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Acurácia do exame de urina simples para diagnóstico de infecções do trato urinário em gestantes de baixo risco

Resumos

Alterações anatômicas e fisiológicas da gravidez predispõem gestantes a infecções do trato urinário (ITU). O objetivo deste estudo foi identificar a acurácia do exame de urina simples para diagnóstico de ITU em gestantes de baixo risco. Fez-se uso do estudo de desempenho de teste diagnóstico realizado em Botucatu, SP, com 230 gestantes, entre 2006 e 2008. Os resultados mostram que a prevalência de ITU foi de 10%. A sensibilidade foi 95,6%, especificidade 63,3% e acurácia 66,5% do exame de urina simples, em relação ao diagnóstico de ITU. A análise dos valores preditivos positivo e negativo (VPP e VPN) mostrou que, na vigência de exame de urina simples normal, a chance de haver ITU foi pequena (VPN 99,2%). Frente ao resultado alterado desse exame, a probabilidade de haver ITU foi baixa (VPP 22,4%). Conclui-se que a acurácia do exame de urina simples como meio diagnóstico de ITU foi baixa, sendo indispensável a realização de urocultura para o diagnóstico.

infecções urinárias; gravidez; urina; diagnóstico


Anatomic and physiological alterations during pregnancy predispose pregnant women to urinary tract infections (UTI). This study aimed to identify the accuracy of the simple urine test for UTI diagnosis in low-risk pregnant women. Diagnostic test performance was conducted in Botucatu, SP, involving 230 pregnant women, between 2006 and 2008. Results showed 10% UTI prevalence. Sensitivity, specificity and accuracy of the simple urine test were 95.6%, 63.3% and 66.5%, respectively, in relation to UTI diagnoses. The analysis of positive (PPV) and negative (NPV) predictive values showed that, when a regular simple urine test was performed, the chance of UTI occurrence was small (NPV 99.2%). In view of an altered result for such a test, the possibility of UTI existence was small (PPV 22.4%). It was concluded that the accuracy of the simple urine test as a diagnostic means for UTI was low, and that performing a urine culture is essential for appropriate diagnosis.

urinary tract infections; pregnancy; urine; diagnosis


Las alteraciones anatómicas y fisiológicas de la gravidez predisponen a las gestantes a infecciones del tracto urinario (ITU). El objetivo de este estudio fue identificar la exactitud del examen de orina simple para diagnosticar ITU en gestantes de bajo riesgo. Se hizo uso del estudio de desempeño de prueba de diagnóstico realizado en Botucatu, San Pablo, con 230 gestantes, entre 2006 y 2008. Los resultados muestran que la prevalencia de ITU fue de 10%. La sensibilidad fue 95,6%, la especificidad 63,3% y la exactitud 66,5% del examen de orina simple, en relación al diagnóstico de ITU. El análisis de los valores de predicción positivo y negativo (VPP y VPN) mostró que, en la vigencia de examen de orina simple normal, la probabilidad de haber ITU fue pequeña (VPN 99,2%). Frente al resultado alterado de ese examen, la probabilidad de haber ITU fue baja (VPP 22,4%). Se concluye que la exactitud del examen de orina simple como medio de diagnóstico de ITU fue baja, siendo indispensable la realización de urocultura para el diagnóstico.

infecciones urinarias; embarazo; orina; diagnóstico


ARTIGO ORIGINAL

Acurácia do exame de urina simples para diagnóstico de infecções do trato urinário em gestantes de baixo risco1

Danielle Cristina Alves FeitosaI; Márcia Guimarães da SilvaII; Cristina Maria Garcia de Lima ParadaIII

IFaculdade de Medicina, Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho": Mestranda, e-mail: dcafeitosa@hotmail.com

IIFaculdade de Medicina, Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho": Professor Doutor, e-mail: mgsilva@fmb.unesp.br

IIIFaculdade de Medicina, Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho": Professor Adjunto, e-mail: cparada@fmb.unesp.br

