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Conhecimentos e atitudes de docentes e alunos em enfermagem na interface espiritualidade, religiosidade e saúde

Resumos

Objetivou-se com o presente estudo comparar conhecimentos e atitudes dos docentes e discentes de Enfermagem frente à interface espiritualidade, religiosidade e saúde. Para isso, realizou-se estudo transversal, com 30 docentes e 118 discentes de Enfermagem. Como resultados, mais de 95% dos participantes possuíam algum tipo de filiação religiosa, 96% acreditavam que a espiritualidade influenciava muito na saúde do paciente, e 77% sentiam vontade de abordar o assunto. Entretanto, somente 36% julgavam-se preparados, e a maioria acreditava que a universidade não proporcionava todas as informações necessárias sobre o tema. Não houve diferenças estatísticas entre a religiosidade de docentes e discentes de Enfermagem, porém, houve marcante diferença entre suas práticas clínicas e opiniões a respeito da espiritualidade e de sua implementação no currículo. As principais barreiras ao abordar o assunto foram: medo de impor as próprias crenças, falta de tempo e medo de ofender os pacientes.

Espiritualidade; Enfermagem; Ensino


This study compares the knowledge and attitudes of nursing professors and students concerning the interface between spirituality, religiosity and health. A cross-sectional study was conducted with 30 nursing professors and 118 students. The results reveal that more than 95% of the participants had some religious affiliation, 96% believed that spirituality considerably influences patients' health, and 77% wished to address this subject. However, only 36% felt prepared for it and most believed that the university did not provide the necessary information. No statistical differences were found between the religious practices of nursing professors and students, though a marked difference was found in their clinical practices and opinions concerning spirituality and its inclusion in the program's curriculum. The most common barriers to addressing such a subject were: fear of imposing one's own beliefs, lack of time, and fear of offending patients.

Spirituality; Nursing; Teaching


El presente estudio tuvo como objetivo comparar conocimientos y actitudes de los profesores y estudiantes de enfermería frente al enlace entre Espiritualidad, Religiosidad y Salud. Se trata de un estudio transversal, con 30 profesores y 118 estudiantes de enfermería. Como resultados se obtuvo que más de 95% de los participantes poseían algún tipo de afiliación religiosa, 96% creían que la espiritualidad influenciaba mucho en la salud del paciente y 77% sentían deseos de abordar el asunto. Entretanto, solamente 36% se juzgaban preparados y la mayoría creía que la universidad no proporcionaba todas las informaciones necesarias sobre el tema. No hubo diferencias estadísticas entre la religiosidad de profesores y estudiantes de enfermería, sin embargo hubo una clara diferencia entre sus prácticas clínicas y opiniones al respecto de la espiritualidad y de su implementación en el currículo. Las principales barreras para abordar el asunto fueron: miedo de imponer las propias creencias, falta de tiempo y miedo de ofender a los pacientes.

Espiritualidad; Enfermería; Enseñanza


ARTIGO ORIGINAL

Conhecimentos e atitudes de docentes e alunos em enfermagem na interface espiritualidade, religiosidade e saúde

Claudia de Souza TomassoI; Ideraldo Luiz BeltrameII; Giancarlo LucchettiIII

IEnfermeira. E-mail: clautomasso@uninove.edu.br

IICientista Social, Doutor em Saúde Pública, Professor Titular, Diretoria de Ciências da Saúde, Universidade Nove de Julho, São Paulo, SP, Brasil. E-mail: idbeltrame@uninove.br

IIIMédico, Doutorando em Neurologia, Universidade Federal de São Paulo, SP, Brasil. Coordenador, Departamento de Pesquisa, Associação Médico-Espírita de São Paulo, SP, Brasil. E-mail: g.lucchetti@yahoo.com.br

Endereço para correspondência

RESUMO

Objetivou-se com o presente estudo comparar conhecimentos e atitudes dos docentes e discentes de Enfermagem frente à interface espiritualidade, religiosidade e saúde. Para isso, realizou-se estudo transversal, com 30 docentes e 118 discentes de Enfermagem. Como resultados, mais de 95% dos participantes possuíam algum tipo de filiação religiosa, 96% acreditavam que a espiritualidade influenciava muito na saúde do paciente, e 77% sentiam vontade de abordar o assunto. Entretanto, somente 36% julgavam-se preparados, e a maioria acreditava que a universidade não proporcionava todas as informações necessárias sobre o tema. Não houve diferenças estatísticas entre a religiosidade de docentes e discentes de Enfermagem, porém, houve marcante diferença entre suas práticas clínicas e opiniões a respeito da espiritualidade e de sua implementação no currículo. As principais barreiras ao abordar o assunto foram: medo de impor as próprias crenças, falta de tempo e medo de ofender os pacientes.

