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Intervenções farmacêuticas em medicamentos prescritos para administração via sondas enterais em hospital universitário

Resumo

Objetivo:

analisar o impacto de diretrizes sobre erros em medicamentos prescritos para administração via sondas enterais.

Método:

estudo quantitativo, em três fases, realizado em clínica médica, neurologia e unidade de terapia intensiva de hospital geral universitário. Na Fase 1 elaborou-se: protocolo de diluição, unitarização - transformação e administração para 294 medicamentos via sondas enterais; fluxograma decisório; procedimentos operacionais-padrão de diluição e unitarização de formas farmacêuticas orais e de administração de medicamentos via sondas enterais. Na Fase 2 investigou-se, retrospectivamente, erros em 872 medicamentos prescritos via sondas enterais, em 293 prescrições de pacientes internados de março a junho. Seguiu-se capacitação das equipes sobre diretrizes estabelecidas. Na Fase 3 investigou-se, prospectivamente, erros e intervenções farmacêuticas em 945 medicamentos prescritos via sondas enterais, em 292 prescrições de pacientes internados de agosto a setembro. Dados coletados, em formulário estruturado, foram compilados no programa Microsoft Office Excel(r) e calculadas as frequências.

Resultados:

foram observados 786 erros, 63,9% (502) na Fase 2 e 36,1% (284) na Fase 3. Na Fase 3 verificou-se redução na frequência de prescrição de medicamentos, via sondas enterais, contraindicados e sem informações disponíveis.

Conclusão:

diretrizes e intervenções farmacêuticas foram determinantes na prevenção dos erros de medicamentos via sondas enterais.

Descritores:
Nutrição Enteral; Interações Alimento-Droga; Dieta; Serviço de Farmácia Hospitalar; Segurança do Paciente; Cateteres de Demora

Abstract

Objective:

to analyze the impact of guidelines regarding errors in medications prescribed for administration through enteral tubes.

Method:

quantitative study, in three phases, undertaken in internal medicine, neurology and an intensive care unit in a general teaching hospital. In Phase 1, the following was undertaken: a protocol for dilution and unit-dose repackaging and administration for 294 medications via enteral tubes; a decision flowchart; operational-standard procedures for dilution and unit-dose repackaging of oral pharmaceutical forms and for administration of medications through enteral tubes. In phase 2, errors in 872 medications prescribed through enteral tubes, in 293 prescriptions for patients receiving inpatient treatment between March and June, were investigated. This was followed by training of the teams in relation to the guidelines established. In Phase 3, pharmaceutical errors and interventions in 945 medications prescribed through enteral tubes, in 292 prescriptions of patients receiving inpatient treatment between August and September, were investigated prospectively. The data collected, in a structured questionnaire, were compiled in the Microsoft Office Excel(r) program, and frequencies were calculated.

Results:

786 errors were observed, 63.9% (502) in Phase 2, and 36.1% (284) in Phase 3. In Phase 3, a reduction was ascertained in the frequency of prescription of medications delivered via enteral tubes, medications which were contraindicated, and those for which information was not available.

Conclusion:

guidelines and pharmaceutical interventions were determined in the prevention of errors involving medications delivered through enteral tubes.

Descriptors:
Enteral Nutrition; Food-Drug Interactions; Diet; Pharmacy Service, Hospital; Patient Safety; Catheters, Indwelling

Resumen

Objetivo:

analizar el impacto de directrices sobre errores en medicamentos prescritos para administración vía sondas enterales.

Método:

estudio cuantitativo, en tres fases, realizado en una clínica médica-neurología y en unidad de terapia intensiva de un hospital general universitario. En la Fase 1 se elaboró: protocolo de dilución, reenvasado - transformación y administración para 294 medicamentos vía sondas enterales; diagrama de flujo de decisión; procedimientos operacionales estándar de dilución y reenvasado - transformación de formas farmacéuticas orales y de administración de medicamentos vía sondas enterales. En la Fase 2 se investigó, retrospectivamente, errores en 872 medicamentos prescritos vía sondas enterales, en 293 prescripciones de pacientes internados de marzo a junio. La continuación, capacitación de los equipos sobre directrices establecidas. En la Fase 3 se investigó, prospectivamente, errores e intervenciones farmacéuticas en 945 medicamentos prescritos vía sondas enterales, en 292 prescripciones de pacientes internados de agosto a septiembre. Datos fueron colectados en un formulario estructurado, compilados en el programa Microsoft Office Excel(r) y se calcularon las frecuencias.

