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A visibilidade do enfermeiro segundo a percepção de profissionais de comunicação

Resumos

Este estudo procurou a compreensão das representações sociais sobre o enfermeiro e a enfermagem por profissionais de comunicação, uma vez que estes são intermediários na codificação das representações imagéticas e textuais sobre a sociedade. Metodologia: estudo de corte qualitativo, baseado na teoria das representações sociais de Moscovici. Foram entrevistados cinco profissionais de comunicação atuando nas áreas de rádio, televisão, imprensa escrita, propaganda e eventos. Resultados das análises indicaram 1) o desconhecimento dos campos de atuação, mercado de trabalho e categorização profissional da enfermagem; 2) a invisibilidade do enfermeiro perante a mídia e a sociedade e 3) a responsabilidade do próprio enfermeiro para haver reconhecimento profissional e visibilidade. Apontam dois processos imprescindíveis como estratégia para a construção de uma imagem mais coerente do enfermeiro e da enfermagem: 1) a exposição da profissão primeiramente perante a própria mídia, que desconhece suas potencialidades, e 2) através da mídia, para o alcance da grande população.

meios de comunicação; papel do profissional de enfermagem; comunicação


This study aimed to further our understanding of the social representations of nurses and the nursing profession by communication professionals, since they are intermediates in the decoding of imaging and written representations about society. Method: this is a qualitative study, based on the social representation theory of Moscovici. Five communication professionals working on radio, television, written press, advertising and events were interviewed. Results suggest 1) ignorance about the nurse's field of work, job market and nursing profession categorization. 2) nurses' invisibility before the media and society and 3) nurse's own responsibility to obtain professional recognition and visibility. Participants in this study pointed two essential processes for building a more coherent image of nursing and nurses: 1) exposing the profession primarily before the media, which ignores its potentialities, and 2) through the media in order to reach the population in general.

communications media; nurse's role; communication


Este estudio busca profundizar la comprensión con respecto a las representaciones sociales acerca del enfermero y la enfermería por profesionales de comunicación, considerando que estos son los intermediarios en la codificación de representaciones de imágenes y textos sobre la sociedad. Metodología: estudio cualitativo basado en la teoría de las representaciones sociales de Moscovici. Fueron entrevistados 5 profesionales de la comunicación que trabajan en radio, televisión, prensa escrita, propaganda y eventos. Los resultados del análisis mostraron 1) el desconocimiento de los campos de actuación, del mercado de trabajo y de la categorización profesional de la enfermería; 2) la invisibilidad del enfermero frente a los médios de comunicación y la sociedad y 3) la responsabilidad del propio enfermero para obtener reconocimiento profesional y visibilidad. Se indican dos procesos imprescindibles como estrategia para la construcción de una imagen más coherente del enfermero y de la enfermería: 1) la exposición de la profesión frente a los propios medios de comunicación, quienes desconoce sus potencialidades, y 2) alcanzar a toda la población a través de estos medios.

medios de comunicación; rol del profesional de enfermería; comunicación


ARTIGO ORIGINAL

A visibilidade do enfermeiro segundo a percepção de profissionais de comunicação

Ligia Fahl KemmerI; Maria Júlia Paes da SilvaII

IProfessor Assistente do Departamento de Enfermagem da Universidade Estadual de Londrina, Doutoranda da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, e-mail: ligia@fahl.com.br

IIProfessora Titular da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, e-mail: juliaps@usp.br

RESUMO

Este estudo procurou a compreensão das representações sociais sobre o enfermeiro e a enfermagem por profissionais de comunicação, uma vez que estes são intermediários na codificação das representações imagéticas e textuais sobre a sociedade. Metodologia: estudo de corte qualitativo, baseado na teoria das representações sociais de Moscovici. Foram entrevistados cinco profissionais de comunicação atuando nas áreas de rádio, televisão, imprensa escrita, propaganda e eventos. Resultados das análises indicaram 1) o desconhecimento dos campos de atuação, mercado de trabalho e categorização profissional da enfermagem; 2) a invisibilidade do enfermeiro perante a mídia e a sociedade e 3) a responsabilidade do próprio enfermeiro para haver reconhecimento profissional e visibilidade. Apontam dois processos imprescindíveis como estratégia para a construção de uma imagem mais coerente do enfermeiro e da enfermagem: 1) a exposição da profissão primeiramente perante a própria mídia, que desconhece suas potencialidades, e 2) através da mídia, para o alcance da grande população.