Descritores: Espiritualidade; Enfermagem; Ensino.

Introdução

A Enfermagem vem enfatizando a importância de se reconhecer a religião e a espiritualidade como fontes de fortalecimento para o enfrentamento de doenças(1).

Na história da Enfermagem brasileira, a religião ocupa lugar privilegiado. Às vezes, uma chega a ser a porta-voz da outra, na formulação de um pensamento e na consolidação de atitudes que influenciam a formação e o exercício profissional dos enfermeiros e auxiliares de Enfermagem(2).

A religiosidade/espiritualidade tem demonstrado potencial impacto sobre a saúde física, atuando como possível fator de prevenção ao desenvolvimento de doenças na população previamente sadia, eventual aumento de sobrevida e impacto sobre diversas doenças(3).

Estudos recentes demonstram que pessoas com maior religiosidade ou espiritualidade possuem maior bem-estar geral, menor prevalência de depressão, menor abuso de drogas ilícitas e lícitas, menor incidência de suicídio, melhor qualidade de vida, maior sobrevida e menor tempo de internação, dentre outras associações(4).

A espiritualidade relacionada à saúde tem se tornado paradigma a ser estabelecido na prática clínica diária(5). A prática diz que "a enfermeira não responde somente pelo que é material em sua atenção com o paciente, mas por um ser que tem vida e que sofre no seu todo: corpo, mente e espírito". O profissional de enfermagem é, assim, treinado a fazer com que o paciente saiba aceitar sua situação, apaziguar seu sofrimento e enfrentar seus conflitos pessoais(6).

A formação do estudante de Enfermagem é, provavelmente, um dos momentos mais importantes na sua carreira futura. Os contatos com os professores e a vivência clínica moldam suas atitudes em relação a colegas e aos próprios pacientes. O modo com que a espiritualidade é ensinada pelos docentes e percebida pelos alunos pode levar a maior compreensão dessa dimensão, no próprio cuidado.

Objetiva-se com o presente estudo comparar os conhecimentos e atitudes dos docentes e discentes em enfermagem frente à interface entre espiritualidade, religiosidade e saúde.

Métodos

Tipo de estudo: transversal, de cunho quantitativo.

Local da coleta e período: o estudo foi realizado nos campi relacionados à Faculdade de Enfermagem da Universidade Nove de Julho, em São Paulo (Uninove) – Brasil, entre os meses de setembro a novembro de 2010.

População e amostra: o estudo consistiu na avaliação de dois grupos: docentes e discentes do curso de Enfermagem. A seleção dos participantes como mostrado a seguir.

Docentes: foram selecionados de forma aleatória e consecutiva (conforme presença dos docentes no campus Memorial), estimando-se a participação de 30 docentes do curso de Enfermagem (enfermeiros filiados à Universidade Nove de Julho – Campus Memorial) por meio de convite verbalizado. Esses foram contatados pessoalmente e solicitados a preencher o questionário padrão.

Discentes: devido ao grande número de alunos de Enfermagem, optou-se por realizar amostra de conveniência, selecionando-se quatro turmas distintas, de 30 alunos cada, totalizando 120 alunos: uma turma do segundo semestre, uma turma do quarto semestre, uma turma do sexto semestre e uma turma do oitavo semestre. Os estudantes também foram convidados e abordados pessoalmente antes de aulas ou em intervalos. A escolha de turmas de diferentes semestres foi realizada para que fosse possível fazer uma comparação entre os conhecimentos e atitudes frente ao tema, durante a formação de Enfermagem.

Critérios de inclusão e exclusão: foram incluídos todos os docentes e discentes que desejaram participar voluntariamente do estudo e que assinaram o termo de consentimento. Aqueles que não foram localizados ou que não quiseram participar foram excluídos.

