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Enfermeiros em funções avançadas: uma análise da aceitação em Portugal

Resumos

OBJETIVO: este artigo foca o contexto político da implementação de competências avançadas em enfermagem, com ênfase no caso português. O setor da saúde em Portugal, assim como em outros países, usa mão de obra intensa, e a prática de enfermeiros com competências avançadas está atualmente em debate. MÉTODOS: abordagem de métodos mistos com análise de dados internacionais sobre a mão de obra em enfermagem, documentos e notícias na mídia, entrevistas com informantes-chave, questionário online e um workshop técnico com informantes-chave. CONCLUSÕES: existe base de evidência limitada sobre enfermeiros com funções avançadas em Portugal, o que é um entrave ao progresso, mas não uma desculpa para a inércia. Mais estudos conduzidos em Portugal, abordando funções inovadoras para profissionais da saúde, ajudariam a informar e direcionar políticas na área. É necessário avançar para informar, de forma plena, o diálogo político, levando em consideração a realidade atual em termos políticos, econômicos e do sistema de saúde em Portugal.

Enfermagem; Reforma dos Serviços de Saúde; Recursos Humanos em Saúde; Recursos Humanos de Enfermagem; Portugal


OBJECTIVE: This paper focuses on the policy context for the deployment of nurses in advanced roles, with particular reference to Portugal. The health sector in Portugal, as in all countries, is labour intensive, and the scope to utilise nurses in more advanced roles is currently being debated. METHODS: Mixed methods were used: an analysis of international data on the nursing workforce; an analysis of documents and media articles; interviews with key-informants; an online survey of managers, and a technical workshop with key-informants. CONCLUSIONS: The limited evidence base on nurses in advanced roles in Portugal is a constraint on progress, but it is not an excuse for inaction. Further research in Portugal on health professionals in innovative roles would assist in informing policy direction. There is the need to move forward with a fully informed policy dialogue, taking account of the current political, economic and health service realities of Portugal.

Nursing; Health Care Reform; Health Manpower; Nursing Staff; Portugal


OBJETIVO: Este estudio se focaliza en el contexto político del desarrollo de competencias avanzadas de enfermería, con énfasis en el caso portugués. El sector de la salud en Portugal, como en todos los países, es intensivo en mano de obra, y la posibilidad de utilizar enfermeros en funciones más avanzadas está actualmente en debate. MÉTODOS: Fue utilizado una aproximación mixta: análisis de datos internacionales sobre la fuerza de trabajo de enfermería; análisis de documentos y noticias; entrevistas con informadores clave; un cuestionario online y una oficina técnica con informadores clave. CONCLUSIONES: La limitada base de evidencia sobre la extensión de competencias de los enfermeros en Portugal es un obstáculo para el progreso pero no es una excusa para la inacción. Investigación adicional sobre profesionales de la salud en papeles innovadores podría ayudar a informar y direccionar la decisión política. Es necesario avanzar con un diálogo político plenamente informado, considerando la realidad político económica actual y el sistema de servicios de salud en Portugal.

Enfermería; Reforma de la Atención de Salud; Recursos Humanos en Salud; Personal de Enfermería; Portugal


ARTIGO ORIGINAL

Enfermeiros em funções avançadas: uma análise da aceitação em Portugal

James BuchanI; Marta TemidoII; Ines FronteiraII; Luis LapãoII; Gilles DussaultII

IPhD, Professor, School of Health Sciences, Queen Margaret University, Reino Unido

IIPhD, Professor, Instituto de Higiene e Medicina Tropical, Lisboa, Portugal, Centro Colaborador da OMS para Políticas e Planejamento da Força de Trabalho em Saúde

Endereço para correspondência

RESUMO

OBJETIVO: este artigo foca o contexto político da implementação de competências avançadas em enfermagem, com ênfase no caso português. O setor da saúde em Portugal, assim como em outros países, usa mão de obra intensa, e a prática de enfermeiros com competências avançadas está atualmente em debate.

MÉTODOS: abordagem de métodos mistos com análise de dados internacionais sobre a mão de obra em enfermagem, documentos e notícias na mídia, entrevistas com informantes-chave, questionário online e um workshop técnico com informantes-chave.

