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Segurança dos trabalhadores de enfermagem e fatores determinantes para adesão aos equipamentos de proteção individual

Resumos

Trata-se de estudo qualitativo, realizado em um hospital universitário, com 15 profissionais de enfermagem. Objetivaram-se analisar as razões, atitudes e crenças dos trabalhadores de enfermagem, referentes à adesão aos equipamentos de proteção individual. Os dados foram coletados por meio do grupo focal, analisados pelo método de interpretação de sentidos, considerando o referencial do modelo de crenças em saúde de Rosenstock. Dos dados, emergiram duas categorias temáticas, segurança no trabalho e relacionamento interpessoal. Identificaram-se várias barreiras que interferem nas questões de segurança e proteção individual como comunicação, sobrecarga do trabalho, estrutura física, acessibilidade aos equipamentos de proteção e aspectos organizacionais e gerenciais. A adesão aos equipamentos de proteção é determinada tanto pelo contexto vivenciado, no ambiente de trabalho, como, também, por valores e crenças individuais, mas a decisão sobre o uso dos equipamentos de proteção é individual.

Equipamentos de Proteção; Precauções Universais; Enfermagem; Saúde do Trabalhador


A qualitative study conducted in a teaching hospital with 15 nursing professionals. Attempted to analyze the reasons, attitudes and beliefs of nursing staff regarding adherence to personal protective equipment. Data were collected through focus groups, analyzed by the method of interpretation of meanings, considering Rosenstock’s model of health beliefs as a reference framework. Data revealed two themes: Occupational safety and Interpersonal Relationship. We identified several barriers that interfere in matters of safety and personal protective equipment, such as communication, work overload, physical structure, accessibility of protective equipment and organizational and management aspects. Adherence to personal protective equipment is determined by the context experienced in the workplace, as well as by individual values and beliefs, but the decision to use the personal protective equipment is individual.

Protective Devices; Universal Precautions; Nursing; Occupational Health


Estudio cualitativo realizado en un hospital universitario con 15 profesionales de enfermería. Objetivó analizar las razones, actitudes y creencias de los trabajadores de enfermería referentes a la adhesión a los equipamientos de protección individual. Los datos fueron recolectados por medio de grupo focal, analizados por el método de interpretación de sentidos, considerando el referencial del modelo de creencias sobre salud de Rosenstock. De los datos surgieron dos categorías temáticas, Seguridad en el trabajo y Relaciones Interpersonales. Identificamos varias barreras que interfieren en las cuestiones de seguridad y protección individual como comunicación, sobrecarga de trabajo, estructura física, accesibilidad a los equipamientos de protección y aspectos organizacionales y administrativos. La adhesión a los equipamientos de protección es determinada tanto por el contexto experimentado en el ambiente de trabajo, como por valores y creencias individuales; sin embargo, la decisión del uso de los equipamientos de protección es individual.

Equipos de Seguridad; Precauciones Universales; Enfermería; Salud Laboral


ARTIGO ORIGINAL

Segurança dos trabalhadores de enfermagem e fatores determinantes para adesão aos equipamentos de proteção individual1

Heliny Carneiro Cunha NevesI; Adenícia Custódia Silva e SouzaII; Marcelo MedeirosIII; Denize Bouttelet MunariIV; Luana Cássia Miranda RibeiroV; Anaclara Ferreira Veiga TippleVI

IEnfermeira, Mestre em Enfermagem, Professor Assistente, Faculdade de Enfermagem, Universidade Federal de Goiás, Goiânia, GO, Brasil. Bolsista da Coordenação de Aperfeiçãomento de Pessoal de Ensino Superior (CAPES). E-mail: nynne_cunha@yahoo.com.br

IIEnfermeira, Doutor em Enfermagem. Professor Associado, Faculdade de Enfermagem, Universidade Federal de Goiás, Goiânia, GO, Brasil. E-mai: adenicia@fen.ufg.br

