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Incerteza na doença e motivação para o tratamento em diabéticos tipo 2

Resumos

OBJETIVOS: Caracterizar a incerteza na doença e a motivação para o tratamento e avaliar a relação existente entre estas variáveis, em diabéticos tipo 2. MÉTODO: Estudo descritivo, correlacional, numa amostra de 62 diabéticos atendidos em consulta. Aplicadas a Escala de Incerteza na Doença e a Escala de Motivação para o Tratamento. RESULTADOS: Os diabéticos tipo 2 apresentam baixos níveis de incerteza na doença e elevada motivação para o tratamento. A motivação intrínseca é mais elevada do que a extrínseca. Existe uma correlação negativa entre a incerteza face ao prognóstico e tratamento e a motivação intrínseca para o tratamento. DISCUSSÃO: Os resultados sugerem que estes indivíduos se encontram adaptados agindo em conformidade com os significados que atribuem à doença. A incerteza pode funcionar como ameaça interferindo negativamente na atribuição de significados aos acontecimentos relacionados com a doença e com o processo de adaptação e motivação para adesão ao tratamento. A motivação intrínseca parece ser um aspecto fundamental na motivação para o tratamento.

incerteza; motivação; diabetes mellitus tipo 2


AIMS: To characterize the uncertainty in illness and the motivation for treatment and to evaluate the existing relation between these variables in individuals with type 2 diabetes. METHOD: Descriptive, correlational study, using a sample of 62 individuals in diabetes consultation sessions. The Uncertainty Stress Scale and the Treatment Self-Regulation Questionnaire were used. RESULTS: The individuals with type 2 diabetes present low levels of uncertainty in illness and a high motivation for treatment, with a stronger intrinsic than extrinsic motivation. A negative correlation was verified between the uncertainty in the face of the prognosis and treatment and the intrinsic motivation. DISCUSSION: These individuals are already adapted, acting according to the meanings they attribute to illness. Uncertainty can function as a threat, intervening negatively in the attribution of meaning to the events related to illness and in the process of adaptation and motivation to adhere to treatment. Intrinsic motivation seems to be essential to adhere to treatment.

uncertainty; motivation; diabetes mellitus; type 2


OBJETIVOS: Caracterizar la incertidumbre ante la enfermedad y la motivación para el tratamiento y evaluar la relación existente entre estas variables en diabéticos tipo 2. MÉTODO: Estudio descriptivo, correlacional, en una muestra de 62 diabéticos atendidos en consulta. Usadas la Escala de Incertidumbre ante la Enfermedad y la Escala de Motivación para el Tratamiento. RESULTADOS: Los diabéticos tipo 2 presentan bajos niveles de incertidumbre ante la enfermedad y una elevada motivación para el tratamiento, siendo la motivación intrínseca más elevada que la extrínseca. Se verificó correlación negativa entre la incertidumbre frente al pronóstico y tratamiento y la motivación intrínseca para el tratamiento. DISCUSIÓN: Estos pacientes se encuentran adaptados actuando en conformidad con los significados que atribuyen a la enfermedad. La incertidumbre puede funcionar como amenaza interfiriendo negativamente en la atribución de significados de los acontecimientos relacionados con la enfermedad y con el proceso de adaptación y motivación para adherirse al tratamiento. La motivación intrínseca parece ser un aspecto fundamental en la motivación para el tratamiento.

incertidumbre; motivación; diabetes mellitus tipo 2


ARTIGO ORIGINAL

Incerteza na doença e motivação para o tratamento em diabéticos tipo 2

João Luís Alves ApóstoloI; Catarina Sofia Castro ViveirosII; Helena Isabel Ribeiro NunesIII; Helena Raquel Faustino DominguesIV

IEnfermeiro, Doutorando em Ciências de Enfermagem, Professor Adjunto da Escola Superior de Enfermagem Dr. Ângelo da Fonseca, Portugal, e-mail: joaoapostolo@eseaf.pt

IIEnfermeira, Serviço de Medicina III Mulheres e Reumatologia, Portugal, e-mail: catarinaenf@hotmail.com