CONCLUSÕES: existe base de evidência limitada sobre enfermeiros com funções avançadas em Portugal, o que é um entrave ao progresso, mas não uma desculpa para a inércia. Mais estudos conduzidos em Portugal, abordando funções inovadoras para profissionais da saúde, ajudariam a informar e direcionar políticas na área. É necessário avançar para informar, de forma plena, o diálogo político, levando em consideração a realidade atual em termos políticos, econômicos e do sistema de saúde em Portugal.

Descritores: Enfermagem; Reforma dos Serviços de Saúde; Recursos Humanos em Saúde; Recursos Humanos de Enfermagem; Portugal.

RESUMEN

OBJETIVO: Este estudio se focaliza en el contexto político del desarrollo de competencias avanzadas de enfermería, con énfasis en el caso portugués. El sector de la salud en Portugal, como en todos los países, es intensivo en mano de obra, y la posibilidad de utilizar enfermeros en funciones más avanzadas está actualmente en debate.

MÉTODOS: Fue utilizado una aproximación mixta: análisis de datos internacionales sobre la fuerza de trabajo de enfermería; análisis de documentos y noticias; entrevistas con informadores clave; un cuestionario online y una oficina técnica con informadores clave.

CONCLUSIONES: La limitada base de evidencia sobre la extensión de competencias de los enfermeros en Portugal es un obstáculo para el progreso pero no es una excusa para la inacción. Investigación adicional sobre profesionales de la salud en papeles innovadores podría ayudar a informar y direccionar la decisión política. Es necesario avanzar con un diálogo político plenamente informado, considerando la realidad político económica actual y el sistema de servicios de salud en Portugal.

Descriptores: Enfermería; Reforma de la Atención de Salud; Recursos Humanos en Salud; Personal de Enfermería; Portugal.

Introdução

Este artigo é baseado no trabalho encomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) na Região Europeia e foca o contexto político referente à expansão das funções da prática de enfermeiros, com ênfase no caso português.

Portugal iniciou uma fase da reforma no setor da saúde de seu Serviço Nacional de Saúde, na primeira metade desta década. As questões referentes a recursos humanos foram identificadas tanto como foco, para reforma necessária, como uma área, para melhoria potencial em termos de assistência à saúde e efetividade do sistema de saúde(1). O setor da saúde em Portugal, assim como em todos os países, usa mão de obra intensa e o espaço para que enfermeiros e outros profissionais não médicos possam atuar em funções mais avançadas foi uma das questões identificadas durante o processo de reforma. Portugal é, atualmente, um dos países europeus enfrentando severa crise econômica, com repercussões no financiamento do setor público, emprego e prestação de serviços de saúde(2). Esse fato tem retardado tanto a implementação de algumas prioridades de reforma como também levantado a necessidade de focar, mais urgentemente, métodos para melhorar a produtividade e eficácia no setor de atenção à saúde.

Em Portugal, a composição da mão de obra na área da saúde tem sido descrita como uma combinação ineficiente de recursos que pode levar a produtividade abaixo do nível ótimo e, como consequência, o acesso a certos serviços pode ser limitado(3). Várias partes intervenientes têm defendido a revisão da composição da mão de obra na área da saúde e o escopo da prática de profissões como a enfermagem, como medida para melhorar a eficiência na prestação de serviços(4-6). Um fator que tem influenciado as partes envolvidas nessa questão é que Portugal tem uma das menores taxas enfermeiro/habitante e enfermeiro/médico e uma das maiores taxas médico/habitante, entre os países desenvolvidos. Um argumento que apoia a expansão do escopo da prática de enfermeiros em Portugal é que há muitas experiências internacionais bem-sucedidas que mostram que isso pode ser feito sem efeitos negativos na qualidade de serviços ou na segurança dos usuários(7-8).

