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Eficácia de diferentes instrumentos para a atribuição do diagnóstico de enfermagem sofrimento espiritual

Resumos

Neste estudo, visou-se identificar o diagnóstico de enfermagem sofrimento espiritual, em 120 pacientes com insuficiência renal crônica, utilizando-se diferentes instrumentos, e avaliar a eficácia de tais instrumentos no apoio dessa identificação. Os dados foram coletados separadamente, por dois enfermeiros, por meio de questionário contendo informações sociodemográficas e as características definidoras de sofrimento espiritual, além do questionamento direto ao paciente sobre a presença do diagnóstico e os instrumentos: escala de avaliação da espiritualidade, escala de espiritualidade de Pinto e Pais-Ribeiro e escala de bem-estar espiritual. O estudo encontrou que entre 25,8 e 35,8% dos pacientes possuíam o diagnóstico. A avaliação diagnóstica desenvolvida pelos enfermeiros peritos não apresentou divergência entre ambos e obteve coeficiente de concordância perfeito (96,7%) com a opinião do paciente; essa demonstrou concordância substancial com a subescala de bem-estar existencial (83,3%) e com a escala de espiritualidade de Pinto e Pais-Ribeiro (87,5%) que demonstraram ser úteis para a identificação diagnóstica.

Enfermagem; Diagnóstico de Enfermagem; Espiritualidade; Insuficiência Renal Crônica


The study aims to identify the nursing diagnosis Spiritual distress in 120 patients with Chronic Renal Insufficiency, using different instruments, and to evaluate the effectiveness of these instruments in support of this identification. Data were collected separately by two nurses using a questionnaire containing sociodemographic information and the defining characteristics of Spiritual distress, as well as direct questioning to the patient regarding the presence of the diagnosis and the instruments: the Spirituality Rating Scale; Pinto and Pais-Ribeiro's Spirituality Scale; and the Spiritual Well-being Scale. The study found that 25.8% to 35.8% of the patients had the diagnosis. The diagnostic evaluation developed by the expert nurses presented no divergence between the two and obtained a perfect concordance coefficient (96.7%) with the opinion of the patient; this demonstrated substantial concordance with the Existential Well-being Sub-scale (83.3%) and with the Pinto e Pais-Ribeiro's Spirituality Scale (87.5%), which demonstrated their usefulness for diagnostic identification.

Nursing; Nursing Diagnosis; Spirituality; Renal Insufficiency, Chronic


El estudio tuvo por objetivo identificar el diagnóstico de enfermería Sufrimiento Espiritual en 120 pacientes con Insuficiencia Renal Crónica, utilizando diferentes instrumentos, y evaluar la eficacia de esos instrumentos en el apoyo de esta identificación. Los datos fueron recolectados separadamente por dos enfermeros, por medio de cuestionario conteniendo informaciones sociodemográficas y las características definidoras de Sufrimiento Espiritual, además del cuestionamiento directo al paciente sobre la presencia del diagnóstico y los instrumentos: Escala de Evaluación de la Espiritualidad; Escala de Espiritualidad de Pinto y Pais-Ribeiro; y, Escala de Bienestar Espiritual. El estudio encontró que 25,8% a 35,8% de los pacientes poseían el diagnóstico. La evaluación de diagnóstico efectuada por los enfermeros peritos no presentó divergencia entre ambos y obtuvo coeficiente de concordancia perfecto (96,7%) con la opinión del paciente; esta demostró concordancia substancial con la Sub-escala de Bienestar Existencial (83,3%) y con a Escala de Espiritualidad de Pinto y Pais-Ribeiro (87,5%), que demostraron ser útiles para la identificación del diagnóstico.

Enfermería; Diagnóstico de Enfermería; Espiritualidad; Insuficiencia Renal Crónica


ARTIGO ORIGINAL

Eficácia de diferentes instrumentos para a atribuição do diagnóstico de enfermagem Sofrimento espiritual1

Erika de Cássia Lopes ChavesI; Emilia Campos de CarvalhoII; Luiz Alberto BeijoIII; Sueli Leiko Takamasu GoyatáIV; Sandra Cristina PillonV

IEnfermeira, Doutora em Enfermagem, Professor Adjunto, Universidade Federal de Alfenas, MG, Brasil. E-mail: echaves@unifal-mg.edu.br

IIEnfermeira, Doutora em Enfermagem, Professor Titular, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Centro Colaborador da OMS para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem, SP, Brasil. E-mail: ecdcava@usp.br

