Acessibilidade / Reportar erro

O cuidado a saúde materna no Brasil e o resgate do ensino de obstetrizes para assistência ao parto

Resumos

Os autores fazem uma breve análise da situação do cuidado a saúde materna no Brasil, e com base nesses dados, apontam as transformações no modelo de assistência à mulher e às famílias e propõem algumas medidas, as quais inclui a inserção do trabalho da enfermeira obstétrica ou obstetriz no contexto atual. Comentam que a tendência atual do processo de nascimento pressupõe a incorporação do paradigma que favorece a fisiologia e a valorização da experiência feminina, a abordagem centrada na família, com ênfase na prevenção, educação e relacionamento interpessoal, sem deixar de lado a segurança. Consideram que o modelo de cuidado à saúde, que inclui o trabalho da obstetriz, pode melhorar os indicadores de saúde materna.

enfermagem obstétrica; obstetriz; assistência a saúde


The authors briefly analyze the situation of maternal health care in Brazil and, based on their findings, they comment that there have been transformations in the health care model for women and families and propose some measures, including recovery of the work of the obstetric nurse or midwife (obstetriz, in Portuguese). They comment that women care tendencies in the delivery process presuppose incorporation of the paradigm of improving the physiology of valuing women's experience, the approach to the family, health advice that prioritizes prevention, education and relationships, without ignoring safety. They appoint that building this health care model, which includes the work of the midwife, may improve maternal health indicators.

obstetrical nursing; midwives; delivery of health care


Los autores hacen un breve análisis de la situación del cuidado de la salud materna en Brasil, y con base en sus hallazgos, sugieren transformar el modelo de atención a la mujer y a sus familiares; proponen algunas medidas que incluyen la inserción del trabajo de la enfermera obstétrica y de la obstetra en el contexto actual. Comentan sobre la tendencia actual del cuidado materno en el proceso del nacimiento, el cual presupone la incorporación del paradigma que favorece la fisiología y la valorización de la experiencia femenina, el abordaje centrado en la familia con énfasis en la prevención, educación y relación interpersonal sin dejar de lado la seguridad. Consideran que el modelo del cuidado de la salud que incluye el trabajo de la obstetra, puede mejorar los indicadores de salud materna.

enfermería obstétrica; matrona; prestación de atención de salud


ARTIGO TEÓRICO

O cuidado a saúde materna no Brasil e o resgate do ensino de obstetrizes para assistência ao parto

Miriam Aparecida Barbosa MerighiI; Dulce Maria Rosa GualdaII

IEscola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, Brasil: Enfermeira Obstétrica, Docente, e-mail: merighi@usp.br

IIEscola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, Brasil: Parteira, Docente, e-mail: drgualda@usp.br

RESUMO

Os autores fazem uma breve análise da situação do cuidado a saúde materna no Brasil, e com base nesses dados, apontam as transformações no modelo de assistência à mulher e às famílias e propõem algumas medidas, as quais inclui a inserção do trabalho da enfermeira obstétrica ou obstetriz no contexto atual. Comentam que a tendência atual do processo de nascimento pressupõe a incorporação do paradigma que favorece a fisiologia e a valorização da experiência feminina, a abordagem centrada na família, com ênfase na prevenção, educação e relacionamento interpessoal, sem deixar de lado a segurança. Consideram que o modelo de cuidado à saúde, que inclui o trabalho da obstetriz, pode melhorar os indicadores de saúde materna.

Descritores: enfermagem obstétrica; obstetriz; assistência a saúde

INTRODUÇÃO

No Brasil, os indicadores de saúde relacionados à assistência obstétrica são desencorajadores. Uma cadeia de eventos ocasiona sua ocorrência, e a sua causalidade pode ser atribuída a características sócio culturais e econômicas da população, políticas de saúde, iniqüidade e exclusão. A taxa de mortalidade materna é muito alta. O uso abusivo de cesárea revela a situação que tem contribuído para a desumanização da assistência, e o preparo e a atuação dos profissionais de saúde tem sido alvo de intensos debates. Nesta perspectiva, este artigo tem como finalidade mostrar dados sobre a saúde materna, apontar tendências para a assistência à saúde da mulher durante o período reprodutivo e contextualizar a criação de um curso de obstetrícia que privilegie um novo modelo de assistência ao nascimento. Esses aspectos são discutidos em mais profundidade nos itens apresentados abaixo.