RESUMO

Alterações anatômicas e fisiológicas da gravidez predispõem gestantes a infecções do trato urinário (ITU). O objetivo deste estudo foi identificar a acurácia do exame de urina simples para diagnóstico de ITU em gestantes de baixo risco. Fez-se uso do estudo de desempenho de teste diagnóstico realizado em Botucatu, SP, com 230 gestantes, entre 2006 e 2008. Os resultados mostram que a prevalência de ITU foi de 10%. A sensibilidade foi 95,6%, especificidade 63,3% e acurácia 66,5% do exame de urina simples, em relação ao diagnóstico de ITU. A análise dos valores preditivos positivo e negativo (VPP e VPN) mostrou que, na vigência de exame de urina simples normal, a chance de haver ITU foi pequena (VPN 99,2%). Frente ao resultado alterado desse exame, a probabilidade de haver ITU foi baixa (VPP 22,4%). Conclui-se que a acurácia do exame de urina simples como meio diagnóstico de ITU foi baixa, sendo indispensável a realização de urocultura para o diagnóstico.

Descritores: infecções urinárias; gravidez; urina; diagnóstico

INTRODUÇÃO

A infecção do trato urinário (ITU) é patologia muito frequente e comum que pode ocorrer em todas as idades. Considerando a vida adulta, 48% das mulheres apresentam pelo menos um episódio de ITU, sendo que a maior susceptibilidade se deve à uretra mais curta, à maior proximidade do ânus com o vestíbulo vaginal e uretra e ao início da atividade sexual(1-2).

Durante a gestação, especificamente, as mulheres passam por uma série de alterações, tanto de ordem emocional quanto física e fisiológica, que as tornam mais vulneráveis às ITUs. Entre as mudanças fisiológicas observam-se o aumento do tamanho uterino, do volume sanguíneo em decorrência da hemodiluição e da concentração de hormônios circulantes, principalmente estrogênio e progesterona(2-3). Além dessas alterações citadas, o aumento do pH urinário, devido à redução da capacidade renal de concentrar urina e ao aumento na excreção de sódio, glicose e aminoácidos aumentam a susceptibilidade do trato urinário de gestantes às infecções, propiciando meio adequado ao crescimento bacteriano(1-3).

Mais recentemente, estudos têm indicado que a gravidez, como evento isolado, não predispõe a ITU. Porém, mudanças anatômicas e fisiológicas impostas ao trato urinário pela gravidez predispõem a transformação de mulheres com bacteriúria assintomática em gestantes com ITU sintomáticas, deixando a impressão que o número de infecções urinárias seja maior nesse período da vida(4). De toda forma, pode-se afirmar que, durante a gravidez, fatores mecânicos e hormonais contribuem para provocar mudanças no trato urinário materno, tornando-o mais susceptível às formas sintomáticas de infecções(5).

A ITU, definida como a aderência de bactérias às paredes do trato urinário, acomete cerca de 10 a 12% das gestações, sendo a terceira ocorrência clínica durante esse período(1). As ITUs podem se apresentar como bacteriúria assintomática, cistite aguda e pielonefrite aguda(6). A presença de bactérias na ausência de sintomas clínicos configura o quadro de bacteriúria assintomática, que incide em torno de 5% das gestantes(6). A importância da bacteriúria assintomática está relacionada à possibilidade de evolução para infecção urinária clínica entre 40 e 60% dos casos, parto prematuro e hospitalização da gestante(1).

Considerando-se a completa ausência de sintomas e a possibilidade de evolução silenciosa para infecções urinárias altas, com repercussões negativas no resultado perinatal, recomenda-se a busca ativa e o tratamento da bacteriúria assintomática em gestantes(5).

A cistite aguda é constituída por comprometimento da uretra e principalmente da bexiga e apresenta quadro típico de infecção do trato urinário baixo com sintomas como: disúria, polaciúria, nictúria e dor suprapúbica ao urinar(5).