IIIEnfermeiro, Doutor em Enfermagem. Professor Associado, Faculdade de Enfermagem, Universidade Federal de Goiás, Goiânia, GO, Brasil. E-mail: marcelo@fen.ufg.br

IVEnfermeira, Doutora em Enfermagem, Professor Titular, Faculdade de Enfermagem, Universidade Federal de Goiás, Goiânia, GO, Brasil. E-mail: denize@fen.ufg.br

VEnfermeira, Mestranda, Faculdade de Enfermagem, Universidade Federal de Goiás, Goiânia, GO, Brasil. Goiânia, Goiás, Brasil. E-mail: luaufg@yahoo.com.br

VIEnfermeira, Doutor em Enfermagem, Professor Associado, Faculdade de Enfermagem, Universidade Federal de Goiás, Goiânia, GO, Brasil. E-mail: anaclara@fen.ufg.br

Endereço para correspondência

RESUMO

Trata-se de estudo qualitativo, realizado em um hospital universitário, com 15 profissionais de enfermagem. Objetivaram-se analisar as razões, atitudes e crenças dos trabalhadores de enfermagem, referentes à adesão aos equipamentos de proteção individual. Os dados foram coletados por meio do grupo focal, analisados pelo método de interpretação de sentidos, considerando o referencial do modelo de crenças em saúde de Rosenstock. Dos dados, emergiram duas categorias temáticas, segurança no trabalho e relacionamento interpessoal. Identificaram-se várias barreiras que interferem nas questões de segurança e proteção individual como comunicação, sobrecarga do trabalho, estrutura física, acessibilidade aos equipamentos de proteção e aspectos organizacionais e gerenciais. A adesão aos equipamentos de proteção é determinada tanto pelo contexto vivenciado, no ambiente de trabalho, como, também, por valores e crenças individuais, mas a decisão sobre o uso dos equipamentos de proteção é individual.

Descritores: Equipamentos de Proteção; Precauções Universais; Enfermagem; Saúde do Trabalhador.

Introdução

O trabalho, sendo atividade eminentemente social, exerce papel fundamental nas condições de vida do homem. Produz efeito positivo quando é capaz de satisfazer as necessidades básicas de subsistência, de criação e de colaboração dos trabalhadores. Por outro lado, ao realizá-lo, o homem se expõe constantemente aos riscos presentes no ambiente laboral, os quais podem interferir diretamente em sua condição de saúde(1).

Entre os profissionais da área da saúde, os trabalhadores da enfermagem são expostos a variados riscos, causados por agentes químicos, físicos, biológicos, psicossociais e ergonômicos. Esses apresentam maior exposição a material biológico, em função da sua rotina profissional(2-3). Diante do risco biológico, as infecções mais preocupantes são aquelas causadas pelos vírus da AIDS (HIV), das hepatites B e C (HBV e HCV)(4). A principal via de transmissão ocupacional dos referidos vírus é por meio da exposição a sangue, via acidente percutâneo. Mais de 60 patógenos podem ser veiculados por essa via de transmissão, incluindo vírus, bactérias, parasitas e leveduras(5).

A prevenção de transmissão de patógenos no ambiente laboral requer medidas diversificadas para reduzir o risco ocupacional. As precauções padrão (PP) são consideradas como uma das principais medidas preventivas para se evitar a exposição, e o apropriado uso dos equipamentos de proteção individual, podendo minimizar consideravelmente esses riscos(1,6).

Dentre as PPs, o equipamento de proteção individual é ferramenta fundamental para a prevenção de acidentes, no entanto, a resistência do profissional em utilizá-lo e o seu uso incorreto são as principais barreiras para prevenir a exposição ao material biológico(7).

A baixa adesão ao uso dos equipamentos de proteção individual e o seu manuseio incorreto são decorrentes de fatores como desconforto, incômodo, descuido, esquecimento, falta de hábito, inadequação dos equipamentos, quantidade insuficiente e a descrença quanto ao seu uso(8-9). Esses fatores são agravados pela precária infraestrutura, aspectos organizacionais do trabalho, falta de conhecimento devido à não existência de educação permanente, sobrecarga de trabalho, estresse, cansaço físico e falta de tempo(3,10).

