Satisfação profissional na enfermagem durante a pandemia de COVID-19^*

Objetivo:

evaluar la satisfacción laboral de profesionales de enfermería actuantes en atención y gestión durante la pandemia de COVID-19.

Método:

estudio epidemiológico de corte transversal. Participaron 334 profesionales de enfermería de un hospital de enseñanza. Fueron calculadas las frecuencias absolutas y relativas de las variables cualitativas y los promedios de las variables numéricas. Se compararon los promedios de resultados de los dominios de la escala de satisfacción profesional ( Job Satisfaction Survey) con variables sociodemográficaslaborales. Fueron aplicadas las pruebas t de Student, Mann-Whitney, Anova con posprueba de Tukey, Kruskal-Wallis o Dunn para verificar la significancia estadística de los resultados con nivel crítico de 0,05.

Resultados:

noventa profesionales se mostraron satisfechos con su trabajo, tres profesionales se mostraron insatisfechos y doscientos cuarenta y un profesionales mostraron ambivalencia.

Conclusión:

Se evidenció ambivalencia en los trabajadores de enfermería en relación a su satisfacción laboral durante el período de la pandemia de COVID-19. Los hallazgos señalan un camino para que los gestores y formuladores de políticas de salud encaucen inversiones en planes de carrera y ambientes laborales que mejoren las condiciones de los trabajadores de enfermería.

Descriptores:
Pandemias; Salud Laboral; Satisfacción en el Trabajo; Investigación en Administración de Enfermería; Condiciones de Trabajo; Estrés Laboral

Objective:

to assess the job satisfaction of nursing professionals who worked in care and management during the COVID-19 pandemic.

Method:

cross-sectional epidemiological study, with the participation of 334 nursing professionals of a teaching hospital. Absolute and relative frequencies of qualitative variables and means of numerical variables were calculated. The mean scores of the domains of the Job Satisfaction Survey were compared with sociodemographic-labor variables. Student’s t-test, Mann-Whitney test, and ANOVA test were applied and followed by Tukey, Kruskal-Wallis, or Dunn’s post-test to verify the statistical significance of the results with a critical level of 0.05.

Results:

90 professionals were satisfied with their work, three professionals were dissatisfied and 241 professionals were ambivalent.

Conclusion:

ambivalence was evidenced among nursing workers regarding their job satisfaction during the period of the COVID-19 pandemic. The findings indicate a path for managers and health policymakers to invest in career plans and work environments that improve the working conditions of nursing workers.

Descriptors:
Pandemics; Occupational Health; Job Satisfaction; Nursing Administration Research; Working Conditions; Occupational Stress

Destaques:

(1) Evidenciada ambivalência quanto a satisfação com o trabalho.

(2) Evidenciada insatisfação quanto a remuneração, benefícios, promoção e ambiente.

(3) Evidenciada satisfação quanto aos colegas de trabalho e supervisão.

(4) Importância de planos de carreira, remuneração e benefícios dignos.

Introdução

Enquanto os sistemas de saúde em nível mundial têm a possibilidade para operar sob capacidade máxima por alguns meses, os trabalhadores de saúde não possuem esse poder. Pessoas simplesmente não podem ser comparadas a ventiladores ou máquinas de produção, por não poderem ser fabricadas ou executadas emergencialmente e se manterem nessa perspectiva por longos períodos. É essencial que os gestores em saúde considerem os profissionais como o recurso mais valioso no tocante ao combate à pandemia da COVID-19 ( ¹) .

Os profissionais de enfermagem seguem nos hospitais vivenciando precarização de equipamentos de proteção pessoal, exposição prolongada a um grande número de pacientes infectados (aumento da carga viral) e aumento súbito no ritmo de trabalho, isso somado a um número insuficiente de trabalhadores de enfermagem. Todos esses fatores relacionados aumentam o risco de infecção e, consequentemente, de ansiedade para os profissionais de saúde ( ²) .

Em uma análise do período pandêmico de COVID-19, constatou-se que os profissionais de saúde vivenciaram uma situação completamente nova, com tomadas de decisões difíceis e sob pressão ( ³) . Essas decisões incluíram: alocar recursos escassos ou limitados a pacientes igualmente necessitados, equilibrar demandas pessoais e profissionais, conviver com aumentos súbitos de carga de trabalho e lidar com absenteísmo. Esses fatores foram geradores de danos morais ou problemas de saúde mental, como o sofrimento psíquico resultante de ações que violam o código moral ou ético ( ³) .

