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Sendo transformado pela doença: a vivência do adolescente com diabetes

Resumos

Esta pesquisa objetivou compreender a experiência do adolescente em ter uma doença crônica como o diabetes tipo 1. Utilizou-se o Interacionismo Simbólico e a Teoria Fundamentada nos Dados como referenciais teórico e metodológico respectivamente. Os resultados permitiram conhecer a percepção do adolescente sobre a sua experiência e vivência com o diabetes a partir de três temas: recebendo o diagnóstico de diabetes, sendo transformado pela doença e sendo uma vida pontiaguda. Os adolescentes deste estudo são pessoas resilientes por conseguirem não só conviver com o diabetes, mas tornarem-se mais fortalecidas: sendo transformadas. Desse modo, o adolescente resiliente é capaz de curar-se de suas próprias feridas, dirigir sua vida e viver plenamente.

adolescente; diabetes mellitus tipo 1; enfermagem pediátrica


This research aimed to understand the experience of adolescents to live with a chronic illness like diabetes mellitus type 1. Symbolic Interactionism and Grounded Theory were both used as theoretical and methodological frameworks respectively. The results allowed us to know the adolescents' perceptions about their experience in living with diabetes through three themes: Knowing the diabetes diagnosis; Being transformed by illness and Being a sharp life. The adolescents in this study were resilient people because they became stronger in spite of the illness, being transformed. In this way, the resilient adolescent is capable of healing his/her wounds, being in charge of his/her own life and having a full life.

adolescent; diabetes mellitus type 1; pediatric nursing


El objetivo de esta investigación es comprender la experiencia del adolescente que sufre una enfermedad crónica como la diabetes. Utilizamos el Interaccionismo Simbólico y la Teoría Fundamentada en los Datos como referenciales teórico y metodológico respectivamente. Los resultados nos han permitido conocer la percepción del adolescente sobre su experiencia y vivencia con la diabetes a partir de tres temas: Recibiendo el Diagnóstico de Diabetes, Siendo transformado por la Enfermedad y Llevando una vida puntiaguda. Los adolescentes de este estudio son personas resilientes porque han logrado no solamente convivir con la diabetes sino convertirse en más fuertes: siendo transformadas. Así, el adolescente resiliente es capaz de curarse de sus propias heridas, dirigir su vida y vivir plenamente.

adolescente; diabetes mellitus tipo 1; enfermería pediátrica


ARTIGO ORIGINAL

"Sendo transformado pela doença": a vivência do adolescente com diabetes

Elaine Buchhorn Cintra DamiãoI; Carolina Marques Marcondes PintoII

IEnfermeira, Professor Doutor, e-mail: buchhorn@usp.br

IIAluna do 8° semestre do curso de graduação em enfermagem. Escola de Enfermagem, da Universidade de São Paulo, Brasil

RESUMO

Esta pesquisa objetivou compreender a experiência do adolescente em ter uma doença crônica como o diabetes tipo 1. Utilizou-se o Interacionismo Simbólico e a Teoria Fundamentada nos Dados como referenciais teórico e metodológico respectivamente. Os resultados permitiram conhecer a percepção do adolescente sobre a sua experiência e vivência com o diabetes a partir de três temas: "recebendo o diagnóstico de diabetes", "sendo transformado pela doença" e "sendo uma vida pontiaguda". Os adolescentes deste estudo são pessoas resilientes por conseguirem não só conviver com o diabetes, mas tornarem-se mais fortalecidas: sendo transformadas. Desse modo, o adolescente resiliente é capaz de curar-se de suas próprias feridas, dirigir sua vida e viver plenamente.

Descritores: adolescente; diabetes mellitus tipo 1; enfermagem pediátrica

INTRODUÇÃO

A criança, que apresenta uma doença crônica, ao entrar na adolescência precisa lidar com as questões pertinentes à faixa etária que, por si só, já são estressantes, e ainda conviver com as mudanças e efeitos irreversíveis trazidos pela situação de doença(1-2).