É dentro desse processo de política de contenção de custos no setor da saúde e em meio a um debate sobre os respectivos papéis dos diferentes profissionais da saúde, em Portugal, que este artigo examina o escopo e potencial para usar enfermeiros em funções avançadas em Portugal. O foco deste relatório são enfermeiros trabalhando com funções/prática avançada. Advanced practice nurse [enfermeiro de prática avançada] é um termo geral que inclui uma série de funções na enfermagem, os dois tipos principais são: nurse practitioner e nurse specialist que, algumas vezes, são referidos como clinical nurse specialist

Enquanto que enfermeiros exercendo funções avançadas foram primeiramente estabelecidos na América do Norte, seu uso ou potencial é agora observado em vários países em muitas regiões do mundo. Um estudo internacional, conduzido em 2010, reportou que programas de educação para a prática avançada de enfermeiros estavam disponíveis em 23 dos 32 países pesquisados(10). Existe uma série de motivações que podem dar impulso ao desenvolvimento e introdução de enfermeiros na prática avançada, incluindo a escassez de competências, a necessidade de fazer uso eficiente de competências, a introdução de novos serviços e tecnologias e mudanças nas regulamentações e reforma legislativa(7-8).

Uma análise da base de evidência internacional sobre enfermeiros, exercendo funções avançadas, destaca que existe um corpo crescente de evidência que examina a eficácia de enfermeiros desenvolvendo a prática em funções avançadas(7-8). Enquanto muito da evidência inicial se originou em pesquisas conduzidas na América do Norte, Reino Unido e Austrália, tem havido ampliação, além da evidência inicial em anos recentes, refletindo o aumento de países que agora apoiam o uso de enfermeiros em papéis avançados. A evidência mais robusta é apresentada em forma de revisões sistemáticas e metanálises, das quais há apenas alguns exemplos(11), mas há também número crescente de estudos controlados randomizados(12-13) e algumas avaliações econômicas(14). As diferenças nos contextos dos sistemas de saúde, atuais delineações de funções, disponibilidade de dados e métodos de avaliação limitam conclusões globais, a partir da base de evidência internacional na avaliação de funções de prática avançada na enfermagem(7-8).

Métodos

Para atingir os objetivos da análise, uma estratégia de pesquisa multifacetada foi desenvolvida, e cinco elementos principais são descritos a seguir:

- Análise de dados internacionais referente a mão de obra em enfermagem para estabelecer o perfil da mão de obra em Portugal, num contexto internacional mais amplo;

- Análise de documentos recentes oficiais, científicos e profissionais, relatórios e artigos publicados na mídia em Portugal, para obter um contexto específico do país;

- Entrevistas com informantes-chave em Portugal;

- Pesquisa online das opiniões de gestores de serviços de atenção básica em Portugal;

- Workshop técnico com informantes-chave em Portugal.

Tendo em vista o objetivo exploratório do estudo e a natureza politicamente sensível dessa questão em Portugal, foram selecionadas estratégias capazes de fornecer uma base de evidência firme sobre a experiência internacional, com vistas a informar e contextualizar a questão em Portugal e, ao mesmo tempo, envolver intervenientes no país, a fim de mapear a possiblidade de qualquer diálogo político no futuro. Detalhes específicos sobre os métodos usados neste estudo, para cada um dos seis aspectos, são apresentados abaixo como parte do relatório de resultados.

Resultados

Comparação internacional das proporções de enfermeiros

Um indicador geral da disponibilidade de pessoal de enfermagem é a proporção de enfermeiros na população. Dados anuais coletados e publicados pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) fornece um perfil da taxa de enfermeiros em relação à população em todos os países da OCDE e alguns outros países(15). Essa comparação requer cautela devido às diferenças na definição e métodos de coleta de dados, mas, certamente, fornece alguma base para análise. Os dados da OCDE (Figura 1) mostram que havia cerca de nove enfermeiros para cada mil habitantes, em média nos países da OCDE, em 2009. O número de enfermeiros per capita foi mais alto em alguns países nórdicos, de 14 a 15 enfermeiros por mil habitantes. Portugal, com taxa de 5,6 enfermeiros por mil habitantes, apresentou taxa notadamente mais baixa que a dos países do OCDE, em média.