A adesão ao uso de equipamentos de proteção está intimamente relacionada à percepção que os profissionais têm acerca dos riscos a que estão expostos e da susceptibilidade a esses riscos(11). Os profissionais da área da enfermagem que autoavaliam o risco de sofrerem acidentes percutâneos como baixo ou médio, em seu ambiente laboral, têm maior chance de se acidentar, quando comparados com aqueles que avaliam o risco como alto(12).

O fato de os profissionais terem conhecimento sobre os riscos, no ambiente de trabalho, nem sempre garante a adesão ao uso de medidas protetoras(11). Em geral, esse conhecimento não se transforma numa ação segura de prevenção de acidentes e doenças ocupacionais(1,4), o que sinaliza a necessidade de ações mais efetivas para mudar essa realidade.

Nesse sentido, compreender os fatores que influenciam a tomada de decisão para a (des)proteção é imprescindível para que se possa refletir sobre a prática dessas medidas, no cotidiano da equipe de enfermagem, e direcionar estratégias que propiciem a incorporação dessas nos serviços de assistência à saúde.

Sendo assim, a proposta deste artigo foi analisar as razões, atitudes e crenças dos trabalhadores de enfermagem, referentes à adesão aos equipamentos de proteção individual.

Percurso metodológico

Trata-se de estudo exploratório, de abordagem qualitativa, com a perspectiva de compreender o universo simbólico que permeia a adesão dos profissionais da enfermagem aos equipamentos de proteção individual.

A pesquisa foi desenvolvida em um hospital geral, de grande porte e de ensino da Região Centro-Oeste do Brasil. Participaram deste estudo enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem que faziam parte do quadro permanente da equipe de enfermagem do hospital; atenderam ao convite e, voluntariamente, concordaram em participar assinando o termo de consentimento, após esclarecimento sobre os objetivos da investigação.

Os profissionais foram convidados a participar por meio de visitas das pesquisadoras às diversas unidades do hospital: clínica médica, clínica cirúrgica, unidade de terapia intensiva (UTI) médica, UTI cirúrgica, pronto-socorro adulto e infantil, maternidade, clínica pediátrica, clínica tropical, centro de material e esterilização e centro cirúrgico, em diferentes turnos de trabalho. Nesse primeiro contato, foram arrolados 57 profissionais dispostos a participar e, após a definição dos horários, organizados de modo a atender a maior parte das pessoas, os profissionais foram contatados via telefone. Confirmaram participação 35 profissionais e, nos dias aprazados para as sessões, 15 profissionais compareceram e compuseram os sujeitos da pesquisa.

A coleta de dados ocorreu entre novembro e dezembro de 2008, por meio da técnica do grupo focal (GF). Para disparar as discussões, utilizaram-se as seguintes questões norteadoras: o que é equipamento de proteção individual na sua prática cotidiana, quais são os fatores pessoais que os motivam e desencorajam a utilizá-los e quais os fatores facilitadores e dificultadores ao uso desses equipamentos.

Foram realizados três grupos em horários distintos para contemplar o maior número de participantes. Em cada grupo compareceram cinco profissionais e as sessões tiveram duração de, aproximadamente, duas horas. O grupo foi conduzido por três pesquisadoras, uma atuou como coordenadora e, as demais, como observadoras participantes, responsáveis pelo registro da produção do grupo.

Foi realizada apenas uma reunião com cada grupo, uma vez que o número de participantes (cinco) contribuiu para a discussão exaustiva, permitindo o alcance dos objetivos propostos, devido ao aprofundamento da temática que o grupo atingiu em uma única sessão.