Características próprias da adolescência, como viver para o presente, não pensar no futuro, acreditar que são invulneráveis aos acontecimentos ruins e às conseqüências futuras dos comportamentos inadequados do presente, querer exercer sua autonomia em confrontos com pais e professores são também vivenciadas pelo adolescente com diabetes mellitus tipo 1. Soma-se, ainda, o fato de que o controle metabólico na adolescência tende a deteriorar pelo declínio da produção de insulina até zero, pelas mudanças hormonais próprias da faixa etária associadas à resistência insulínica, maior risco de hipoglicemia e pela dificuldade em seguir o tratamento recomendado pela equipe de saúde. Desse modo, a adaptação da criança e do adolescente à situação é processo complexo, envolvendo fatores internos e externos, que influenciam as respostas e o ajustamento do adolescente à situação de doença(3-5).

Dentre a variedade de estudos relacionados à criança e ao adolescente com diabetes mellitus tipo 1, poucos são aqueles que procuraram compreender a experiência do adolescente a partir da sua narrativa da doença. O adolescente é capaz de descrever como ele lida com a doença no dia, quais são as dificuldades, os custos que a situação de doença traz para o adolescente e sua família, mas também consegue identificar aspectos da experiência que sejam recompensadores e tragam benefícios(6-7).

Apenas dois estudos, em nosso meio, buscaram conhecer a experiência de ter diabetes a partir da perspectiva do sujeito, sendo um deles com crianças. Este estudo entrevistou crianças escolares, com idades de 7 a 12 anos e uma adolescente de 14 anos, que apesar de ainda não terem completo domínio da linguagem, foram capazes de se expressarem através das suas narrativas de doença, retratando a sua experiência, com seus medos, dificuldades e desejos relacionados à situação de doença e próprios de sua faixa etária(8-9).

Em relação ao adolescente com diabetes, pouco se conhece de sua experiência, a não ser o fato que muitos deles não conseguem alcançar os padrões estabelecidos para manter um bom controle da doença. É preciso compreender e conhecer a realidade e o significado que o adolescente atribui à vivência diária da situação de doença, como ele enfrenta suas dificuldades e acertos, a fim de propor intervenções que realmente auxiliem o adolescente a seguir o tratamento de maneira correta, melhorando seu prognóstico e, conseqüentemente, preservando sua qualidade de vida. Assim, propõe-se, aqui, a realização de estudo exploratório e qualitativo, tendo como objetivo: compreender como o adolescente com diabetes mellitus tipo 1 vivencia sua experiência de doença.

REFERENCIAL TEÓRICO E METODOLÓGICO

Adotou-se o Interacionismo Simbólico como referencial teórico, porque permite compreender o significado que as pessoas atribuem às interações vivenciadas. O Interacionismo Simbólico é uma teoria sobre o comportamento humano e se fundamenta no pressuposto de que a experiência humana é mediada pela interpretação(10). Nessa perspectiva, considerou-se o adolescente um "expert" em descrever sua situação de doença e, através do seu relato, pode-se compreender qual o significado que o adolescente com diabetes tipo 1 atribui às interações vivenciadas ao experienciar o diabetes no cotidiano.

As metodologias interpretativas de investigação são adequadas a este tipo de pesquisa, tendo sido escolhida a Teoria Fundamentada nos Dados como o referencial metodológico da pesquisa, por ser considerada uma das metodologias mais representativas desse grupo e que tem como referencial teórico o Interacionismo Simbólico(11).

Fizeram parte do estudo sete adolescentes, três meninas e quatro meninos, com idades entre 12 e 18 anos e diagnóstico de diabetes mellitus tipo 1 há pelo menos um ano, atendidos ambulatorialmente em um hospital-escola da cidade de São Paulo. O período de um ano após o diagnóstico foi estabelecido a fim de que o adolescente pudesse recuperar-se do impacto do diagnóstico e tivesse a experiência de conviver com a doença. Somente após a aprovação pelo Comitê de Ética da instituição, os adolescentes elegíveis foram convidados a participar do estudo e solicitado às mães ou responsáveis pelo adolescente, autorização para que o mesmo participasse da pesquisa. Todos foram esclarecidos sobre o objetivo do estudo, tendo assinado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, sendo garantidos o anonimato e o sigilo sobre as informações colhidas.