Resultados:

se observaron 786 errores, 63,9% (502) en la Fase 2 y 36,1% (284) en la Fase 3. En la Fase 3 se verificó una reducción en la frecuencia de prescripción de medicamentos, vía sondas enterales, contraindicados y sin informaciones disponibles.

Conclusión:

las directrices e intervenciones farmacéuticas fueron determinantes en la prevención de los errores de medicamentos vía sondas enterales.

Descriptores:
Nutrición Enteral; Interacciones Alimento-Droga; Dieta; Servicio de Farmacia en Hospital; Seguridad del Paciente; Catéteres de Permanencia

Introdução

Rotineiramente, na prática hospitalar, quando pacientes alimentados por Nutrição Enteral (NE) não apresentam deglutição eficaz ou estão sob risco de aspiração pulmonar, as sondas enterais também são utilizadas para a administração de medicamentos11. Carvalho AMR, Oliveira DC, Neto JEH, Martins BCC, Vieira VMSF, Silva LIMM, et.al. Análise da prescrição de pacientes utilizando sonda enteral em um hospital universitário do Ceará. Rev Bras Farm Hosp Serv Saúde. 2010;1(1):17-21..

Como os estabelecimentos de saúde têm o dever de promover práticas seguras no uso de medicamentos em atendimento ao Protocolo de Segurança na Prescrição, Uso e Administração de Medicamentos, parte integrante do Programa Nacional de Segurança do Paciente* * Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº529, de 1º abr 2013. Institui o Programa Nacional de Segurança do Paciente. ,** ** Brasil. Ministério da Saúde. Anvisa. Fiocruz. Fhemig. Anexo 03: protocolo de segurança na prescrição, uso e administração de medicamentos. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2013. , é responsabilidade da equipe de saúde prescrever, manipular e administrar adequadamente medicamentos via sondas enterais, evitando complicações e falhas nas terapias nutricional e medicamentosa22. Gorzoni ML, Torre AD, Pires SL. Medicamentos e sondas de nutrição. Rev Assoc Med Bras. 2010;56(1):17-21.-33. Silva MJS, Cava CEM, Pedroso PK, Futuro DO. Evaluation of the profile of drug therapy administered through enteral feeding tube in a general hospital in Rio de Janeiro. RBCF. 2011;47(2):331-7..

Dessa forma, é importante conhecer os principais aspectos que restringem ou contraindicam a administração de medicamentos via sondas enterais. Assim, é possível selecionar o fármaco e/ou a forma farmacêutica com menor probabilidade de provocar complicações, realizar diluições ou transformações dos medicamentos, quando necessário, e utilizar técnica adequada de administração33. Silva MJS, Cava CEM, Pedroso PK, Futuro DO. Evaluation of the profile of drug therapy administered through enteral feeding tube in a general hospital in Rio de Janeiro. RBCF. 2011;47(2):331-7.-44. Rodrigues JB, Martins FJ, Raposo NRB, Chicourel EL. Perfil de utilização de medicamentos por sonda enteral em pacientes de um hospital universitário. Rev Bras Farm Hosp Serv Saúde. 2014;5(3):23-7..

Os principais aspectos que restringem ou contraindicam a administração de medicamentos via sondas enterais são: 1) obstruções das sondas enterais, 2) interações, 3) alterações na farmacocinética, 4) reações adversas gastrointestinais e 5) diminuição ou perda de efetividade e segurança nos processos de diluição ou transformação do fármaco.

Obstruções das sondas enterais, além de acarretar redução na absorção do fármaco e/ou de nutrientes, podem levar à substituição da sonda, expondo o paciente aos riscos de novo procedimento e custos adicionais, envolvendo materiais e exames radiológicos para confirmação de seu posicionamento55. Lima G, Negrini NMM. Assistência farmacêutica na administração de medicamentos via sonda: escolha da forma farmacêutica adequada. Einstein. 2009;7:9-17.. Apesar de mais confortáveis para o paciente, as sondas mais propensas à obstrução são as de menores calibres - 5 a 12 French - 1,65 a 3,96 milímetros de diâmetro66. Williams NT. Medication administration through enteral feeding tubes. Am J Health Syst Pharm. 2008;65:2347-57.. Podem ser citadas como causas de obstruções: alta viscosidade e fluxo insuficiente da NE, incompatibilidade fármaco/NE, aderência do fármaco à sonda enteral e característica específica do fármaco ou da forma farmacêutica.

