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Avaliação da funcionalidade e necessidades de cuidados dos idosos

Resumos

OBJETIVO: avaliar a funcionalidade dos idosos com base na Classificação Internacional da Funcionalidade. MÉTODOS: estudo transversal, descritivo; amostra aleatória, estratificada, com 903 idosos; nível de confiança 95%; margem de erro 2,5%. Questionário desenvolvido com base na Classificação Internacional da Funcionalidade; dados coletados a partir de entrevista estruturada por profissionais de saúde nos centros de saúde do Alentejo. RESULTADOS: 30,7% dos idosos declaram-se analfabetos, 22,9% vivem sozinhos. As necessidades de alimentação (18,7%), habitação (19,2%) e saúde (26,0%) não estão satisfeitas. Funções de orientação preservadas em 83,4%; 58% dos idosos referem uma intensidade de dor que requer cuidados; 73,3% dos idosos não apresentam dentição funcional. Níveis de desempenho superior a 80% nas atividades de participação: lavar-se (82,6%), atividades relacionadas ao processo de excreção (92,2%), vestir, comer, beber (89%). CONCLUSÃO: decréscimo progressivo da funcionalidade à medida que a idade avança; todavia, está preservada em grande parte as dimensões até cerca dos 75 anos.

Envelhecimento; Classificação Internacional de Funcionalidade; Incapacidade e Saúde; Determinação das Necessidades de Cuidados de Saúde


OBJECTIVE: To evaluate the elderly persons' functionality, based on the International Classification of Functionality. METHODS: a cross-sectional, descriptive study; a stratified random sample of 903 elderly persons; a confidence level of 95%; and a margin of error of 2.5%. Questionnaire based on the International Classification of Functionality; data was collected based on structured interviews undertaken by health professionals in the health centers in the Alentejo region of Portugal. RESULTS: 30.7% of the elderly persons stated that they were illiterate, and 22.9% lived alone. Feeding/dietary (18.7%), housing (19.2%) and health needs (26.0%) were not met. Orientation functions were maintained in 83.4%; 58% of the elderly persons referred to pain so intense that it required care; 73.3% of the elderly persons did not have functional dentition. Levels of performance were superior to 80% in the participation activities: washing oneself (82.6%), toileting (92.2%), dressing, eating, and drinking (89%). CONCLUSION: although a progressive decline in functionality is observed as age advances, the majority of dimensions are preserved until around 75 years of age.

Aging; International Classification of Functioning; Disability and Health; Needs Assessment


OBJETIVO: Evaluar la funcionalidad de los ancianos basado en la Clasificación Internacional del Funcionamiento. MÉTODOS: Estudio transversal, descriptivo; muestra aleatorizada, estratificada con 903 ancianos; nivel de confianza 95%; margen de error 2,5%. Cuestionario desarrollado basado en la Clasificación Internacional del Funcionamiento; datos recolectados a partir de entrevista estructurada por profesionales de salud en los Centros de Salud del Alentejo. RESULTADOS: el 30,7% de los ancianos se declara analfabeto, 22,9% vive solo. Las necesidades de alimentación (18,7%), habitación (19,2%) y salud (26,0%) no están atendidas. Funciones de orientación preservadas en el 83,4%; el 58% de los ancianos indica una intensidad de dolor que demanda cuidados; el 73,3% de los ancianos no demuestra dentición funcional. Niveles de desempeño superiores al 80% en las actividades de participación: lavarse (82,6%), actividades relacionadas al proceso de excreción (92,2%), vestir, comer, beber (89%). CONCLUSIÓN: Disminución progresivo del funcionamiento con el avance del edad, aunque sigue preservada grande parte de las dimensiones hasta acerca del edad de 75 años.

Envejecimiento; Clasificación Internacional del Funcionamiento, de la Discapacidad y de la Salud; Evaluación de Necesidades


ARTIGO ORIGINAL

Avaliação da funcionalidade e necessidades de cuidados dos idosos

Manuel José LopesI; Ana EscovalII; Dulce Gamito PereiraIII; Carla Sandra PereiraIV; Catarina CarvalhoV; César FonsecaVI

IPhD, Professor Coordenador, Escola Superior de Enfermagem de São João de Deus, Universidade de Évora, Portugal

IIPhD, Professor Auxiliar, Escola Nacional de Saúde Pública, Universidade Nova de Lisboa, Portugal

IIIPhD, Professor Auxiliar, Escola de Ciências e Tecnologias, Universidade de Évora, Portugal

IVDoutoranda, Instituto Politécnico de Castelo Branco, Portugal

VDoutoranda, Escola Nacional de Saúde Pública, Universidade Nova de Lisboa, Portugal

VIDoutorando, Centro Hospitalar Lisboa Norte, Portugal

Endereço para correspondência

RESUMO

OBJETIVO: avaliar a funcionalidade dos idosos com base na Classificação Internacional da Funcionalidade.