Situação da assistência à saúde materna no Brasil

A análise da situação da saúde materna no Brasil mostra o grave quadro epidemiológico vivenciado pelas mulheres e seus neonatos e a fragilidade da assistência prestada à população.

As políticas que vêm sendo adotadas, os problemas de gerenciamento, a redução de verbas e de pessoal, a falta de material e medicamentos levaram ao sucateamento da assistência. O pré-natal, quando existe, é inadequado. Não há garantia de vaga hospitalar por ocasião do parto. No processo de nascimento é privilegiada a tecnologia, a prática medicalizada, despersonalizada e intervencionista, sendo que as taxas de cesárea são elevadíssimas, e os coeficientes de mortalidade materna alarmantes(1).

A mortalidade materna é o indicador que melhor reflete as condições de assistência à mulher durante o período gravídico-puerperal, pois, a intervenção oportuna e adequada, poderia evitar a maioria dessas mortes(2).

Dados de 1997 mostram que o Brasil apresenta um índice de 110 mortes maternas por 100.000 nascidos vivos, números semelhantes aos apresentados pelos países mais pobres da América Latina(2).

O coeficiente de morte materna reflete, ainda, a desigualdade e a exclusão social no país. Os dados retratam a iniqüidade e a realidade de cada região. Assim, as regiões menos favorecidas do país apresentam um maior coeficiente de mortalidade feminina por causa materna. A região norte, seguida pela região centro-oeste e nordeste, que são as mais carentes, são as que apresentam os piores indicadores. As regiões sul e sudeste, que são as mais desenvolvidas, são as que apresentam os melhores dados(3).

As principais causas de morte materna são as síndromes hipertensivas, as hemorragias, as complicações do aborto e as infecções puerperais, sendo consideradas causas diretas e intimamente relacionadas aos fatores socioeconômicos, responsáveis por 89% das mortes maternas em nosso país(4).

Uma cadeia de eventos ocasiona sua ocorrência. Dentre eles, podemos apontar: características socioculturais e econômicas da população; patologias próprias do estado gravídico; estrutura fragmentada do sistema de saúde onde cada qual atende de modo estanque; ineficiência do sistema de referência e contra-referência; falta ou má distribuição de leitos destinados aos partos nas regiões, ocasionando superlotação em muitas instituições; uso abusivo de tecnologia e intervenções obstétricas que favorecem a morbidade; qualidade dos serviços de pré-natal que constitui o ponto de estrangulamento da assistência(5).

Em relação aos profissionais, especificamente, os baixos salários tendem a estimular e a justificar o descompromisso e a comercialização da saúde. Falhas na formação e as condições de trabalho que propiciam uma assistência burocratizada; a falta de humanização do atendimento onde são priorizadas rotinas massificantes em detrimento da assistência às necessidades individualizadas; as histórias de saúde-doença das mulheres são desconsideradas e novas tecnologias substituem gradativamente a clínica.

De modo geral há distorções na própria concepção da assistência ao parto no Brasil em decorrência do paradigma adotado que acaba influenciando o modo como essa assistência é prestada e, consequentemente, a sua qualidade, interferindo tanto nos procedimentos executados quanto nas relações interpessoais. A questão do uso indiscriminado de intervenções vem sendo tratado sob diversas perspectivas, e o modelo biomédico tem sido apontado como o grande vilão. Neste contexto, corrobora, conquanto que é resultado de uma prática assistencial, as cesáreas no Brasil, cujas taxas configuram entre as mais elevadas do mundo. O Estado de São Paulo vem apresentando nos últimos quatro anos uma média de 50,3% de nascimento por cesárea, sendo que, no Brasil, ocorreram 40,5% de nascimentos por cesárea(4).

Situação da área educacional

A análise da assistência à saúde materna no Brasil mostra uma situação de crise, e que os problemas na área educacional não são menores. Há um desmantelamento do ensino em todos os níveis, nos quais está incluída a formação dos profissionais de saúde. A educação desses profissionais não é um processo isolado, mas relaciona-se a estrutura econômica e social e estabelece relações com outros vários processos, mais intimamente com os campos de prática(1).

A maioria dos currículos das faculdades que preparam os profissionais para assistência a saúde são biocênticos, sendo que a ênfase do processo educativo é a doença, os procedimentos técnicos e a tecnologia. Além disso, o ambiente onde ocorre atividade de ensino de campo não possibilita uma prática humanitária.