Além disso, destaca-se a essencialidade das atividades de enfermagem, de forma que, durante a pandemia e situações de restrição de atividades e mobilidade, os profissionais de enfermagem mantiveram-se trabalhando, sem deixar as responsabilidades de cuidados com a família, como filhos ou pais idosos.

A enfermagem é considerada como profissão estressante, ou seja, sujeita ao conjunto de reações que ocorrem em um organismo quando submetido ao esforço de adaptação, gerador de agravos à saúde física e psíquica ( ⁴) .

Sendo assim, o adoecimento do profissional de enfermagem pode ser originado na ocorrência rotineira de situações, como fragmentação de tarefas e relações, estrutura hierárquica pouco flexível, dimensionamento de profissionais inadequados, elevado absenteísmo, condições inadequadas de trabalho, sobrecarga de tarefas, remuneração deficiente e insatisfação profissional, exposição a perdas, sofrimento e morte ( ⁴) .

Dados preliminares de estudo com amostra total de 1379 profissionais de saúde que atuaram na assistência durante a pandemia de COVID-19 apontaram que os profissionais referiram sintomas de estresse pós-traumático, sintomas depressivos, ansiedade, insônia e estresse ( ⁵) .

Apesar de não haver um modelo único da composição das determinantes do tema satisfação no trabalho, desde 1969 há discussões e estudos sobre esse tema. Há modelos que consideram a avaliação do trabalhador sobre sua função que deveria ser traduzida em uma sensação positiva de bem-estar, em caso de satisfação com o trabalho ( ⁶) . No entanto, também há modelos que se aprofundam nos fatores que levariam à insatisfação, como aumento da carga de trabalho, vida privada prejudicada pelo trabalho, remuneração e atividades repetitivas ou monótonas no cotidiano laboral ( ⁷- ⁸) .

A satisfação no trabalho não é estática, sendo influenciada por fatores internos e externos ao ambiente de trabalho, e pode ser entendida como uma sensação de bem-estar com o que se faz, obtenção das necessidades e autorrealização no ambiente laboral. Considerando que a satisfação no trabalho gera prazer e motivação, especificamente na enfermagem, a satisfação profissional pode impactar positivamente a assistência ao paciente pelo envolvimento maior do profissional com comprometimento profissional e institucional ( ⁹) .

Apesar da complexidade do tema e de não existir consenso em relação à definição de satisfação no trabalho, existem diversas teorias que abordam a satisfação sob diferentes perspectivas. Um dos conceitos clássicos da satisfação no trabalho é a Teoria de Locke. Essa teoria considera a satisfação no trabalho uma função da relação entre o que um indivíduo quer de seu trabalho e o que ele percebe que obtém. A satisfação profissional pode ser considerada um estado emocional prazeroso resultante da avaliação do trabalho em relação aos valores do indivíduo ( ¹⁰) .

Mediante o trabalho ininterrupto da enfermagem durante a pandemia de COVID-19, a avaliação da satisfação dos profissionais de enfermagem pode contribuir com direcionamento de ações gerenciais para promover satisfação profissional na enfermagem ou minimizar impactos na saúde mental desses profissionais e, consequentemente, promover maior segurança e qualidade assistencial.

Dessa forma, o objetivo deste estudo foi avaliar a satisfação com o trabalho de profissionais de enfermagem que atuaram na assistência e na gestão, durante a pandemia de COVID-19.

Método

Delineamento

Trata-se de um estudo quantitativo, correlacional, de corte transversal. Seguiu-se o roteiro Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology (STROBE) para estudos observacionais, recomendado pela rede EQUATOR.

Local

O estudo foi realizado no departamento de enfermagem de um hospital de ensino, geral, de grande porte, em Campinas, no interior do estado de São Paulo, o qual assiste pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS). O departamento de enfermagem faz a gestão técnica de profissionais de enfermagem contratados por concurso ou processo seletivo público. Os enfermeiros e técnicos de enfermagem que atuam em assistência direta possuem jornada semanal de 30 horas, enquanto enfermeiros gestores possuem jornada de 40 horas semanais.