IIIMatemático, Doutor em Estatística e Experimentação Agropecuária, Professor Adjunto, Universidade Federal de Alfenas, MG, Brasil. E-mail: luizbeijo@unifal-mg.edu.br

IVEnfermeira, Doutora em Enfermagem, Professor Adjunto, Universidade Federal de Alfenas, MG, Brasil. E-mail: sueligoyata@yahoo.com.br

VEnfermeira, Doutora em Enfermagem, Professor Associado, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Centro Colaborador da OMS para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem, SP, Brasil. E-mail: pillon@eerp.usp.br

Endereço para correspondência

RESUMO

Neste estudo, visou-se identificar o diagnóstico de enfermagem sofrimento espiritual, em 120 pacientes com insuficiência renal crônica, utilizando-se diferentes instrumentos, e avaliar a eficácia de tais instrumentos no apoio dessa identificação. Os dados foram coletados separadamente, por dois enfermeiros, por meio de questionário contendo informações sociodemográficas e as características definidoras de sofrimento espiritual, além do questionamento direto ao paciente sobre a presença do diagnóstico e os instrumentos: escala de avaliação da espiritualidade, escala de espiritualidade de Pinto e Pais-Ribeiro e escala de bem-estar espiritual. O estudo encontrou que entre 25,8 e 35,8% dos pacientes possuíam o diagnóstico. A avaliação diagnóstica desenvolvida pelos enfermeiros peritos não apresentou divergência entre ambos e obteve coeficiente de concordância perfeito (96,7%) com a opinião do paciente; essa demonstrou concordância substancial com a subescala de bem-estar existencial (83,3%) e com a escala de espiritualidade de Pinto e Pais-Ribeiro (87,5%) que demonstraram ser úteis para a identificação diagnóstica.

Descritores: Enfermagem; Diagnóstico de Enfermagem; Espiritualidade; Insuficiência Renal Crônica.

Introdução

A NANDA-International (NANDA-I) reconheceu o sofrimento espiritual, originalmente spiritual distress, como diagnóstico pertinente à enfermagem, desde 1980. Até a versão brasileira de 2009, o título traduzido para o diagnóstico era angústia espiritual, sendo modificado na versão atual(1). Esse diagnóstico descreve a congruência entre valores, crenças e ações, dentro do domínio denominado princípios de vida; cuja definição é: "capacidade prejudicada de experimentar e integrar o significado e objetivo à vida por meio de uma conexão consigo mesmo, com os outros, arte, música, literatura, natureza e/ou ser maior"(1).

A manifestação do sofrimento espiritual, entre os pacientes que convivem com a difícil experiência de lidar com insuficiência renal crônica (IRC) e o árduo tratamento de hemodiálise (HD), definem as respostas desses indivíduos às desordens que englobam sua espiritualidade. É importante que o enfermeiro esteja atento aos sinais de sofrimento espiritual, bem como aos aspectos relacionados à sua manifestação, pois a presença desse diagnóstico pode agravar os sintomas físicos e emocionais e a capacidade para enfrentar a doença(2).

Apesar de toda a evolução no campo de conhecimento da enfermagem, estudos sobre o diagnóstico sofrimento espiritual demonstraram que seu conceito ainda compreende inúmeras questões subjetivas e complexas, requerendo conhecimento articulado para incluí-la como foco de atenção, o que se torna desafio para o enfermeiro lidar com pessoas que experenciam esse sofrimento(3-5).

Para auxiliar na acurácia dos diagnósticos de enfermagem, tem sido recomendada a utilização de instrumentos que façam a mensuração dos fenômenos avaliados(6). O uso de instrumentos voltados para dimensão espiritual pode favorecer o exercício do raciocínio diagnóstico, facilitando a identificação do sofrimento espiritual e permitindo estreitar as possibilidades de erros, uma vez que se trata de diagnóstico que envolve resposta subjetiva e difícil de investigar. No entanto, não há um instrumento padronizado para avaliar o sofrimento espiritual do paciente no ambiente clínico(7).

Esforços têm sido empregados no sentido de construir, ou mesmo, traduzir e validar instrumentos que avaliem o fenômeno espiritualidade, daí a necessidade de investigar a eficácia desses instrumentos para a investigação de diagnósticos que envolvem a dimensão espiritual. No cenário brasileiro, três instrumentos foram identificados: escala de avaliação da espiritualidade(8), escala de espiritualidade de Pinto e Pais-Ribeiro(9) e escala de bem-estar espiritual(10).