Os dados foram coletados no período de outubro de 2003 a junho de 2004, através de entrevista semi-estruturada em sala privativa, a fim de garantir-se o sigilo, privacidade e a qualidade da gravação em fitas k-7. Utilizou-se a seguinte questão norteadora: Conte-me como é para você ter uma doença como o diabetes. Novas questões foram acrescidas a fim de se obter esclarecimentos sobre os dados e fundamentar a experiência do adolescente em ter uma doença crônica como o diabetes mellitus tipo 1. As entrevistas tiveram duração em torno de uma hora.

O primeiro passo no processamento das falas dos sujeitos constituiu-se na transcrição fiel das fitas gravadas. Foram, então, extraídos os códigos, que são as unidades básicas de análise. A codificação aberta diz respeito à parte da análise que se refere especificamente a nomear e classificar o fenômeno através do exame exaustivo dos dados. Durante a codificação aberta, os dados foram "quebrados" em pequenas frases, examinados, comparados por similaridades e diferenças, sendo também feitas perguntas aos códigos sobre o fenômeno contido nos dados. Através desse processo, o fenômeno é questionado ou explorado, permitindo novas descobertas. Estes dois procedimentos analíticos são básicos para a codificação dos dados: "fazer comparações" e "fazer perguntas" a cada incidente, evento e a outras facetas do fenômeno. Os dados codificados foram agrupados por similaridade de fenômeno. Esse processo de agrupar conceitos relativos ao mesmo fenômeno é chamado de categorização. Uma categoria está saturada quando não é possível acrescentar novos dados ou quando não mais emergem novos aspectos representativos do fenômeno(12).

Essa metodologia, por ser uma forma em que os dados são manejados pelo pesquisador, e sendo uma construção constante, permite que a análise dos dados seja interrompida em qualquer momento e os resultados relatados, sendo permitidos a apresentação da teoria, do fenômeno ou de uma categoria(13).

No presente estudo, de acordo com o objetivo proposto, a análise dos dados resultou em temas e categorias explicativas da experiência do adolescente com diabetes mellitus tipo 1.

RESULTADOS

A análise dos dados permitiu a compreensãor através de três temas, da visão do adolescente sobre a sua experiência em conviver com a doença diabetes mellitus tipo 1. Os fatos para a maioria dos adolescentes são interpretados no presente, no "hoje", isto é, por aquilo que os acontecimentos são e significam no momento em que ocorrem e não pelas conseqüências que podem trazer no futuro. Desse modo, seu comportamento parece descompromissado e irresponsável, ao não priorizar os cuidados relativos à prevenção das complicações do diabetes em sua vida. Apesar de os profissionais terem dificuldade em entender e aceitar esse tipo de comportamento, ele é bastante comum na fase da adolescência, na qual o futuro parece estar tão longe e inatingível, que o adolescente, simplesmente, talvez não seja capaz de medir as conseqüências de seus atos.

Há também adolescentes que conseguem conviver melhor com o diabetes e seguir o tratamento prescrito. Esses adolescentes parecem ser naturalmente disciplinados e metódicos em sua rotina, conseguindo manter a regularidade do tratamento que o diabetes exige.

São descritos a seguir os três temas que retratam os diferentes aspectos da experiência do adolescente com diabetes tipo 1: "Recebendo o diagnóstico de diabetes", "Sendo transformado pela doença" e "Sendo uma vida pontiaguda".

Tema I: "Recebendo o diagnóstico de diabetes"

Acho que eu nem sabia direito o que era mesmo, quando falou assim, não sei, acho que não caiu a ficha na hora, acho que foi depois com o tempo. Então, eu fiquei triste, primeiro porque teria que comer menos, o que foi muito difícil.