Coleta de dados

A coleta de dados foi realizada entre junho e agosto de 2021, por formulário eletrônico - Google Forms -, de tal forma que foram estimados 15 minutos para que os participantes respondessem à pesquisa.

Instrumento de coleta de dados

Foi utilizado o Job Satisfaction Survey (JSS) - versão brasileira ( ¹⁰) , instrumento de domínio público que foi desenvolvido nos Estados Unidos em 1985 ( ¹¹) e fundamentado na comparação entre as condições de trabalho almejadas pelo trabalhador e as condições vivenciadas no trabalho atual.

O JSS é composto por nove domínios de avaliação, e cada domínio possui quatro itens avaliados por uma escala tipo Likert de seis pontos, que pode variar de “discordo muito” a “concordo muito” ( ¹⁰- ¹¹) . Os domínios são: pagamento, promoção, supervisão, benefícios, recompensas, procedimentos operacionais, colaboradores, natureza do trabalho e comunicação.

Cada participante foi orientado a preencher todos os itens do instrumento. Na avaliação das respostas ao JSS, a satisfação no trabalho pode variar de baixa (insatisfeito) a alta (satisfeito). A análise dos resultados de cada domínio considera que os escores entre 4 e 12 pontos indicam indivíduos insatisfeitos; entre 16 e 24 pontos, indivíduos satisfeitos; e de 13 a 15 pontos os indivíduos não estão nem satisfeitos nem insatisfeitos. No que se refere ao escore total do instrumento, valores entre 36 e 108 pontos representam os profissionais insatisfeitos; valores entre 109 e 143 indicam que os profissionais estão ambivalentes, ou seja,nem satisfeitos nem insatisfeitos com o trabalho;e profissionais satisfeitos pontuam entre 144 e 216 pontos ( ¹⁰- ¹¹) .

Participantes

Diante das limitações impostas pela pandemia para a coleta de dados presencial, foram convidados, por correio eletrônico, todos os 1407 profissionais de enfermagem lotados no hospital de estudo. A amostra foi composta por conveniência, considerando que qualquer enfermeiro ou técnico de enfermagem atuante na instituição, no período de coleta de dados, poderia participar do estudo. Foram obtidas 367 respostas, sendo que 26 participantes enviaram respostas em duplicidade, tendo sido considerada apenas a segunda. Dos 341 respondentes, sete não responderam ao instrumento completamente, sendo assim, foram considerados 334 participantes para o estudo, sendo 196 técnicos de enfermagem e 138 enfermeiros.

Aspectos éticos

O projeto de pesquisa foi apreciado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade de vínculo das pesquisadoras e, após parecer de aprovação número 4.421.122 9/2021, os profissionais foram convidados a participar do estudo. Para tornar-se participante do estudo, os profissionais foram informados sobre a finalidade, o anonimato na coleta de dados e, apenas após leitura e assinatura do Termo de Consentimento Livre Esclarecido, puderam responder ao JSS.

Tratamento e análise dos dados

Os dados foram armazenados em planilhas construídas no Microsoft Excel for Windows 2010 ^® e, para todas as análises dos dados, foram utilizados os softwares estatísticos Statistical Analysis System, o SAS, versão 9.4

Foram comparadas as médias dos resultados dos domínios da escala de satisfação profissional ( Job Satisfaction Survey) com variáveis sociodemográficas-laborais. Para as comparações envolvendo dois grupos e os resultados de uma varável quantitativa, foram aplicados os testes t de Student não pareado ou de Mann-Whitney, de acordo com a distribuição dos dados ( ¹²) . Para as comparações envolvendo mais de dois grupos e os resultados de uma varável quantitativa, foi aplicado o modelo Anova seguido do pós-teste de Tukey ou o teste não paramétrico de Kruskal-Wallis seguido do pós-teste de Dunn, de acordo com a distribuição dos dados ( ¹²) . A distribuição dos dados foi avaliada pelo teste de Shapiro-Wilk, e o nível de significância adotado foi de 0,05 ( ¹²) .

Resultados

Na Tabela 1 estão apresentadas as variáveis sociodemográficas: sexo, estado marital, grau de instrução, categoria profissional e horário de trabalho dos participantes do estudo que compuseram a amostra final.