Um segundo indicador importante é a avaliação da disponibilidade relativa de enfermeiros e médicos trabalhando no país. Tal avaliação dá uma indicação da combinação de competências implementadas no setor de saúde. Os dados da OCDE são apresentados como um indicador do número de enfermeiros por médico. Em 2009, a taxa enfermeiro/médico variava de 5 enfermeiros/médico na Irlanda, para menos de 1 enfermeiro/médico no Chile, Grécia e Turquia (Figura 2). A média nos países da OCDE está ligeiramente abaixo de 3 enfermeiros/médico. O número de enfermeiros por médico, em Portugal, também é relativamente baixo: 1,5 enfermeiro/médico.


Revisão de documentos e da mídia: Portugal

Para fornecer um contexto mais específico do país uma pesquisa online no Google, na busca por documentos referentes à expansão das funções de enfermeiros em Portugal, foi conduzida usando as seguintes palavras-chave em português: combinação eficiente de profissionais de saúde; combinação de competências entre médicos e enfermeiros; alargamento de competências de enfermeiros; substituição de médicos por enfermeiros; prescrição por enfermeiros e vigilância da gravidez por enfermeiros. Paralelamente, periódicos, jornais e revistas diários e semanais foram consultados, também no Google, no período entre 1 de janeiro de 2010 a 31 de dezembro de 2011.

Mais de 4.000 resultados foram encontrados, incluindo artigos em periódicos acadêmicos e profissionais, relatórios e documentos eletrônicos como blogs e boletim informativo, dos quais apenas 17 tinham detalhes e relevância para o estudo. Os mesmos foram revisados para verificar se havia referência à questão da expansão da função e tarefas de enfermeiros.

Os documentos importantes identificados na pesquisa incluíram: um relatório encomendado pela OMS como parte da revisão do Plano de Saúde Nacional(16), que concluiu que "a evidência mostra que a expansão do escopo da prática profissional dos enfermeiros, se implementada cuidadosamente, pode ser uma maneira eficaz com custobenefício eficiente para lidar com mudanças demográficas (...) e pode melhorar o acesso e satisfação tanto de pacientes quanto de profissionais"; um relatório recente da Entidade Reguladora da Saúde (ERS)(5), informando que algumas categorias profissionais, como enfermeiros e técnicos de enfermagem, podem estar sendo subutilizados e, também, que algumas atividades médicas básicas podem ser executadas com segurança por enfermeiros e técnicos de enfermagem apropriadamente treinados; um relatório de base sobre os recursos humanos na área da saúde, encomendado para o desenvolvimento do novo Plano de Saúde Nacional – 2011/2016(3), que enfatizou que "a baixa taxa enfermeiro/médico indica principalmente um problema de produtividade e custo-benefício" e conclui que "há espaço para a transferência e delegação de tarefas, principalmente de médicos para enfermeiros"; um relatório recente sobre a "reforma do setor hospitalar", encomendado pelo Ministro da Saúde em Portugal(6), que recomenda, de forma explícita, "a atribuição de novas funções para enfermeiros" (p.108) para evitar usar médicos para tarefas que não requerem tal nível de especialização e, por fim, uma revisão do sistema de saúde português que coloca que "Um dos maiores desafios para os próximos 10 anos, não ainda traduzido em ações políticas, é a redefinição de papéis para os profissionais da área de saúde" (17).

A pesquisa de artigos na mídia também mostrou que o tema referente a enfermeiros, atuantes em funções mais avançadas, têm recentemente chamado cada vez mais a atenção do público em Portugal. As questões relatadas incluem as posturas de partes intervenientes sobre a possibilidade de mudanças legais para autorizar enfermeiros a prescreverem medicação, questões mais amplas relacionadas à eficiência do setor da saúde, durante a crise econômica e financeira, e também questões relativas à composição da mão de obra na área da saúde e a distribuição de funções entre os vários grupos de profissionais.

Entrevistas com informantes-chave

A segunda fase da avaliação de Portugal incluiu 14 entrevistas semiestruturadas presenciais, conduzidas entre julho e outubro de 2011, com informantes-chave incluindo: representantes dos conselhos de medicina e de enfermagem, faculdades e escolas de medicina e enfermagem, diretores de hospitais e associações de classe. Os principais tópicos explorados incluíram o escopo da prática de médicos e enfermeiros, as atuais limitações e dificuldades referentes à combinação de competências entre médicos e enfermeiros, e o impacto, oportunidades e ameaças que a implementação da enfermagem avançada pode representar em Portugal. O achado principal foi que as opiniões das partes interessadas no país ainda estão divididas e não parece haver forte movimento de defesa em favor das mudanças na combinação de competências médico/enfermeiro.