As sessões grupais foram gravadas e imediatamente transcritas para que as informações colhidas pudessem ser devidamente registradas e analisadas por meio do método de interpretação de sentidos(13). Após leitura exaustiva do material transcrito, foi possível identificar duas categorias temáticas. Os relatos dos participantes foram identificados por G1 (participante do grupo 1), G2 (participante do grupo 2) e G3 (participante do grupo 3).

Após a identificação das categorias temáticas, essas foram discutidas segundo o referencial teórico de crenças em saúde de Rosenstock(14), que propõe a análise em quatro dimensões: susceptibilidade percebida, severidade percebida, benefícios percebidos e barreiras percebidas.

O projeto que originou este artigo foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa Humana e Animal do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás, sob número de aprovação da pesquisa 015/08.

Resultados e Discussão

Participaram do estudo quinze profissionais da área de enfermagem, sendo dez técnicos (três homens e sete mulheres) e cinco enfermeiras, que trabalham na área da enfermagem há, aproximadamente, dez anos. Esses trazem, em sua história de vida pessoal e profissional, experiências de vulnerabilidade aos riscos e da exposição a material biológico que o ambiente hospitalar proporciona ao desenvolver suas atividades, relacionadas ao cuidado.

As categorias temáticas evidenciadas, a partir das falas dos componentes dos grupos, foram denominadas "segurança no trabalho" e "relacionamento interpessoal" e serão discutidas separadamente, embora apresentem interligações.

Segurança no trabalho

Essa categoria inclui temáticas referentes ao ambiente laboral, sendo elas: aspectos organizacionais, gerenciais e de estrutura física, os quais são fatores que interferem na proteção do profissional, influenciando a (des)proteção. A realidade da segurança no trabalho, o papel da gerência em relação à disponibilidade e acessibilidade aos equipamentos de proteção individual e a sobrecarga de trabalho, evidenciada pelos grupos, comprometem a adesão aos equipamentos de segurança e acarretam maior susceptibilidade aos riscos ocupacionais.

[...] o ambiente que a gente trabalha tem todos os dificultadores possíveis, porque a gente trabalha com uma sobrecarga de trabalho muito pesada, com pacientes crônicos... com falta de material demais, a distância de buscar os materiais, a farmácia que atrasa, que demora que ... tudo dificulta (G2).

[...] o risco aumenta... você não tem condição adequada de oferecer o cuidado que o paciente necessita... (G3).

[...] a gente tem uma descrença de que vai melhorar, de que vai dar certo, que a gente vai ter um ambiente de trabalho melhor para trabalhar. Tudo isso a gente desacredita (G2).

As práticas gerenciais e organizacionais determinam o ambiente de trabalho e, neste estudo, se apresentam como barreiras que impedem e dificultam a adesão dos profissionais aos equipamentos de proteção. A percepção de barreiras pode agir como impedimentos para a adoção dos comportamentos recomendados e podem gerar conflitos na tomada de decisão(14).

Os grupos evidenciam o descompromisso e o desrespeito do serviço de saúde com a proteção do trabalhador no ambiente laboral e, consequentemente, se tem um trabalhador descrente, insatisfeito e desmotivado, diante das condições de trabalho oferecidas.

Estudo sobre a avaliação da contribuição das condições de trabalho da enfermagem, para os riscos de acidentes ocupacionais com perfurocortantes, identificou que estrutura organizacional inadequada e altas cargas de trabalho estão associadas entre 50 e 200% de aumento na incidência de injúrias percutâneas(15).

A estrutura organizacional e gerencial deve colaborar e estimular a tomada de decisão para o uso dos equipamentos de proteção individual, de forma a anular as barreiras inerentes ao seu uso e às crenças dos profissionais, ainda, conscientizando para a melhora das condições de trabalho, bem como o envolvimento dos trabalhadores nos processos de decisão, elaboração e divulgação dos programas de prevenção e controle de infecção.

A acessibilidade e disponibilidade dos equipamentos de proteção individual também foram relatadas nos grupos, quando explicitaram que equipamentos de proteção, dispostos em vários locais estratégicos das unidades, facilitam e favorecem o seu uso.