Tabela 1 -
Variáveis sociodemográficas, sexo, estado marital, grau de instrução e horário de trabalho por categoria profissional (n ^*=334). Campinas, SP, Brasil, 2021

	Técnico Enfermagem	Enfermeiro Assistencial	Enfermeiro Gestor	n *	%
Sexo				334	100%
Feminino	170	92	26	288	86,23
Masculino	26	13	7	46	13,77
Estado Marital				334	100%
Com companheiro	128	75	24	227	67,96
Sem companheiro	68	30	9	107	32,04
Grau de Instrução				334	100%
Ensino técnico completo	108			108	32,34
Ensino superior incompleto		27		27	8,08
Ensino superior completo			161	161	48,20
Pós-graduação				38	11,38
Horário de Trabalho				334	100%
Matutino	48	29	2	79	23,65
Vespertino	49	32	1	82	24,55
Noturno	87	38	8	133	39,82
Horário Comercial	12	6	22	40	11,98

• ^*
  n = Número de respondentes

No que se refere ao escore total e indicação de satisfação com o trabalho, 3 profissionais estão insatisfeitos (escore entre 96 -108), 241 estão ambivalentes quanto à satisfação no trabalho (escore entre 109 -143), e 90 profissionais apresentam satisfação no trabalho (escore entre 144 -172).

Os resultados da comparação entre as médias dos domínios do JSS por sexo e estado marital não apresentaram diferenças estatisticamente significantes (p>0,05). Na Tabela 2, está apresentada a comparação entre as médias dos domínios e o total do JSS por escolaridade.

Tabela 2 -
Comparação entre as médias dos domínios e o total do Job Satisfaction Survey por escolaridade (n ^*=334). Campinas, SP, Brasil, 2021

Variável	Ensino Médio	Superior Inconcluído	Superior Concluído	Pós-Graduação
Remuneração †	9,57	9,7	9,38	8,97
Benefícios †	9,59	9,63	9,69	10,42
Promoção †	6,11	6,15	6,07	6,87
Colaboradores ‡	17,35	17,37	16,66	15,24
Recompensas †	11,50	11,96	11,39	11,39
Natureza do trabalho †	15,31	15,70	14,76	14,03
Supervisão †	19,42	18,89	18,80	19,16
Condições operacionais ‡	9,67	9,93	8,44	6,97
Comunicação †	14,04	14,74	13,82	12,16
Total †	112,36	114,07	108,83	104,92

• ^*
  n = Número de respondentes;
• ^†
  p-valor>0,05, obtido por meio do teste de Kruskal-Wallis;
• ^‡
  p-valor<0,05, obtido por meio do teste de Kruskal-Wallis

No pós-teste de Dunn, foi verificado que as diferenças das médias são estatisticamente significantes nos domínios: colaboradores entre ensino médio e pós-graduação (p-valor=0,012); e condições operacionais entre ensino médio e ensino superior completo (p-valor=0,022), entre ensino médio e pós-graduação (p-valor< 0,001) e entre ensino superior não concluído e pós-graduação (p-valor< 0,001).

Na Tabela 3 está apresentada a comparação entre as médias dos domínios e o total do JSS por cargo ocupado.

Tabela 3 -
Comparação entre as médias dos domínios e o total do Job Satisfaction Survey por escolaridade (n ^*=334). Campinas, SP, Brasil, 2021

Variável	Técnico em enfermagem	Enfermeiro assistencial	Enfermeiro gestor
Remuneração †	9,48	8,77	11,12
Benefícios ‡	9,64	9,73	10,29
Promoção †	5,73	6,07	9,12
Colaboradores ‡	17,12	16,41	15,94
Recompensas ‡	11,28	11,36	12,94
Natureza do trabalho ‡	15,19	14,63	14,41
Supervisão ‡	19,36	18,23	19,79
Condições operacionais †	9,45	8,24	6,68
Comunicação ‡	14,16	13,25	13,21
Total ‡	111,16	106,69	113,39

• ^*
  n = Número de respondentes;
• ^†
  p-valor<0,05 obtido por meio do teste de Kruskal-Wallis;
• ^‡
  p-valor>0,05 obtido por meio do teste Anova

No pós-teste de Dunn foi verificado que houve diferença estatisticamente significante entre as médias de técnico de enfermagem e enfermeiro gestor nos domínios remuneração (p-valor=0,030), promoção e condições operacionais (p-valor< 0,001); e entre enfermeiro assistencial e enfermeiro gestor nos domínios remuneração (p-valor=0,003), promoção (p-valor< 0,001) e condições operacionais (p-valor=0,028).