A escala de avaliação da espiritualidade, originalmente denominada de Spirituality Self-Rating Scale (SSRS)(11), é uma escala norte-americana que reflete a orientação para a espiritualidade do indivíduo, ou seja, se ele considera importante as questões referentes à dimensão espiritual/religiosa e como as aplica em sua vida. Foi elaborada levando-se em consideração alguns itens sobre práticas religiosas e preceitos teóricos dos Doze Passos dos Alcoólatras Anônimos. Alguns desses preceitos, que não estão relacionados à doutrina religiosa, referem-se à crença que um Poder Superior tem potencial para recuperação, a necessidade de reconhecimento de falhas pessoais e a necessidade de prática espiritual.

A escala é composta por seis afirmativas, cujas respostas são do tipo Likert que variam de concordo totalmente a discordo totalmente. Para o cálculo dos escores, é realizada a inversão dos valores de cada item do instrumento e as respostas dos seis itens são somadas para produzir o escore total, e esse, por sua vez, representa o nível de orientação espiritual/religiosa do indivíduo, com pontuação variando de 6 a 30, ou seja, do menor ao maior nível de orientação espiritual/religiosa(11). Para realizar comparação de escores, deve-se trabalhar com as médias obtidas em cada grupo e aplicar um teste estatístico adequado para verificar se há diferenças entre eles.

A escala de espiritualidade(12) é instrumento constituído por cinco itens centrados em duas dimensões: a dimensão vertical está associada à crença e a dimensão horizontal está associada à esperança/otimismo, aspecto que atribui sentido e significado à vida, decorrente da relação consigo mesmo, com os outros e com o meio. As respostas são do tipo Likert, dadas numa escala de quatro alternativas, entre "não concordo" e "concordo plenamente". Em relação à determinação dos escores, são obtidos por procedimentos estatísticos elementares, sem inversão ou transformação de valores, assim, o ponto médio é de 2,5 para cada item. Portanto, desde que os escores assumam valor superior ao ponto médio, pode-se afirmar que a dimensão da espiritualidade é identificada como relevante.

A escala de bem-estar espiritual(13) é constituída por 20 itens, respondidos em uma escala do tipo Likert, de seis pontos, que varia de "concordo fortemente" a "discordo fortemente". É dividida em duas subescalas, nas quais dez itens são destinados à avaliação do bem-estar religioso e os demais à investigação do bem-estar existencial(13). Os escores das duas subescalas são somados para obtenção da medida geral de bem-estar espiritual. Os autores da escala(13) sugerem o estabelecimento de pontuação de corte com os intervalos de 20 a 40 para bem-estar espiritual baixo, 41 a 99 para moderado e 100 a 120 para alto. Nas duas subescalas, de bem-estar religioso e existencial, os intervalos são de 10 a 20, 21 a 49 e 50 a 60 pontos, para baixo, moderado e alto, respectivamente. Os escores altos são considerados como bem-estar espiritual positivo e os escores baixos e moderados como bem-estar espiritual negativo(14-15).

O presente estudo teve o objetivo de identificar o diagnóstico de enfermagem sofrimento espiritual em pacientes portadores de insuficiência renal crônica, em tratamento hemodialítico, e avaliar a eficácia de instrumentos acima citados, no apoio dessa identificação.

Métodos

Trata-se de estudo descritivo, com abordagem quantitativa, realizado em uma clínica de terapia renal, situada na região sul do Estado de Minas Gerais, Brasil. O serviço atende aproximadamente 135 pacientes, sendo 130 em HD e cinco em diálise peritoneal ambulatorial contínua. Os critérios estabelecidos para a inclusão dos sujeitos foram: ser portador de IRC e realizar HD, ter idade igual ou superior a 18 anos, estar orientado no tempo, espaço e pessoa, conseguir expressar-se verbalmente e consentir em participar do estudo, por meio de assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido.

O Projeto de Pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, USP (Parecer nº0810/2007), após o consentimento formal, para realização da pesquisa da instituição que administra a clínica de terapia renal.