Instrumento de coletas de dados: utilizou-se um instrumento padrão autopreenchível (28 questões) que foi aplicado a todos os participantes do trabalho. Esse questionário foi adaptado de um estudo multicêntrico que envolve acadêmicos de medicina, é coordenado pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e está em andamento, consistindo de:

- dados sociodemográficos - sexo, idade, renda familiar, etnia e semestre de graduação;

- religiosidade e espiritualidade do participante - avaliação das múltiplas dimensões de religiosidade, por meio da filiação religiosa e escala de Religiosidade da Duke University (Duke Religion Index), já validada para o Brasil(7). Essa escala é composta de cinco questões e avalia três tipos de religiosidade: organizacional (frequência religiosa), não organizacional (reza, leitura da Bíblia, meditação, dentre outros) e religiosidade intrínseca;

- prática clínica, o paciente e a espiritualidade - conhecimentos e opiniões sobre a relação espiritualidade e saúde, inserindo o contexto na prática clínica do enfermeiro;

- a formação acadêmica e o tema espiritualidade - de que forma a universidade aborda e deve abordar o tema;

- conceito de espiritualidade - qual o conceito de espiritualidade apontado pelos participantes.

Análise estatística: os dados foram tabulados em Excel e analisados por meio do programa SPSS 17.0. Inicialmente, foram realizadas tabelas de contingência e medidas resumo das opiniões e atitudes dos participantes. Depois foi realizada análise estatística, por meio do teste de qui-quadrado (para variáveis categóricas), no intuito de comparar as diferenças entre opiniões e atitudes dos docentes e discentes frente ao tema. Foi adotado um p<0,05 e o intervalo de confiança foi de 95%.

Aspectos Éticos: todos os participantes foram submetidos a um termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE) e só puderam participar do estudo após assinarem esse termo. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Nove de Julho.

Resultados

A amostra final foi constituída de 30 docentes do curso de Enfermagem e 118 discentes do mesmo curso, assim distribuídos: 29 do segundo semestre, 29 do quarto semestre, 30 do sexto semestre e 30 do oitavo semestre. A taxa de respostas ao questionário foi de 100% entre os professores e 98,3% entre os alunos. Somente dois alunos não responderam ao questionário; ambos relataram que não tinham tempo disponível para participar.

Características e comparação das variáveis sociodemográficas dos participantes

Os professores eram constituídos, em sua maioria, por profissionais do gênero feminino, idade superior a 35 anos, etnia branca e renda superior a sete salários mínimos. Quanto aos alunos, houve predominância do gênero feminino, idade inferior a 35 anos, etnia branca (com exceção do sexto semestre) e renda abaixo de sete salários mínimos. Ao comparar professores com alunos e comparar os próprios aluno entre eles, não houve diferença estatística entre a variável gênero. Já quanto à idade, observou-se nítida diferença entre a idade média dos professores e a dos alunos, caracterizando-se os primeiros com idade superior (p<0,001). Quando avaliada a variável renda, houve diferença estatística entre professores (maior renda) e alunos (menor renda) (p<0,001), mas não entre alunos. No que tange à etnia, apenas o sexto semestre era composto predominantemente por outras etnias que não a branca.

Características e comparação das variáveis religiosas dos participantes

A grande maioria dos participantes possuía alguma filiação religiosa. Entretanto, nas questões relativas à religiosidade organizacional, não organizacional e intrínseca, obtiveram-se os seguintes resultados: a maioria frequentava o serviço religioso menos de uma vez por semana, cerca de 50% praticava religiosidade privada (reza, leitura religiosa, programas de televisão, meditação) e a maioria obteve altos valores na escala de religiosidade intrínseca. Quanto à comparação da religiosidade e filiação religiosa entre os grupos, não houve diferença estatística em nenhuma das dimensões, apontando para a homogeneidade da amostra, nesse aspecto.

Prática clínica da espiritualidade pelo enfermeiro

Na avaliação da prática clínica pelo enfermeiro, a grande maioria acreditava que a espiritualidade influencia a saúde de seus pacientes (mais de 90% em alguns casos), cerca de metade acreditava que a espiritualidade influencia no próprio atendimento do enfermeiro, e a maioria relatou que sentia vontade de fazer essa abordagem, mas não se considerava preparada para tal (Tabelas 1 e 2 ).