IIIEnfermeira, Centro de Saúde dos Olivais, Portugal, e-mail: lennanunes@hotmail.com

IVEnfermeira, Instituto Português de Oncologia Francisco Gentil, Centro Regional de Oncologia de Coimbra, Portugal, e-mail: helenardomingues@hotmail.com

RESUMO

OBJETIVOS: Caracterizar a incerteza na doença e a motivação para o tratamento e avaliar a relação existente entre estas variáveis, em diabéticos tipo 2. MÉTODO: Estudo descritivo, correlacional, numa amostra de 62 diabéticos atendidos em consulta. Aplicadas a Escala de Incerteza na Doença e a Escala de Motivação para o Tratamento. RESULTADOS: Os diabéticos tipo 2 apresentam baixos níveis de incerteza na doença e elevada motivação para o tratamento. A motivação intrínseca é mais elevada do que a extrínseca. Existe uma correlação negativa entre a incerteza face ao prognóstico e tratamento e a motivação intrínseca para o tratamento. DISCUSSÃO: Os resultados sugerem que estes indivíduos se encontram adaptados agindo em conformidade com os significados que atribuem à doença. A incerteza pode funcionar como ameaça interferindo negativamente na atribuição de significados aos acontecimentos relacionados com a doença e com o processo de adaptação e motivação para adesão ao tratamento. A motivação intrínseca parece ser um aspecto fundamental na motivação para o tratamento.

Descritores: incerteza; motivação; diabetes mellitus tipo 2

INTRODUÇÃO

Um dos problemas com o qual um sistema de saúde se depara é o abandono ou o incorreto cumprimento dos tratamentos prescritos, por parte dos indivíduos com doença crônica, de que é exemplo o diabetes. A ausência de motivação e a não adesão ao tratamento constituem, provavelmente, as mais importantes causas de insucesso das terapêuticas, conduzindo a disfunções no sistema de saúde e aumento da morbidade e da mortalidade. A literatura tem apontado que o indivíduo com diabetes tem dificuldade na adesão ao programa terapêutico(1) (controle metabólico, plano alimentar, atividade física e terapêutica medicamentosa).

O diabetes caracteriza-se por ser uma das mais exigentes doenças crônicas, quer no nível físico, quer no psicológico. Viver com esta doença pressupõe a adoção de um estilo de vida ajustado à situação de saúde, exigindo uma alteração e integração nas atividades de vida diária e uma adesão terapêutica permanente e continuada no tempo, porque só assim se evitam as graves complicações decorrentes da doença(2).

Viver com uma doença crônica e incurável é viver num estado de incerteza constante. O desafio do ajustamento a uma doença crônica é mais do que uma simples adaptação biofísica ao processo de doença, é uma experiência vivida que requer múltiplas adaptações onde o estado de incerteza é uma experiência profunda e pessoal(3).

A incerteza é considerada um fator maior que afeta o ajustamento à doença, mas poucos trabalhos têm sido desenvolvidos no sentido de compreender os seus efeitos a longo termo na doença crônica(3). Os estudos realizados revelam sobretudo que este conceito tem sido estudado nos contextos da economia, tomada de decisão, predição, tolerância, controle, estresse e ambiguidade. Neste sentido considera-se pertinente aprofundar conhecimentos nesta área tão pouco explorada.

O conceito de incerteza na doença vem sofrendo alterações ao longo do tempo. No entanto, aceita-se que incerteza na doença é um estado cognitivo, no qual o indivíduo é incapaz de atribuir um significado aos acontecimentos relacionados com a doença. Isto verifica-se em situações onde aquele não tem capacidade para atribuir valores definitivos aos objetos e acontecimentos e/ou é incapaz de predizer corretamente os resultados dessa mesma doença(4-5), aspectos que podem interferir com o processo motivacional e de adesão ao tratamento.