Eu acho que ter equipamentos próximos já é um facilitador (G2).

A gente procura usar o máximo (equipamentos de proteção) que a gente pode, até porque na clínica Y é mais fácil da gente usar do que na clínica Z, o material fica em todo canto. Então, assim, "a gente não usa" se não quiser (G3).

Quando não há contrapartida da instituição em relação à disponibilidade e fácil acesso aos equipamentos de segurança, entretanto, o profissional se sente desmotivado. A insegurança do ambiente laboral predispõe aos erros com os consequentes agravos.

[...] cada vez que a gente precisa deles tem que ir atrás... se a gerência fizesse controle, não sei se semanal, mensal ou diário desses equipamentos, seria um facilitador... não deixar faltar ou, então, ver equipamentos que coubessem melhor na gente (G2).

[...] ir no gerente para providenciar imediatamente o equipamento, o hospital tem que disponibilizar para o trabalhador poder ser cuidador. Como ele pode ser cuidador, se não tem o equipamento mínimo necessário para trabalhar? (G1).

Os grupos discutiram o papel da gerência na adesão ao uso dos equipamentos de proteção, principalmente pela não realização do controle e provisão desses. Estudo mostra que, apesar de haver disponibilidade desses equipamentos, seu uso foi baixo(8), contrapondo-se a outro estudo que indicou como principal razão para a não adesão a sua indisponibilidade(16). Essas pesquisas evidenciam a complexidade da questão da adesão aos equipamentos de proteção, que vai além da disponibilidade, o que confirma a interferência de fatores individuais, crenças e das relações no ambiente de trabalho na tomada de decisão para a (des)proteção.

Por outro lado, a falta dos equipamentos de segurança e a estrutura física inadequada tornam a improvisação arraigada na rotina, tanto dos profissionais quanto do serviço. Essa estratégia se deve à consciência do risco e aos aspectos éticos e morais dos sujeitos da pesquisa. Contudo, a improvisação não garante segurança nem para o outro, nem para si, promove apenas a sensação do dever cumprido, ainda que em detrimento de sua proteção.

Já aconteceu de não ter máscara N95, e eu colocar máscara comum e uma compressa por baixo (G1).

[...] o problema é que a gente vai improvisando com o que tem, vai fazendo. Se deixar de fazer e relatar que não foi feito as coisas mudam. É que temos mania de querê resolver o problema sem ter condições... (G3).

[...] lá na clínica K é muito abafado, não tem janela lá, geralmente o pessoal não usa jaleco (G1).

A frequência em que ocorre a improvisação no serviço de assistência à saúde torna-a rotineira e cristaliza essa cultura, tanto em nível de gestão quanto da assistência. Esses aspectos diminuem a motivação, o interesse e a disposição para o enfrentamento dessa situação que, acima de tudo, representa um aspecto bioético da assistência.

Os profissionais têm consciência de que a recusa em realizar os procedimentos, devido à ausência dos equipamentos de proteção individual, poderia ser um instrumento utilizado para iniciar um processo de discussão e de mudança da prática. Porém, o medo de perder o emprego, o distanciamento entre quem gerencia e quem atua na linha de frente da assistência e a responsabilidade ética da profissão representam estímulos ao comportamento submisso de não reclamar e continuar a executar os cuidados de forma insegura. Vale salientar que, nesses casos, a legislação NR32/ 2005(17) protege o trabalhador por assegurar que os EPIs devem estar à disposição em número suficiente nos postos de trabalho, de forma que seja garantido o imediato fornecimento ou reposição.

A estrutura física com ventilação e iluminação inadequadas torna incômodo o uso dos equipamentos de proteção, contribuindo para a baixa adesão pelo aumento do calor. Soma-se a isso o fato de se estar em um país tropical, onde as temperaturas em condições ambientais já são altas. Estudos apontam como fatores intervenientes, ao uso desses equipamentos, o calor e o incômodo, principalmente, da máscara e dos aventais(8-9).