As interações podem ocorrer entre o fármaco e nutrientes77. Heldt T, Loss SH. Interação fármaco-nutriente em unidade de terapia intensiva: revisão da literatura e recomendações atuais. Rev Bras Ter Intensiva. 2013;25(2):162-7. e entre dois ou mais fármacos, se administrados concomitantemente. A fim de evitar interações entre fármacos, quando é necessária a administração de mais de um medicamento no mesmo horário, esses devem ser administrados separadamente e as sondas enterais devem ser lavadas com água entre cada fármaco22. Gorzoni ML, Torre AD, Pires SL. Medicamentos e sondas de nutrição. Rev Assoc Med Bras. 2010;56(1):17-21..

As alterações na farmacocinética podem acontecer porque os medicamentos não são planejados para serem administrados via sondas enterais e a administração por essa via acarreta modificações na absorção do fármaco.

Reações adversas gastrointestinais podem ser causadas principalmente por formulações orais líquidas88. Nascimento MMG, Ribeiro AQ. Compilação de base de dados com recomendações para administração de medicamentos via sonda enteral. Rev Bras Farm Hosp Serv Saúde. 2010;1(1):22-5.. A osmolaridade é uma das características físicas que determinam a tolerância do organismo a uma formulação. Quanto mais a osmolaridade da formulação administrada se aproximar àquela das secreções gastrointestinais - cerca de 100 a 400mOsm/kg, maior será a sua tolerância. Qualquer formulação líquida, cuja osmolaridade seja maior que 1000mOsm/kg, como os xaropes, pode causar distensão abdominal, náuseas, espasmos intestinais e diarreia, principalmente quando administrada diretamente no intestino delgado44. Rodrigues JB, Martins FJ, Raposo NRB, Chicourel EL. Perfil de utilização de medicamentos por sonda enteral em pacientes de um hospital universitário. Rev Bras Farm Hosp Serv Saúde. 2014;5(3):23-7.. Muitos edulcorantes, incluindo manitol, lactose, sorbitol, sacarina e sacarose, podem causar ou agravar quadros de diarreia. Entre esses, o excipiente mais propenso a reações adversas gastrointestinais é o sorbitol, um componente inativo, utilizado como agente edulcorante para melhorar o sabor e a estabilidade. Doses superiores a 10 gramas diários podem ocasionar distensão abdominal e flatulência e 20 gramas diários podem causar efeito laxativo osmótico, resultando em diarreia e espasmos abdominais22. Gorzoni ML, Torre AD, Pires SL. Medicamentos e sondas de nutrição. Rev Assoc Med Bras. 2010;56(1):17-21.,99. Moriel P, Shoji P, Bortoletto TC, Mazzola PG. Uso off label de medicamentos através de sondas: divergência entre informações. Rev Bras Farm Hosp Serv Saúde. 2012;3(2):20-4..

Quando possível, formas farmacêuticas líquidas orais são as formulações de primeira escolha para a administração via sondas enterais. Contudo, quando uma forma farmacêutica líquida oral é inadequada, ou não está disponível, formas farmacêuticas sólidas orais podem ser utilizadas para administração via sondas enterais66. Williams NT. Medication administration through enteral feeding tubes. Am J Health Syst Pharm. 2008;65:2347-57.,1010. Lisboa CD, Silva LD, Matos GC. Investigação da técnica de preparo de medicamentos para administração por cateteres pela enfermagem na terapia intensiva. Rev Esc Enferm USP. 2013;47(1):53-60.. Esse processo, chamado transformação ou derivação, ocorre quando se elabora uma forma farmacêutica a partir da manipulação de outra, desde que seja preservada a estabilidade do fármaco*** *** Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº67, de 8 de outubro de 2007 (BR). Dispõe sobre boas práticas de manipulação de preparações magistrais e oficinais para uso humano em farmácias. Anexo VI: Boas práticas para preparação de dose unitária e unitarização de doses de medicamento em serviços de saúde. Diário Oficial da União. 9 out 2007. Disponível em: http://www.anvisa.gov.br/hotsite/segurancadopaciente/documentos/rdcs/RDC%20Nº%2067-2007.pdf e a segurança esteja garantida.