A coleta de dados ocorreu no primeiro semestre de 2008 e foi realizada durante as sessões de hemodiálise, após ser constatada a estabilidade clínica dos participantes, para aproveitamento do tempo de sua permanência na unidade. Optou-se pela coleta de dados na forma de entrevista, considerando a dificuldade de o paciente preencher qualquer instrumento devido à imobilização do braço, durante o tratamento, e a possibilidade de os sujeitos apresentarem dificuldade visual e/ou baixo nível instrucional; portanto, os instrumentos de espiritualidade, mesmo sendo todos autoaplicáveis, foram ministrados pelos próprios autores da pesquisa.

Considerando que não foi encontrada, na literatura, a referência padrão-ouro para avaliação da espiritualidade, a determinação da presença do diagnóstico de enfermagem sofrimento espiritual foi realizada por dois modos. Primeiramente, foi realizada por dois enfermeiros considerados peritos, com experiência em diagnóstico de enfermagem e pontuação 8 e 10 pontos. De acordo com a literatura(6), os peritos devem alcançar pontuação mínima de 5 pontos, adquiridos por meio de critérios específicos que revelam domínio da área e natureza do estudo (Figura 1).


Os enfermeiros peritos avaliaram os pacientes de forma simultânea, porém separadamente, com o objetivo de identificar a presença ou não de evidências do referido diagnóstico. Assim, um questionário dicotômico (presença/ausência), contendo todas as características definidoras do diagnóstico de enfermagem sofrimento espiritual(3), favoreceu a construção do raciocínio diagnóstico, realizado de forma independente pelos enfermeiros.

Além do julgamento clínico realizado pelos enfermeiros peritos, a presença de sofrimento espiritual também foi determinada por meio do questionamento direto ao paciente, que, ao final da entrevista, após conhecer a definição do diagnóstico, deveria confirmar ou não sua presença. Essa forma de investigação fundamenta-se no fato de o diagnóstico abordar uma resposta subjetiva, de natureza abstrata e pessoal e, segundo a literatura(16-17), essa é a maneira mais adequada para realizar abordagem à experiência espiritual, ou seja, baseando-se na própria descrição do indivíduo. Dessa forma, a opinião do paciente sobre a presença de um dano na dimensão espiritual pode ser critério de referência para a identificação do sofrimento espiritual(7).

A identificação do diagnóstico de enfermagem sofrimento espiritual, portanto, foi assegurada de diferentes maneiras: concordância entre os enfermeiros peritos sobre a presença do diagnóstico; opinião do paciente; escore baixo e moderado na subescala de bem-estar existencial (optou-se por utilizar somente a subescala de bem-estar existencial, uma vez que a escala permite separar os aspectos religiosos na investigação espiritual); baixo escore de espiritualidade na escala de espiritualidade de Pinto e Pais-Ribeiro e baixo escore de espiritualidade na escala de avaliação da espiritualidade.

Para a tabulação e a análise dos dados, foi utilizado o programa estatístico Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 15. A estatística descritiva permitiu descrever e resumir os dados obtidos. O teste t de Student foi empregado para identificar a correlação das médias obtidas nas escalas pelos grupos de indivíduos com e sem o diagnóstico em estudo. Foi considerado significante valor de p≤0,05. A confiabilidade das escalas de espiritualidade foi avaliada pela consistência interna usando o alfa de Cronbach.

Para verificar a relação entre o diagnóstico de enfermagem sofrimento espiritual (presença ou ausência) e a pontuação em cada escala de espiritualidade, foi ajustado um modelo de regressão logística para cada situação, que é apropriado para variáveis de respostas categóricas e descreve a relação entre essa variável resposta e um conjunto de variáveis exploratórias (covariáveis)(18).

A análise de concordância de Kappa foi utilizada para determinar a confiabilidade entre os diferentes critérios utilizados na identificação do diagnóstico, estabelecendo como "referência" a própria confirmação dos sujeitos. A interpretação dos valores de concordância, medida pelo Kappa seguiu a orientação da literatura especializada, ou seja: Kappa abaixo de 0: pobre; de 0 a 0,20: leve; de 0,21 a 0,40: razoável; de 0,41 a 0,60: moderada; 0,61 a 0,80: substancial e de 0,81 a 1,00: concordância perfeita(19).

Resultados

Participaram do estudo 120 pacientes, cuja faixa etária variou de 22 a 84 anos, com média de idade de 53 anos (dp±13,17anos). Do total, 50,8% era do sexo feminino; 52,5% casados, 20% solteiros, 10,8% viúvos e os demais divorciados ou separados (16,7%). Foi predominante o baixo nível de escolaridade, uma vez que foi observado que 10% dos pacientes nunca estudaram e 57,5% possuíam o ensino fundamental incompleto.