Descritores: meios de comunicação; papel do profissional de enfermagem; comunicação

INTRODUÇÃO

A imagem de um grupo profissional ou de uma profissão representada pela mídia é entendida, com freqüência, como medida significativa do valor social e econômico daquele grupo(1). Tem-se observado, nas últimas décadas, na literatura internacional, grande interesse na imagem do enfermeiro e da profissão de enfermagem nos diferentes meios de comunicação quanto ao enfoque histórico, social, ético e a questões relacionadas a gênero. Essa imagem tem significação explicitada pelas representações sociais. "Entendemos por imagem profissional uma rede de representações sociais da Enfermagem que, por meio de um conjunto de conceitos, afirmações e explicações, reproduz e é reproduzida pelas ideologias originadas no cotidiano das práticas sociais, interna/externas a ela. A imagem profissional remete-nos à própria identidade profissional, em sua intrincada rede de significados que se pretendem exclusivos e, portanto, inerentes àquela profissão. A imagem profissional se consubstancia, assim, na própria representação da identidade profissional"(2).

A enfermagem tem caminhado para a formação de um corpo próprio de conhecimentos científicos, buscando, por meio de estudos e pesquisas, a sua definição como ciência. As pesquisas e os campos de atuação na enfermagem têm crescido substancialmente nos anos mais recentes, abrindo perspectivas de conhecimento em múltiplas direções. As representações sociais identificadas em diversos segmentos da sociedade e aquelas veiculadas, notadamente pela mídia, refletem, entretanto, um profissional sem poder, sem autonomia, sem conhecimento, sem voz(3).

Pesquisas que avaliam essas representações sociais da enfermagem no mundo, e mais particularmente no Brasil, denunciam ainda uma representação desatualizada e depreciadora da profissão(3-5). Estudos realizados com diferentes estratos da população identificaram representações referentes à invisibilidade do profissional enfermeiro, que é caracterizado por realizar tarefas simplesmente técnicas(4), subordinado à área médica(6), identificado como auxiliar de médico e atuando em profissão denotativa de mão-de-obra barata(7).

As reflexões pertinentes aos resultados desses estudos legitimam o questionamento sobre a influência que a mídia exerce no ideário coletivo a respeito do enfermeiro e da profissão de enfermagem. A importância da veiculação de representações - por meio de textos ou imagens pela mídia - na perpetuação de estereótipos ou na contribuição de novas representações reside na sua penetrabilidade, sem que haja, muitas vezes, correspondência com o real.

Estudo realizado com base em análise de imagens em jornais, revistas de circulação nacional e programas de televisão no Brasil ilustra a forma de penetração da imagem da enfermeira na mídia brasileira(3). O estudo revela que, nas telenovelas, em revistas masculinas, em jornais, as representações veiculadas relacionam-se à moralidade associada às personagens que as enfermeiras incorporaram: a mãe, a santa, o anjo, a sombra do médico e a mulher-objeto. A pesquisa identificou também a personagem "doutora-enfermeira", isolada dentre as outras representações, decodificada pela tentativa das enfermeiras em articular um vocabulário que seja audível.

Dentre os questionamentos, objetivando analisar a pouca exposição da enfermagem na mídia ou sua, muitas vezes, desvirtuada representação, encontra-se a preocupação em se compreender melhor a ótica do profissional responsável por ser o mediador entre a fonte e a recepção da informação: o jornalista e o profissional de marketing e propaganda.

Os sentimentos de profissionais de comunicação - intermediários na comunicação de notícias e na formação de representações - podem estar impregnados de preconceitos relacionados à enfermagem como profissão não desejável, pela característica de ser predominantemente feminina e subalterna. Sugere-se, então, que se investiguem as percepções de repórteres e produtores de mídia a respeito da enfermagem e dos enfermeiros(8).