MÉTODOS: estudo transversal, descritivo; amostra aleatória, estratificada, com 903 idosos; nível de confiança 95%; margem de erro 2,5%. Questionário desenvolvido com base na Classificação Internacional da Funcionalidade; dados coletados a partir de entrevista estruturada por profissionais de saúde nos centros de saúde do Alentejo.

RESULTADOS: 30,7% dos idosos declaram-se analfabetos, 22,9% vivem sozinhos. As necessidades de alimentação (18,7%), habitação (19,2%) e saúde (26,0%) não estão satisfeitas. Funções de orientação preservadas em 83,4%; 58% dos idosos referem uma intensidade de dor que requer cuidados; 73,3% dos idosos não apresentam dentição funcional. Níveis de desempenho superior a 80% nas atividades de participação: lavar-se (82,6%), atividades relacionadas ao processo de excreção (92,2%), vestir, comer, beber (89%).

CONCLUSÃO: decréscimo progressivo da funcionalidade à medida que a idade avança; todavia, está preservada em grande parte as dimensões até cerca dos 75 anos.

Descritores: Envelhecimento; Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde; Determinação das Necessidades de Cuidados de Saúde.

RESUMEN

OBJETIVO: Evaluar la funcionalidad de los ancianos basado en la Clasificación Internacional del Funcionamiento.

MÉTODOS: Estudio transversal, descriptivo; muestra aleatorizada, estratificada con 903 ancianos; nivel de confianza 95%; margen de error 2,5%. Cuestionario desarrollado basado en la Clasificación Internacional del Funcionamiento; datos recolectados a partir de entrevista estructurada por profesionales de salud en los Centros de Salud del Alentejo.

RESULTADOS: el 30,7% de los ancianos se declara analfabeto, 22,9% vive solo. Las necesidades de alimentación (18,7%), habitación (19,2%) y salud (26,0%) no están atendidas. Funciones de orientación preservadas en el 83,4%; el 58% de los ancianos indica una intensidad de dolor que demanda cuidados; el 73,3% de los ancianos no demuestra dentición funcional. Niveles de desempeño superiores al 80% en las actividades de participación: lavarse (82,6%), actividades relacionadas al proceso de excreción (92,2%), vestir, comer, beber (89%).

CONCLUSIÓN: Disminución progresivo del funcionamiento con el avance del edad, aunque sigue preservada grande parte de las dimensiones hasta acerca del edad de 75 años.

Descriptores: Envejecimiento; Clasificación Internacional del Funcionamiento, de la Discapacidad y de la Salud; Evaluación de Necesidades.

Introdução

O envelhecimento demográfico é uma realidade mundial, sendo, contudo, mais evidente em alguns países(1). A população com idade superior a 65 anos terá exponencialmente maior representatividade demográfica(1-2). A essa população está associada uma percepção social negativa e de incapacidade(3-4), bem como o aumento dos custos e recursos sociais e dos serviços de saúde(3,5). Isso porque, de acordo com alguns estudos(6), os idosos têm elevada prevalência de doença crônica predominando a multimorbidade.

Como explicação para esse fenômeno, é habitualmente apresentado um conjunto de razões, das quais se destacam a associação entre o aumento constante da esperança de vida ao nascer

Em Portugal, em 2011, a proporção de pessoas com 65 anos ou mais era de 19%, sendo que, na década anterior, era de 16%(8). Os resultados do censo de 2011 indicam que o índice de envelhecimento do país é de 129 (129 idosos por cada 100 jovens)(8). Na última década, o índice de dependência total aumentou de 48, em 2001, para 52, em 2011. O agravamento do índice de dependência total é resultado do acréscimo do índice de dependência de idosos, que aumentou em cerca de 21% na última década(8). O Alentejo é a região do país que apresenta o índice de envelhecimento mais elevado (179), representando a população idosa 25,3% do total da população. Essas foram as razões que levou a autoria a escolher essa região para desenvolver esta pesquisa.

