presente investigação enquadraram-se como trabalhadores positivos, por indicarem conciliar de forma adequada a vida pessoal e a profissional, com pouco desgaste emocional e sem abdicar dos momentos de lazer devido ao trabalho. Entretanto, os trabalhadores positivos podem desenvolver, em longo prazo, a dependência pelo trabalho se forem expostos às condições laborais desfavoráveis, como excesso de funções e atividades, alta cobrança e competitividade e falta de valorização profissional⁽²³⁾.

Ainda, 9,0% dos docentes desta investigação eram trabalhadores hard, por se predisporem a trabalhar arduamente, com alta performance no desempenho das funções, sem comprometimento da vida social e 9,6% enquadravam-se como compulsivos, os quais possuem dependência pelo labor para sua satisfação pessoal, extrapolam a carga horária diária, levam trabalho para casa e pensam no trabalho, constantemente. Ambos os perfis são indicados pela literatura como preditores do desenvolvimento do workaholism, visto que emergem das dimensões do trabalho excessivo e compulsivo⁽²⁴⁾.

O trabalho compulsivo, a dimensão cognitiva do workaholism, reflete os pensamentos persistentes sobre o trabalho e constante preocupação com questões do ambiente laboral mesmo em situações extraprofissionais⁽²⁴⁾. Os dados do presente estudo evidenciaram que o alto trabalho compulsivo foi maior entre os docentes que pertenciam aos PPGEnf de conceito CAPES 3, 4 e 5, os que recebiam bolsa de produtividade, os que desenvolviam mais de 11 horas semanais além do regime de trabalho, os que referiram ansiedade no desenvolvimento de suas atividades, influência negativa do ritmo e intensidade do trabalho sobre sua vida, os que sentiam maior dificuldade de compatibilizar trabalho com a vida pessoal e familiar e os insatisfeitos com o sono.

Acredita-se que os PPGEnf de conceitos menores no rankeamento feito pela CAPES desejam galgar avaliações melhores, pois os classificados como 6 e 7 representam excelência na formação de professores-pesquisadores⁽¹⁰⁾ e, por consequência, implicam em captação de mais recursos financeiros. Desse modo, os docentes de PPGEnf com conceitos menores, podem se sentir impelidos a trabalhar mais, para alcançar melhores indicadores de produção, visto que a qualificação do programa depende do engajamento do corpo docente. Isso condiciona este profissional a manter-se constantemente pensando e preocupado com as questões laborais, focado em atingir as metas estipuladas, substituindo, assim, seus momentos de lazer e descanso por trabalho, para além dos muros da universidade.

Apresentaram mais chances de alto trabalho compulsivo os docentes que recebiam bolsa produtividade, que é concedida aos pesquisadores destaques, líderes e paradigmas em suas áreas do conhecimento, enquadrando-os em níveis, conforme suas produções científicas, tecnológicas e de inovação. Além de ser uma forma de reconhecimento e valorização, a concessão da bolsa objetiva incentivar o aumento da produção qualificada⁽²⁵⁾. Os achados do presente estudo indicaram que os docentes com esse benefício apresentaram uma relação adicta com o trabalho, que pode ser uma tentativa de manter-se com o status de pesquisador referência em sua área de expertise.

Os docentes deste estudo que desenvolveram mais de 11 horas semanais além do regime de trabalho, em noites e finais de semana, também apresentaram maiores chances de alto trabalho compulsivo. Tal resultado pode estar relacionado à necessidade de desempenhar múltiplas atividades em prazo exíguo, principalmente aquelas que necessitam de aprofundamento teórico.

A sobrecarga de atividades faz com que o docente acostume-se com o ritmo intenso de trabalho, não consiga desligar-se mentalmente de suas atribuições profissionais, sinta-se culpado por descansar considerando as numerosas atividades pendentes ou frustre-se, por se sentir útil, somente quando trabalha arduamente⁽¹⁹⁾. Assim, ele não consegue administrar, de forma adequada, o tempo pois está ansioso para desenvolver suas atividades laborais, mesmo percebendo que o ritmo e a intensidade do trabalho estão influenciando negativamente sua vida e permanece relegando sua vida pessoal e social, o lazer e o sono, pois acredita que o trabalho, isoladamente, confere-lhe satisfação profissional e pessoal.

A dimensão comportamental do workaholism é o trabalho excessivo e manifesta-se pelo trabalho árduo, em que a pessoa gasta uma grande quantidade de tempo nas atividades laborais, trabalha acima de suas necessidades econômicas e das demandas das organizações nas quais está inserida⁽²⁴⁾. Chances significativamente aumentadas de alto trabalho excessivo ocorreram entre os docentes com relacionamento conjugal estável, que sentem maior pressão para publicação científica, os que emitiram mais de 21 pareceres nos últimos 12 meses, os que possuem mais de 11 artigos em elaboração, os que dedicam menos de 10 horas semanais à pós-graduação, os descontentes com o trabalho na pós-graduação, com pouca capacidade de concentração, com poucas oportunidades de lazer e insatisfeitos com o sono.

Acerca da associação entre relacionamento conjugal estável e trabalhar excessivamente, a literatura manifesta-se apenas sobre o relacionamento familiar insatisfatório e o casamento ruim, ou seja, aquele que é tido como conflituoso ou que não traz satisfação, pode fazer com que as pessoas trabalhem muitas horas⁽²⁶⁾.