Ao serem questionados sobre a crença religiosa (Tabela 1) e sua prática, 72,8% dos pacientes responderam que participavam das atividades religiosas relacionadas à sua crença, 23,3% não participavam e 4,2% não responderam.

Este estudo encontrou que de 25,8 a 35,8% dos pacientes investigados, considerando os diferentes critérios adotados, possuem o diagnóstico de enfermagem em estudo (Tabela 2).

A avaliação diagnóstica desenvolvida, separadamente, pelos dois enfermeiros peritos não apresentou divergência entre ambos e obteve coeficiente de concordância "perfeito" (Kappa: 0,92, p<0,001) com a opinião do próprio paciente quanto à presença do diagnóstico, sendo observado 96,7% de concordância. Ou seja, entre os 31 pacientes diagnosticados com sofrimento espiritual pelos enfermeiros, 30 deles também afirmaram possuir o diagnóstico.

A escala de avaliação da espiritualidade apresentou apenas 6,7% de positividade em relação à presença do diagnóstico sofrimento espiritual (Tabela 2), portanto, não demonstrou eficácia na identificação do mesmo. Essa escala apresentou alfa de Cronbach global de 0,74, indicando um bom valor, porém, inferior àqueles obtidos na construção, que variou de α=0,82 a α= 0,91(11) e na validação da versão brasileira (α=0,83)(8).

A escala de espiritualidade de Pinto e Pais-Ribeiro apresentou alfa de Cronbach global de 0,81, demonstrando expressiva consistência interna, com valores superiores àqueles obtidos na construção da escala (α=0,74)(12) e, também, na validação da escala na população brasileira (α=0,64)(9) realizada junto a pacientes com IRC, também em HD, similarmente ao do presente estudo. A escala de bem-estar espiritual apresentou alfa de Cronbach global de 0,93 e de, respectivamente, α=0,88 e α=0,93 nas subescalas de bem-estar existencial e bem-estar religioso. Tais resultados indicam alto índice de consistência interna, concordante com índice geral de confiabilidade: α=0,92, obtido no estudo brasileiro(10) e de α=0,89 alcançado na construção da escala(13).

Em relação às médias obtidas em cada escala utilizada (Tabela 3), observa-se que a escala de espiritualidade de Pinto e Pais-Ribeiro e a subescala de bem-estar existencial da escala de bem-estar espiritual demonstraram maior eficácia para identificar os pacientes com o diagnóstico, uma vez que a média apresentada pelas mesmas foi menor naqueles com o fenômeno investigado. Portanto, optou-se por não prosseguir com a avaliação de eficácia da escala de avaliação da espiritualidade, uma vez que a mesma não diferencia os indivíduos com presença ou ausência do diagnóstico de enfermagem de sofrimento espiritual, autorreferida pelos participantes.

Para verificar a relação entre o diagnóstico de sofrimento espiritual e a pontuação da erscala de espiritualidade de Pinto e Pais-Ribeiro e da subescala de bem-estar existencial da escala de bem-estar espiritual, foi ajustado um modelo de regressão logística para cada situação. Na Figura 2 são apresentados os gráficos que relacionam a pontuação das escalas com a probabilidade de diagnóstico de sofrimento espiritual estimada pelo modelo, no qual se pode observar que tanto a escala de espiritualidade de Pinto e Pais-Ribeiro (a), como a subescala de bem-estar existencial (b) descrevem o diagnóstico de sofrimento espiritual, uma vez que, à medida que as pontuações das escalas aumentam, a probabilidade do diagnóstico decresce.


Embora os comportamentos de ambas as escalas tenham sido aparentemente semelhantes, é importante destacar que, em relação à escala de bem-estar espiritual, neste estudo, ressaltando a recomendação da literatura(14-15), os escores altos (com intervalo entre 50 e 60 pontos) foram considerados como bem-estar espiritual positivo e os escores moderados (com intervalo entre 21 e 49 pontos) e baixos (com intervalo entre 10 e 20 pontos) como bem-estar espiritual negativo e, portanto, poderiam sugerir a presença do diagnóstico sofrimento espiritual. No entanto, o modelo de regressão logística permitiu observar que a probabilidade passa a decrescer, a partir da pontuação 30, ou seja, os pacientes que apresentaram pontuação de corte com intervalo entre 20 e 30 (bem-estar existencial baixo) apresentam mais de 99% de probabilidade de diagnóstico de sofrimento espiritual. Portanto, essa pontuação poderia assegurar, de forma mais eficaz, a presença do diagnóstico. Em relação à escala de espiritualidade de Pinto e Pais-Ribeiro, os autores12 não sugerem pontuação de corte, entretanto, neste estudo, a probabilidade passa a decrescer a partir da pontuação 10.