Dentro desse contexto, no presente estudo, os objetivos foram analisar o impacto de diretrizes sobre erros em medicamentos prescritos para administração via sondas enterais.

Método

O presente estudo quantitativo foi desenvolvido em 3 fases em um hospital geral, universitário, do interior do Paraná, Brasil.

Fase 1

Protocolo de diluição, unitarização - transformação e administração de medicamentos, via sondas enterais

Para a elaboração do documento, realizou-se revisão não sistemática em artigos, livros, base de dados e consulta aos fabricantes. Para a seleção de artigos, utilizou-se a base de dados PubMed, da biblioteca Medline (Medical Literature Analysis and Retrieval System Online). Foram pesquisados artigos publicados no período de 1995 a 2014, em idioma inglês, espanhol e português. Os descritores utilizados em combinações diversas foram: administration, dosage forms, drug, enteral, excipients, feeding tubes, hospital pharmacy, interactions, medicines, nasoenteric, nasogastric, nursing practice, nutrition, pharmaceutical preparations, route.

Para os 294 medicamentos orais padronizados foram disponibilizadas informações quanto à forma farmacêutica e apresentação, condições de armazenamento, possibilidade de administração via sonda enteral, descrição da restrição/contraindicação da administração via sonda enteral, recomendações para diluição ou unitarização - transformação; estabilidade após diluição ou unitarização - transformação e recomendações para administração via sonda enteral.

Inclusão de alternativas farmacêuticas no arsenal terapêutico institucional

As formas farmacêuticas orais padronizadas foram analisadas quanto à possibilidade de administração via sondas enterais e, para aquelas com restrição ou contraindicação, foram estabelecidas alternativas farmacêuticas de primeira escolha incluídas na listagem de medicamentos padronizados da Instituição, considerando-se efetividade e segurança.

Elaboração de fluxograma decisório

Para conduzir a equipe de saúde e uniformizar a tomada de decisões quanto à utilização de medicamentos via sondas enterais, estabeleceu-se um fluxograma (Figura 1) - com base no protocolo estabelecido - dividido em três etapas: análise de possibilidades de utilização do fármaco via sondas enterais, utilização da forma farmacêutica via sondas enterais e alteração de via de administração.

Figura 1
Fluxograma de utilização de medicamentos via sondas enterais

Estabelecimento de intervenções farmacêuticas

Estabeleceu-se como intervenções farmacêuticas a serem realizadas na Fase 3: 1) solicitação de alteração de forma farmacêutica, 2) solicitação de alteração de via de administração, 3) solicitação de alteração de fármaco, 4) orientação quanto à necessidade de pausa na administração da nutrição enteral para administração do medicamento, 5) orientação quanto à posição distal da sonda de nutrição e 6) orientação sobre a administração lenta do medicamento.

Elaboração e revisão de procedimentos operacionais padrão

Tendo em vista a necessidade de adequação das formas farmacêuticas à administração via sondas enterais, elaborou-se o procedimento operacional padrão de diluição e unitarização - transformação de formas farmacêuticas orais pelo Serviço de Farmácia Hospitalar, adequando o processo à legislação pertinente e às informações do Protocolo institucional.

Da mesma forma, o procedimento operacional padrão de administração de medicamentos via sondas enterais foi revisado, contemplando-se pausa na infusão da nutrição enteral e volume de água a ser infundido, conforme calibre da sonda, antes e depois de cada administração individualizada de medicamentos.

Definição das categorias de recomendação de administração de medicamentos via sondas enterais

Foram definidas, conforme as informações do Protocolo institucional, as categorias de recomendação de administração via sondas enterais de medicamentos nas formas farmacêuticas orais sólidas e líquidas padronizadas: Permitida com Restrições (PR), Contraindicada (CI) e Permitida sem Restrições (P).