Está-se, assim, confrontando-se uma nova realidade, com repercussões nos mais diversos níveis da sociedade. No que concerne ao sistema de saúde, esse precisa estar preparado do ponto de vista conceptual, organizacional e logístico para dar resposta à procura crescente de cuidados de uma população com características diferentes.

Importa, então, colocar as seguintes questões: como devem ser avaliadas as necessidades de cuidados aos idosos? Centrando-se nas doenças e incapacidades, daí decorrentes, ou nas capacidades remanescentes para responder às suas necessidades em contexto?

O estado funcional, além de ser um indicador do estado de saúde, é ótimo indicador de previsão dos custos e recursos dos cuidados de saúde(5,9). A funcionalidade e a incapacidade de uma pessoa são concebidas como uma interação dinâmica entre os estados de saúde (e.g., doenças, perturbações, lesões, traumas) e os fatores contextuais. Para classificar a funcionalidade, foi criada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) a Classificação Internacional de Funcionalidade (CIF), que foi adotada por Portugal(4) e à qual são atribuídas diversas vantagens de utilização. Os indicadores de incapacidade, nomeadamente os de limitação de atividade e os de limitação de capacidade funcional, permitem definir, posteriormente, necessidades de cuidados de saúde(10). Nesse sentido, importa desenvolver um instrumento de avaliação da funcionalidade dos idosos(11-12), com base numa classificação cujo objetivo geral é proporcionar uma linguagem unificada e padronizada, assim como uma estrutura de trabalho para a descrição da saúde e de estados a ela relacionados. Foi com base nessa classificação que foi empreendido o desenvolvimento do core set dos idosos(13).

Nesse contexto, propôs-se desenvolver um estudo com base na seguinte questão: qual o perfil epidemiológico de funcionalidade da população com 65 anos ou mais residente no Alentejo?

Os objetivos do estudo foram: avaliar a funcionalidade da população com 65 anos ou mais, residente no Alentejo, com base na Classificação Internacional da Funcionalidade (CIF); sinalizar as limitações funcionais da população com 65 anos ou mais residente no Alentejo.

Método

Do ponto de vista metodológico, caracteriza-se o estudo aqui apresentado como transversal e descritivo.

A amostra foi constituída por pessoas com mais de 65 anos, em 31 de janeiro (inclusive) de 2011, registradas nas bases de dados da Administração Regional de Saúde do Alentejo (excluindo Lezíria). Para definir a dimensão da amostra, consideraram-se dados disponibilizados no sítio do Instituto Nacional de Estatística (INE) da população residente (nº) por região, ao nível da NUTS

A repartição da dimensão total da amostra pelos estratos foi feita pela afetação ótima de Neyman. O dimensionamento inicial da amostra foi feito considerando-se a ponderação de cada estrato em função da sua dimensão na base de amostragem e da variabilidade (o fato de não se conhecer a variância levou-se a usar variância máxima). A seleção da amostra foi efetuada, em cada estrato, mediante seleção aleatória simples sem reposição, com utilização de números aleatórios em cada estrato. Para a seleção da amostra foram utilizadas as bases de dados dos centros de saúde.

A coleta de dados foi realizada pelos profissionais de saúde, tendo-se como recurso a técnica de entrevista estruturada com base no core set dos idosos. Previamente, todos esses profissionais foram sujeitos à formação presencial sobre avaliação da funcionalidade com base na CIF. Foi-lhes ainda fornecido um manual de utilização do core set e disponibilizados os contatos de um dos investigadores para esclarecimento de eventuais dúvidas.

As pessoas selecionadas para a amostra foram convocadas pelos profissionais de saúde para efeitos específicos de avaliação da funcionalidade. Em alguns casos, a coleta de dados foi feita no domicílio das pessoas, quando de uma visita domiciliária. O tempo médio de aplicação do questionário foi de 45 minutos. A coleta de dados decorreu entre junho de 2010 e dezembro de 2011.

Desenvolveram-se os necessários procedimentos éticos, nomeadamente a sujeição do estudo à Comissão de Ética para as Ciências da Saúde da Universidade de Évora, e a obtenção do consentimento informado por parte de todos os participantes do estudo.