Uma análise de artigos publicados na grande imprensa paulista, em 1994, foi a base de um estudo sobre a percepção que jornalistas têm a respeito da imagem das enfermeiras e da profissão que elas exercem(5). Revelou-se que, para eles, a enfermeira e a profissão de enfermagem concentram-se em seis categorias: a formação e o exercício da profissão, o que a enfermeira faz, a enfermeira transgressora, a enfermeira vítima, a enfermeira pessoa e cidadã e a profissão como adjetivo. As autoras do estudo discutem que a percepção dos jornalistas influencia a construção da imagem da enfermeira na sociedade e que, embora tenham identificado o cuidar, de forma bastante sólida, nos discursos analisados, as funções de gerenciamento, ensino e pesquisa não foram, em nenhum momento, explicitados.

Na literatura nacional, existem poucos estudos que investigam as percepções dos próprios profissionais de comunicação sobre a profissão de enfermagem, o que conduziu, aqui, ao questionamento de como se dá a representação social que alguns profissionais de comunicação, que atuam em uma cidade no norte do Paraná, possuem do enfermeiro e da enfermagem.

Esta pesquisa, portanto, tem o seguinte objetivo: analisar as representações sociais sobre o enfermeiro e a enfermagem de cinco profissionais, atuando em áreas distintas da comunicação, em uma cidade do norte do Paraná.

JUSTIFICATIVA

A mídia tem retratado o enfermeiro de maneira pejorativa e subserviente. E já que ela estabelece uma dinâmica de convergência que contribui para explicar diversos códigos compartilhados, reconhecidos e institucionalizados pela sociedade contemporânea, isso permite inferir que as construções simbólicas encontradas em seus conteúdos não estão distantes daquelas que outros elementos sociais constroem. Profissionais de comunicação são intermediários na codificação das representações imagéticas e textuais sobre a sociedade. Ao dar-se voz a alguns profissionais de comunicação, pretende-se contribuir para compreender quais representações sobre o enfermeiro e a enfermagem são partilhadas por esses profissionais, uma vez que muitas vezes são também responsáveis por transmitir ao grande público imagens que eles mesmos possuem.

PROCESSO METODOLÓGICO

Optou-se por utilizar estudo transversal descritivo, com abordagem qualitativa. A abordagem qualitativa justifica-se por permitir "a incorporação da questão do significado e da intencionalidade como inerentes aos atos, às relações e às estruturas sociais, sendo estas últimas tomadas tanto no seu advento quanto na sua transformação como construções humanas significativas"(9).

Participantes do estudo

Selecionou-se uma amostra de conveniência de cinco profissionais de áreas distintas do campo da comunicação, considerados de referência, na cidade de Londrina, Estado do Paraná, que tenham algum contato com setores e profissionais de saúde no desenvolvimento de suas atividades.

O objetivo dessa amostragem foi obter a ótica de profissionais de segmentos diversos da área de comunicação, mas atuando em uma mesma cidade, com suas experiências de vida, seus encontros com a saúde e a doença e com a possível diversidade de suas representações sobre a enfermagem e o enfermeiro. Entrevistaram-se cinco profissionais, que atuam em 1) televisão, 2) rádio, 3) imprensa escrita, 4) propaganda e 5) promoção de eventos. Todos os participantes desenvolviam atividades na área de comunicação como produção, editoração ou apresentação de programas que, em algum momento, envolviam ou abordavam profissionais e setores da saúde.

Aspectos éticos

Obteve-se a aprovação para a realização da pesquisa no Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Regional Norte do Paraná e, depois, o consentimento informado, por escrito, dos participantes, onde foram descritos os objetivos da pesquisa, a voluntariedade da participação, a possibilidade de se retirar da pesquisa a qualquer momento, sem nenhum prejuízo, ou dano, e o compromisso de confidencialidade por parte da pesquisadora.

Instrumento

Utilizou-se um roteiro com dados de identificação como idade, sexo, formação profissional e ocupação, e perguntas norteadoras semi-estruturadas: qual sua imagem da enfermagem? Qual sua imagem do enfermeiro? De onde vem essa imagem? Como você percebe a imagem do enfermeiro e da enfermagem através da mídia?

O acesso aos participantes

A coleta de dados foi realizada por meio de entrevistas semi-estruturadas, em locais escolhidos pelos participantes. Iniciou-se pela apresentação do pesquisador, explicação dos objetivos da pesquisa, garantia dos aspectos éticos envolvidos na pesquisa e solicitação para uso do gravador.