Os estímulos inerentes à doença provocam no indivíduo reações que a teoria da incerteza procura explicar em quatro etapas, em que a primeira se refere aos antecedentes que geram a incerteza; a segunda à apreciação da incerteza como ameaça ou oportunidade; a terceira corresponde às estratégias de coping* * O conceito coping é traduzido para português como enfrentamento. No entanto, por ser um conceito validado e de utilização corrente pela comunidade científica portuguesa, optou-se por mantê-lo na forma original em inglês adotadas para reduzir a incerteza avaliada como uma ameaça ou, por outro lado, para manter a incerteza avaliada como uma oportunidade e, por fim, a quarta etapa diz respeito ao estado de adaptação que resulta das estratégias de coping adotadas(3).

No que concerne ao conceito de motivação este é definido como um conjunto de forças percebidas que levam a pessoa a agir, influenciada pelas suas experiências e outros fatores externos(6-7).

O ser humano raramente atua com base num único motivo, sendo o seu comportamento impelido por motivações intrínsecas e extrínsecas(8). A motivação intrínseca é responsável pela participação do indivíduo numa atividade pelo próprio prazer que esta lhe proporciona e não por uma recompensa tangível que daí possa advir. No que concerne à motivação extrínseca, é através desta que o indivíduo participa numa atividade com vista a uma recompensa tangível(7-9).

Várias são as teorias que procuram descrever o fenômeno motivacional, no entanto, nenhuma abrange na totalidade este processo. É de salientar que apesar da diversidade das abordagens conceituais estas não são contraditórias, complementando-se entre si, no sentido de permitir a compreensão de um determinado fenômeno motivacional que, neste estudo específico, conduzem à adesão ou não adesão ao tratamento. De algumas das teorias que procuraram descrever o fenômeno, bem como os fatores que o influenciam, destacam-se o Modelo de Auto-Regulação do Comportamento de Leventhal, os Modelos de Adesão ao Tratamento e o Modelo de Crenças da Saúde.

O modelo de auto-regulação do Comportamento de Leventhal fornece uma construção/explicação teórica que nos ajuda a compreender os fatores que influenciam as percepções da pessoa às ameaças de doença, a relação entre essas percepções e a descrição dos sintomas da doença relatados pela própria pessoa, e como as suas crenças pessoais influenciam os seus comportamentos de autocuidado e a conduzem, a promover ou a ignorar as ameaças de doença. Segundo este modelo, na doença coexistem dois processos ativos paralelos: a cognição, que corresponde à interpretação objetiva da ameaça de doença e a emoção, que é a reação subjetiva a uma ameaça. Estes processos paralelos, a cognição e a emoção, são interativos. Tomemos como exemplo a dieta no diabetes tipo 2, na qual é inerente o processamento cognitivo da informação para compreender a relação complexa entre a ingestão de hidratos de carbono e os níveis de glicose do sangue. Contudo, os processos emocionais interagem com os valores socioculturais da alimentação e do ato de comer, que como experiência social pode revelar-se mais importante do que o processo cognitivo quando as pessoas ingerem os alimentos que elevam os níveis do glicose no sangue, uma vez que socialmente se sentem obrigados a fazê-lo(10).

O modelo de crenças da saúde parte da suposição de que os comportamentos saudáveis são racionalmente determinados pela vulnerabilidade das pessoas às ameaças à sua saúde. A estas percepções, o indivíduo acaba por atribuir um valor que o leva a acreditar ou não na eficácia das ações conducentes à melhoria da sua saúde. Assim, a partir destas crenças, é possível predizer diferentes comportamentos relacionados com a saúde, quer no nível da prevenção da doença, quer no nível da promoção da saúde(11).

A adesão implica uma atitude ativa, com envolvimento voluntário e colaborativo do paciente e do profissional de saúde, num processo conjunto que visa a mudança de comportamento do primeiro. Deste modo, o paciente cumpre o tratamento ou o protocolo terapêutico tendo por base um acordo conjunto que tem a sua participação, e que o conduz ao reconhecimento da importância de determinadas ações prescritas(12).

O indivíduo pode perceber os benefícios, as barreiras, a sua susceptibilidade e gravidade da doença, mas, se atribuir pouca importância à sua saúde, sobrepondo outras áreas do seu espaço de vida, o grau de adesão a uma ação proposta acaba por ser muito baixo e a disposição para essa ação pode ser nula, não se concretizando(13).