Os resultados obtidos pelo emprego da escala de espiritualidade de Pinto e Pais-Ribeiro demonstraram diferenças estatisticamente significantes (p=0,0001) entre os sujeitos com e sem sofrimento espiritual, confirmando baixa espiritualidade nos pacientes com diagnóstico (Tabela 3). A análise de concordância entre a escala de espiritualidade de Pinto e Pais-Ribeiro e a opinião do paciente, sobre a presença do diagnóstico, demonstrou valor de Kappa de 0,71 (p<0,001), com 87,5% de concordância; ou seja, "concordância substancial". Assim, por meio da escala, foi possível identificar 29 entre os 33 pacientes que afirmaram possuir o diagnóstico em estudo.

Os escores obtidos na escala de bem-estar espiritual para os pacientes com diagnóstico de sofrimento espiritual foram inferiores àqueles obtidos pelos indivíduos sem o diagnóstico, demonstrando diferença estatisticamente significante (p=0,0001) entre ambos os grupos de pacientes, confirmando a existência de bem-estar espiritual e existencial negativo para o primeiro grupo (Tabela 3). A análise da concordância entre os escores obtidos na subescala de bem-estar existencial e a opinião do paciente com IRC em HD, sobre a presença de sofrimento espiritual, evidenciou valor de Kappa de 0,62 (p<0,001), com 83,3% de concordância, ou seja, "concordância substancial". Portanto, por meio dessa escala, foi possível identificar 28 entre os 33 pacientes que concluíram possuir o diagnóstico em estudo.

Discussão

Para ajudar o paciente a tomar conhecimento de sua espiritualidade e sua influência no enfrentamento da doença crônica, é crucial que o enfermeiro seja capaz de reconhecer o diagnóstico de enfermagem sofrimento espiritual, estando atento às suas manifestações, pois essas podem resultar, em um plano terapêutico malsucedido, comprometendo a capacidade de lidar com a doença e interferindo nos desfechos positivos de seu tratamento(2,7,20-21).

Neste estudo, de acordo com a opinião do próprio paciente, 33 deles apresentavam o diagnóstico sofrimento espiritual. Também em um estudo(2) sobre as perspectivas espirituais de pacientes com câncer avançado e doença não maligna, os autores confirmam que o paciente não só tem condições de reconhecer suas necessidades espirituais, como também identificar o sofrimento espiritual. Todavia, muitos pacientes relutam em falar do seu sentimento em relação à espiritualidade com o profissional de saúde, por medo de serem estigmatizados ou, ainda, pela falta de interesse da equipe(22). Por isso, torna-se importante o estabelecimento de relação de confiança enfermeiro/paciente e o estabelecimento de técnicas de comunicação adequadas.

Aqui, o enfermeiro apresentou-se aberto para a opinião do paciente sobre sua espiritualidade, valorizando seu julgamento e permitindo que ele expressasse sua experiência espiritual da forma como estava sendo compreendida naquele momento, uma vez que a entrevista foi centrada em uma resposta pessoal à dimensão espiritual. A avaliação diagnóstica, realizada pelos enfermeiros peritos, demonstrou concordância "perfeita" com a opinião do próprio paciente, tornando possível inferir que, não só o critério utilizado como "referência" para o estudo demonstrou ser adequado, como, também, a interpretação do enfermeiro quanto à presença do diagnóstico foi apoiada pelo julgamento do paciente.

Apesar da inerente falta de modelos teóricos de enfermagem, para ajudar enfermeiros na investigação da dimensão espiritual(7), a proposta de aplicação de instrumentos de avaliação de espiritualidade, como observados neste estudo, pode favorecer o raciocínio diagnóstico, auxiliando na busca de evidências clínicas de diagnósticos voltados para essa dimensão.

Os resultados obtidos pelo emprego da escala de espiritualidade de Pinto e Pais-Ribeiro demonstraram concordância "substancial" com a opinião do paciente sobre a presença do diagnóstico, uma vez que foram observados baixos escores de espiritualidade nos pacientes com sofrimento espiritual, portanto, essa escala demonstrou ser adequada na avaliação do diagnóstico, o que apoia o estudo de outros pesquisadores(12), que apontam a relevância da mesma na investigação da espiritualidade em pacientes com doença crônica.