Análise dos discursos

Como referencial para análise dos discursos, utilizou-se o Discurso do Sujeito Coletivo, que pode ser descrito como "um modo legítimo - não por certo o único - de conceber as Representações Sociais, entendendo-as como a expressão do que pensa ou acha determinada população sobre determinado tema. Este pensar, por sua vez, pode se manifestar, dentre outros modos, através do conjunto de discursos verbais emitidos por pessoas dessa população"(9).

Os discursos foram primeiramente transcritos e submetidos à analise descritiva. Para tanto, utilizaram-se quatro figuras metodológicas: a ancoragem, a idéia central, as expressões-chave e o discurso do sujeito coletivo(10). Fez-se a interpretação dos dados pela seleção das principais ancoragens e/ou idéias centrais presentes em cada um dos discursos individuais e em todos eles reunidos, terminando numa forma sintética, em que se buscou a reconstituição discursiva da representação social da imagem do enfermeiro e da enfermagem.

APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

A faixa etária dos sujeitos entrevistados variou entre 26 e 44 anos, dois eram do sexo feminino e dois masculino; dois tinham formação em Comunicação Social, três possuíam pós-graduação em Marketing e Propaganda e tinham entre 8 e 23 anos de experiência em suas respectivas áreas de atuação.

Analisando as percepções individuais dos profissionais de comunicação sobre a imagem do enfermeiro e da enfermagem, reconstituíram-se discursos coletivos cuja construção possibilitou visualizar algumas representações sociais que se destacam. Essas representações abrangem imagens sobre a enfermagem que se refletem como cuidado e serenidade, ao mesmo tempo em que identifica uma imagem deturpada do enfermeiro transmitida pela mídia; percepção de uma profissão sacrificada e desgastante com luta pela inserção no mercado de trabalho e as condições adversas dessa realidade; o desconhecimento dos campos de atuação do enfermeiro; o desconhecimento, por parte dos profissionais da mídia, da categorização profissional (como um reflexo de que a população, como um todo, também não reconhece o enfermeiro de maneira independente); a invisibilidade da profissão em relação a suas atribuições e realizações; a responsabilidade dos enfermeiros diante de sua invisibilidade perante a mídia e a sociedade.

Este artigo, em razão da exigüidade de espaço, dará enfoque à discussão sobre: 1) o desconhecimento dos campos de atuação, mercado de trabalho e categorização profissional; 2) a invisibilidade da enfermagem perante a mídia e a sociedade e 3) a responsabilidade do próprio enfermeiro para haver reconhecimento profissional e visibilidade - sem desconsiderar, no entanto, que as outras representações detectadas embasam e interligam as discussões apresentadas a seguir.

O desconhecimento dos campos de atuação, mercado de trabalho e categorização profissional

Os discursos revelam desconhecimento dos campos de atuação do enfermeiro no Brasil na atualidade, mas apontam a real necessidade da atuação do profissional enfermeiro, pelas condições de saúde da população.

[Em relação aos campos de atuação] ...não posso te afirmar, não posso dizer.. Seria chute, né? Eu imagino, assim, de uma forma macro, como dizem os economistas, uma pergunta: a população hoje está bem assistida na saúde? Eu posso te afirmar, como cidadão, que não! Então, nesse sentido, o campo de atuação do enfermeiro é muito bom! (...) Se você me perguntar eu vou dizer, acredito que tem bom campo de atuação, com um potencial muito grande, mas deve ser muito difícil para o enfermeiro atuar hoje, como é para qualquer profissão...(IC1 DSC1).

Os profissionais de comunicação percebem a dificuldade do mercado de trabalho para o enfermeiro como inserida num contexto nacional, em que a estrutura de assistência à saúde ainda é deficitária - dificuldade partilhada também por outras profissões não tão reconhecidas e valorizadas.