Nesta direção, o presente estudo tem como objetivos: Descrever as características da incerteza na doença e da motivação para o tratamento em diabéticos tipo 2, atendidos em consultas de dois Centros de Saúde da Região Centro de Portugal e analisar a relação entre a incerteza na doença e a motivação para o tratamento nestes pacientes.

METODOLOGIA

Tipo de estudo

Foi desenvolvido um estudo quantitativo descritivo-correlacional com a questão e hipótese de investigação que se seguem:

Q1 Quais são as características da incerteza na doença e da motivação para o tratamento nos pacientes com diabetes tipo 2?

H1 Existe relação entre a incerteza na doença e a motivação para o tratamento nestes pacientes.

Variáveis

As variáveis estudadas foram a Incerteza na doença, que é um estado cognitivo, no qual o indivíduo é incapaz de atribuir um significado aos acontecimentos relacionados com a doença(4-5), e a motivação para o tratamento que é um conjunto de forças percebidas que levam a pessoa a agir, influenciada pelas suas experiências e outros fatores externos(6-7).

Amostra

A amostra incluiu 62 indivíduos, adultos e idosos, atendidos em consultas de diabetologia dos Centros de Saúde de Pombal e de Figueira da Foz, Portugal, no período entre 09-02 e 02-04-2004. A idade mínima dos indivíduos era de 43 e a máxima de 84 anos, com média de 67,06 anos e desvio padrão de 8,18 anos. É maioritariamente constituída por elementos do sexo feminino, 59,7 %. Quanto ao estado civil, 67,7% são casados, 1,6 % solteiros, 6,5 % divorciados e 24,2 % viúvos.

Procedimentos

O instrumento foi aplicado a uma amostra de indivíduos com o diagnóstico de diabetes tipo 2, tendo sido pré-estabelecido que seriam incluídos no estudo os pacientes que ocorressem às consultas de diabetologia dos Centros de Saúde de Pombal e Figueira da Foz, Portugal, entre 09-02 e 02-04-2004, que aceitassem participar esclarecida e livremente. Tendo em conta estes critérios foi possível entrevistar 62 indivíduos.

Aspectos éticos

Antes do início da coleta de dados, o projeto de pesquisa foi aprovado pela Direção dos dois Centros de Saúde referidos. Aos indivíduos que aceitaram participar na pesquisa solicitou-se a assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido. Foram facultadas as condições para que cada elemento respondesse com a ajuda necessária dos investigadores, com o objetivo de esclarecer quaisquer dúvidas que pudessem ocorrer.

Instrumentos

O instrumento de coleta de dados utilizado foi composto por questões de natureza sociodemográfica, pela parte A da Uncertainty Estresse Scale (USS) e pela Escala de Motivação para o Tratamento (EMT).

A USS(14) é um instrumento constituído por três partes. Na parte A pede-se aos indivíduos para ordenar o seu grau de incerteza num número de áreas relacionadas com a sua condição de saúde e coping face à incerteza, na B pede-se aos participantes para ordenarem o grau de estresse relacionado com a incerteza. A parte C é constituída por uma escala visual analógica de 10 cm que mede a incerteza global, o estresse global, ameaça global e percepção de aspectos correspondentes ao estado de incerteza.

A versão portuguesa(15) da USS, Escala de Incerteza na Doença (EID) utilizada neste estudo é constituída apenas pela parte A da versão original.

É uma escala de tipo Likert, de 5 pontos de auto-resposta, composta por 24 itens, avaliando a incerteza na doença face ao prognóstico e tratamento e o coping com a incerteza. São dadas cinco possibilidades de resposta com as seguintes correspondências: 0 - não tenho incerteza; 1 - tenho alguma incerteza; 2 - tenho incerteza; 3 - tenho bastante incerteza e 4 - tenho muita incerteza. Os respectivos scores são obtidos pelo somatório das respostas aos itens que compõem cada uma das duas dimensões. O score da incerteza total é o somatório dos 24 itens.