É reconhecida a necessidade de reformulação do modelo da formação dos profissionais da saúde, tendo em vista a crise atual no panorama de saúde, tanto na perspectiva quantitativa, quanto qualitativa.

O processo saúde-doença passa pelo veio da complexidade e da singularidade do viver humano demandando nova perspectiva de formação profissional. Assim sendo, a tendência educacional atual deve estar pautada no modelo sociocêntrico.

Por outro lado, a formação dos profissionais de saúde necessita trilhar caminhos em que este espaço de aprendizado possa utilizar-se da arte para provocar mudanças na assistência a fim de formar pessoas sensíveis e aptas a compreender a dimensão do cuidado humano(1).

No que se refere ao nascimento, o desafio está em compreender, resgatar e desvelar o processo como acontecimento singular, humanizado, afastando a despersonalização e as ações intervencionistas(6).

Tendência da assistência à mulher no processo de nascimento

A tendência da assistência à mulher no processo de nascimento pressupõe a valorização da experiência da mulher, a abordagem da família enquanto núcleo social básico, e a orientação para a saúde. Esta pode ocorrer, tanto dentro como fora do contexto hospitalar, priorizando sempre aspectos preventivos, educativos e relacionais do processo, sem que a segurança seja deixada de lado.

As enfermeiras obstétricas e obstetrizes têm formação voltada para estes aspectos, e os bons resultados da assistência são comprovados em nível nacional e internacional(7).

Quanto às obstetrizes, Sheila Kitzinger ressalta a sua importância ao longo da história, nos diversos sistemas de saúde. Ao pesquisar sobre sua prática reconhece que na maioria dos sistemas, este profissional, praticamente, desapareceu. Comenta, que em alguns locais limitam-se a cumprir ordens médicas, em outros, sua atividade é fragmentada e direcionada para o procedimento em si e não para a mulher. Porém, nos locais onde atuam com autonomia tem obtido resultados perinatais muito satisfatórios e desempenhado papel relevante no sentido de mudança, examinando práticas obstétricas universalmente aceitas. Salienta que foram as obstetrizes que conduziram as investigações sobre a prática rotineira de tricotomia do períneo, o enema e a episiotomia de rotina, contatando que estas práticas nem sempre são benéficas, além de causar extremo desconforto às parturientes. Ainda, segundo a autora, estudos conduzidos na Inglaterra e nos EUA demonstram que partos assistidos por obstetrizes apresentam índices menores de cesárea, fórcipe, indução e controle eletrônico do foco, sendo que, o uso de medicação é feito com menor intensidade, e os bebês apresentam Apgar elevado e quase não são entubados(8).

Frente a estas considerações acreditamos que a responsabilidade pelo atendimento do parto normal possa ser transferida para as obstetrizes que tem formação mais condizente com a prática de acompanhar o parto e deixar a fisiologia atuar, deixando para o médico os casos que apresentam risco.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) concorda e considera que pelas características menos intervencionistas dos cuidados, as enfermeiras obstétricas e obstetrizes são as profissionais mais apropriadas para o acompanhamento das gestações e partos normais (OMS, 1996). Esta abordagem vislumbra o ingresso por meio de múltiplas entradas para a formação de profissionais para assistência ao parto normal. Inclui a atual especialização para as enfermeiras obstétricas, após a conclusão do curso de enfermagem, e a formação em nível de graduação para as obstetrizes. Com base nessas considerações começou a ser discutida a possibilidade de resgate da formação da obstetriz, em nível de graduação, paralelamente à especialização em enfermagem obstétrica. Esta discussão começou em seminários regulares da categoria e, internamente, na disciplina enfermagem obstétrica, do Departamento Materno-Infantil e Psiquiátrica da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo.

Neste sentido considerou-se que as egressas destes cursos deveriam ter o perfil e a competência para acompanhar o processo fisiológico do nascimento, contribuindo para a sua evolução natural, reconhecendo e corrigindo os desvios da normalidade, e encaminhando aquelas que demandem assistência especializada. Além disso, teriam o papel de facilitar a participação da mulher no processo do nascimento, caminhando para o modelo fundamentado nos princípios da humanização que, também segundo nosso entendimento, baseia-se em respeito ao ser humano, empatia, intersubjetividade, envolvimento, vínculo, oferecendo à mulher e à família a possibilidade de escolha de acordo com suas crenças e valores culturais.