Não sei, não tenho critérios para falar, mas alguma coisa me diz que o mercado de trabalho deve ser difícil de entrar. Acredito que você tem que ser muito bom para se destacar nesta área. Porque hoje em dia tem muitos cursos profissionalizantes de enfermagem, não tem? Acho que esses cursos jogam muita gente no mercado e, às vezes, não sei qual o padrão de qualidade, se realmente estão preparados para estarem atuando e pelo próprio sistema de saúde do nosso país que é um sistema falido... faltam leitos, faltam materiais, medicamentos, faltam médicos e provavelmente deve faltar enfermeiros ... e vagas para esse pessoal trabalhar. Vejo que em todas as profissões há uma dificuldade muito grande de ascensão e de ocupar o seu lugar no mercado de trabalho. Tanta gente passa por essa dificuldade, acredito que grande parte do pessoal recém-formado e até mesmos os enfermeiros mais antigos enfrentam esta mesma situação. Acho que para o enfermeiro comum é complicado, enfermeiro de hospital, de UTI...(IC6 DSC2).

Essa percepção sobre as dificuldades de ascensão dentro da profissão reflete impressões concordantes de um certo desprestígio partilhadas por outros estratos da população. Em relação ao prestígio social, a enfermagem ocupou a oitava posição em um estudo que avaliou esse conceito dentre treze profissões de nível superior(11).

Os profissionais da mídia identificam o desconhecimento que têm da categorização profissional da enfermagem como mero reflexo de que a população, como um todo, também não reconhece o enfermeiro de maneira independente.

Por que eu acho que todo mundo que atende no hospital é enfermeiro? Por suposição só [risos]. Tem gente que atende no hospital que não é enfermeiro? [surpreso] Realmente eu não sei, se eram formados ou estavam estagiando ou alguma coisa assim....Estou só supondo [que todos eram enfermeiros]. A gente faz uma idéia grosseiramente do enfermeiro e de outros profissionais, a gente mistura um pouco, o profissional formado como o atendente, com não sei quem... (IC12 DSC1).

O desconhecimento relacionado à categorização profissional é apontado pelos profissionais de comunicação como uma grande dificuldade no reconhecimento da profissão por outros elementos da sociedade.

Primeiramente, o principal problema é que todo mundo faz uma confusão e não sabe quem é enfermeiro, porque a gente acha que todo mundo é enfermeiro, e na verdade eles não são.Você tem o técnico, o auxiliar e o enfermeiro em si. Porque existe essa mistura... O senso comum é que a pessoa que entra no quarto sempre é o enfermeiro, que não existe essa subdivisão na categoria profissional. Agora eu os estou separando. Sei que tem profissionais de nível técnico e sei que tem os profissionais de nível superior, que acho que se chama enfermeiro padrão; não posso te confirmar. Minha família, por exemplo, os meus amigos que estão mais próximos e mesmo a comunidade, as pessoas não falam: olha, a fulana é técnica em enfermagem...Não, [elas dizem] foi o enfermeiro que me cuidou ou foi o enfermeiro que não me cuidou. Como formador de opinião na área de comunicação eu posso te dizer, sem medo, acho que esta confusão que eu fazia é meio comum (IC15 DSC2).

Concorda-se com a reflexão de que, para ocupar espaços e ter o reconhecimento de uma das profissões essenciais da saúde, uma agenda política da classe deveria incluir os vários aspectos constitutivos de uma profissão, ou seja, saber específico, mercado exclusivo de trabalho, forma de organização e clarificação da equipe hierarquizada de enfermagem(12).

A invisibilidade da enfermagem perante a mídia e a sociedade

Em relação à percepção da representação do enfermeiro pela mídia e, aqui, congruente com estudos que, dentre as representações, identificaram a figura do enfermeiro como profissional descrito como "a sombra do médico"(3) e, muitas vezes, de forma estereotipada.

[A mídia retrata o enfermeiro] Como um auxiliar do médico. Os meios de comunicação abordam o enfermeiro e a enfermagem de uma maneira gera,l cometendo o mesmo equívoco do senso comum... Porque eu não sei exatamente o que faz o enfermeiro... Eu até neste momento desconheço. Acho que a imprensa e os veículos de comunicação, de uma maneira geral, também fazem esta confusão, porque para você ser técnico ou auxiliar não precisa de nível superior. Então o cara [profissional de comunicação] quer aquela enfermeira mesmo, com aquela coisinha enchendo a cabeça com o troço que ninguém usa... mas o cara quer aquilo de repente [para usar na propaganda] (IC15 DSC1).