Este tema apresenta a experiência do adolescente no período do diagnóstico de diabetes. Apesar de não ser enfatizado o momento do diagnóstico na entrevista, o adolescente quase sempre inicia seu discurso com o relato daquele período, mesmo que seja sucinto. Esse é um momento marcante na vida da criança/adolescente* * Utilizaremos a expressão criança/adolescente para indicar que em alguns casos o adolescente está relembrando os fatos de sua infância e em outros ele faz referência a fatos recentes de sua adolescência que, na época, tinha idade suficiente para memorizar os acontecimentos. A narrativa abrange desde os primeiros sintomas até a primeira internação, quando o diagnóstico é realizado, através de três categorias: Apresentando sinais e sintomas; Vivendo o impacto do diagnóstico e Aprendendo sobre o diabetes.

O adolescente relembra do ocorrido e faz comparações com o que ele conhece hoje sobre diabetes, referindo que só após a alta hospitalar da primeira descompensação, começou a perceber que tinha de conviver com restrições, com a insulinoterapia e monitorização sangüínea diárias. A consciência de ter diabetes e suas implicações, em geral, demoram "um tempo" para fazer sentido para a criança/adolescente.

Desde o início surge a compreensão da criança/adolescente que a família também foi afetada pela situação de doença. A família, no entanto, tem consciência da gravidade do quadro da criança/adolescente, porque, em geral, já possui alguma noção anterior sobre a doença ou por ter outro familiar com diabetes.

Tema II: "Sendo transformado pela doença"

Que era uma doença pra sempre... eu nem falo que é doença, porque doença pra mim, você vai ao médico, ele fala o que você tem, você toma um remédio e sara. Diabetes não, você não sara, você controla.

Este tema revela a experiência de conviver com uma doença crônica diariamente. A percepção de ter diabetes é gradual e a criança começa a elaborar sua experiência dentro do que é possível dentro de sua faixa etária. O adolescente, no entanto, é capaz de analisar sua experiência como sendo difícil no início ao comparar o tempo atual e o início do quadro de diabetes. Consegue, também, caracterizar os comportamentos apresentados em relação ao diabetes, quando era mais novo, relacionando-os com os apresentados agora na adolescência e conclui que hoje está mais instrumentalizado, sendo mais fácil conviver com o diabetes.

Em alguns casos o adolescente pode não se lembrar da época do diagnóstico do diabetes por ser muito novo e não ter idade suficiente para compreender o ocorrido. Mas, ele recorda o fato, percebendo-se com diabetes pela primeira vez, uma doença que precisava ser cuidada diariamente.

O adolescente vê que está sendo transformado de várias maneiras. Existe a transformação física, o emagrecimento algumas vezes é intenso com perdas significativas de peso. Se o adolescente estava acima do peso, a perda é vista de forma favorável com a melhoria da auto-imagem, conseguindo lidar melhor com a situação. Ao pensar sobre seus sentimentos em relação ao diabetes, o adolescente percebe-se diferente, sentindo-se normal. O sentimento é de estranheza, pois o diabetes o diferencia de seus amigos, porém, seus desejos, anseios, alegrias e tristezas são os mesmos de seus pares.

Ela também vê que cada vez mais os cuidados relativos ao diabetes podem fazer parte do seu dia-a-dia. Desse modo, ela passa a organizar seu tempo de maneira que os cuidados possam ser realizados, sem que haja prejuízos à sua vida e a todas as atividades próprias de um adolescente.

Nesse sentido, ao relembrar as fases que experienciou desde o diagnóstico, o adolescente constata que a doença é para sempre, ele não pode ignorar que o diabetes faz parte de sua vida, que a doença está nele.