A humanização da assistência também passa pela aprendizagem das diferentes concepções, valores e práticas culturais associadas ao parto e nascimento existentes em nosso meio (caboclas, indígenas, rurais, urbanas, etc). Com mais acesso as informações sobre os diferentes hábitos e costumes associados ao nascimento será possível desenvolver uma atitude mais flexível e tolerante às diferenças, com comunicação mais efetiva entre profissionais e usuários, buscando atender às necessidades das mães e famílias.

A hospitalização tem sido apontada como verdadeiro obstáculo à humanização da assistência ao nascimento. Neste sentido, propõe-se, atualmente, a criação de centros de parto normal para o atendimento de baixo risco por se tratarem de pequenos núcleos assistenciais, menos burocratizados que oferecem menores riscos de infecção que as grandes maternidades. Os centros de parto normal podem ser situados dentro ou fora da estrutura hospitalar. Quando situado fora é recomendável que seja nas proximidades de uma instituição hospitalar com facilidades de transporte para remoções de parturientes com complicações. As enfermeiras obstétricas e obstetrizes seriam as principais responsáveis pelo parto eutócico.

Outro aspecto a ser considerado é a substituição das práticas obsoletas por evidências científicas para embasar a prática obstétrica. Embora algumas já estejam bem documentadas, ainda há desinteresse e desconhecimento dessas evidências, por parte dos profissionais que assistem ao nascimento. Um exemplo desta situação é o uso abusivo de cesáreas praticado por especialistas médicos, que tem contribuído para a desumanização da assistência, além de acarretar o aumento da mortalidade e morbidade materna e perinatal, sem mencionar o desperdício dos escassos recursos do setor de saúde.

Resgate da atuação da obstetriz na assistência ao parto no Brasil

O modelo de atenção à mulher e família no processo reprodutivo tem sido reconhecido por agentes governamentais como necessário. Torna-se, assim, objeto de políticas nacionais no âmbito da saúde. Podem ser enumeradas algumas medidas como a proposição do Programa de Humanização no Pré-Natal e Nascimento, a criação de Centros de Parto Normal e o financiamento de cursos de especialização em enfermagem obstétrica, oferecidos por escolas de enfermagem de todo o país.

No que tange à assistência a saúde da mulher no período gravídico puerperal, a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Ministério da Saúde, no Brasil recomendam maior participação da enfermeira obstétrica e da obstetriz considerando a importância de acompanhar o trabalho de parto, aprimorar a assistência ao parto normal e diminuir as taxas de cesariana. Como medida de incentivo, desde 1998, ficou estabelecida na tabela do Sistema Único de Saúde a remuneração do procedimento de assistência ao parto realizado por enfermeira obstétrica(9).

Até 2005, a única via adotada para a formação de profissionais de assistência ao parto consistia na especialização, tendo como pré-requisito o curso de graduação em enfermagem.

No entanto, diante do quadro de assistência a saúde reprodutiva e publicações na literatura internacional e nacional a temática relativa ao papel da obstetriz, começou ser debatida. Assim sendo, desde 1998, a Associação Brasileira de Obstetrizes e Enfermeiros Obstetras - Seção São Paulo intensificou a discussão sobre o ensino de enfermagem para a assistência ao parto e nascimento, por meio de seminários estaduais. Apontou como principais críticas ao modelo atual de formação na área, o alto investimento financeiro e o tempo excessivamente longo para qualificar profissionais para assistência à mulher no ciclo gravídico. Considerou-se então, a possibilidade de formação da obstetriz (entrada direta) para a assistência à saúde da mulher sob nova perspectiva. Levou-se em conta também, as evidências científicas as quais têm relacionado atuação da obstetriz na condução fisiológica e naturalizada do parto e na personalização e humanização da assistência.

Neste sentido, a formação das obstetrizes passou a ser amplamente debatida, considerando-se que representa um importante recurso para prover cuidados de saúde à gestantes, parturientes, puérperas, recém-nascidos e familiares.

Os cursos de obstetrícia já existiram no Brasil. Esses cursos começaram a ser extintos, no início da década de sessenta. A assistência a mulher no período reprodutivo passou a ser das enfermeiras obstétricas formadas nas escolas de enfermagem.

Embora a especialização em enfermagem obstétrica tenha representado uma importante estratégia para capacitação de enfermeiras na área, essa via única não vinha atendendo plenamente a demanda por profissionais em nosso país, em número expressivo e adequadamente preparado, considerando o custo e o retorno social no âmbito do ensino, pesquisa e assistência. Considerou-se a necessidade de um curso com estrutura e duração adequadas para a qualificação de obstetrizes seu perfil e competência possibilitaram participar ativamente das transformações necessárias no modelo assistencial e no quadro epidemiológico da saúde materna e perinatal.