Chances significativamente maiores de alto trabalho excessivo foram verificadas entre os docentes que participaram da presente pesquisa devido a pressão para publicação científica, a emissão de muitos pareceres anualmente e o fato de possuir muitos artigos em elaboração. A publicação em veículos científicos representa a divulgação do conhecimento e tem sido amplamente utilizada para as avaliações dos docentes (ascensão de carreira, qualificação do programa, fomento de pesquisas, obtenção de bolsas de iniciação científica e de produtividade, entre outros). Entretanto, elaborar artigos para periódicos especializados e bem qualificados requer conhecimento, investimento de tempo, dedicação, foco e disciplina, para que eles tenham a qualidade, relevância e ineditismo, ou seja, que contribuam no avanço do conhecimento^(27-28).

A avaliação de um artigo científico também demanda tempo, considerada a responsabilidade de analisar crítica e construtivamente a originalidade, a coerência entre os aspectos teóricos, os metodológicos e as interpretações, de modo a colaborar com o aperfeiçoamento da pesquisa em pauta.

Infere-se que o trabalho excessivo entre docentes de pós-graduação está relacionado à atividade mental intensa, na tentativa de atingir as expectativas em tempo hábil, dada a quantidade e complexidade das tarefas, que ocorrem em concomitância com outras atividades do docente. Essa situação também pode levar à insatisfação com o trabalho na pós-graduação.

A relação do trabalho excessivo e a insatisfação com o sono pode derivar das noites, madrugadas e momentos de descanso relegados em função de atividades laborais, ocasionando a desregulação do seu ciclo vigília-sono, sobretudo na qualidade do sono e nas horas de duração⁽²⁹⁾. Deve-se ponderar que a maioria das atividades docentes, por sua diversidade, são difíceis de serem mensuradas em horas e, comumente, não são computadas na carga horária de trabalho semanal, porém se tornam obrigatórias em decorrência da sua função e metas instituídas pelos programas.

Este estudo apresenta limitação por ter sido realizado com questionário autoaplicado e, consequentemente, com a possibilidade de ter-se respostas tendenciosas ao socialmente prescrito, considerando que a própria condição de workaholic condiciona o indivíduo à autonegação, com tentativas de enquadrar sua condição como a de um trabalhador engajado⁽³⁰⁾. Entretanto, possui potencialidades como a amostra expressiva, distribuída por todas as regiões do país, associando as condições de trabalho de docentes enfermeiros de PPGEnf a um fenômeno pouco estudado na área. O workaholism é um problema de natureza subjetiva e, portanto, pode ser influenciado por características pessoais e o processo de trabalho pode ser contributivo para o seu surgimento ou agravamento, visto que produzir cada vez mais é o lema do mundo capitalista. Desta forma, sugere-se que outros estudos incluam o efeito mediador da personalidade para aprofundamento da temática.

Por fim, a atual conjuntura sociopolítica brasileira tem colaborado para a deterioração das condições de trabalho, principalmente aquelas relacionadas ao ensino superior e à pesquisa científica. Os resultados dessa pesquisa refletem um sistema de altas exigências e competitividade, permeado pela escassez de recursos financeiros e infraestrutura, no qual os docentes investem seu tempo e saúde para a formação de pessoal e o avanço do conhecimento.

Conclusão

Os resultados permitem concluir que há indicativo de workaholism na amostra estudada e identificou-se como fatores associados: relacionamento conjugal estável, como aspecto sociodemográfico; condições de vida: insatisfação com o sono, pouca capacidade de concentração e poucas oportunidades de lazer e condições de trabalho docente: estar credenciado à PPGEnf de conceito CAPES 3, 4 e 5, ser bolsista produtividade, sofrer pressão para publicação científica, apresentar insatisfação com o trabalho na pós-graduação, realizar mais de 11 horas semanais além do regime de trabalho, dedicar menos de 10 horas semanais à pós-graduação, emitir muitos pareceres em curto prazo, elaborar muitos artigos concomitantemente, sofrer uma influência negativa do ritmo e da intensidade do trabalho sobre a vida, mostrar dificuldade de compatibilizar trabalho com a vida pessoal e familiar e apresentar ansiedade no desenvolvimento das atividades laborais.

Esses achados indicam as características e exigências do processo de trabalho do docente de mestrado e doutorado, positiva e diretamente associadas ao workaholism, o que aponta para a importância dos docentes em conjunto com os gestores, reverem os critérios de qualidade baseados na quantidade, visto serem os órgãos governamentais que estipulam os parâmetros. Ainda é importante que as instituições adotem modelos de gestão com políticas de suporte emocional e bem-estar, além de propiciar condições adequadas de trabalho para seus docentes, vislumbrando a saúde ocupacional.

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  Apoio Financeiro da Fundação Araucária, Chamada Pública 09/2016 - Programa Institucional de Pesquisa Básica e Aplicada, Brasil.

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Editado por

Editora Associada: Maria Lúcia do Carmo Cruz Robazzi

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  31 Ago 2020
• Data do Fascículo
  2020

Histórico

• Recebido
  20 Dez 2019
• Aceito
  07 Abr 2020