O tratamento de dados foi realizado com recurso ao SPSS®, fazendo-se uso essencialmente de estatística descritiva, tendo sido calculadas percentagens, medidas de tendência central e dispersão e distribuição principalmente em função do grupo etário. Nesse último caso, recorreu-se ainda ao teste do qui-quadrado, medida de associação de gamma e coeficiente de Somers como forma de se avaliar a significância estatística.

Apresentação dos dados

Considerando-se a dimensão do estudo aqui desenvolvido, serão apresentados apenas dados parcelares, evidenciando-se sistematicamente a dimensão funcionalidade e a dimensão incapacidade e consequente necessidade de cuidados. A seleção dos dados teve em conta as mais expressivas necessidades de cuidados percebidas pela autoria deste estudo.

Caracterização sociobiográfica

A dimensão final da amostra foi de 903 indivíduos, sendo 43,2% do sexo masculino e 56,8% do sexo feminino, distribuídos pelos diversos grupos etários, de acordo com o que se verifica na Tabela 1. Após análise estatística, constatou-se que a diferença face à amostra inicial não é significativa.

Relativamente ao nível de escolaridade constatou-se que 30,7% declararam não saber ler nem escrever, sendo que essa percentagem recai predominantemente sobre mulheres (21,5%) e nos grupos etários 75-84 anos e 85 e mais.

Com relação à rede familiar próxima, 14,4% não têm filhos e cerca de 23% dos idosos, principalmente pertencentes ao grupo etário 75-84 anos, vivem sozinhos.

Questionados acerca da autoapreciação da condição financeira, 18,7% dos idosos declaram não terem as suas necessidades de alimentação satisfeitas; 19,2% dizem não terem as de habitação e 26% afirmam não terem as de saúde. Face ao exposto, seria expectável que conhecessem e utilizassem os recursos de suporte social; todavia, apenas 9,3% são beneficiários do Complemento Solidário para Idosos

Caracterização da funcionalidade e da necessidade de cuidados

Dentre as diversas funções do corpo, avaliaram-se as funções mentais globais das quais se destacam as funções de orientação e as funções de sono. Relativamente às primeiras, constatou-se que 94,6% dos idosos não referem qualquer problema. Todavia, o total de 5,4% dos idosos integra as duas classes de respostas que indiciam necessidade de cuidados terapêuticos. É nos indivíduos com idade igual ou superior a 85 anos que é mais evidente a necessidade de cuidados (p-value Chi-Square Tests <0,001).

Nas funções do sono constatou-se que cerca de ¾ (74,8%) dos idosos não refere qualquer problema. Todavia, o quarto restante (25,2%) apresenta um nível de problemas que requer cuidados, não existindo, porém, associação significativa (p-value Chi-Square Tests >0,05) entre as funções do sono e o grupo etário.

Dentre as funções mentais específicas destacaram-se as funções de memória. Relativamente a essas, 73,3% dos idosos não referem qualquer dificuldade. Porém, 26,7% dos idosos apresentam um nível de dificuldades que requer cuidados terapêuticos. Essas dificuldades acumulam-se maioritariamente nos indivíduos entre 75 e 84 anos (p-value Chi-Square Tests <0,001).

Das funções sensoriais e de dor, destacaram-se as funções auditivas em relação às quais 84,4% dos idosos não referem dificuldades, enquanto 15,6% apresentam nível de dificuldades que requer cuidados, mais evidente em indivíduos com idade entre 75 e 84 anos (p-value Chi-Square Tests <0,001).

Relativamente às funções de dor, percebe-se que a maioria dos idosos (58,2%) apresenta uma intensidade de dor que requer cuidados terapêuticos; todavia, não existe qualquer relação com a idade. As dores mais intensas são localizadas na região lombar, joelho direito, região posterior da perna direita e região dorsal.

Das estruturas do corpo ora avaliadas destacam-se as estruturas da boca, nomeadamente, os dentes. Verificou-se que apenas 26,7% dos idosos têm dentição funcional, ou seja, têm pelo menos vinte dentes anteriores em oclusão, dos quais estão presentes ou reabilitados oito incisivos, quatro caninos e oito pré-molares, os restantes 73,3% não têm dentição funcional. Essa distribuição não tem qualquer relação significativa com a idade.

Dentre as atividades de participação avaliadas se fará apenas referência a ler, escrever, realizar a rotina diária e autocuidados, salientando-se não só a capacidade, mas, também, a limitação.