Na Tabela 4 está apresentada a comparação entre as médias dos domínios e o total do JSS por horário de trabalho.

Tabela 4 -
Comparação entre as médias dos domínios e o total do Job Satisfaction Survey por horário de trabalho (n ^*=334). Campinas, SP, Brasil, 2021

Variável	Matutino	Vespertino	Noturno	Horário Comercial
Remuneração †	8,80	10,25	9,25	9,50
Benefícios ‡	9,11	10,93	9,45	9,50
Promoção ‡	5,60	6,59	5,90	7,40
Colaboradores ‡	15,83	17,33	17,37	15,55
Recompensas ‡	10,15	13,20	11,19	11,53
Natureza do trabalho ‡	14,49	15,57	15,10	13,93
Supervisão ‡	18,68	20,10	18,63	19,00
Condições operacionais ‡	8,33	9,64	9,08	6,95
Comunicação ‡	12,83	14,98	14,00	12,46
Total ‡	103,83	118,38	109,71	105,66

• ^*
  n = Número de respondentes;
• ^†
  p-valor>0,05 obtido por meio do teste de Kruskal-Wallis;
• ^‡
  p-valor<0,05 obtido por meio do teste Anova

No pós-teste de Tukey foi verificado que houve diferença estatisticamente significante entre os horários matutino e vespertino (p-valor=0,001) e entre vespertino e horário comercial (p-valor=0,044) quanto ao escore total do JSS.

No pós-teste de Dunn, foi verificado que houve diferença estatisticamente significante entre as médias do horário vespertino e noturno nos domínios benefícios (p-valor=0,050), recompensas (p-valor =0,032) e supervisão (p-valor =0,033). Houve diferença estatisticamente significante entre as médias dos horários matutino e noturno apenas no domínio colaboradores (p-valor=0,014). Na comparação das médias entre matutino e vespertino, houve diferença estatisticamente significante nos domínios benefícios (p-valor=0,019), colaboradores (p-valor=0,044), recompensas (p-valor=0,032), condições operacionais (p-valor=0,044) e comunicação (p-valor=0,013).

Discussão

Este estudo buscou analisar a satisfação com o trabalho de profissionais de enfermagem de um hospital universitário de nível terciário, destacando que os profissionais participantes nunca tiveram possibilidade de trabalho remoto durante a pandemia de COVID.

Considerando o escore total do JSS, na amostra estudada, houve predominância de profissionais ambivalentes quanto à sua satisfação com o trabalho, semelhante a outro estudo nacional ( ¹³) .

A maioria das participantes eram mulheres e casadas, evidenciando que, na amostra, a Enfermagem é essencialmente feminina, culturalmente considerada atribuição da mulher em relação aos cuidados com a saúde ( ¹⁴- ¹⁷) . Entre os profissionais de saúde da linha de frente, as mulheres são um grupo de risco para sofrimento mental por realizar tarefas que exigem um alto nível de contato com os pacientes, o que aumenta o medo de contágio ( ¹⁴- ¹⁵) . Além disso, culturalmente se espera que as mulheres façam sacrifícios em benefício de outros, considerando-se as tarefas e os cuidados domésticos com crianças, idosos ou pessoas doentes, o que contribui com sua sobrecarga de trabalho ( ¹⁴- ¹⁷) . Contudo, no presente estudo, a satisfação com o trabalho não diferiu entre os sexos nem mesmo entre os profissionais com ou sem companheiro, de forma que, em todos os grupos participantes, apenas se encontraram valores condizentes com a satisfação no trabalho pelo JSS, nos domínios supervisão e colaboradores.

