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Resenha bibliográfica: a banalização da injustiça social

RESENHA DE LIVRO

Resenha bibliográfica: a banalização da injustiça social

Júlia Trevisan MartinsI; Rita de Cássia DomanskyII; Maria Helena Trench CiamponeIII

IDoutorando da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo, Centro Colaborador da OMS para o desenvolvimento da pesquisa em enfermagem, jtmartins@uel.br

IIDoutorando, e-mail: domansky@sercomtel.com.br

IIIProfessor Livre-Docente, e-mail: mhciamp@usp.br. Escola de Enfermagem, da Universidade de São Paulo

"A Banalização da Injustiça Social", da autoria de Christophe Dejours, publicado no ano de 2000, pela editora Fundação Getúlio Vargas, traduzido por Luís Alberto Monjardim.

Christophe Dejours é psiquiatra, psicanalista, professor do Conservatório Nacional de Artes e Ofícios e diretor do Laboratório de Psicologia do Trabalho da França, também autor do título consagrado "A loucura do trabalho".

O livro A Banalização da Injustiça Social, de certo modo, dá continuidade, aprofundando alguns dos aspectos assinalados pelo autor na obra anterior. Está divido em 10 capítulos e, no desenvolvimento dos mesmos, o autor analisa as graves questões econômicas que afetam direta ou indiretamente o mundo do trabalho. Apesar do contexto enfocado referir-se à França, muitos pontos relacionados ao trabalho podem ser extrapolados para outras sociedades, em particular para o Brasil.

As contribuições dessa análise são de importância ímpar para os trabalhadores, em geral, independente da categoria profissional. Muito embora o autor não se refira especificamente ao trabalho em saúde, muitas das considerações são básicas para a fundamentação de discussões acerca dos determinantes estruturais no trabalho em saúde e, particularmente, do trabalho de enfermagem. Dejours tece críticas à perspectiva de que os indivíduos somente sobreviverão no mercado se superarem a si próprios, tornando-se cada vez mais competitivos e eficientes que os colegas, pares, ou concorrentes, primando pelo individualismo.

Aponta que essa contradição presente nos cenários do trabalho precisa ser enfrentada, pois, do contrário, estar-se-á passando por cima de alguns dos princípios que, muitas vezes, se considera importantes, mas que se passa a relegar, devido à necessidade de manter os empregos e, por conseqüência, a sobrevivência.

Dejours deixa claro que a crise que se apresenta aos trabalhadores tem sua gênese na natureza do sistema econômico, no mercado ou na globalização, contudo, explica que as condutas humanas diante dessas situações têm contribuído e muito para o agravamento de problemas laborais, principalmente no que se refere ao sofrimento no cotidiano do trabalho.

Questiona o por quê se permite que o sistema faça o indivíduo sofrer. As reflexões propostas estão pautadas em questões profundas, situadas no âmbito da subjetividade dos indivíduos, ou seja, os trabalhadores, com o passar do tempo, vão perdendo a esperança, e acabam chegando à conclusão de que os esforços, a dedicação, a boa vontade, o bom relacionamento com os colegas, e produzir o máximo para as empresas/instituições não têm contribuído para que se estabeleça um equilíbrio na relação de prazer-sofrimento.

Assim sendo, adota-se, cada vez mais, o distanciamento das questões relacionadas à gênese dos conflitos do dia-a-dia laboral. Tal perspectiva afirma o autor, refletirá diretamente não só no desempenho das tarefas no trabalho, mas, também, nos relacionamentos interpessoais que tendem à deteriorização no âmbito do trabalho, da família e em outras instâncias do convívio de cada um.

As conseqüências advindas do sofrimento patogênico desencadeado pelo trabalho, repercutem tanto na saúde física quanto na saúde psíquica do trabalhador. Entretanto, o que ocorre é a busca de estratégias de defesa para suportar o sofrimento e não se deixar abater. Há um destaque do autor enfatizando o como o indivíduo se protege, para poder "agüentar" o sofrimento sem perder a razão. As estratégias utilizadas podem ser coletivas e individuais, e contribuem para tornar aceitável o que muitas vezes não deveria sê-lo. Porém, chama atenção para o processo de cristalização que se transforma em uma cilada, insensibilizando para a percepção daquilo que faz sofrer.

Para o autor, trabalhar não é apenas ter uma tarefa para cumprir, significa também viver a experiência, enfrentar a resistência do real, construir sentido do trabalho, para a situação e para o próprio sentimento de prazer ou sofrimento.

No decorrer dos capítulos do livro, fica evidenciado que os trabalhadores, os gerentes e até a alta cúpula das empresas, ou seja, todos tendem a se defender da mesma maneira, negando o sofrimento alheio e calando o seu.

Enfim, o que Dejours debate acerca das questões que acontecem no dia-a-dia do trabalho, nas diversas áreas, pode ser transposto para o processo de trabalho da equipe de enfermagem, pois as atividades desempenhadas podem ser em parte uma construção dos próprios trabalhadores, cabendo-lhes a responsabilidade de pensá-las e ressignificá-las de modo que os conflitos, a insatisfação, o desprazer sejam equacionados e negociados revertendo em danos, os menores possíveis. A obra propicia que se faça uma reflexão sobre importantes implicações do trabalho no âmbito das instituições, dos grupos laborais e particular para cada um, enquanto sujeito-trabalhador.

Recebido em: 22.6.2005

Aprovado em: 13.11.2005

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Maio 2006
  • Data do Fascículo
    Abr 2006
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