Relativamente à atividade ler, constatou-se que enquanto 59,1% não apresentavam qualquer dificuldade ou apenas uma dificuldade ligeira, 40,9% dos idosos apresentavam dificuldade de leitura moderada intensa (2,8%) ou dificuldade completa (38,1%). No que concerne à atividade escrever constatou-se fenômeno idêntico, ou seja, 56,1% dos idosos não apresentavam dificuldades; todavia, 43,9% apresentavam dificuldade moderada intensa (6,1%) ou dificuldade completa (7,8%). Em ambos os casos, as dificuldades são mais expressivas no grupo etário dos 75 a 84 anos (p-value Chi-Square Tests <0,001). As percentagens de idosos com dificuldade moderada intensa e completa, nessas duas atividades, (ler e escrever) devem ser comparadas com os 30,7% de idosos que, relativamente ao nível de escolaridade, afirmaram não saber ler nem escrever.

No que concerne à atividade realizar a rotina diária, verificou-se que expressiva maioria de 88,9% dos idosos não apresentava dificuldades. Todavia, 11,1% referem nível de dificuldades que requer cuidados, com particular predominância no grupo etário dos 75-84 anos (p-value Chi-Square Tests <0,001).

Avaliaram-se diversas atividades pertencentes ao grupo dos autocuidados (Tabela 2). Dessas destaca-se a atividade lavar-se, em que se constata que 95,7% dos idosos não apresentavam qualquer dificuldade; porém, 4,3% apresentavam nível de dificuldades que requer cuidados terapêuticos. Na atividade cuidar de partes do corpo, 86% dos idosos não referem dificuldades, pelo que, nesse caso, a percentagem dos que apresentam dificuldades que requerem ajuda terapêutica (14,1%) é superior ao anterior. Já nos cuidados relacionados com os processos de excreção, verificou-se que 95,8% dos idosos não referem dificuldades, o que significa que apenas 4,2% apresentavam dificuldades que requeriam cuidados. A percentagem de pessoas com dificuldades em vestir-se é de 7,5%. Já na atividade comer, apenas 4,8% referem dificuldades e na atividade beber apenas 3,0%. Em todas as atividades relacionadas ao autocuidado existe associação estatisticamente significativa com a idade (p-value Chi-Square Tests <0,001), sendo as dificuldades mais evidentes em idades superiores a 75 anos.

Dentre os fatores ambientais destacam-se os prestadores de cuidados pessoais e assistentes pessoais. Constata-se que 19,4% das pessoas dizem precisar de apoio nos cuidados pessoais diários. Os grupos etários dos 75-84 anos e dos 85 ou mais anos são os que mais precisam de cuidados pessoais diários (p-value Chi-Square Tests <0,001). Esses valores se comparam com os referidos relativamente ao autocuidado e à realização da rotina diária.

Discussão dos dados

A discussão dos dados apresentados não se afigura fácil porque existem poucos estudos cujo objetivo seja conhecer a funcionalidade dos idosos, feitos com uma amostra de base populacional e com base na CIF. Apesar disso, serão destacados alguns dos que se consideram mais significativos.

Relativamente aos dados sociobiográficos, destaca-se a predominância de mulheres em qualquer dos grupos etários considerados. Sob a perspetiva da totalidade da amostra, constata-se uma relação de masculinidade

Os dados relativos ao nível de escolaridade, mas, também, os relativos às atividades ler e escrever se compatibilizam com os dados segundo os quais 34,6% dos idosos não têm qualquer nível de escolaridade(7). São compatíveis, também, com os dados do Inquérito ao Emprego(7) de 2001, através do qual se determinaram os níveis de instrução da população idosa com base nas categorias da International Standard Classification of Education (ISCED). Segundo aquele inquérito, mais de metade da população com 65 e mais anos (55,1%) não tinha qualquer nível de instrução. Essa proporção era superior no caso das mulheres (64,7% contra 41,3% dos homens). Comparando-se os dados dessas entidades com os do presente estudo, constata-se que desde 2001 se verificou considerável redução do número de idosos que não sabem ler e escrever. Verifica-se, também, que ainda existe importante diferença entre o nível de escolaridade declarado e a capacidade observada de ler e escrever. Por último, a população idosa continua a deter, de modo geral, baixos níveis de escolaridade e, dentro dessa, as mulheres registram níveis mais baixos que os homens.