Nota-se que a população do estudo busca conhecimento/especialização. Apesar de contar com 58% de técnicos de enfermagem atuantes nessa função, apenas 32% dos respondentes referem possuir apenas nível médio, outros 48% dos profissionais de enfermagem têm nível superior completo e 11%, pós-graduação, denotando interesse de crescimento na profissão e valorização da enfermagem. Ainda que, entre todos os níveis de escolaridade, apenas os domínios colaboradores e supervisão tenham apresentado satisfação com o trabalho, é importante destacar que, no que se refere aos domínios colaboradores e condições operacionais, os profissionais com pós-graduação apresentam menores médias em relação aos profissionais com ensino médio e superior não concluído.

Considerando a população do estudo, 58% dos respondentes atuam como técnicos de enfermagem e 48% dos respondentes referem possuir nível superior completo, ou seja, há uma relativa parcela de técnicos de enfermagem que aspira a uma oportunidade para atuar como enfermeiros bem como a um aumento salarial, e isso pode ter contribuído para que os profissionais com Ensino Superior completo se sentissem insatisfeitos em relação ao seu trabalho. Nessa direção, posto o fato de que um contingente de técnicos de enfermagem possui qualificação por escolaridade semelhante à de seus superiores imediatos (Tabela 3) e permanecem em cargos de nível médio enquanto aguardam oportunidade de concurso público para serem contratados como enfermeiros, pode-se considerar um risco ou uma condição desencadeadora para conflitos nas relações de poder e, consequentemente, propiciar agravos de ordem psíquica entre esses profissionais ( ¹⁸- ²¹) .

A Enfermagem é caracterizada por categorias, e sua evolução histórica demonstra uma crescente divisão do trabalho – técnica e social ( ¹⁸- ²⁵) . Ao enfermeiro cabe a administração, a supervisão e o controle das atividades assistenciais e administrativas (atividades intelectuais), enquanto as atividades de cuidado direto ao paciente (atividades manuais) são desenvolvidas pelos demais agentes da enfermagem. As permanentes lutas de classes são o reflexo de uma divisão social e técnica do trabalho de enfermagem, que tem sido perpetuada de forma a atender a interesses de ordem política, social e econômica ( ¹⁸- ²⁵) . Essa cultura pode justificar os resultados deste estudo com a ambivalência de gestores e técnicos de enfermagem e insatisfação de enfermeiros assistenciais especialmente no domínio condições operacionais do trabalho.

O trabalho do enfermeiro tem como foco o gerenciamento do cuidado e a gestão dos serviços de enfermagem, que se caracteriza por contemplar atividades de gestão de pessoas e materiais, para o alcance de objetivos organizacionais. O gerenciamento do cuidado é uma atribuição inerente ao exercício profissional do enfermeiro. Já a atuação na gestão dos serviços de enfermagem é uma responsabilidade dos enfermeiros gerentes ou chefes de unidades ( ¹⁷- ¹⁸, ²¹- ²³) . As duas esferas de atuação do enfermeiro articulam-se na busca da excelência do cuidado destinado ao paciente, e a perseverança dos profissionais tem sido associada à satisfação com o trabalho ( ¹⁷, ²², ²⁴) .

Embora não se tenham encontrado estudos com o objetivo de avaliar a satisfação com o trabalho em tempos de pandemia, estudo nacional apontou que técnicos e auxiliares de enfermagem apresentaram associação significante com o sofrimento no trabalho, além de baixo prazer atribuído às exigências da natureza do trabalho bem como baixo apoio social ( ¹⁵) .

Nesse sentido, é importante salientar que não apenas as condições físicas e organizacionais do ambiente de trabalho da enfermagem influenciam na melhor prática do profissional de enfermagem. Fatores, como porte da instituição ou do serviço de saúde, modelo de gestão, hierarquias profissionais, cultura organizacional, infraestrutura e recursos humanos e financeiros para a realização da assistência, podem potencializar ou limitar a prática de enfermagem ( ¹⁷- ¹⁸, ²²) . Assim, ambientes de trabalho que apresentem esses aspectos fortalecidos trazem maior satisfação profissional da enfermagem e, consequentemente, melhoria à qualidade da assistência de enfermagem no ambiente hospitalar ( ²⁰, ²²- ²³) .