Em meio a percepções de uma profissão sofrida e depreciada e a não-identificação da hierarquização da classe, a surpresa, em encontros pessoais com enfermeiros, de descobrir que ele pode ser um profissional de referência em áreas de conhecimento em saúde.

Vou lhe falar de uma situação muito pontual de uma ocasião que fui fazer uma matéria e então descobri que a principal autoridade em amamentação aqui na cidade era uma enfermeira, não era um médico. Foi muito engraçado porque nesta ocasião eu trabalhava no jornal e a matéria era específica sobre amamentação e obviamente que eu fui primeiro a pediatras, ginecologistas. Então me falaram: não, aqui nesta cidade a pessoa que mais entende de amamentação é uma enfermeira, na época ela dava consultoria lá em determinado hospital. Trabalhei há alguns anos com campanhas sugeridas por profissionais da área de enfermagem que administram, ou coordenam um banco de leite materno da Universidade. Foi muito marcante pra mim, um momento importante. Tínhamos profissionais [enfermeiros] com muita experiência, pessoas com doutorado nesta área, que faziam um trabalho de resgate, de trazer aquela cultura antiga de que o leite materno significa saúde pra criança, e que isso significa saúde!!... Foi justamente por causa disso [que tenho essa imagem de competência sobre o enfermeiro].

Ao mesmo tempo, os profissionais de comunicação deste estudo apontam que essa competência não é socializada com o restante da população e alertaram que a profissão de enfermagem é praticamente anônima e invisível nos meios de comunicação em relação a qualquer destaque de suas atribuições e realizações.

Percebo que não tenho visto nada [nos meios de comunicação], assim, me parece que a profissão é meio anônima, a profissão que você vê nos jornais são médicos, você vê fisioterapeutas... A mídia destaca muito pouco os enfermeiros. Destaca tecnologia, avanços da medicina, pesquisa. Destaca muito a crise da saúde. A memória é meio falha, mas eu não consigo me lembrar de nenhuma entrevista do enfermeiro. Consigo me lembrar de alguma coisa de comercial de TV, por exemplo, que tem uma enfermeira atendendo uma velhinha no hospital. Mas veja bem, é uma publicidade de um plano de saúde, de elite. Na verdade, a gente, como uma camada formadora de opinião, não tem nenhum trabalho, que eu me lembre pelo menos, uma coisa mais massificadora que possa mudar realmente a imagem [da enfermagem]. No começo da entrevista, falei como formador de opinião no meio de comunicação que eu poderia dizer com tranqüilidade que era essa imagem que as pessoas têm do enfermeiro e da enfermagem. Eu vejo assim que as pessoas, pela falta de informações mesmo, acho que esse senso comum ele existe porque as pessoas são mal informadas. Me recordo de algumas propagandas de outdoor de algumas profissões, mas não me lembro de nenhuma de enfermeiro. É uma pena, porque a gente não lê nada a respeito (IC15 DSC2).

A responsabilidade do próprio enfermeiro para o reconhecimento profissional e visibilidade

Diante desse anonimato, consideram relevante ressaltar o papel que os próprios profissionais de enfermagem têm na divulgação clara sobre a enfermagem, suas potencialidades e atribuições.

Quem é o culpado por a gente não ter uma informação clara do corpo de enfermagem, o que é enfermagem, que é um trabalho especializado? Eu que sou da mídia? Ou vocês que são da enfermagem? [pausa e sorriso]. Quem está errando? As instituições que não informam direito como as coisas funcionam? Falta comunicação. O profissional precisa ser um pouquinho criativo também, porque se ficar esperando que outros organizem, quem que vai organizar? Os donos de hospitais vão organizar? Mas acho também que a falha está na organização da profissão, porque tem que se fazer alguma coisa através de uma associação, alguma coisa para a lapidação dessa imagem. Deve ser feito um mecanismo direto e falar diretamente com essas pessoas e explicar para elas, sabe... assim... uma comunicação dirigida, uma cartilha, ou um site, por exemplo...(IC16 DSC1).

Uma jornalista, que tem se dedicado a escrever sobre enfermagem e enfermeiros, alerta para o fato de que os profissionais enfermeiros têm contribuído para sua invisibilidade perante a mídia em virtude de não tomarem uma posição, mesmo quando possuem algo de relevância para ser comunicado(13).