A Escherichia coli é o uropatógeno mais comum de todas as formas de ITU(1-3,6), sendo responsável por 80% dos casos(3). Destaca-se que, nas mulheres, a colonização da mucosa vaginal e periuretral pode preceder a ITU(2), sendo que essa infecção pode ascender, causando cistite e, se não tratada, pielonefrite. A punção vesical suprapúbica permite a confirmação diagnóstica de infecção do trato urinário, qualquer que seja a quantidade de colônias identificadas. Porém, por se tratar de exame invasivo, não é habitualmente utilizado. Assim, considera-se a urocultura padrão-ouro para investigação de ITU(2-3). Porém, quando é realizado apenas um exame, podem ocorrer falsos positivos em 10 a 20% dos casos e, para evitar falsos negativos, deve-se optar pela coleta da primeira urina da manhã ou com um intervalo mínimo de duas horas da micção anterior(2). Apesar disso, em alguns serviços de assistência pré-natal, os protocolos de atenção à gestante não preveem a realização desse exame, devido ao seu custo e à demora para a obtenção do resultado(3), sendo o diagnóstico realizado clinicamente e/ou com apoio apenas do exame de urina simples.

No exame de urina simples, várias propriedades urinárias podem ser analisadas, dentre elas a coloração, odor, turvação, densidade específica, pH e presença de glicose, cetonas, sangue, proteína, bilirrubina, urobilinogênio, nitrito, esterase leucocitária e sedimentos urinários, sendo relevantes para o rastreamento de ITU a presença de leucócitos, hemácias, glicose, cristais, cilindros, bactérias e nitritos. O aumento do número de leucócitos e a presença de nitritos ou hemácias são indicativos de provável infecção. Ressalta-se, porém, que leucocitúria, proteinúria e cilindrúria são apenas sinais de inflamação e não necessariamente equivalem à bacteriúria significativa(3). A bacteriúria sempre que presente necessita de confirmação mediante urocultura(2).

O não tratamento ou o tratamento inadequado das ITUs pode levar a complicações obstétricas e neonatais. Dentre elas, destacam-se a rotura prematura de membranas, o trabalho de parto e parto prematuros, a restrição de crescimento intrauterino, o baixo peso ao nascer, o abortamento e o óbito fetal(1-3,6). Outras complicações da gravidez têm sido associadas às ITUs: hipertensão, pré-eclâmpsia, anemia, corioamnionites, endometrites, septicemias(3,7) e deterioração da função renal(5). Por outro lado, recente revisão sistemática concluiu que o tratamento com antibióticos é efetivo para reduzir o risco de pielonefrite na gravidez, sugerindo também redução no baixo peso ao nascer, o que é consistente com as atuais teorias sobre a função da infecção nos resultados adversos da gravidez. Porém, os autores apontaram para a necessidade de interpretar esses resultados com cautela, devido à qualidade deficiente dos estudos incluídos na revisão(7).

Pelo exposto, pode-se afirmar que a ocorrência de infecção urinária na gravidez associa-se a desfechos gestacionais desfavoráveis. Apesar disso, muitas vezes, a urina simples permanece como único exame disponível na rotina pré-natal para diagnóstico de ITU. Porém, estudos de prevalência e relacionados a testes diagnósticos nessas áreas são relevantes, na medida em que evidências científicas devem embasar a prática clínica. Assim, os objetivos do estudo são: identificar a acurácia do exame de urina simples para diagnóstico de infecção do trato urinário em gestantes de baixo risco e avaliar a associação entre infecção urinária e variáveis sociodemográficas e sinais e sintomas urinários.

PACIENTES E MÉTODOS

Desenho do estudo e local de realização

Trata-se de estudo analítico transversal, para análise do desempenho de um teste diagnóstico. Foi realizado no município de Botucatu, localizado na região central do Estado de São Paulo, com população estimada de 120.800 habitantes. O serviço público de atenção básica de Botucatu é constituído por três policlínicas, três centros municipais de saúde e oito unidades de saúde da família.

População e amostra

Considerando a prevalência média de infecções do trato urinário em 10%, com coeficiente de confiança de 95%, margem de erro de 5%, amostra estratificada por unidade de saúde considerando o coeficiente de 0,1371 e o total de 1006 gestantes atendidas, inicialmente, o tamanho mínimo da amostra calculado foi de 138 pacientes. A partir de estudo piloto, considerando o valor de sensibilidade obtido, o coeficiente de confiança de 99% e margem de erro de 5%, o tamanho amostral foi calculado em 140 pacientes. Foram incluídas no estudo, 230 gestantes atendidas em todas as unidades de atenção básica do município, no período de outubro de 2006 a março de 2008.