No que diz respeito à rede familiar próxima, sublinha-se a elevada percentagem de idosos (23%) que vivem sozinhos. No que diz respeito à autoapreciação da situação financeira, salienta-se a similitude entre esses dados e os que são fornecidos pelo Eurostat(14) sobre o risco de pobreza dos idosos. Verifica-se, assim, que esse teve redução sistemática entre 2004 e 2009; todavia, em 2010, sofreu inversão na tendência, voltando a subir para 21,0%.

Dentre os dados relativos à funcionalidade começou-se por fazer referência às funções do corpo, especificamente às funções de orientação e de memória. Num estudo desenvolvido com o objetivo de conhecer a prevalência de queixas de memória em pessoas com mais de 65 anos da cidade, de Madrid, concluiu-se que 32,4% dos indivíduos relataram queixas subjetivas de memória(15). A prevalência dessas queixas depende da idade, educação, sexo, humor e desempenho cognitivo. As queixas subjetivas aumentam de 24% nos grupos etários 65-69 para 57% no grupo de 90 e mais. Por outro lado e através de testes cognitivos de orientação, percebeu-se, ainda, que os indivíduos sem falhas de orientação (81%) têm uma frequência de 22,2% de queixas subjetivas de memória e os indivíduos que falham em todos os itens de orientação (4%) têm uma frequência de 93% de queixas. Ressalvadas as diferenças metodológicas na avaliação dessa função, sobram diferenças consideráveis entre os dados dos dois estudos, os quais exigem que outros estudos se desenvolvam, não só para conhecer a prevalência, mas também as características específicas dessa alteração.

As funções do sono merecem atenção especial porque cerca de ¼ da amostra apresenta nível de dificuldade que denota que a qualidade do sono está comprometida. O sono reparador é fator importante para a preservação da saúde e qualidade de vida(16). A qualidade do sono está associada à idade; distúrbios do sono ocorrem mais frequentemente após a idade de 75 anos. Quase metade dos adultos mais velhos relata dificuldade em iniciar e manter o sono(17). Por seu lado, um estudo de natureza epidemiológica, desenvolvido num distrito italiano(18), concluiu que a insônia foi observada em 44,2% da população, enquanto a sonolência em 31,3%, o ronco em 47,2% e a apneia do sono em 9,0%. Face ao exposto, pode-se afirmar que os dados aqui apresentados se enquadram nas queixas próprias dessa etapa da vida, o que não significa que não devam merecer toda a atenção e cuidado, até pela interferência que essa função tem em muitas outras, bem como no desenvolvimento das atividades de participação.

Tal como já se referiu anteriormente, nas funções auditivas 15,6% dos idosos apresentam nível de dificuldades que requer cuidados, mais evidente em indivíduos com idade entre 75 e 84 anos. De acordo com um estudo de âmbito nacional, realizado nos Estados Unidos da América(19), percebeu-se que cerca de 30% das pessoas, com idade compreendida entre 65-79 e 37% com 80 e mais anos, têm perda de capacidade auditiva. Em dois outros estudos realizados com populações latinas e com base em dados de autorreferência, concluiu-se que a perda de audição afeta de 25 a 58% das pessoas com 65 ou mais anos(20-21).

Na funções de dor, o problema é mais grave, com cerca de 58% da amostra a incluir-se no grupo das pessoas que carecem de cuidados. Num outro estudo, concluiu-se que 39,9% de uma amostra de idosos, da zona suburbana de Londres, tiveram dor nas últimas 4 semanas(22). Por sua vez, num estudo da responsabilidade da Escola de Medicina da Universidade do Texas, realizado numa amostra populacional mexicano/americana com 74 e mais anos, concluíu-se que 64,7% das pessoas referiram dor nas últimas 4 semanas e 49,7% referiram que essa dor interferiu no desenvolvimento das suas atividades de vida. No sexo feminino, baixos níveis de escolaridade, fragilidade, reduzida mobilidade, incapacidade, elevadas comorbilidades e IMC e sintomatologia depressiva estão significativamente associados à intensidade da dor e à interferência com as atividades de vida.

A dor parece assim assumir-se como uma função alterada numa percentagem elevada da população idosa. Tal fato se constitui como problema, quer pela dor em si mesma quer pelas localizações mais frequentes, as quais induzirão, com certeza, maiores níveis de imobilidade. Requer-se por tais razões uma intervenção adequada.

Nas atividades incluídas no grupo do autocuidado verifica-se que uma percentagem de pessoas, entre 4 e 14%, apresenta dificuldades que exigem cuidados terapêuticos., havendo associação estatisticamente significativa com a idade.