Quando foi feita a comparação entre professores e alunos, os professores sentiam-se mais preparados para a abordagem que os alunos (diferença estatisticamente significante). Da mesma forma, os alunos de semestres mais avançados sentiam-se mais preparados em comparação com os do segundo semestre. Outro dado importante foi que o oitavo semestre relatava menor vontade em proceder à abordagem, quando comparado aos professores, mas não com os alunos.

Abordagem da espiritualidade pelo enfermeiro

Na avaliação da abordagem da espiritualidade pelo enfermeiro, os professores acreditavam que essa abordagem era mais apropriada, ao serem comparados aos alunos do segundo e sexto semestre. Com relação aos próprios alunos, os do quarto semestre acreditavam que a abordagem era mais apropriada, comparados aos alunos do segundo semestre, mas não em relação aos do sexto e oitavo semestres (Tabela 3).

Questionados se já haviam perguntado sobre o assunto e com qual frequência, houve predomínio de respostas afirmativas no grupo dos professores, em relação aos alunos, tendo significância estatística em relação aos segundo, quarto e sexto semestres. Entretanto, no geral, poucos participantes relataram perguntar sobre a espiritualidade de seus pacientes.

Opinião dos professores e alunos de Enfermagem frente à abordagem da espiritualidade durante a formação universitária

Quanto à formação universitária, apenas três participantes (2,0% do total) referiram que a formação universitária fornecia informações suficientes (bastante ou muitíssimo) sobre o tema espiritualidade, não havendo diferença estatística entre os grupos. A grande maioria também via a necessidade da incorporação do assunto na grade curricular. O segundo semestre foi aquele que menos manifestou interesse em integrar esse conhecimento no currículo.

Quando questionados se os alunos deveriam ser preparados sobre o tema na graduação, os professores responderam de forma mais afirmativa que os alunos. A maioria disse que o tema nunca havia sido abordado na sua graduação (45,3%), e aqueles que mencionaram já haver ocorrido tal abordagem relataram que essa ocorreu entre os segundo e sexto semestres (Tabelas 4 e 5 ).

Participação em atividades relacionadas e atualização sobre o tema:

Quando questionados se já haviam participado de alguma atividade de formação sobre a relação Saúde e Espiritualidade: 22 (14,9%) referiram que sim; 109 (73,2%) referiram que não, mas gostariam de participar, 15 (10,1%) referiram que não e não gostariam de participar e 2 (1,4%) não tinham opinião formada. Os participantes relataram que procuram buscar informações sobre o tema através de: palestras que abordam o assunto (12,2%), leitura de livros (30,2%), ajuda dos docentes (5,4%), na própria religião (38,3%) e 23,5% não procuravam informações.

Conceito de espiritualidade

Ao serem questionados quanto ao conceito de espiritualidade (sendo permitido marcar mais de uma alternativa): a maioria (46,3%) apontou para o conceito "crença e relação com Deu /religiosidade", seguido de "busca de sentido e significado para a vida humana" (36,9%); "crença na existência da alma e vida após a morte" (25,5%); "crença em algo transcendente à matéria" (14,1%) e "postura ética e humanística" (14,8%).

Barreiras apontadas por professores e estudantes de Enfermagem

As principais barreiras apontadas pelos participantes foram: medo de impor suas crenças (46,6%); falta de tempo (23,0%); medo de ofender os pacientes (18,9%); falta de conhecimento (14,9%); desconforto com o tema (14,2%); falta de treinamento (10,1%); outros motivos (9,5%); "não faz parte do meu trabalho" (4,7%); medo de que os colegas não aprovem (3,4%) e conhecimento sobre religião não é relevante (2,7%).