A proposição de um curso de graduação em obstetrícia por docentes do Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e Psiquiátrica começou a ser pensada em 2001. Objetivava estabelecer e desenvolver uma modalidade de formação e qualificação de profissionais vinculada a realidades locais, no sentido de produzir o necessário e esperado impacto na qualidade à saúde da mulher e sua família na região.

Concebemos um profissional, que integrada à equipe de saúde, seria capaz de atuar de forma autônoma, responsabilizando-se pela assistência na gestação e no parto normal, sendo um recurso importante para prover cuidados de saúde à gestantes, parturientes, puérperas, recém-nascidos e familiares, e promover e preservar a normalidade do processo de nascimento, atendendo as necessidades físicas, emocionais e socioculturais das mulheres. Por outro lado, este profissional teria perfil e competência para participar ativamente das transformações no quadro epidemiológico da saúde materna e perinatal.

Proposta de criação do curso

Para atender as demandas sociais foi proposto um curso de graduação em obstetrícia para a Universidade de São Paulo Zona Leste, no ano de 2003, por ocasião de expansão de 1000 vagas. O novo Campus teve como proposta criar uma unidade integrada que se concentrasse cursos das áreas de Humanidades, Artes e Ciências, ainda não oferecidos pela Universidade de São Paulo da Capital. Idealizou-se para ser desenvolvido em propostas interdisciplinares voltadas à realidade da sociedade e da região, contemplando, novas propostas de ensino, garantindo a articulação à pesquisa e extensão de serviços à comunidade.

Visando promover o alcance desses objetivos, o curso foi planejado tendo como alicerce um Ciclo Básico, no qual, os alunos tivessem a oportunidade de experienciar três eixos articulados de formação:

a) Fundamentação no campo de conhecimento específico do cuidado à saúde;

b) Formação geral, composto pelas disciplinas que dão suporte humanístico aos estudos posteriores;

c) Formação cientifica que se desenvolve por meio da resolução de problemas, na forma de iniciação científica e nas quais os alunos desenvolvem projetos de pesquisa vinculados as questões sociais.

A partir do ciclo básico, três eixos estruturantes estariam presentes ao longo dos seis demais semestres do curso. Cada eixo foi composto por disciplinas curriculares, seqüenciadas por critérios de continuidade de conteúdos e grau crescente de complexidade. Os eixos estruturantes do curso de Obstetrícia são:

1. Bases biológicas da Obstetrícia

2. Fundamentos psicossociais do processo reprodutivo

3. Assistir/cuidar no processo reprodutivo

Os eixos, embora tenham uma configuração longitudinal, estão articulados para convergirem para o contexto prático e investigativo, por meio da atividade de campo onde se privilegia a habilidade técnica, expressiva e interativa e os grupos de Resolução de Problemas, que propiciam a análise crítica das ações assistenciais. Esses conteúdos são, portanto, desenvolvidos de forma integrada e gradativa.

O número de vagas inicial foi de 60, no período vespertino, e teve início em 2005. A duração mínima do curso ficou estabelecida em oito semestres, e no máximo em doze semestres. Estabeleceu-se como perfil do graduando:

- Reconhecer as dimensões física, emocional e sócio-cultural que integram a vida das pessoas e afetam o processo reprodutivo, determinando ações cuidativas;

- Compreender o fenômeno da reprodução como singular, contínuo e saudável, no qual a mulher é o foco central, e que se desenvolve num determinado contexto sócio-histórico;

- Propiciar o desenvolvimento normal do processo do nascimento, oferecendo cuidado e apoio e assegurando a participação da mulher e da família;

- Desenvolver o processo assistencial e educativo, fundamentado na interação permeada pela parceria, possibilitando às pessoas envolvidas tomarem duas decisões de saúde;

- Articular observações clínicas, conhecimento científico, habilidade técnica e julgamento intuitivo na tomada de decisões;

- Valorizar o conhecimento e a atuação interdisciplinares;

- Desenvolver atribuições com base na responsabilidade ético-política e na autonomia profissional, tendo como referência os princípios de eqüidade, do respeito pela autodeterminação e do ambiente humano.