Critérios de inclusão e exclusão

Incluíram-se no estudo gestantes de qualquer idade gestacional, com ou sem queixa urinária e que entregaram amostras urinárias para realização dos exames de urina simples e urocultura. Foram excluídas gestantes cujos resultados da urocultura indicavam contaminação da amostra durante a coleta.

Coleta de dados

Constituiu fonte de dados a anamnese das gestantes com informações sociodemográficas, antecedentes pessoais e obstétricos, dados obtidos através de instrumento próprio.

Coleta de urina para diagnóstico das infecções do trato urinário

A coleta de urina para a realização dos exames de urina simples e urocultura foi realizada a partir da técnica do jato médio, sendo que, para o último exame, foi realizada higiene íntima com água e sabonete, conforme rotina das unidades básicas de saúde do município de Botucatu.

Critérios diagnósticos das infecções do trato urinário

Urina simples: foram considerados normais os valores de até quatro leucócitos por campo; duas hemácias por campo; nitritos negativos; glicose, proteínas, urobilinogênio, bilirrubina e corpos cetônicos ausentes; células epiteliais ausentes ou moderadas.

Uroculturas: positivas sempre que apresentaram crescimento bacteriano, independentemente do número de colônias.

Variáveis estudadas

As variáveis sociodemográficas foram: idade (anos), estado civil (casada, solteira, união estável e outros), anos de aprovação escolar (anos) e ocupação. Entre os antecedentes ginecológicos e obstétricos: número de parceiros nos últimos 6 meses, número de gestações, paridade, número de abortos, número de cesáreas, data da última menstruação (dd/mm/aa), idade gestacional (semanas), história de prematuridade (sim, não) e recém-nascido (RN) de baixo peso (sim, não). Investigaram-se os antecedentes de infecção urinária (sim, não), número de episódios, ano do último episódio, tratamento (sim, não), história na última gestação (sim, não) e história de internação por ITU (sim, não).

Entre os sinais e sintomas atuais de ITU verificou-se: ardência ou dor (sim, não), urina escura (sim, não), odor forte (sim, não) e urgência miccional (sim, não). Com relação aos resultados dos exames, para urina simples observou-se: nitrito (sim, não), proteína (sim, não), glicose (sim, não), corpos cetônicos (sim, não), urobilinogênio (sim, não), pigmentos biliares (sim, não), sangue (sim, não), esterase leucocitária (sim, não), mais de quatro leucócitos por campo (sim, não), mais de duas hemácias por campo (sim, não), células epiteliais abundantes (sim, não) e cristais (sim, não); para urocultura (positiva, negativa) e microorganismo isolado.

Análise dos dados

Para a análise dos dados foi construído banco no software Excel, que permitiu o intercâmbio de informações com o software estatístico EpiInfo. A análise estatística foi realizada a partir do teste qui-quadrado (χ2), fixando nível de significância α=0.05, com o cálculo dos respectivos odds ratio e intervalo de confiança (IC 95%). Apenas para análise de associação entre dor ou ardor ao urinar e sedimentos urinários com infecção urinária, utilizou-se qui-quadrado com correção de Yates.

Procedimentos éticos

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina de Botucatu, UNESP, (Ofício 85/2006-CEP) e foi realizado de acordo com os preceitos éticos estabelecidos pela Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde. As pacientes concordantes em participar do estudo assinaram termo de consentimento livre e esclarecido.

RESULTADOS

Das 230 gestantes incluídas no estudo, a maioria delas referiu ter companheiro, sendo que 40,9% tinham união estável e 38,3% eram casadas; nove ou mais anos de aprovação escolar (55,2%); não tinham atividade remunerada (54,3%) e 43,5% delas não tinha filhos.

Tinham história de aborto 19,5% e cesárea anterior, 21,8% das gestantes. Parto prematuro foi referido por 11,9%, baixo peso por 10,4%, dispareunia por 28,7% e sangramento após a relação sexual por 3,9% das mulheres. Uma delas tinha tido dois ou mais parceiros nos últimos seis meses. A maioria das coletas de exames foi realizada até a 17ª semana de gestação. Referiram infecção urinária prévia mais da metade das gestantes, sendo que 53,1% delas apontaram episódio único e 82,8% desses até há cinco anos. Destaca-se que em cinco casos (3,9%) não houve tratamento.