Discussão

A amostra do presente estudo apresentou predomínio do sexo feminino e idade mais jovem para os estudantes de Enfermagem; dados correlatos com estudos nacionais prévios(8). Quanto à religiosidade, os participantes deste estudo possuíam frequência religiosa comparável à da população brasileira em geral. Esses achados indicam que os universitários (alta escolaridade) demonstram frequência religiosa comparável aos de baixa escolaridade, conforme levantamento nacional recente(9). Da mesma forma, possuíam altos níveis de religiosidade intrínseca, dado correlato com estudo realizado com estudantes de Enfermagem de Taiwan(10). Quando comparados docentes e discentes, houve homogeneidade no conhecimento e na prática pessoal de religiosidade e espiritualidade, ou seja, o estágio de formação em Enfermagem pouco influenciou em seus valores culturais e crenças religiosas.

A maioria dos participantes relatou que a espiritualidade influenciava na saúde de seus pacientes e na própria assistência de Enfermagem. Diversos estudos vêm demonstrando a influência da espiritualidade na prevalência de transtornos mentais, qualidade de vida, sobrevida, tempo de internação, dentre outros(4,11). Da mesma forma, a espiritualidade está e esteve presente na assistência de Enfermagem desde seus tempos mais remotos. Florence Nightingale(12) (considerada precursora da Enfermagem científica) trazia o legado de enxergar o ser humano de forma holística, ou seja, como um ser biopsíquico, social e espiritual, que transcende o aspecto físico. Autores apontam que a espiritualidade "é uma dimensão humana na qual existem fenômenos, como a angústia espiritual, que cabe à enfermeira diagnosticar e tratar, de forma autônoma"(13). Os participantes desta pesquisa parecem compreender a importância desse aspecto na vida de seus pacientes.

Em relação ao semestre no qual o assunto foi abordado, notou-se que cerca de 60% dos participantes disseram que nunca haviam tido essa abordagem. De certa forma, a espiritualidade ainda é pouco abordada na grade curricular da formação em Enfermagem, assim como, por exemplo, a tanatologia que, apesar de sua profunda importância, ainda é pouco inserida no currículo de Enfermagem(14). Essa falta de treinamento vem colocando barreiras na própria assistência dessa dimensão pelo enfermeiro que não se julga preparado para abordar a espiritualidade do paciente. Em 2010, estudo conduzido do qual participaram 30 enfermeiros de unidades oncológica e semi-intensiva, questionou se esses enfermeiros já haviam tido contato com o tema espiritualidade na graduação. Os autores relatam que só 33% dos enfermeiros afirmaram que sim(15) e que 83% achavam importante essa abordagem.

Em geral, poucos participantes abordaram a espiritualidade de seus pacientes, dado correlato com outros estudos relacionados a profissionais de saúde. Somente 11% dos médicos perguntam sobre as crenças espirituais do paciente(16-17). Em contraposição, mais de 70% dos pacientes gostariam que seus médicos perguntassem sobre o assunto(16).

Outro dado importante é que os alunos de semestres mais avançados sentiam-se mais preparados que os demais e possuíam opiniões mais parecidas com as dos professores. Esse resultado pode estar associado à vivência e experiência do aluno, no decorrer da sua formação, assim como pode estar associado ao contato mais próximo com o paciente, nos estágios práticos, e a maior exposição a aulas que colocam o assunto em pauta. Segundo alguns autores, são notáveis as profundas transformações pelas quais os estudantes passam, no decorrer de sua graduação(18).

Apesar disso, foi surpreendente o número de participantes que declarou que a formação universitária não aborda de forma satisfatória (muitíssimo ou bastante) o assunto. Esse resultado é similar ao encontrado por outros pesquisadores, entre docentes do curso de medicina, em Botucatu, em que mais de 90% dos médicos disseram que a universidade não fornecia informações suficientes para o aluno(19).

Estudos demonstram que, entre os enfermeiros, a maioria acredita que esse assunto deve constar no currículo de Enfermagem. Em 1994, foram avaliados docentes de Enfermagem da Escola de Enfermagem da USP, e 66% disseram que consideravam importante o ensino da assistência espiritual no curso de graduação(20). Numa comparação com o presente estudo, pode-se sugerir que houve aumento da importância desse assunto no contexto do ensino de Enfermagem, em que mais de 86% disseram que sim.