Foi identificada a ausência de rotina para o uso e manuseio dos equipamentos de segurança. Além disso, os profissionais não participam da elaboração dessa, que, quando realizada, é feita por estagiários de enfermagem.

O uso do equipamento de proteção individual acaba não sendo igual para todos. Um dos motivos é que você não tem uma sistematização (G1).

[...] quando tem estagiário de enfermagem, eles colocam cartazes sobre os equipamentos de proteção nas portas dos isolamentos com tudo explicadinho, aí a gente usa (G3).

A padronização e a socialização das rotinas, quanto ao uso e manuseio dos equipamentos de proteção, são imprescindíveis para que os profissionais tenham subsídios necessários para promover a segurança no ambiente de trabalho, orientar as práticas em relação ao controle e prevenção das infecções relacionadas aos serviços de saúde e a adoção de comportamentos adequados frente ao risco. Quando se analisam as falas dos grupos, percebe-se que essas contêm conteúdo carregado de crenças em saúde(14) como susceptibilidade e severidade aos riscos, as quais contribuem para a adoção de comportamentos seguros no ambiente laboral.

A susceptibilidade e severidade foram expressas pelos sentimentos como medo da morte e da contaminação, pânico, preocupação com a família e dúvida.

Eu trabalho toda cheia de equipamento. É o capote, máscara, luvas... a gente tenta se proteger com o que tem. É o medo, medo (G2).

[...] a gente observa é que o pessoal se lembra dos equipamentos de proteção quando está em pânico (G3).

[...] eu tenho um bebê pequeno e eu me preocupo demais. Medo de fazer procedimento sem equipamento e me contaminar por falta de cuidado... (G2).

Observa-se que o foco das preocupações para esses profissionais é a exposição ocupacional, o risco de adquirir uma doença e isso gerar consequências nos âmbitos pessoais, psicológicos, sociais e familiares. As vivências do trabalhador em seu ambiente laboral repercutem em seu contexto social e na vida familiar(18). Nesse sentido, a preocupação em adquirir alguma doença transmitida, ocupacionalmente, e isso gerar possível reação negativa aos familiares, exerce influência proativa para a proteção e uso dos equipamentos.

Os grupos evidenciam os benefícios do uso dos equipamentos de proteção individual pela sensação de bem-estar, tranquilidade e equilíbrio. Contudo, reconhecem que o seu uso não elimina completamente o risco de exposição.

[...] mesmo utilizando o equipamento de proteção a gente tem risco de estar exposto. Agora não utilizando é pior (G3).

A percepção da susceptibilidade e da severidade da doença pode motivar o indivíduo a tomar determinada conduta, porém, não define o curso da ação a ser realizada. O que direciona a ação são as crenças pessoais relativas à eficácia das alternativas conhecidas e disponíveis para diminuir a ameaça da doença, ou a percepção dos benefícios de se tomar atitude. Seu comportamento depende de quanto benefício ele acredita ter nas várias alternativas em relação ao seu caso. Uma alternativa é vista como benefício quando se refere à redução da susceptibilidade da pessoa, ou da severidade da doença, e pode ser determinada pelas normas e pressões do grupo social(14).

Por outro lado, a falta do medo de se contaminar e a crença de que nada irá acontecer com ele reforça o sentimento da autoconfiança e propicia a (des)proteção.

A autoconfiança é um fator que dificulta o uso dos equipamentos de proteção, principalmente, na hora que vai fazer punção. Eu falo: coloca a luva. E a colega responde: não precisa, sou craque nisso daqui! (G1).

A autoconfiança leva ao descaso no uso dos equipamentos de proteção individual e é reforçada pela experiência de que seu uso interfere nas habilidades do profissional e dificulta a execução do procedimento. Assim, o profissional opta por não usá-lo, subestimando a sua função de proteção.