Pesquisa com gestores de primeira linha

As entrevistas com informantes-chave foram complementadas por um levantamento das opiniões de gestores de primeira linha dos Agrupamentos de Centros de Saúde (ACES). Os ACES foram criados em 2009, em Portugal, com um mandato objetivando melhorar a coordenação e eficiência dos serviços de saúde básica em níveis local e sub-regional, através de melhor planejamento e compartilhamento de recursos. Existem 73 ACES com estrutura de gestão que inclui um Diretor Executivo, um Conselho Clínico e uma Unidade de Apoio à Gestão. O conselho clínico inclui um médico da família como presidente, um médico de Saúde Pública, um enfermeiro e outro profissional da saúde.

Os diretores executivos e membros dos conselhos clínicos dos ACES foram escolhidos porque eles estão na linha de frente da prestação de serviços e estão bem posicionados para avaliar a relevância da expansão das funções dos enfermeiros na saúde básica, assim como também sua viabilidade. Um questionário com 10 questões fechadas (escala Likert) e duas questões abertas foi desenvolvido para a pesquisa online. Um e-mail informando o endereço eletrônico da pesquisa foi enviado a todos os diretores executivos e membros dos conselhos clínicos. A lista de e-mails de um programa de treinamento, no qual essa população participou, entre 2009 e 2010, foi utilizada. Quarenta e nove dos 365 e-mails enviados (5x73 ACES) voltaram, pois estavam inativos enquanto que 101 respostas válidas foram coletadas, o que corresponde a 32% de taxa de resposta.

Os pontos relevantes que surgiram na pesquisa foram que a maioria dos respondentes acreditava que a discussão relacionada ao desempenho de funções avançadas por enfermeiros, no contexto Português, era relevante e que havia um escopo específico para tarefas específicas a serem desenvolvidas por enfermeiros. A maioria dos respondentes (90%) concordou que a discussão em relação ao desenvolvimento de funções avançadas por enfermeiros, em Portugal, com o objetivo de melhorar o acesso aos serviços de saúde é relevante. Além disso, a maioria (88%) também concorda que a afirmação "Há algumas tarefas, entre aquelas frequentemente executadas por médicos, que poderiam ser realizadas por enfermeiros apropriadamente treinados" (Figura 3).


Um número equivalente também concordou que o desempenho de funções avançadas, por parte dos enfermeiros, necessariamente implicaria na introdução de qualificação específica. Outros resultados importantes se referem a 85% dos respondentes que considerou que os conselhos de medicina e de enfermagem deveriam ter a palavra final nessa questão; 84% concordou que os mecanismos de certificação de competências seriam necessários e 74% concordou que as oportunidades criadas pela expansão das funções de enfermeiros poderiam compensar quaisquer riscos potenciais (Figura 4).


A atenção básica foi considerada por 68% dos respondentes como a área apropriada para começar a experenciar funções avançadas, enquanto que 57% concordou que a expansão das funções dos enfermeiros permitiria a substituição de insumos mais caros por insumos mais baratos (Figura 5).


Em resposta às questões abertas, os entrevistados dos ACES mencionaram as seguintes áreas onde as funções dos enfermeiros poderiam ser expandidas: o manejo integrado de doenças, manejo de doenças crônicas e gravidez, atenção a grupos vulneráveis, diabetes, hipertensão, triagem e orientação em situações onde a atenção médica é necessária (aplicação de fluxogramas de decisão normativa), saúde materno-infantil, aconselhamento nutricional, promoção da saúde em geral, tratamento e avaliação de feridas e sutura de ferimentos simples e superficiais. Em relação à prescrição, os participantes consideraram aceitáveis para exames complementares de diagnósticos específicos e para tipos limitados de medicação (por exemplo: analgésicos, contraceptivos, antitabagismo e antipiréticos em caso de febre). Um dos participantes colocou que enfermeiros deveriam não apenas prescrever, mas, também, serem autorizados a fazer pequenos ajustes em doses de prescrições médicas.