Para a análise dos erros em medicamentos prescritos, via sondas enterais, atribuiu-se erro quando o medicamento não foi prescrito conforme as restrições estabelecidas para o medicamento PR e quando se prescreveu o medicamento CI. Não foi atribuído erro quando o medicamento PR foi prescrito com as restrições estabelecidas e quando o medicamento P foi prescrito. Os medicamentos sem informações disponíveis foram considerados no estudo, mas não foram atribuídos aos grupos com ou sem erros.

Elaboração do formulário estruturado de coleta de dados

O formulário estruturado elaborado foi dividido em duas partes. A primeira continha número de prontuário, data e unidade de internação, e número total de medicamentos prescritos. A segunda analisava medicamento prescrito para administração via sonda enteral, forma farmacêutica e concentração, categorias de recomendação (PR, CI e P) ou sem informações disponíveis, prescrição com restrição, prescrição sem restrição e erros.

Fase 2

Coleta de dados

Investigou-se, de forma retrospectiva, em 293 prescrições de pacientes internados, de março a junho de 2014, erros em 872 medicamentos prescritos para administração via sondas enterais.

Capacitação

Em julho de 2014 foram realizadas reuniões técnicas com as equipes de enfermagem e médica. Os temas discutidos foram: 1) protocolo de diluição, unitarização - transformação e administração de medicamentos via sondas enterais, 2) fluxograma decisório e 3) administração de medicamentos via sondas enterais. No mesmo período, com a equipe do Serviço de Farmácia Hospitalar, além dos temas discutidos com as equipes de enfermagem e médica, foram abordados: 1) procedimento operacional padrão de diluição e unitarização - transformação de formas farmacêuticas orais e 2) intervenções farmacêuticas.

Fase 3

Coleta de dados

Os dados da Fase 3 foram coletados, prospectivamente, em 292 prescrições de pacientes internados de agosto a setembro de 2014. Foram investigados erros em 945 medicamentos prescritos para administração via sondas enterais e 574 intervenções farmacêuticas realizadas em registros de evolução farmacêutica.

Amostra

Incluíram-se na amostra todos os medicamentos padronizados, conforme aprovação da Comissão de Farmácia e Terapêutica institucional, prescritos para pacientes adultos, de ambos os sexos, internados no hospital nos períodos de coleta de dados, nas unidades de internação clínica médica, neurologia e Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Foram excluídos da amostra medicamentos não padronizados e aqueles prescritos a pacientes internados em unidades não incluídas no estudo.

Análise dos dados

Os dados foram compilados em uma planilha do programa Microsoft Office Excel(r) e, a partir desses, calculou-se as frequências absoluta e relativa.

O presente estudo foi previamente aprovado pela Comissão de Ética em Pesquisa Envolvendo Seres Humanos da Universidade Estadual de Ponta Grossa, Brasil, sob Parecer nº681.157.

Resultados

Para a elaboração do Protocolo institucional foram analisados, quanto à possibilidade de administração via sondas enterais, os 294 medicamentos nas formas farmacêuticas orais sólidas e líquidas padronizados. Desses, a maioria foi classificada como PR e P, respectivamente, 27,6% (81) e 30,6% (90), e para 24,1% (71) observou-se a falta de informações disponíveis, conforme Tabela 1.

Tabela 1
Categorias de recomendação de administração via sondas enterais de medicamentos nas formas farmacêuticas orais sólidas e líquidas padronizadas. Ponta Grossa, PR, Brasil, 2014

Foram investigadas na Fase 2 e Fase 3, respectivamente, 293 e 292 prescrições, em que foram analisados (Tabela 2), respectivamente, 4.587 e 4.752 medicamentos prescritos. Desses, foram prescritos para administração via sondas enterais 872 (19%) e 945 (19,9%), sendo a maior parte, em ambas as fases, observada na UTI, 48,0% (419/872) e 67,6% (639/945), respectivamente.

Tabela 2
Medicamentos prescritos e medicamentos prescritos via sondas enterais. Ponta Grossa, PR, Brasil, 2014

Conforme Tabela 2, a média de medicamentos prescritos para administração via sondas enterais por prescrição manteve-se constante na Clínica Médica e Neurologia, entretanto, quando comparadas as fases, foram maiores a média da UTI (de 2,7 para 3,1) e a média global (de 2,9 para 3,2).