Os domínios colaboradores e supervisão, considerados positivos no estudo, envolvem o relacionamento entre os membros da equipe e têm relevante representatividade quanto ao prazer no trabalho e à qualidade de vida dos trabalhadores e poderão impactar na qualidade da assistência e na segurança do paciente ( ¹⁴- ¹⁵, ²¹, ²⁴, ²⁶- ²⁸) . Dada a avaliação positiva nesses domínios que envolvem relacionamento entre os membros da equipe de enfermagem e relacionamento com superior imediato, os achados podem representar o pertencimento dos profissionais na equipe de trabalho, com vivências construtivas e possibilidade de apoio mútuo no enfrentamento das intempéries inerentes ao período pandêmico ( ¹⁴, ²⁴- ²⁸) .

As condições operacionais, domínio que apresentou médias condizentes à insatisfação com o trabalho, deveriam ser comparadas longitudinalmente, pois podem ter sido pioradas nas ondas da pandemia da COVID-19. Em razão do aumento abrupto da demanda de trabalho, o domínio pode ter captado a percepção dos trabalhadores quanto a fragmentação das tarefas, dimensionamento insuficiente de profissionais, absenteísmo, turnover e exposição a sofrimentos e mortes ( ¹, ⁷, ¹⁵- ¹⁶) .

Uma pesquisa com profissionais de saúde de Portugal revelou a satisfação, mais especificamente a relação entre as características de trabalho e a satisfação laboral na rotatividade, o que reflete diretamente no compromisso organizacional. Concluiu, assim, que quanto maior satisfação, maior compromisso, menor impacto na rotatividade e no absenteísmo, melhor a percepção satisfação dos clientes, especificamente em organizações do setor da saúde ( ²³) .

A prática de liderança e o comprometimento organizacional avaliados nos domínios supervisão e condições operacionais são indicadores das melhorias proporcionadas ou potenciais no processo de trabalho e consequentemente promotores da satisfação profissional aos trabalhadores de enfermagem ( ⁷, ¹⁶, ¹⁹, ²¹, ²⁶- ²⁸) .

Nessa direção, a análise dos domínios pagamento, promoção, benefícios, recompensas, procedimentos operacionais, natureza do trabalho e comunicação indica oportunidades gerenciais de priorização de ações para motivação da equipe. Enquanto a satisfação com o trabalho pode ser um dínamo gerador de prazer, ainda que um estado subjetivo e pessoal, a motivação também é considerada um construto multidimensional, cuja expressão é o resultado de uma comparação entre aquilo que foi obtido e aquilo que se desejou obter do trabalho ( ²¹- ²², ²⁸) .

Na análise comparativa em relação aos horários de trabalho, destacam-se melhores níveis de satisfação dos profissionais lotados no plantão vespertino. Sob a limitação de não ter comparado o número de vínculos empregatícios entre os plantões, é mister destacar que o hospital de coleta de dados possui jornada de 30 horas semanais e salário inicial superior ao dos demais hospitais da região.

Pondera-se que a satisfação e o contexto de trabalho não se limitam ao espaço físico ou social em que as atividades são desenvolvidas, pois contempla também as relações interpessoais; a percepção do trabalhador sobre o quão importante é seu trabalho, com reconhecimento da sociedade; a dinâmica do serviço, com a disponibilização de minutos do turno para discussões e reflexões; o estímulo para vivenciar o humor, o altruísmo e a auto-observação; e o suporte organizacional a partir da criação de espaços físicos para descanso dos trabalhadores ( ⁷, ¹⁶, ¹⁹, ²⁶- ²⁸) .

Sob essa perspectiva, o autor do JSS ( ¹¹) destaca que a satisfação com o trabalho é um sentimento do profissional sobre seu trabalho e reflete o quanto as pessoas gostam ou não gostam do seu trabalho, denotando uma constelação de atitudes relacionadas a vários aspectos do ambiente ocupacional ( ¹¹) . Nesse sentido, as vivências de prazer podem ser resultantes da relação entre a realização profissional e a liberdade de expressão, envolvendo aspectos como bem-estar, satisfação, motivação, reconhecimento e orgulho pelas atividades desempenhadas e oportunidades de expressar opiniões para colegas e chefias ( ¹⁵- ¹⁶, ¹⁹, ²⁷- ²⁸) .