Parte dos adolescentes, com a convivência com o diabetes, percebe-se tendo benefícios com a doença, que obteve ganhos. Ele chega a verbalizar que "não se arrepende de ter diabetes", que hoje ele está em melhores condições físicas do que estava antes de ter o diagnóstico de diabetes. A união familiar após o diagnóstico, a perda de peso e a melhor condição física e de saúde também foram citados pelo adolescente. Ele compreende, que querendo ou não, ele é uma pessoa que tem de conviver com o diabetes e percebe, também, que a vida com diabetes pode ser boa, desde que o diabetes esteja controlado.

A transformação que ocorre na vida da criança/adolescente não é baseada somente nos ganhos que a situação de doença traz. Há situações que são muito difíceis e sofridas, porém ele deve aprender a lidar com a situação utilizando as estratégias e habilidades de enfrentamento ele possui.

O adolescente sabe que todos os membros da família sofreram um choque com o diagnóstico de sua doença, percebendo mudanças na família. Os hábitos alimentares são alterados, assim como a dinâmica e o relacionamento familiares; ao mesmo tempo em que a doença vai sendo incorporada à rotina da família.

O relacionamento das famílias desse grupo de adolescentes com diabetes pareceu não ser disfuncional. O adolescente não é tratado de forma especial ou diferente pelos pais e irmãos porque tem diabetes, mas participa da vida familiar tendo seu papel, seus direitos e responsabilidades, tendo um bom relacionamento familiar.

Com o crescimento, conforme o adolescente vai adquirindo mais independência e autonomia, ele passa a sair com os amigos e, em alguns casos, a trabalhar, tendo uma vida prazerosa. Desse modo, ao sair sem alguém da família, ele se preocupa em estar levando todo o material necessário para insulinoterapia e a monitorização.

O fato de o adolescente ter diabetes não interfere em seus relacionamentos de amizade. Todos disseram que mantêm um grupo de amigos que são mais próximos, com quem eles têm liberdade para falar sobre o diabetes. Os amigos dão suporte através da aceitação do adolescente no grupo, tratando-o como se ele não tivesse diabetes ao mesmo tempo em que se preocupam com ele quando sente algum mal-estar.

Tema III: Sendo uma 'vida pontiaguda'

'Mó' sofrimento. Tem que ficar se espetando toda hora. Vida pontiaguda, né? Mó ruim tirar sangue. Tirar sangue era o pior. E eu lembro que quando era pra monitorar, que era aqueles agulhão. Aí, 'tá' no dedo. Aí. E soro... eu não deixava, eu fazia o maior escândalo, eu lembro.

O adolescente com diabetes muitas vezes atravessa períodos de maior dificuldade de controle da glicemia causadas pelas alterações hormonais que ocorrem nessa faixa etária e/ou pelo não seguimento do tratamento.

Há adolescentes que, mesmo tendo recebido o diagnóstico de diabetes quando muito pequenos, conviverem com a situação de doença e seu tratamento diariamente, como a insulinoterapia, ainda não se sentem em condições de realizá-la, tendo medo de que a agulha quebre ou que ele trema tanto que acabe ferindo-se. Essa situação acaba dificultando a independência do adolescente em relação aos pais, porque ele não pode sair e responsabilizar-se pela auto-aplicação de insulina.

A primeira internação da criança/adolescente ocorre em geral na primodescompensação diabética, quando o diagnóstico é realizado. Se a criança/adolescente tinha idade suficiente para compreender o que estava acontecendo, ela tem, em geral, lembranças bastante sofridas ficando internado. Ela se recorda com muita clareza da situação, de como foi ruim o mal-estar geral, de como a família estava preocupada, em como ela ouvia comentários sobre quão mal ela estava, que até mesmo os pais achavam que ela iria morrer.

O adolescente em geral lida com os sinais e sintomas de algum mal-estar de duas maneiras diferentes, porém que têm desdobramento comum. Alguns adolescentes, sentindo-se mal, pensam em outras possibilidades além do diabetes, como um resfriado ou uma queda de pressão, isso se a sua glicemia estivesse normal na monitorização de rotina. Outros, no entanto, referem pensar sempre em diabetes. No entanto, mesmo quando o adolescente acredita que o mal-estar não seja acarretado pelo diabetes, ele realiza a monitorização da glicemia capilar. Tendo realizado a monitorização, há somente duas possibilidades: tratar a hiperglicemia ou hipoglicemia, através de medidas orientadas pela equipe de saúde ou tomar as medidas necessárias para identificar e sanar a causa do problema, quando a glicemia está dentro da normalidade.