As respostas à pesquisa enfatizam que, embora haja alguma aceitação entre algumas profissões médicas do potencial para expandir as funções dos enfermeiros, existe também preocupação em relação à segurança do paciente e qualidade da assistência. O currículo de enfermagem precisa de ajustes e a regulação profissional teria que ser adaptada, o que demandaria colaboração entre os conselhos de medicina e enfermagem. Além disso, a falta de incentivos financeiros e organizacionais para os enfermeiros assumirem funções mais complexas é também um possível entrave. Alguns respondentes consideram que as condições organizacionais, para um trabalho efetivo em equipe, ainda não estão totalmente implementadas, o que limita a possibilidade de expandir os papéis dos enfermeiros. Outra restrição identificada foi a falta de sistemas de informação que registrem as atividades de cada profissional e de diretrizes e protocolos que assegurem que todos saibam o que os membros da equipe devem fazer e de fato o fazem. Essa questão é considerada um pré-requisito para o estabelecimento de confiança mútua e a formulação de políticas com base em informação, condição crítica para a aceitação da expansão das funções dos enfermeiros e de outros profissionais no futuro.

Workshop com informantes-chave

Um workshop técnico foi organizado em 10 de fevereiro de 2012 com o objetivo de obter as opiniões iniciais dos intervenientes, em relação aos resultados preliminares do estudo. A reunião foi realizada sob a regra Chatham House, ou seja, um relatório foi escrito sobre a reunião, mas nomes não foram atribuídos a quaisquer trechos da discussão. Havia 19 participantes, incluindo gestores de serviços de saúde, oficiais dos conselhos de medicina e de enfermagem, e pesquisadores. Boa parte da discussão foi a respeito do conteúdo de qualquer expansão das funções dos enfermeiros. Essa questão reflete o que seria a combinação mais apropriada de competências nos serviços de saúde, para garantir a qualidade dos serviços e para melhor atender a demanda, em termos de utilização mais eficiente dos recursos existentes. Argumentou-se que essa discussão deveria levar em consideração as especificidades do setor de saúde português como, por exemplo, os serviços são organizados e financiados. Também se julgou importante assegurar que a expansão das funções dos enfermeiros ou de qualquer outra profissão não teria efeitos colaterais em qualquer grupo de profissionais.

Em relação à viabilidade de se expandir as funções de enfermeiros, no atual momento em Portugal, o consenso foi que "o caminho ainda é longo" antes que essa ação seja plenamente possível. As visões divergem entre enfermeiros e médicos. Alguns são totalmente a favor enquanto outros discordam totalmente com toda sorte de nuances entre esses dois extremos. Entretanto, houve consenso de que a atual crise econômica e financeira ofereceu uma oportunidade para se discutir como os serviços são prestados e como os profissionais podem ser usados de maneira mais eficiente. Um obstáculo importante foi mencionado e se refere à taxa enfermeiro/médico que é atualmente baixa em Portugal e dificulta a aceitação, pela parte dos enfermeiros, de novas responsabilidades além daquelas que fazem parte de uma carga de trabalho já bastante pesada.

A questão da possibilidade de enfermeiros adquirirem o direito de prescrever foi debatida de forma mais acalorada. O consenso foi que essa questão precisa ser regulada e, em princípio, enfermeiros deveriam ser capazes de prescrever remédios e outros exames e testes em áreas para as quais foram autorizados a praticar. Todos reconheceram que a educação teria que ser ajustada de acordo com o conhecimento demandado por essas novas atividades.

Finalmente, os participantes observaram que o uso de evidência sobre experiências internacionais bem-sucedidas seriam úteis, mas que, por si só, seria insuficiente. Evidência originada em estudos nacionais, realizados em Portugal, o que no momento são escassos, também é necessária.

O workshop também mostrou que há necessidade de se esclarecer a linguagem usada para discutir a expansão de funções. Termos como substituição, delegação, equipes de colegas, complementaridade, função, tarefas, competências e escopo da prática vieram à tona, mas nem sempre foram usados para descrever a mesma questão, ou eram entendidos da mesma maneira por todos.