A subescala de bem-estar existencial da escala de bem-estar espiritual também demonstrou ser pertinente na avaliação do diagnóstico de enfermagem sofrimento espiritual, corroborando outro estudo(23) que identifica a escala como apropriada para a investigação do diagnóstico investigado. Trata-se de instrumento que avalia as necessidades e o bem-estar espiritual, dando ao enfermeiro condições de discernir o sofrimento espiritual, por exemplo, de problemas emocionais e psicossociais(23).

Estudiosos(24) têm afirmado que o método tradicional de suporte espiritual consistia em ter um capelão ou religioso disponível, porém, hoje o enfermeiro pode oferecer cuidado espiritual sistematizado, por meio da investigação e avaliação das respostas humanas a essa dimensão. Embora, entre as razões para omissão do cuidado espiritual esteja a consideração do tema como pouco científico e a falta de formação para assistência espiritual(7), deve ser reconhecido que a Taxonomia II da NANDA-I(1) tem contemplado o fenômeno e que, por sua vez, esse sistema de classificação permite direcionar o foco do processo de enfermagem, facilitando a tomada de decisão sobre o cuidado.

Por fim, o uso de instrumentos para a avaliação da espiritualidade, assim como a própria opinião do paciente, são ferramentas úteis para a identificação de diagnóstico de enfermagem tão complexo como o sofrimento espiritual. E, nesse sentido, o uso de diferentes critérios para a confirmação do diagnóstico torna-se relevante para aumentar a precisão da identificação diagnóstica.

Conclusão

A prevalência do diagnóstico de enfermagem sofrimento espiritual nos pacientes portadores de IRC em HD variou de 27,5 a 35,8%, considerando os diferentes critérios adotados que, por sua vez, apresentaram concordância satisfatória com a opinião do paciente sobre sua espiritualidade. A relevância desses resultados está no fato de esse grupo de pacientes apresentar importante conflito na dimensão espiritual, o que pode comprometer a capacidade de lidar com a doença renal e seu tratamento.

A realização deste estudo revelou a importância de o enfermeiro considerar a opinião do paciente sobre a sua espiritualidade e também do uso, no ambiente clínico, de diferentes instrumentos para a avaliação do sofrimento espiritual, que demonstrou ser favorável ao processo de formulação do diagnóstico. Entre os instrumentos utilizados para investigar a dimensão espiritual dos pacientes, aqueles que apresentaram satisfatória eficácia foram a escala de espiritualidade de Pinto e Pais-Ribeiro e a subescala de bem-estar existencial da escala bem-estar espiritual. É importante ressaltar que a escolha desses instrumentos deve considerar importantes fatores para a prática clínica como a facilidade do seu uso, simplicidade de compreensão e pouco tempo para sua operacionalização, além de refletir a natureza dinâmica dos diagnósticos de enfermagem. Portanto, o instrumento deve demonstrar ser útil para a prática clínica, com aplicação rápida e capaz de identificar a presença do fenômeno investigado.

A utilização de várias abordagens para avaliação da espiritualidade, tal como empregadas neste estudo, amplia o leque de possibilidades para a identificação de diagnósticos relacionados à dimensão espiritual, assegurando ao paciente portador de IRC a assistência de enfermagem numa perspectiva holística. É necessário considerar que a literatura de enfermagem tem se dedicado, cada vez mais, ao estudo da espiritualidade e, portanto, podem surgir novos instrumentos que poderão representar o fenômeno investigado.

A subjetividade do tema investigado representa limitação do estudo, o que leva a se considerar importante a realização de novas pesquisas sobre o diagnóstico de enfermagem sofrimento espiritual em outras populações, com amostra extensa e que favoreça a generalização dos resultados.

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  • Corresponding Author:
    Emilia Campos de Carvalho
    Universidade de São Paulo. Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto
    Departamento de Enfermagem Geral e Especializada
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    E-mail:
  • 1
    Paper extrated from doctoral dissertation "Revisão do diagnóstico de enfermagem Angústia Espiritual" presented to Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      20 Set 2011
    • Data do Fascículo
      Ago 2011

    Histórico

    • Aceito
      17 Mar 2011
    • Recebido
      29 Jul 2010
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