Para que a profissão de enfermagem seja identificada, discute-se a necessidade da construção de uma história através de trabalho relevante e sério e com a identificação do profissional a partir de sua atuação na prática.

As profissões mais novas [como a enfermagem] vão ter que fazer a sua história ainda. Como é que se constrói essa história? Com trabalho sério, com ineditismo, com descobertas relevantes para a sociedade, com isso. Acho que a responsabilidade [da correção da imagem] é da própria categoria ou dos profissionais que atendem na saúde. Quando você chega a um posto de saúde, o recepcionista não fala: você vai ser atendido por um técnico de enfermagem... Ele fala: o enfermeiro vai medir tua pressão... E não é o enfermeiro, a gente sabe que não é... Então, por um lado, acho que essa imagem é feita e cristalizada por conta dos próprios profissionais da área (IC16 DSC3).

A imagem profissional da enfermagem veiculada pela mídia tem sido responsabilizada por perpetuar estereótipos desatualizados, mas sem valorizar o papel que a mídia tem em nossa construção de algo que nada mais é que um reflexo da realidade(1). Assim, a discussão perpassa o questionamento quanto à parcela de responsabilidade dos próprios enfermeiros ao não se posicionarem nem para a correção de imagens desvirtuadas nem para a visibilidade dos papéis que vêm desempenhando no cuidado à saúde.

Esse posicionamento inicia-se certamente na prática profissional, na forma como se pensa a de si próprio, com desenvolvimento de competência profissional e também através de posicionamento tanto perante os clientes, os familiares, como com outros profissionais da saúde; de um desenvolvimento colaborativo com profissionais de comunicação e relações públicas; compreensão do papel da mídia e exposição ativa nos meios de comunicação(14).

Como estratégia para a construção de uma imagem mais coerente, os participantes da pesquisa reconhecem como sendo a exposição da profissão primeiramente perante a própria mídia, que desconhece suas potencialidades.

Talvez falte um contato de uma liderança, dentro da categoria, que faça essa comunicação conosco, pois podemos divulgar isso. Todos os hospitais têm assessoria de imprensa, relações públicas que mandam materiais aqui para a gente [da mídia] e não vem nenhuma matéria que fale do setor de enfermagem. Vêm, sim, matérias falando que foram instaladas máquinas, que o dr. Fulano concluiu doutorado, colocou não sei o quê, não sei onde, com louvor, mas não vem uma coisa específica [da enfermagem]. Acho, então, que nem a imprensa interna,, que poderia colaborar muito nesse sentido, tem esse conceito estabelecido. Então a divulgação interna, que manda material para os veículos de massa, não fala a respeito [da enfermagem] (IC16 DSC4).

Em segundo lugar, há exposição, através da mídia, para o alcance da grande população como processos imprescindíveis para a transmissão de imagem mais coerente do enfermeiro e da enfermagem.

Indo para a imprensa, não vejo outra maneira, não vejo outra maneira. Se uma enfermeira faz uma descoberta maravilhosa, e ficou para ela? Ninguém fica sabendo. Quanta coisa voluntária feita, quantas histórias o enfermeiro participa? Daí se você divulga só o que deu errado, talvez tenha um monte de coisas que tenha dado certo, talvez uma coisa tenha dependido do profissional, mas que vai passar desapercebido. Acho que poderia ser feita uma coisa nesse sentido, mas acho que normalmente não é veiculado, eu posso estar enganado, eu não tenho visto, pelo menos. Então, como comunicadora, eu vejo que, se houvesse uma preocupação, acho que seria preciso haver uma assessoria de imprensa nesse sentido. Acho que as associações [de enfermagem] também deveriam colaborar com a divulgação... Se a gente não divulgar, ninguém vai ficar sabendo...! (IC16 DSC2).