Para aumentar à confusão, não existe uma definição clara e operacional do que é tarefa médica ou tarefa de enfermagem na legislação portuguesa. Os participantes acrescentaram que, na prática, os próprios profissionais não têm um entendimento claro sobre o que "pertence" a cada categoria profissional. Sem essas definições, pode ser mais difícil estabelecer com precisão o conteúdo da função expandida ou quais tarefas seriam delegadas.

Discussão

O contexto político para enfermeiros em funções avançadas

A revisão internacional mostrou que diferentes países estão em diferentes estágios de desenvolvimento em termos do uso que fazem de enfermeiros em funções avançadas. Os vários elementos do estudo conduzido em Portugal mostraram que não há consenso de se ou como quaisquer desenvolvimentos serão levados adiante no país em termos de funções avançadas para enfermeiros. Nesse contexto, a história da introdução de enfermeiros em funções avançadas nos EUA é relevante. Os EUA foram um dos primeiros países a implementar essas funções, há quase 50 anos. Essa cronologia destaca a importância do financiamento do governo nos EUA como, por exemplo, pump priming

Primeiro, é importante que as partes interessadas concordem com a necessidade de enfermeiros com prática avançada. As partes intervenientes devem incluir representantes das profissões médica e de enfermagem, ministros da saúde e da educação, empregadores e legisladores. Vários comentaristas colocaram a necessidade de basear essa abordagem em respeito mútuo, e no desenvolvimento de um modelo colaborativo de prestação de atenção à saúde.

Segundo, em casos em que os princípios das necessidades forem acordados, há necessidade de assegurar que as funções avançadas estejam bem definidas e os requisitos educacionais identificados.

Terceiro, as questões de certificação e regulamentação têm que ser determinadas. Como colocado nesse relatório, diferentes países têm que adotar abordagens diferentes. Alguns desenvolveram uma única abordagem em nível nacional para a questão da certificação/licenciatura com registro separado nacional, enquanto outros adotaram uma abordagem voluntária.

Quarto, a estrutura da carreira e sistema de pagamento para enfermeiros exercendo funções avançadas devem ser estabelecidos, enquanto que o impacto potencial em outras profissões e a organização e acesso aos serviços têm que ser avaliados.

Portugal se encontra no primeiro estágio desse processo. Como descrito anteriormente, a evidência disponível no país, sobre o impacto potencial da implementação da prática avançada de enfermeiros, ainda é restrita. No entanto, a experiência internacional, já bem documentada, mostra que isso pode ser feito de forma efetiva, mantendo, ao mesmo tempo, a qualidade da atenção com benefícios tanto para os profissionais como para os pacientes.

Conclusão

A limitada base de evidência sobre enfermeiros com funções avançadas em Portugal restringe o progresso nessa área, mas não é uma desculpa para inércia. Mais estudos em Portugal focando a experiência local com a implantação de profissionais de saúde, em funções inovadoras e efetivas, poderiam ser úteis para informar a direção de políticas. Mais importante, há necessidade de avançar com diálogo plenamente informado, levando em consideração a realidade atual em termos políticos, econômicos e na área da saúde em Portugal, explorando, de forma estruturada e objetiva, o que é melhor para assistência à saúde no país, em termos do perfil global da mão de obra na área da saúde.

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  • 1
    Las enfermeras de competencias avanzadas: una revisión de aceptación en Portugal
  • 2
    . Em alguns países, as funções da prática avançada são registráveis enquanto que em outros as funções não são identificadas separadamente no registro profissional
    (9). Um fator importante na questão da prática avançada se refere ao escopo da autoridade legal que os enfermeiros têm para prescrever medicação. A legislação que permite enfermeiros prescreverem está sendo implementada num número crescente de países.
  • 3
    nas décadas de 1960 e 1970, e o processo contínuo de ganhar apoio legislativo ao longo das décadas de 1970, 1980 e 1990
    (18). Diferentes países estão em momentos diferentes e têm motivações diferentes. As questões-chave que qualquer país deve considerar, quando analisando o potencial para enfermeiros assumirem funções avançadas, devem incluir
    (7) as questões mostradas a seguir.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Mar 2013
    • Data do Fascículo
      Fev 2013

    Histórico

    • Recebido
      24 Jul 2012
    • Aceito
      23 Out 2012
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