O adolescente conforme cresce e se torna mais amadurecido consegue avaliar melhor as questões relacionadas ao diabetes. Ele consegue entender a situação de doença, mas há dias que a racionalização não ajuda como estratégia de enfrentamento e ele desanima e pensa que talvez não se sinta tão bem a esse respeito, como pensava, não aceitando a doença 100%.

Vendo que as emoções influenciam o diabetes é a percepção que o adolescente tem da sua experiência de conviver com a situação de doença, de como as emoções podem interferir no cotidiano, através das alterações de humor e ânimo e, até mesmo, da glicemia em alguns casos.

Atualmente há muita informação sobre diabetes, porém, o adolescente ainda se percebe enfrentando o desconhecimento das pessoas sobre o diabetes, havendo grande número de pessoas que desconhecem o básico sobre a doença. Desse modo, ele não gosta de falar com essas pessoas, porque tem que dar muitas explicações sobre a doença e seu tratamento, além de muitas vezes acreditar que estão com pena, o que irrita o adolescente.

DISCUSSÃO

Os resultados deste estudo revelaram, a partir de três temas, a percepção do adolescente sobre a sua experiência e vivência com o diabetes. O primeiro tema "Recebendo o diagnóstico de diabetes" retrata o período ao redor do diagnóstico, sendo importante para as crianças/adolescentes que lembram da internação, dos exames e do impacto que resultou em suas vidas(14).

O segundo tema descrito "Sendo transformado pela doença" revela como o adolescente percebe e lida com a doença de modo bastante natural, acreditando que o fato de ter a doença, de ter diabetes não o torna uma pessoa menos capacitada ou qualificada para viver uma vida em toda a sua potencialidade. As categorias Percebendo-se diferente, sentindo-se normal; Tendo benefícios com a doença e Tendo uma vida prazerosa mostram que o adolescente é capaz de enfrentar as situações e desafios que a doença e a vida impõem e manter o foco naquilo que o diabetes trouxe de vantagem e benefício para sua própria vida e de sua família.

O comportamento manifesto pelos adolescentes deste estudo confirma uma nova tendência na maneira de se compreender o enfrentamento de doenças crônicas. Geralmente, ao se pensar sobre doenças crônicas, imagina-se quão grande deve ser o peso e a carga que a doença traz à vida da pessoa. Esse conceito tem sido revisto e novos estudos têm trazido contribuições, mostrando uma outra face da experiência. Assim, a vivência da doença crônica pode também ser compreendida como algo que melhora a qualidade e o significado de vida da pessoa. Isso significa que, sem o advento do diabetes, o indivíduo não seria o que ele é hoje, que a situação de doença transformou a vida com diabetes numa experiência positiva e um resultado recompensador(15).

Os adolescentes deste estudo, ao permitirem serem transformados pela situação de doença o diabetes, estão revelando uma característica intrínseca, isto é, uma força interior pessoal. Essa característica é definida como resiliência e pode ser definida como a capacidade de atravessar a adversidade e erguer-se mais forte e com mais recursos para a resolução dos problemas. É um processo ativo de resistência e crescimento em resposta à crise e aos desafios. Essa abordagem parte do princípio de que as forças do indivíduo podem ser reforçadas através dos esforços colaborativos para lidar com crises súbitas ou com a adversidade prolongada(16-17).