Relativamente à validade, a EID(15) revelou boa consistência interna, com valores de alfa de Cronbach de 0,72 para a incerteza face ao prognóstico, 0,70 para o coping com a incerteza e 0,82 para o total da escala. No mesmo estudo(15), a EID foi administrada conjuntamente com a escala de auto-avaliação da ansiedade de Zung, tendo sido verificados valores de correlação de 0,40, 0,68 e 0,69, respectivamente, com as dimensões prognóstico e tratamento, coping e incerteza total, o que pode ser interpretado como argumento de validade de critério da EID.

Na amostra de pacientes estudada, a EID revelou boa consistência interna, com valores de alfa de Cronbach de 0,81, 0,73,e 0,87, respectivamente, para o prognóstico e tratamento, coping, e incerteza total e valores de correlação do item com o score total de cada sub-escala e com o total superiores a 0,30 à exceção dos itens 1 e 23 que apresentam valores de 0,23 e 0,24.

A EMT utilizada neste estudo resulta de uma adaptação do Treatment Self Regulation Questionnaire (TRSQ) para o diabetes, que foi desenvolvido para explicar a Teoria da Auto Determinação(16), que é uma teoria baseada na motivação humana e tem sido adaptada a várias situações na área da promoção de hábitos de vida saudáveis, nomeadamente perda de peso e exercício físico a longo termo, manutenção da cessação de hábitos tabágicos em adultos e melhor controle da glicemia em indivíduos com diabetes (17).

A EMT é uma escala de Likert constituída por 19 itens, dos quais 13 avaliam a motivação intrínseca para o tratamento e os restantes 6 itens avaliam a motivação extrínseca para o tratamento. Esta escala propõe-se a medir as motivações autônomas e controladas para a adoção de um estilo de vida saudável no que respeita ao tratamento do diabetes, controle da glicemia e prática de exercício. As respostas são organizadas numa escala de 1 a 7 pontos, sendo que as possibilidades de resposta oscilam entre discordo fortemente e concordo fortemente, no qual o score de cada uma das dimensões é obtido pelo somatório das respostas aos itens que compõem cada uma das duas dimensões e pelo total.

Na amostra em estudo, o instrumento revelou boa consistência interna, com valores de alfa de Cronbach de 0,78, 0,88 e 0,86 respectivamente para a motivação extrínseca e intrínseca, e no total e valores de correlação do item com o score de cada sub-escala e com o total da escala superiores a 0,39, à exceção do item 15 cujo valor é de 0,13.

RESULTADOS

No que diz respeito à incerteza na doença, os dados revelam valores médios reduzidos de incerteza na doença no total e nas dimensões, incerteza face ao prognóstico e tratamento e coping com incerteza, respectivamente de 1,29; 1,32 e 1,20 e com dispersão também reduzida de 0,63; 0,67 e 0,66 (Tabela 1).

Em todos os itens, verificam-se valores máximo (4) e mínimo (0) considerados nas âncoras da EID, à exceção do item 5 em que o valor máximo apresentado foi de 3.

Apesar destes pacientes revelarem um grau baixo de incerteza na doença, referem ter mais incerteza na sintomatologia (itens 20, 23) e na situação de saúde (itens 1, 3) referentes à dimensão incerteza no prognóstico e tratamento.

Quanto à motivação para o tratamento no total e nas respectivas dimensões, motivação intrínseca e extrínseca, considerando os limites (1 - 7), verificaram-se valores médios elevados, respectivamente de 5,25; 5,63 e 4,48. Os valores de dispersão são de 0,89; 0,97 e 1,39. Os valores da motivação intrínseca são superiores aos da motivação extrínseca (Tabela 2).

Os dados resultantes da avaliação das respostas aos vários itens, conforme Tabela 2, revelam que a maioria dos diabéticos tipo 2 apresentam nos diferentes aspectos alto grau de motivação para o tratamento.

Em todos os itens verificam-se os valores máximo (7) e mínimo (1) considerados nas âncoras da EMT, à exceção do item 3, referente à crença que ao cumprir o tratamento, o indivíduo está a melhorar a sua saúde, em que o valor mínimo apresentado foi de 3.