Quanto às principais barreiras apontadas, os participantes relataram, em 46% das vezes, o medo de impor suas crenças. Esse medo é justificado pela própria falta de treinamento e pelo despreparo em entender a espiritualidade como algo mais amplo e não associado somente com a religiosidade. Além disso, a abordagem da espiritualidade deve primar pela avaliação da crença do paciente e não pela imposição de sua própria crença, pelo profissional. Autores apontam que "qualquer que seja a crença religiosa da enfermeira, ela deve conhecer as religiões de seus pacientes e, por todas as maneiras, encorajar, ver, reforçar essas crenças. O poder da fé é inigualável, e o conforto e a segurança que a religião oferece são um estímulo à vida"(21).

Vinte e três por cento relataram como barreira adicional a falta de tempo. Esse aspecto traz a questão da própria essência assistencialista do enfermeiro, que vem sendo sobrepujada por questões de cunho administrativo e burocrático, tornando a proximidade direta com o paciente um tanto negligenciada(22).

O medo de ofender os pacientes foi apontado por 18,9% dos participantes. Quando se notam as últimas pesquisas em cenários médicos, observa-se claramente que o paciente, muitas vezes, anseia por essa abordagem e, em sua maioria, não se sente ofendido(4,16).

Quando questionados se já haviam participado de atividades relacionadas ao tema, a maioria disse que não, mas que gostaria de participar. Esse dado faz-se relevante, pois demonstra que os próprios alunos e professores gostariam de entender um pouco mais sobre o tema e participar de formações a ele relacionadas.

De forma surpreendente, mais de 38% referiram que buscavam esses conhecimentos na própria religião, em vez de procurá-los em artigos científicos, livros ou em informações dos próprios docentes. Esses achados podem justificar parcialmente o medo de impor as próprias crenças e as dificuldades de diferenciar religiosidade e espiritualidade que os participantes possuem. Pode-se notar que, quando questionados sobre o conceito de espiritualidade, a maioria apontou para "crença e relação com Deus/religiosidade" o qual, na opinião de muitos autores, estaria mais associado ao conceito de religiosidade. Espiritualidade pode ser entendida como busca pessoal, visando entender questões relacionadas ao fim da vida e ao sentido de viver, ou que dizem respeito às relações com o sagrado ou transcendente, que pode, ou não, levar ao desenvolvimento de práticas religiosas ou formações de comunidades religiosas(11). Sem dúvida, os conceitos de espiritualidade e religiosidade devem ser bem colocados aos estudantes e professores de Enfermagem, visando maior entendimento e menor distorção dessas diferentes dimensões.

Fica claro que o ensino de Enfermagem ainda carece de abordagens mais direcionadas para o cuidado holístico do paciente. Apesar de se notar, indiretamente, maior preparo dos alunos de semestres mais avançados frente aos semestres iniciais, é possível perceber as dificuldades e pouco preparo que ainda vivenciam na sua formação. Da mesma forma, os docentes também demonstram dificuldades com o tema, o que pode motivar dificuldade em formar seus alunos para esse cuidado.

Limitações: este estudo apresenta algumas limitações que devem ser consideradas ao interpretar os resultados. Primeiro, trata-se de estudo transversal que, embora tenha possibilitado sugerir diferenças entre os semestres avaliados, não realizou seguimento dos estudantes para avaliar mudanças de comportamentos frente ao tema. Segundo, a amostra selecionada constituiu-se de sujeitos de uma única universidade, fator que pode não retratar o padrão de outras escolas de Enfermagem.

Conclusão

O presente estudo demonstrou que, apesar de não existirem diferenças entre as práticas religiosas de docentes e discentes de Enfermagem, houve marcante diferença entre prática clínica e opiniões a respeito da espiritualidade e sua integração no currículo. A maioria dos docentes acredita que seus alunos deveriam ser preparados para abordar essa dimensão com o paciente e que cursos sobre saúde e espiritualidade deveriam ser incorporados às grades curriculares.

Conclui-se que há carência de informações a respeito da espiritualidade, comparada ao interesse de muitos alunos e professores, necessitando-se implementar instrumentais que tornem possível preparar os acadêmicos para a realização dessa abordagem junto a seus pacientes, no intuito de contemplar, da melhor forma possível, terapêutica mais integrativa e humanística.

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      25 Out 2011
    • Data do Fascículo
      Out 2011

    Histórico

    • Aceito
      10 Ago 2011
    • Recebido
      10 Jan 2011
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