Durante o trabalho no período pandêmico, a impossibilidade de realização de rodas de conversa associada às vivências negativas dos trabalhadores de enfermagem, como esgotamento emocional, estresse, insatisfação, sobrecarga, frustração, insegurança, sentimentos de desvalorização, indignação, inutilidade, desqualificação, injustiça, discriminação e falta de reconhecimento ( ⁷, ¹⁵, ¹⁹, ²⁵- ²⁷) , podem ter interferido no preenchimento do instrumento, inclusive desencorajando profissionais a serem participantes.

As limitações deste estudo residem na ausência de aleatoriedade da amostra, além do delineamento de corte transversal que não permite estabelecer nexo de causalidade, e sim indicar associação entre variáveis. Além disso, não foram encontrados estudos que utilizaram o JSS na vigência da pandemia de COVID-19 que permitissem comparabilidade entre os achados deste estudo.

Este estudo permitiu indicar a importância de reconhecer e recompensar os profissionais de enfermagem que trabalharam de forma ininterrupta, durante a pandemia de COVID-19, com ações, políticas e estratégicas que superem a transitoriedade das palmas e contemplem revisões dos processos de trabalho, planos de carreira, possibilidades de recompensas e olhar cuidadoso sobre as condições de trabalho com acolhimento de medos e possibilidades de reflexões continuadas.

O estudo também desvelou o reconhecimento dos profissionais em relação à sua supervisão e convivência com colegas de trabalho, de forma que foram as únicas duas dimensões da satisfação com o trabalho consideradas positivas para todos os atores do cuidado, na instituição de estudo: enfermeiros gerentes, assistenciais e técnicos de enfermagem.

Conclusão

No presente estudo, foi evidenciada uma ambivalência dos trabalhadores de enfermagem em relação à sua satisfação com o trabalho, durante o período da pandemia de COVID-19.

No que se refere à escolaridade, não houve diferença significativa quanto à satisfação profissional como um todo, no entanto, no domínio colaboradores, a satisfação foi superior entre os profissionais com ensino médio; e, no domínio supervisão, os profissionais com pós-graduação apresentaram maior satisfação em relação aos profissionais com ensino médio ou superior.

De forma geral, a insatisfação profissional foi registrada pelos participantes quanto a remuneração, benefícios, promoção e condições operacionais; a ambivalência ou neutralidade em relação à satisfação com o trabalho foi relacionada aos domínios comunicação e natureza do trabalho; e a satisfação profissional foi evidenciada pelos participantes quanto aos domínios colegas de trabalho e supervisão.

Enfermeiros gestores apresentaram melhor satisfação profissional quanto a remuneração, promoção e condições operacionais em relação aos enfermeiros assistenciais e técnicos de enfermagem.

Os achados indicam um caminho para que gerentes e formuladores de política em saúde façam investimentos em planos de carreira e ambiente de trabalho, a fim de que sejam melhoradas as condições para que os trabalhadores de enfermagem possam atuar com segurança e dignidade no cuidado aos pacientes.

Agradecimentos

Aos profissionais de enfermagem do Hospital de Clínicas da Unicamp que responderam à pesquisa.

À Dra. Ana Cláudia de Souza, que realizou a tradução e adaptação cultural do instrumento utilizado nesta pesquisa.

Ao estatístico Henrique Ceretta de Oliveira, da Faculdade de Enfermagem da Unicamp, que realizou a análise estatística e amparou os autores na interpretação dos dados.

• ^1.
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  Artigo extraído da dissertação de mestrado “Satisfação no trabalho dos profissionais de enfermagem durante a pandemia de COVID-19”, apresentada à Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, Brasil. O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) - Código de Financiamento 001, Brasil.

• Como citar este artigo

  Pirino MVB, Nascimento CL Sobrinho, Dini AP. Professional satisfaction in nursing during the COVID-19 pandemic. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2023;31:e3894 [cited ano mês dia]; Available from: URL . https://doi.org/10.1590/1518-8345.6364.3894
• Todos os autores aprovaram a versão final do texto.

Editado por

Editora Associada:

Maria Lucia do Carmo Cruz Robazzi

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  12 Maio 2023
• Data do Fascículo
  2023

Histórico

• Recebido
  04 Jul 2022
• Aceito
  24 Nov 2022