A Tabela 1 apresenta a relação entre infecção urinária, variáveis sociodemográficas e história de ITU anterior ou dispareunia. Houve associação apenas entre história de ITU anterior e infecção urinária entre as gestantes estudadas.

Com relação aos sinais e sintomas relativos à infecção urinária, a queixa mais frequente apresentada pelas gestantes foi a percepção de urina escura: 42,2%, seguida pela urgência miccional, referida por 40,9% delas.

Observa-se, na Tabela 2, que 13% das pacientes que não tinham infecção urinária, referiam dor ou ardência para urinar. Houve associação apenas entre infecção urinária e queixa de urina escura.

Destaca-se que 43,5% das gestantes portadoras de infecção urinária não tinham qualquer sintomatologia. Considerando-se o total de mulheres, a prevalência de bacteriúria assintomática foi de 4,3%. Não houve associação entre sintomas e infecção urinária. Os principais microrganismos isolados nos casos de ITU foram Escherichia coli (47,8%), Staphylococcus saprophyticus (8,7%), Streptococcus agalactiae (8,7%) e Klebsiela pneumoniae (8,7%).

A relação entre glicose, proteínas, urobilinogênio, bilirrubinas, nitritos, corpos cetônicos, células epiteliais, cristais, leucócitos e hemácias alterados no exame de urina simples e infecção urinária mostrou associação apenas entre presença de nitritos e leucócitos (mais de quatro por campo) e infecção urinária (OR 12,64 [3,35-56,04]).

A análise da urina simples, como meio diagnóstico de infecção urinária, evidenciou altas sensibilidade: 95,6% e valor preditivo negativo: 99,2% (Tabela 3).

Sensibilidade: 95,6%; especificidade: 63,3%; valor preditivo positivo: 22,4%, valor preditivo negativo: 99,2% e acurácia: 66,5%.

DISCUSSÃO

Estudou-se a acurácia do exame de urina simples para diagnóstico de infecção urinária, a partir de amostra representativa de gestantes atendidas durante o pré-natal nas unidades de atenção básica de Botucatu, responsáveis pelo atendimento público das gestantes de baixo risco do município, com a finalidade de contribuir para melhoria da qualidade da assistência materno infantil.

Baixo nível socioeconômico, alta paridade e idade avançada, entre outros, são fatores associados à infecção urinária durante a gestação(8). As gestantes investigadas eram jovens, apresentando média e mediana de idade de 25 anos e 70% delas eram primigestas ou tinham apenas um filho vivo, evidenciando baixa paridade. A escolaridade materna, indicador frequentemente associado ao nível socioeconômico familiar, mostrou situação relativamente desfavorável, pois 44,7% das gestantes tinham no máximo ensino fundamental completo. A maior parte delas não exercia atividade remunerada (54,3%). Neste estudo, não houve associação entre idade, escolaridade e multiparidade com ITU. A análise dos antecedentes obstétricos demonstra que 19,5% das pacientes tinham história de aborto e 21,8% de cesárea anterior, valores abaixo da média nacional, que está em torno de 31% para o aborto e 40% para os partos cesárea(9).

Infecção do trato urinário prévia foi referida por 55,7% das mulheres, sendo o episódio único em 53,1% dos casos. A grande maioria das mulheres com história de ITU prévia foi tratada (96,1%) e o tempo decorrido, desde sua ocorrência, foi de, até, cinco anos (82,8%). Destaca-se que 71,1% das gestantes referiram ITU em gestação anterior e 7% internação em decorrência dela. Antecedentes de infecção urinária aumentam a probabilidade de novo episódio na gestação, sendo o risco de 27 a 47% maior quando a infecção ocorreu na infância(10).

Estudo epidemiológico com 6.795 gestantes, que teve por objetivo identificar características epidemiológicas capazes de predizer infecção urinária sintomática e assintomática no início do pré-natal, evidenciou duas fortes características: história de infecção urinária prévia à gravidez e infecção urinária na gravidez atual antes do início do pré-natal(11). Nesta investigação, a história de ITU associou-se ao desenvolvimento de infecção urinária na gestação. A queixa de dispareunia, porém, não se associou à ITU e, pela baixa prevalência, não se buscou associação da ITU com variáveis como: sangramento após relação sexual, número de parceiros, prematuridade e baixo peso ao nascer.