Conforme a Figura 2, foram observados 786 erros, sendo 502 (63,9%) na Fase 2 e 284 (36,1%) na Fase 3.

A frequência de prescrição de medicamento CI reduziu significativamente - para menos de 1%, da Fase 2 para a Fase 3, sendo na Clínica Médica de 7,8% para 0,0%, na Neurologia de 18,9% para 0,4% e na UTI de 7,4% para 0,8% (Figura 2).

Figura 2
Frequência de prescrição (%) e erros em medicamentos prescritos para administração via sondas enterais. Ponta Grossa, PR, Brasil, 2014

A frequência de prescrição sem restrições para medicamento P dobrou, quando comparadas as Fase 2 e 3, na Clínica Médica (de 23,5% para 57,5%) e UTI (de 28,9% para 66,6%), entretanto, na Neurologia, manteve-se constante (de 53,8% para 54,0%), conforme Figura 2.

Observou-se que, da Fase 2 para a Fase 3, houve aumento da frequência de prescrição com restrições para medicamento PR somente na Clínica Médica e UTI, de 0,0% para 13,8% e 3,1%, respectivamente (Figura 2).

Na Figura 2 demonstra-se que a frequência de prescrição de medicamentos sem informações disponíveis para administração via sondas enterais diminuiu de 5,4% para 0,0% na Clínica Médica e 9,4% na UTI (de 11,7% para 2,3%).

As intervenções farmacêuticas mais frequentemente realizadas na Clínica Médica foram orientação quanto à posição distal da sonda de nutrição: 51,0% (27/53), e orientação sobre a administração lenta do medicamento: 33,9% (18/53), conforme Tabela 3.

Tabela 3
Frequência de intervenções farmacêuticas realizadas em medicamentos prescritos para administração via sondas enterais com erros. Ponta Grossa, PR, Brasil, 2014

Na Tabela 3 observa-se que as intervenções farmacêuticas mais frequentemente realizadas na Neurologia e UTI foram, respectivamente, orientação quanto à necessidade de pausa na administração da nutrição enteral para administração do medicamento: 39,3% (57/145) e 30,3% (114/376), e orientação quanto à posição distal da sonda de nutrição: 55,9% (81/145) e 50,1% (188/376).

Observou-se, na Figura 2 e na Tabela 3, na Fase 3, uma razão de 2,0 intervenções farmacêuticas realizadas por medicamento prescrito para administração via sondas enterais com erros (574/284).

Discussão

A administração de medicamentos via sondas enterais é um uso off-label, ou seja, fabricantes não avaliam a mesma e poucas referências trazem informações sobre o assunto. Em uma pesquisa prospectiva, realizada por um centro de informação de medicamentos de um hospital privado99. Moriel P, Shoji P, Bortoletto TC, Mazzola PG. Uso off label de medicamentos através de sondas: divergência entre informações. Rev Bras Farm Hosp Serv Saúde. 2012;3(2):20-4., houve divergências entre informações de fabricantes e fontes bibliográficas consultadas, quanto às recomendações de uso de medicamentos via sondas enterais, em 39,5% das consultas realizadas.

No presente estudo, encontraram-se informações nas referências consultadas para 75,9% dos medicamentos padronizados analisados. Esse valor é maior que os 58% encontrados por outros autores11. Carvalho AMR, Oliveira DC, Neto JEH, Martins BCC, Vieira VMSF, Silva LIMM, et.al. Análise da prescrição de pacientes utilizando sonda enteral em um hospital universitário do Ceará. Rev Bras Farm Hosp Serv Saúde. 2010;1(1):17-21.. A falta de informações disponíveis para 24,1% dos medicamentos poderia ser um fator limitador deste trabalho, no entanto, na Fase 3, houve queda na frequência de prescrição de medicamentos sem informações disponíveis de 5,4% na Clínica Médica e 9,4% na UTI.