Dessa forma, pode-se ver que os adolescentes participantes do estudo possuem essa característica, são resilientes, por conseguirem não só conviver com o diabetes, mas, também, sobrepujarem o risco de se tornarem pessoas desestimuladas e sofredoras. São pessoas que souberam enfrentar a situação de ter uma doença crônica como o diabetes, tornando-se mais fortalecidas, apesar do sofrimento que vivenciam, sendo transformadas. Não se pode julgar que a pessoa resiliente não sofre; na verdade ela é uma pessoa que sofre, e muito, porém, é capaz de dar um significado ao seu sofrimento que a impulsiona para frente(16-17).

O sofrimento para a pessoa resiliente não a torna um ser humano cheio de autocomiseração, com pena de si próprio, ou revoltado contra tudo e contra todos porque as coisas não saíram como o esperado e ele tem uma doença crônica como o diabetes. Mas, ao contrário, transforma esse sofrimento, que poderia ser insuportável, na força que o mobiliza para crescer e ter uma vida como um adolescente normal. Desse modo, o adolescente resiliente é capaz de curar-se de suas próprias feridas, dirigir sua vida e viver plenamente.

O terceiro tema ,"Sendo uma vida pontiaguda", retrata as dificuldades que os adolescentes em alguns momentos enfrentam em relação à situação de doença, entendendo que a vida com uma doença como o diabetes é uma vida que machuca, penetra e dói. Esse momento retrata o sofrimento e as dificuldades que sobrepujaram seus recursos internos e externos, momentos em que a situação de doença esteve em primeiro plano na vida do adolescente. Esses períodos podem ser entendidos como fases nas quais o adolescente esteja mais fragilizado física e/ou emocionalmente, mas que podem ser revertidos através de estratégias de enfrentamento, do suporte da família e da equipe de saúde, a fim de promover a superação das dificuldades, problemas e o fortalecimento do adolescente(18-19).

Deve-se entender os temas não como fases de um processo, mas como momentos importantes e não seqüenciais da experiência do adolescente com diabetes tipo 1. Compreender como o adolescente lida com o diabetes e saber identificar qual fase ele está vivenciando é primordial para que a equipe de saúde possa propor intervenções que sejam realmente eficazes no cuidado do adolescente com diabetes tipo 1. Os adolescentes resilientes necessitam que seu esforço para crescer com, e não apesar do diabetes, sejam reconhecidos, estimulando a transformação de suas vidas. Aos adolescentes que estejam experienciando a "vida pontiaguda", deve-se dar suporte a fim de que eles consigam atravessar o momento e emergirem mais fortalecidos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo reflete a percepção, compreensão e significados dos adolescentes participantes dessa pesquisa sobre a experiência de ter diabetes mellitus tipo 1, não sendo possível a generalização dos resultados obtidos. No entanto, considera-se que a entrevista com questões abertas permitiu a expressão dos adolescentes, revelando aspectos e nuances da experiência, que com questionários ou formatos mais estruturados, poderiam ter sido perdidos. O conhecimento trazido por este estudo pode ainda ajudar a equipe de saúde a ter insights sobre a experiência de doença dos adolescentes com diabetes tipo 1, atendidos pelo grupo.

Novos estudos devem ser realizados a fim de se compreender melhor outros aspectos da experiência como quais estratégias de enfrentamento o adolescente utiliza para conviver com a situação de doença, como avaliar, promover ou desenvolver a resiliência do adolescente diante da situação de doença, quais recursos podem ser mobilizados, já que o tratamento e manejo do diabetes é rigoroso e necessita de certos instrumentos para seu controle. Essas e outras questões, bem como propostas de intervenções devem ser estudadas a fim de auxiliar o adolescente a encontrar um lugar para o diabetes em sua vida e não viver em função do diabetes.

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Recebido em: 5.4.2006

Aprovado em: 17.4.2007

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  • *
    Utilizaremos a expressão criança/adolescente para indicar que em alguns casos o adolescente está relembrando os fatos de sua infância e em outros ele faz referência a fatos recentes de sua adolescência
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      26 Set 2007
    • Data do Fascículo
      Ago 2007

    Histórico

    • Recebido
      05 Abr 2006
    • Aceito
      17 Abr 2007
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