Apesar dos pacientes apresentarem indicadores de alto grau de motivação para o tratamento, esta é mais elevada nos aspectos relativos à manutenção de hábitos de vida saudáveis (dimensão motivação intrínseca) avaliada pelos itens 18 "São as melhores escolhas que eu posso tomar" e 16 "Sinto que são as melhores coisas que posso fazer por mim".

Vale salientar a dispersão mais elevada nas respostas aos itens 1 e 9 que avaliam a motivação extrínseca no que respeita à indignação das outras pessoas, caso o paciente não controle o diabetes.

Relação entre a incerteza na doença e a motivação para o tratamento

Na Tabela 3, verifica-se a relação negativa entre a Incerteza na doença e a Motivação para o tratamento, que se estabelece de forma evidente entre a dimensão intrínseca da motivação para o tratamento e a incerteza na doença face ao diagnóstico e tratamento.

De fato apesar da relação não ser elevada, os dados sugerem que quanto maior é o nível de incerteza na doença face ao diagnóstico e tratamento menos os doentes se sentem intrinsecamente motivados para a adoção de um estilo de vida saudável no que respeita ao tratamento do diabetes, controle da glicemia e prática de exercício físico.

DISCUSSÃO

Em geral, os indivíduos apresentam um baixo grau de incerteza na doença e uma elevada motivação para o tratamento. Não obstante, a motivação intrínseca é mais elevada do que a extrínseca.

Os pacientes revelam menos incerteza em relação à expetativa de apoio sociofamiliar. Estes resultados podem revelar o apoio familiar sentido pelos pacientes, o que lhes permite expressar as suas emoções, nas quais as estratégias de coping estão centradas, e influenciar positivamente as suas expectativas acerca da doença, tratamento e prognóstico, bem como adquirir uma visão probabilística, onde exista possibilidade de qualquer coisa positiva acontecer(18).

Merece-nos ainda alguma atenção o baixo grau de incerteza relativa à eficácia, adesão ao tratamento proposto e qualidade da informação recebida.

Quanto à eficácia e adesão ao tratamento, os resultados levam-nos a pensar que os pacientes estudados já se encontram adaptados à doença tendo adotado estratégias de coping adequadas seja para manter ou reduzir a incerteza face à doença, tal como é apontado na etapa 4 relativa à concetualização da incerteza na doença(4). Depois de uma fase inicial onde o paciente concordou com o tratamento proposto encontra-se numa fase onde mantém os comportamentos, reconhecidos como importantes para manter uma qualidade de vida que o próprio reconhece como boa.

Quanto à qualidade da informação recebida, uma vez que são pacientes seguidos regularmente em consulta, a proximidade com os profissionais de saúde leva a crer que os pacientes encontram respostas para as suas dúvidas junto dos profissionais de saúde e consideram que a informação que lhes é facultada acerca da sua doença, da sua condição de saúde e do seu tratamento é credível, o que se traduzirá no muito baixo grau de incerteza que apresentam.

De fato, a teoria sustenta que a ausência de informação é precursora da incerteza porque não permite ao paciente a construção de um quadro de referência. No entanto, esta é a única situação de incerteza temporária e a que mais facilmente se pode corrigir. Para isso, bastará que o profissional de saúde se mostre disponível para informar corretamente e esclarecer eventuais dúvidas aos seus pacientes(4).

A teoria aponta ainda que o modelo desenvolvimental de adesão ao tratamento passa por três estadios, sendo o primeiro a concordância do paciente face ao tratamento proposto, negociado entre o próprio e o profissional de saúde. Num segundo estadio (adesão ao tratamento) o paciente segue de forma contínua o tratamento proposto e a vigilância da sua saúde mesmo que se depare com obstáculos impeditivos ao seu tratamento. O último estadio corresponde à manutenção do tratamento e vigilância de saúde, onde o paciente mantém as medidas adotadas nos estadios anteriores, no sentido de melhorar a sua saúde, e incorporando-as no seu estilo de vida, transformando, assim, os novos comportamentos em hábitos (19).