Em uma revisão envolvendo 234 medicamentos sólidos orais padronizados no hospital, quanto à possibilidade de administração via sondas enterais, foram encontradas, e sugeridas, 57 alternativas na forma farmacêutica líquida55. Lima G, Negrini NMM. Assistência farmacêutica na administração de medicamentos via sonda: escolha da forma farmacêutica adequada. Einstein. 2009;7:9-17.. Em outro estudo88. Nascimento MMG, Ribeiro AQ. Compilação de base de dados com recomendações para administração de medicamentos via sonda enteral. Rev Bras Farm Hosp Serv Saúde. 2010;1(1):22-5. para 48% dos medicamentos prescritos para administração via sondas enterais havia forma farmacêutica alternativa padronizada na instituição. Da mesma forma, em um trabalho realizado em hospital universitário 38,2% (26/68) dos medicamentos sólidos orais possuíam substitutos na forma farmacêutica líquida44. Rodrigues JB, Martins FJ, Raposo NRB, Chicourel EL. Perfil de utilização de medicamentos por sonda enteral em pacientes de um hospital universitário. Rev Bras Farm Hosp Serv Saúde. 2014;5(3):23-7..

Neste trabalho, após análise realizada na elaboração do Protocolo, 15 alternativas de primeira escolha, disponíveis no mercado nacional, foram incluídas na listagem de medicamentos padronizados da Instituição. Essa análise prévia do arsenal terapêutico pode esclarecer porque a intervenção farmacêutica substituição de forma farmacêutica neste trabalho não foi realizada, como ocorre em outros estudos55. Lima G, Negrini NMM. Assistência farmacêutica na administração de medicamentos via sonda: escolha da forma farmacêutica adequada. Einstein. 2009;7:9-17.,1111. Basso AP, Pinheiro MS. Avaliação dos medicamentos prescritos para pacientes submetidos à terapia nutricional enteral no CTI. Rev Bras Farm Hosp Serv Saúde. 2014;5(1):12-8.-1212. Santos CM, Costa JM, Queiroz Netto MU, Reis AMM, Castro MS. Acompanhamento farmacoterapêutico de pacientes em uso de sonda nasoenteral em um hospital de ensino. Rev Bras Farm Hosp Serv Saúde. 2012;3(1):19-22..

Na pesquisa realizada em centro de terapia intensiva de um hospital universitário, onde não havia protocolo institucional disponível, foram realizadas 30 intervenções farmacêuticas e, dessas, 10,0% foram solicitação de alteração de fármaco1111. Basso AP, Pinheiro MS. Avaliação dos medicamentos prescritos para pacientes submetidos à terapia nutricional enteral no CTI. Rev Bras Farm Hosp Serv Saúde. 2014;5(1):12-8.. Esses resultados diferem dos encontrados neste estudo, pois quando não foi possível estabelecer alternativas farmacêuticas, as intervenções farmacêuticas solicitação de alteração de fármaco e solicitação de alteração de via de administração não foram realizadas frequentemente.

É importante levar em conta que 17,7% (52/294) dos medicamentos foram considerados como administração contraindicada via sonda enteral e que esse, apesar de inferior aos 40,8% encontrados em outro estudo22. Gorzoni ML, Torre AD, Pires SL. Medicamentos e sondas de nutrição. Rev Assoc Med Bras. 2010;56(1):17-21., é um número expressivo. No entanto, na Fase 3 houve redução significativa na frequência de prescrição de medicamento de administração contraindicada (menor que 1%) em todas as unidades de internação. Esse resultado pode justificar a pequena quantidade de intervenções solicitação de alteração de fármaco e solicitação de alteração de via de administração e, ainda, demonstra a importância da elaboração e revisão de processos, do Protocolo e das intervenções farmacêuticas.