Esse discurso está de acordo com a realidade identificada em um estudo patrocinado pela Sociedade Honorífica Internacional de Enfermagem, denominado "Estudo Woodhull sobre Enfermagem e Mídia: o parceiro invisível no cuidado à saúde". Analisaram-se vinte mil artigos publicados em revistas e jornais selecionados nos Estados Unidos, identificando que enfermeiros foram citados em somente quatro por cento dos artigos relacionados à saúde, ao passo que médicos estão presentes em quarenta e três por cento(15). Dentre as recomendações apontadas para se dar maior visibilidade ao papel da enfermagem, está a necessidade de os profissionais se posicionarem estrategicamente perante os meios de comunicação e também de se educarem os próprios jornalistas sobre a enfermagem(13-15).

Se não aparecer na imprensa... [o fato não existe]... a imprensa é tão forte que ela muda opinião!! A notícia serve para a construção e para desconstrução também, as duas coisas. Porque você não tem como formar a opinião pública se você não utilizar meios de comunicação de massa. A partir do momento que você vai à televisão, a uma rede e fala para milhões de pessoas simultaneamente, você constrói uma imagem e essa imagem às vezes pode ser desconstruída, embora haja um tempo necessário para isso ocorrer. Tem que provocar, inclusive a imagem. A imprensa escrita tem valor, mas a imprensa vista, o visual, tem um valor muito maior (IC16 DSC5).

A ênfase sobre o papel da imagem visual talvez traga reflexões importantes para a enfermagem, uma vez que imagens visuais pejorativas sobre enfermeiros são relativamente comuns em programas televisivos e em revistas. A questão é que as imagens visuais, muitas vezes, ultrapassam o senso crítico de quem as vê, mesmo que não possuam referência no que é real, como coloca um filósofo contemporâneo(16): "Também se pode pensar que as imagens não possuem identidade para circular na órbita das redes comunicacionais. Elas não passam por alfândegas e não necessitam apresentar passaporte para entrar em territórios, como as pessoas. As barreiras físicas não existem para as imagens; uma vez em velocidade centrífuga, elas já não têm referência no real".

Enfatizam a importância da utilização de multimeios de comunicação: internet, televisão, notícia interna, imprensa escrita para maior visibilidade da enfermagem.

Penso que, de qualquer forma, as mídias se somam, então, se você for explorar a internet, que pudesse disponibilizar isso com alimentação contínua e também usar de assessorias para contar para o resto da imprensa, e uma coisa leva a outra. Já imaginou, um site superbem feito, com várias informações diferentes, colaboraria muito, então mais algumas notinhas que fossem saindo gradativamente, mesmo pequenina, tudo forma opinião, tudo, tudo, coluna social... Muito importante dizer que a professora da universidade x defendeu tese não sei o quê... isso tem esse significado. A gente vê no jornal! coisas que acontecem. Hoje a gente tem visto outros profissionais sendo expostos pela mídia e daí vocês também [podem ser vistos] (IC16 DSC6).

CONCLUSÕES

Os discursos dos profissionais de comunicação apontam para questões relevantes do exercício e ensino de uma enfermagem que almeja romper com antigos paradigmas de subordinação e invisibilidade. Embora reconheçam a enfermagem como peça importante em um processo de cuidado à saúde, os profissionais de comunicação parecem clamar por mais informação, mais visibilidade e mais voz quanto ao papel da enfermagem no cuidado a saúde.

A importância desse posicionamento e exposição não se restringe ao reconhecimento da profissão e seus profissionais. O questionamento mais importante sobre a invisibilidade é que ela diminui a habilidade de mudar os direcionamentos no cuidado à saúde(17). Essa reflexão se faz necessária no momento em que o enfermeiro tem tido atuação tão relevante dentro do Sistema Único de Saúde, no Brasil, desde os processos de planejamento, passando por sua execução e avaliação.

Neste estudo, os profissionais de comunicação apontam estratégias e fazem considerações importantes para um posicionamento de voz e visibilidade a partir de situações da prática, por meio de um trabalho conjunto na mídia e através da mídia para o alcance do grande público.

Parece, aqui, premente e desafiador, ao mesmo tempo, que essas reflexões encontrem eco nas ações, para que a enfermagem deixe de ser "parceira eternamente invisível" no cuidado à saúde.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Recebido em: 15.2.2006

Aprovado em: 25.9.2006

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Maio 2007
  • Data do Fascículo
    Abr 2007

Histórico

  • Recebido
    15 Fev 2006
  • Aceito
    25 Set 2006
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