Os dados mostram que a sobrecarga de trabalho, a estrutura física, a ausência ou inacessibilidade dos equipamentos de proteção, aspectos organizacionais e a autoconficança constituíram-se em barreiras que dificultam a tomada de decisão para a ação, relacionada à proteção do profissional. As barreiras enfraquecem a percepção da susceptibilidade e da severidade ao risco e diminuem a relação de forças para a adesão a um comportamento positivo(14).

Relacionamento interpessoal

A influência das relações e da comunicação entre as categorias profissionais, e dessas com a gerência, na adesão aos equipamentos de proteção individual, foram marcantes nas falas dos grupos. Os sujeitos expressaram falta de motivação para o uso desses equipamentos em ambientes de trabalho onde as relações interpessoais não são saudáveis.

Tem o estímulo para o uso e o estímulo para o desuso. Para a não aderência aos equipamentos de proteção eles falam: saiu da faculdade ontem e está querendo te dar uma ordem esdrúxula! (G1).

As relações no ambiente laboral são determinantes e, muitas vezes, decisivas para a tomada de decisão para a (des)proteção e interferem diretamente na segurança do ambiente de trabalho. No relacionamento, cada um coloca um pouco de si, mostra seu modo de agir e exerce sobre o outro influência positiva ou negativa(19). Estudo identificou que os colegas de trabalho podem influenciar, de maneira positiva ou negativa, na conduta do uso de luvas para a realização de punção periférica, dado que corrobora os achados deste estudo(20).

Da mesma forma que profissionais influenciam e motivam os outros colegas à proteção, os grupos relataram que há também aqueles que impulsionam para comportamento de risco. Muitas vezes, por falta de supervisão, motivação, medo de perder o amigo, ou para fazer parte do grupo, ele deixa de se proteger, propagando, assim, a atitude de descuidado para consigo e com os outros colegas de profissão.

[...] na prática ele vê todo mundo fazendo de forma incorreta, então ele pensa, bem, nunca chamaram atenção, nunca aconteceu nada comigo de diferente, eu não vou querer ser o patinho feio. Então ele vai se apegar, aquele pessoal que já faz de forma incorreta e vai se desvirtuar (G1).

A tomada de decisão para a proteção profissional, apesar de aparentemente simples, mostra-se extremamente complexa e dependente de todo um contexto laboral, no qual se trava verdadeira luta por aceitação, respeito e sobrevivência no grupo. Na verdade, são mecanismos de defesa utilizados para a sua manutenção no grupo que levam a sublimar seus preceitos individuais e éticos.

Atividades de trabalho que não se revelam interessantes, ou que sejam estressantes e conflituosas, geram desmotivação e se apresentam como fatores determinantes para a não adesão aos equipamentos de proteção, o que expõe mais ainda os profissionais aos riscos ocupacionais e acidentes no trabalho.

[...] todo o estresse que a gente vive nas interligações do ambiente de trabalho, com laboratório, RX, nutrição, farmácia propicia estresse se não tiver uma comunicação que flua tranquilamente, descontrola emocionalmente a um ponto que você se propicia a mais acidente (G2).

O estresse referenciado por esse grupo tem relação direta com o não estabelecimento de fluxo operacional dos serviços que apoiam a assistência prestada ao usuário. Isso desencadeia sobrecarga e desgaste nas relações de trabalho. Por meio de uma pesquisa também se evidenciou que o ambiente de trabalho contribui significantemente para o descuidado, dada a grande demanda de atividades, exigências, sobrecarga de trabalho e tarefas a cumprir(21).

No serviço de assistência à saúde, existe equipe multiprofissional responsável pelo atendimento ao usuário, contudo, essa não atua em equipe propriamente, mas desempenha ações de forma não coordenada, sendo a maioria desenvolvida de forma individual, o que gera sobrecarga e estresse.

[...] Às vezes vai material que você nunca precisa dele, inadequado para o local de trabalho, e fica faltando outro que você usa... quem está requisitando ou comprando não tem sintonia com o serviço (G3).