Este estudo indicia um elevado grau de motivação em relação à melhoria e manutenção do estado de saúde nos indivíduos com diabetes tipo 2 sugerindo que estes agem em conformidade com aquilo que eles acreditam ser o melhor a fazer relativamente à sua saúde e são consistentes com o Modelo de Crenças da Saúde, o qual postula que a decisão tomada por um indivíduo, com a finalidade de adotar determinado comportamento saudável, por exemplo o controle da glicemia capilar e a prática regular de exercício físico, deve-se a variáveis psicológicas, como sejam a percepção dos benefícios de determinadas ações. A estas percepções o paciente acaba por atribuir um valor que o leva a acreditar na eficácia das ações que o ajudam a melhorar a sua saúde(13).

Nesta investigação os valores mais baixos de motivação para o tratamento referem-se aos motivos que levam os indivíduos a comportar-se de acordo com o que os outros esperam deles e pertencem todos à dimensão motivação extrínseca. Estes resultados mostram-nos que estes pacientes parecem agir mais de acordo com as suas motivações intrínsecas do que com as motivações extrínsecas. No entanto, ambas são bastante importantes para moverem os pacientes no sentido de manterem o diabetes controlado.

Os seres humanos são complexos e raramente atuam com base num único motivo. O comportamento do indivíduo face a determinada situação tem como base a existência de motivações intrínsecas e extrínsecas(8). Porém, a teoria não aponta qual delas, motivação intrínseca ou motivação extrínseca, tem mais força para mover o indivíduo. A organização Mundial de Saúde reconhece que o acesso à medicação é uma variável necessária mas insuficiente no sucesso do tratamento da doença. A concordância do paciente na adesão às recomendações feitas pelos técnicos de saúde é uma variável importante, mas as variáveis econômicas, sociais, características da doença e da terapêutica, bem como o treino dos técnicos de saúde, a participação da família e uma abordagem multidisciplinar são também consideradas importantes para a eficácia da adesão ao tratamento(20).

A hipótese do estudo foi parcialmente aceita. A associação existente entre a incerteza na doença e a motivação intrínseca para o tratamento permite perceber que são os pacientes com maior incerteza face ao prognóstico e tratamento que se sentem menos motivados para cumprir o tratamento que reconhecem ser eficaz.

A teoria da incerteza na doença explica como os indivíduos reagem aos estímulos relacionados com a doença e como estruturam o significado atribuído a estes acontecimentos (3). Como os pacientes apresentam baixo grau de incerteza, poder-se-á conjeturar que adotaram estratégias de coping, estratégias adotadas pelo ser humano para enfrentar os acontecimentos indutores de estresse, adequadas à sua situação e a incerteza é apreciada como uma oportunidade de crescimento e de mudança. Este é um aspecto que merecerá futuras investigações. A incerteza quando é entendida como ameaçadora proporciona um desafio e uma oportunidade. Esta oportunidade que os pacientes têm para manter e/ou melhorar o seu estado de saúde pode conduzir a um aumento da motivação direcionada para a adesão aos tratamentos propostos pelos profissionais de saúde(13).

Esta idéia é sustentada pelos modelos de resolução de problemas que sugerem que os indivíduos lidam com as doenças ou com os seus sintomas tal como o fazem com outros problemas cotidianos, ou seja, perante um determinado problema ou uma mudança no estado do indivíduo, este ficará motivado para ultrapassar o problema e repor o seu estado de normalidade. Se nos referirmos à saúde e à doença, estar saudável é o estado normal de um indivíduo, logo o aparecimento de uma doença será interpretado como problema que motivará o próprio a restabelecer o seu estado de saúde.

Os pacientes podem então percepcionar a própria doença como uma oportunidade ou como uma ameaça. Se o paciente percepcionar os riscos de determinadas ações e os benefícios de outras, irá mover-se no sentido de adotar estratégias e comportamentos que contribuam para o não agravamento do seu estado de saúde.

Assim, é importante o paciente participar ativamente no seu processo de autocuidado e aderir ao tratamento proposto.

Como se verificou neste estudo, um grau alto de motivação deve pressupor que os assuntos relacionados com a saúde e a doença são importantes para estes pacientes, bem como a crença de que as alterações do estilo de vida a implementar com base nas recomendações para a saúde serão benéficas para o próprio, prevenindo assim o aparecimento de complicações tardias.