De acordo com um estudo transversal de base populacionalcom idosos com 60 anos de idade ou mais, residentes na zona urbana da cidade de Ubá, Minas Gerais, Brasil, o resultado encontrado, após avaliação dos pontos da escala de autoperceção da capacidade funcional nas AVDs(23), constatou-se que 20,2% estavam nos três primeiros níveis de classificação (muito ruim, ruim e médio) e apresentavam dependência em, pelo menos, uma AVD. A classificação em boa e muito boa foi observada em 79,8% dos indivíduos estudados. Constatou-se algum tipo de limitação funcional em 44,6% dos idosos e incapacidade total em 2,0%. Quando se verificou a associação com as distintas faixas etárias, observou-se que o aumento da idade implica maior comprometimento da capacidade funcional.

Conclusão

O desenvolvimento deste estudo permitiu que se dessem passos decisivos na criação docCore set dos idosos. Com base no trabalho feito, estão criadas as condições para que se continue a desenvolver o referido instrumento, o qual tem condições para se transformar num instrumento transprofissional de avaliação da funcionalidade e das necessidades de cuidados dos idosos.

Adicionalmente, este estudo permitiu que se conhecesse o perfil de funcionalidade e as necessidades de cuidados dos idosos do Alentejo, em concordância com a avaliação feita, baseada na CIF. Isso permite que se perceba a situação em perspetiva, ou seja, considerando-se as dimensões biopsicossociais dos idosos. Assim, com base nos dados apresentados, compreende-se que a funcionalidade dos idosos está mantida até cerca dos 75 anos, em percentagens elevadas. A partir dessa idade, verifica-se decréscimo progressivo com percentagens crescentes a desenvolverem dificuldades que requerem ajudas terapêuticas. Percebe-se, ainda, que a literacia bem assim como as dificuldades financeiras podem se constituir obstáculo à funcionalidade e, consequentemente, às condições de saúde dos idosos.

Com base nos dados deste estudo é possível perspetivar uma intervenção dirigida às necessidades desse grupo populacional, preconizando-se medidas integradas que permitam o desenvolvimento dos fatores promotores da saúde, em detrimento da medicalização desse grupo populacional.

Agradecimentos

À Profª Doutora Felismina Mendes (Universidade de Évora) pela imprescindível colaboração dada a este projeto.

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  • 1
    Evaluación del funcionamiento y necesidades de cuidados de los ancianos
  • 2
    e a diminuição do índice sintético de fecundidade
  • 3
    . A esperança de vida ao nascer, em nível mundial, passou de 47,7 anos, em 1950, para 69,3, em 2010. Em alguns dos países mais envelhecidos (
    e.g. Portugal) a esperança média de vida atingiu já 79,8 anos (76,7 para os homens, 82,8 para as mulheres) e o índice sintético de fecundidade ficou em 1,37 filho por mulher
    (7).
  • 4
    II, sexo e grupo etário (65-74; 75-84; 85 e mais anos). O período de referência dos dados é 2009, uma vez que eram os últimos disponibilizados pelo INE à data. Considerou-se um nível de confiança de 95% e margem de erro de 2,5%, identificando-se uma amostra de 1.518 indivíduos com mais de 65 anos de ambos os sexos residentes na região do Alentejo. Para estratificar a amostra, recorreu-se aos seguintes critérios: intervalos etários (65-74, 75-84, + 85), sexo e local de residência.
  • 5
    , só 17,7% conhecem o cheque-dentista e apenas 1,1% o utilizou, apesar de 9,3% terem direito direto imediato a ele.
  • 6
    de 76,0, a qual se compara com 72,4 que é a relação de masculinidade da população portuguesa com 65 e mais anos
    (8). Essa diferença é congruente com todos os restantes indicadores relativos ao envelhecimento da região do Alentejo, os quais confirmam tratar-se de região particularmente envelhecida. Por outro lado, os mais recentes dados
    (8) dizem ainda que o desequilíbrio na relação entre homens e mulheres, com predomínio dessas, se acentua à medida que a idade avança e, ainda, que esse processo vem se agudizando ao longo dos últimos anos.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Mar 2013
    • Data do Fascículo
      Fev 2013

    Histórico

    • Recebido
      30 Jul 2012
    • Aceito
      15 Out 2012
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