Competências e habilidades:

- Prestar e coordenar a assistência à saúde da mulher e família no processo reprodutivo.

- Atuar em instituições de saúde públicas e privadas (maternidades, centros de parto normal, casas de parto, ambulatórios, unidades básicas), instituições de ensino e domicílios;

- Atuar em equipe multiprofissional;

- Desenvolver processo interativo com os diversos níveis de atuação;

- Contribuir para a construção do conhecimento da área e fundamentar a sua prática no conhecimento existente;

- Formar recursos humanos na área específica;

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A situação da assistência à saúde reprodutiva no Brasil apresenta um quadro epidemiológico com altas taxas de mortalidade materna e perinatal, com uso indiscriminado de intervenções, que são facilmente verificados nas taxas de cesárea, refletindo numa má qualidade da assistência obstétrica.

O mesmo ocorre com a educação dos profissionais de saúde, cujos dados não são muito mais encorajadores. Os currículos são biocêntricos e repetitivos. O ensino de campo ocorre num ambiente que desencoraja a mudança e não favorece a humanização.

Tanto nas políticas, quanto nas propostas de humanização do cuidado, o ensino de enfermeiras obstétricas e a formação de obstetrizes têm sido valorizados. Para preencher essa lacuna, um curso de obstetrícia foi criado, com base em modelo educacional inovador. O objetivo é possibilitar aos alunos se tornarem profissionais sensíveis e aptos a compreender a dimensão humana do cuidado e participar ativamente nas transformações do cuidado materno e perinatal, tornado-os recursos importantes no cuidado a mulher durante a gestação, parto e puerpério, bem como às crianças e às famílias.

Portanto, os autores acreditam que esses profissionais podem afetar positivamente os indicadores maternos e perinatais, como no caso da Europa e de países da América do Norte.

REFERÊNCIAS

  • 1. Duarte NMN. A formação do enfermeiro para o nascimento e parto. Anais do 2° Seminário Estadual sobre Qualidade da Assistência ao Parto: Contribuições da Enfermagem; Curitiba (PR); 1999. p. 13-18.
  • 2. Tanaka ACd´A. Mortalidade materna. In: Rocha MIB, Araújo MJO, Ávila MB, organizadores. Saúde da mulher e direitos reprodutivos: dossiê. São Paulo (SP): Rede Nacional Feminista de Saúde e Direitos Reprodutivos; 2001. p. 23-39.
  • 3. Tanaka ACd'A. Uma aula e muitas lições sobre a mortalidade materna. J Rede Feminista de Saúde 2006 junho; 28:7-9.
  • 4
    DATASUS. Nascidos vivos - Brasil: 1999. [on line] 1999. [citado em 8 jan 1999]. Disponível em: http://www.datasus.gov.br
  • 5. Tanaka ACd'A, 1995. Maternidade. Dilema entre nascimento e morte. São Paulo (SP): Hucitec/Abrasco; 1995.
  • 6. Palha PF, Lopes AMC, Sá LD, Villa TCS. A literatura brasileira no ensino de enfermagem em saúde pública/coletiva. Inform Latino-am Enfermagem 1999 janeiro 01; 3(3):2-8.
  • 7. Cavalcante ESR, Matos RCP, Monteiro JQ. Projeto de assistência ao parto e nascimento por enfermeiros obstetras. Síntese do 1° Seminário Estadual sobre Qualidade da Assistência ao Parto: Contribuições da Enfermagem; 1998 maio 14-15; Curitiba; Paraná; 1998.
  • 8. Kitzinger S. Why women need midwives. In: Kitzinger S. The midwife challenge. London (UK): Pandora Press; 1988. p. 1-20.
  • 9
    Organização Mundial da Saúde. Maternidade segura. Assistência ao parto normal: um guia prático. Genebra (SUI): OMS; 1996.
  • Mothers'health in Brazil and recovering the training of midwives for care in the birth process

    Miriam Aparecida Barbosa MerighiI; Dulce Maria Rosa GualdaII
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      15 Jun 2009
    • Data do Fascículo
      Abr 2009

    Histórico

    • Recebido
      01 Abr 2008
    • Aceito
      03 Mar 2009
    Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto / Universidade de São Paulo Av. Bandeirantes, 3900, 14040-902 Ribeirão Preto SP Brazil, Tel.: +55 (16) 3315-3451 / 3315-4407 - Ribeirão Preto - SP - Brazil
    E-mail: rlae@eerp.usp.br