Considera-se, aqui, que a gerência do serviço tem grande responsabilidade no sentido de manter ambiente laboral que contribua para elevar a percepção individual e coletiva dos riscos. Também deve imprimir dinâmica de trabalho respeitosa e ética que resulte na diminuição das barreiras encontradas na prática, para a adoção de medidas protetoras. Esse apoio gerencial, além de dar respaldo moral e legal, incentivará o profissional em direção à tomada de decisão para a proteção.

O caminho que leva o indivíduo a se expor a riscos é determinado por um conjunto de condições: a comunicação, o relacionamento interpessoal, a falta de consciência do risco do outro e de si mesmo no ambiente de trabalho, e, principalmente, o comportamento. Não há como pensar em intervenções voltadas somente para o indivíduo, sem tomar consciência do contexto que interfere nesses comportamentos, que, impreterivelmente, podem apoiar e direcionar os profissionais numa perspectiva de maior autoproteção.

Considerações finais

Ao analisar as razões, atitudes e crenças dos trabalhadores de enfermagem para a adesão aos equipamentos de proteção individual, constata-se que os grupos conhecem os riscos a que estão expostos no ambiente de trabalho, mas nem sempre esse conhecimento é suficiente para evitar a exposição, revelando média susceptibilidade ao risco.

Apresentam alta percepção da severidade ao compreenderem que o não uso dos equipamentos de proteção individual representa possibilidade de aquisição de doença ocupacional, podendo lhes trazer graves consequências nos âmbitos sociais, familiares, psicológicos, relacionais e no ambiente de trabalho. Significa, até mesmo, risco de morte e invalidez.

Apesar das inúmeras barreiras referidas para a adesão aos equipamentos de proteção, os profissionais reconhecem os seus benefícios, mas têm a consciência de que o seu uso não exclui o risco de exposição e aquisição de infecção por patógenos veiculados pelo sangue e pelo ar.

As barreiras apontadas para a baixa adesão ao uso dos equipamentos de proteção individual estão associadas aos aspectos organizacionais, gerenciais e relacionais que foram explicitados por: estrutura física inadequada, disponibilidade e acessibilidade aos equipamentos de proteção, falta de rotinas, sobrecarga de trabalho, estresse, improvisação e desgaste nas relações de trabalho.

Apesar da clareza das barreiras existentes para a adesão, os profissionais não se eximem da responsabilidade pessoal para o uso dos equipamentos de proteção individual. A adesão a esses equipamentos é um comportamento individual e pessoal, contudo, fortemente determinado pelas crenças em saúde. A percepção da susceptibilidade e da severidade aos riscos de exposição no ambiente laboral desses profissionais, somada à percepção do benefício dos equipamentos de proteção, representa força positiva que contribuiria para a tomada de decisão quanto ao uso dos equipamentos de proteção.

As inúmeras barreiras percebidas por esses trabalhadores no ambiente laboral para o uso dos equipamentos de proteção individual, entretanto, anulam as forças positivas e influenciam negativamente a tomada de decisão para essa medida preventiva.

Assim, o hábito de acusar o trabalhador pelo não uso dos equipamentos de proteção sem compreender o contexto, os fatores determinantes e as crenças em saúde é, no mínimo, violência moral e ética. Considera-se, aqui, que a análise de todos os fatores intrínsecos e extrínsecos ao ambiente de trabalho e resgate da valorização profissional poderá aumentar a adesão aos equipamentos de proteção individual e, consequentemente, a prevenção e controle das infecções.

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  • Corresponding Author:
    Heliny Carneiro Cunha Neves
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    E-mail:
  • 1
    Paper extracted from Master’s Thesis "Equipamentos de proteção individual: o olhar dos trabalhadores de enfermagem em um hospital universitário", presented to Programa de Pós-graduação em Enfermagem, Universidade Federal de Goiás, Goiânia, GO, Brasil.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Maio 2011
    • Data do Fascículo
      Abr 2011

    Histórico

    • Recebido
      13 Maio 2010
    • Aceito
      26 Jan 2011
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