Quanto maior for a susceptibilidade e a gravidade da doença percebidas, menor a incerteza face à doença e maior é a probabilidade da decisão conduzir a uma ação, que deve ter como base a motivação para o tratamento(13).

De fato, a incerteza pode em situações de doença crônica funcionar como ameaça na adaptação à doença, reduzindo a capacidade de adoção de estratégias de coping e a atribuição de significado e valores aos objetos e acontecimentos relacionados com a doença, tornando o indivíduo incapaz de predizer corretamente os resultados dessa mesma doença e interferir negativamente com o processo de adaptação e motivação para aderir ao tratamento.

Poderão contudo existir outras variáveis que expliquem a variação na motivação para o tratamento. Por exemplo, o fato destes pacientes aderirem à consulta permite-lhes acesso a cuidados de saúde privilegiados. O contato com os serviços de saúde, com toda a carga motivacional e informacional veiculada pelos profissionais, pode ser também um fator justificativo para os valores de motivação encontrados.

Assim, justifica-se o estudo destas variáveis noutras amostras, de forma a diagnosticar os níveis de incerteza e de motivação para o tratamento, sobretudo em indivíduos que não são seguidos em consulta.

CONCLUSÃO

Em relação à incerteza na doença, os resultados mostram que a globalidade dos pacientes apresentam baixo grau de incerteza na doença. No entanto, é na sintomatologia e na situação de saúde, ambos pertencentes à dimensão incerteza no prognóstico e tratamento, que estes referem ter mais incerteza. O grau de incerteza na doença atinge os valores médios mais baixos em relação às pessoas significativas com as quais os pacientes podem contar, que se enquadra na dimensão coping com a incerteza, e também, relativamente, à adesão ao tratamento, à sua eficácia e à qualidade da informação, os quais pertencem à dimensão incerteza no prognóstico e tratamento.

No que concerne à motivação para o tratamento, os resultados obtidos revelam que a maioria dos pacientes apresenta alto grau de motivação para o tratamento. É todavia, na dimensão motivação intrínseca, especificamente nos aspectos relativos à manutenção de hábitos de vida saudáveis e à melhoria e manutenção do estado de saúde, que os pacientes em estudo evidenciam ter um grau de motivação mais alto. Relativamente aos aspectos onde os pacientes apresentam um grau de motivação mais baixo, estes referem-se aos motivos que levam os pacientes com diabetes a comportar-se de acordo com o que os outros esperam dele, aspectos da motivação extrínseca. Estes resultados mostram-nos que os diabéticos tipo 2 parecem agir mais de acordo com as suas motivações intrínsecas do que com as motivações extrínsecas.

São os pacientes com maior incerteza que se sentem menos motivados para o tratamento, sobretudo os que têm mais incerteza face ao prognóstico e tratamento que se sentem menos motivados intrinsecamente para o tratamento.

Propõe-se o estudo destas variáveis em pacientes com diabetes tipo 2, sobretudo em amostras de indivíduos no seio da comunidade, de forma a que se possa avaliar as características da incerteza face à diabetes e para que se possa, com ações de educação para a saúde, contribuir para a sua diminuição e motivar os pacientes de cuidados de saúde primários a uma adesão terapêutica permanente e continuada no tempo, e adaptação à doença, adotando um estilo e vida ajustado à doença, no sentido de melhorar a qualidade de vida acrescentando anos à vida e vida aos anos. Propõe-se ainda que se estude a relação entre a incerteza na doença, a motivação para o tratamento e o grau de controle glicêmico.

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Recebido em: 8.2.2006

Aprovado em: 2.5.2007

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  • *
    O conceito
    coping é traduzido para português como enfrentamento. No entanto, por ser um conceito validado e de utilização corrente pela comunidade científica portuguesa, optou-se por mantê-lo na forma original em inglês
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      27 Set 2007
    • Data do Fascículo
      Ago 2007

    Histórico

    • Aceito
      02 Maio 2007
    • Recebido
      08 Fev 2006
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