No Brasil, apesar de prevista em legislação, a execução da unitarização - transformação de medicamentos pelo farmacêutico não é comum. Em dois estudos realizados em hospitais públicos, em que a equipe de enfermagem realizava a unitarização - transformação, os resultados encontrados foram semelhantes1313. Mota MLS, Barbosa IV, Studart RMB, Melo EM, Lima FET, Mariano FA. Evaluation of intensivist-nurses' knowledge concerning medication administration through nasogastric and enteral tubes. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2010;18(5):18(5):888-94.-1414. Heydrich J, Heineck I, Bueno D. Observation of preparation and administration of drugs by nursing assistants in patients with enteral feeding tube. RBCF. 2009;45(1):117-20.. Observou-se que a transformação era realizada sem conhecimento das restrições e contraindicações que envolvem o processo e, se prescritos mais de um medicamento para o mesmo horário, os mesmos eram administrados ao mesmo tempo e com a utilização da mesma seringa. Em outro estudo, retrospectivo, realizado em um hospital de ensino, após a implantação de acompanhamento farmacoterapêutico de pacientes em uso de sonda enteral, das 267 intervenções farmacêuticas realizadas 53,18% (142) foram orientação sobre trituração e reconstituição à equipe de Enfermagem1212. Santos CM, Costa JM, Queiroz Netto MU, Reis AMM, Castro MS. Acompanhamento farmacoterapêutico de pacientes em uso de sonda nasoenteral em um hospital de ensino. Rev Bras Farm Hosp Serv Saúde. 2012;3(1):19-22.. Em uma pesquisa realizada em unidade de terapia intensiva, onde técnicos de enfermagem preparavam os medicamentos para administração via sondas enterais, os autores encontraram taxas de erro nos procedimentos superiores a 40%1010. Lisboa CD, Silva LD, Matos GC. Investigação da técnica de preparo de medicamentos para administração por cateteres pela enfermagem na terapia intensiva. Rev Esc Enferm USP. 2013;47(1):53-60..

Os resultados deste trabalho diferem da literatura em relação às intervenções farmacêuticas de recomendações para diluição ou unitarização - transformação à equipe de Enfermagem, pois quando da elaboração do Protocolo, foram estabelecidos os processos de unitarização e diluição a serem realizados pelo Serviço de Farmácia Hospitalar imediatamente antes da administração dos medicamentos via sondas enterais.

A solicitação de pausa na administração da nutrição enteral, para administração do medicamento, foi uma das intervenções farmacêuticas mais frequentes realizadas na Neurologia (39,3%) e UTI (30,3%). Esse é um procedimento relevante, pois obstruções de sondas enterais ocorrem principalmente devido à administração incorreta de medicamentos pelas mesmas. Considerando esse fato, além do procedimento de administração de medicamentos via sondas enterais ter sido revisado, foi estabelecida pausa na administração da nutrição enteral 1 h antes e 2 h depois da administração do medicamento para vários fármacos, como: ampicilina, atenolol, captopril, cefalexina, ciprofloxacino, digoxina, doxiciclina, fenitoína, fenoximetilpenicilina potássica, fluoxetina, glibenclamida, haloperidol, hidróxido de alumínio, hidróxido de magnésio, ibuprofeno, metoclopramida, norfloxacino e varfarina sódica.

Uma das limitações do presente estudo foi o curto espaço de tempo - 30 dias, entre as Fases 2 e 3, entretanto, por se tratar de um hospital universitário, novas práticas e saberes são rapidamente incorporados à prática diária.

Talvez o achado mais importante do estudo tenha sido a queda na quantidade de medicamentos prescritos com erros e na frequência de prescrição de medicamentos sem informações disponíveis para administração via sondas enterais. Verificou-se redução significativa da prescrição de medicamento CI e as restrições de medicamento PR foram observadas na prescrição. Esse resultado demonstra que a elaboração e revisão de processos, o desenvolvimento de Protocolo institucional e as intervenções farmacêuticas realizadas foram essenciais para garantir maior segurança e efetividade na utilização de medicamentos via sondas enterais, trazendo relevantes avanços para a equipe de saúde.

Conclusão

Os dados quantitativos obtidos demonstram que as intervenções farmacêuticas foram decisivas para identificar e corrigir os erros em medicamentos prescritos via sondas enterais. Entretanto, a inclusão de alternativas farmacêuticas, o estabelecimento de fluxograma decisório e de Protocolo institucional com diretrizes para transformação, diluição e administração de medicamentos padronizados foram determinantes na prevenção dos erros decorrentes da administração de medicamentos via sondas enterais, com avanços importantes para a equipe de saúde.

Agradecimentos

Às equipes do Serviço de Farmácia Hospitalar e da Seção de Enfermagem do Hospital Universitário Regional dos Campos Gerais.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2016

Histórico

  • Recebido
    17 Fev 2015
  • Aceito
    07 Ago 2015
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