Em relação aos sinais e sintomas relativos à infecção urinária, referidos pelas gestantes, o de maior frequência observado foi urina escura (42,2%), seguido de urgência miccional (40,9%). A análise da relação entre os sintomas isolados um a um e a infecção urinária evidenciou associação apenas em relação à urina escura. Porém, discutir os sinais e sintomas de ITU na gestação pode constituir paradoxo, na medida em que muitos deles são habitualmente referidos pelas gestantes.

Por outro lado, o inverso, ou seja, a completa ausência de sintomas, não descarta a presença de infecção e, consequentemente, os riscos dela decorrentes. A bacteriúria assintomática pode evoluir para pielonefrite em 25 a 40% dos casos, se a paciente não for tratada(10). No presente estudo, a prevalência de bacteriúria assintomática foi de 4,3%, valor inferior ao encontrado em outros estudos(1,12).

Até o momento, não se pode afirmar qual é o perfil epidemiológico das gestantes com maior probabilidade para desenvolver bacteriúria assintomática, assim como ocorre com a ITU sintomática. Em estudo brasileiro, sua frequência aumentou com a atividade sexual, paridade, baixo nível socieconômico e com a idade(5), na Índia associou-se à primiparidade e adolescência(12) e na Etiópia, à multiparidade(13).

Sabendo-se do risco aumentado para o desenvolvimento de ITU na gestação, da possibilidade de ocorrência de bacteriúria assintomática e das possíveis complicações maternas e perinatais, alguns pesquisadores apontam como inquestionável a necessidade de realização de urocultura, rotineiramente, no início da gestação(3). Porém, muitas questões sobre infecção urinária na gestação ainda requerem investigação clínica, por permanecerem controversas.

No presente estudo, a prevalência de ITU foi de 10%, em concordância com o observado na literatura(10). O agente etiológico de maior frequência foi Escherichia coli (E. coli), responsável por 47,8% das infecções. Na enfermaria de Gestação de Alto Risco do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto, 75,8% das gestantes com diagnóstico clínico de pielonefrite tiveram a E.coli como agente causal(3), mesmo valor obtido em estudo americano(14).

Houve associação apenas entre a presença de nitritos e leucócitos e infecção urinária. Em estudo sobre diagnóstico da bacteriúria assintomática, observou-se alta especificidade (99,2%) e baixa sensibilidade (60%) no teste de nitrito, sendo os falsos negativos atribuídos a bactérias que não metabolizam o nitrato, ao tempo de permanência da urina na bexiga insuficiente para haver o metabolismo e pouco nitrato na dieta(15). O teste da esterase leucocitária possui baixa sensibilidade e especificidade (25%), além de poder apresentar resultados falsos positivos. Assim, ambos os testes não devem ser usados isoladamente(16).

Nesta investigação, a análise da urina simples, como meio de diagnóstico de infecção urinária, evidenciou boa sensibilidade (90,5%), mas baixa especificidade (63,3%). Esses dados indicam que, na vigência de alteração no exame de urina simples, não necessariamente está em curso uma infecção urinária, sendo necessária a realização de exame complementar para o correto diagnóstico de ITU, como a urocultura. Considerando que o valor preditivo positivo indica a probabilidade do indivíduo realmente ter a doença quando o teste é positivo, o baixo valor obtido (22,4%) confirma a afirmação acima. Por outro lado, o elevado valor preditivo negativo encontrado (99,2%) indica que se o exame de urina simples estiver normal, a chance de realmente não haver infecção urinária é muito alta. Em síntese, pode-se afirmar que a acurácia da urina simples para diagnóstico de ITU (66,5%) obtida foi baixa.

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  • 1
    This research was supported by FAPESP (Process 2007/55855-0).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      02 Out 2009
    • Data do Fascículo
      Ago 2009

    Histórico

    • Aceito
      18 Jun 2009
    • Recebido
      30 Jul 2008
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