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Estresse e Burnout entre residentes multiprofissionais

Resumos

OBJETIVO: identificar a associação entre alto estresse e Burnout em residentes multiprofissionais de uma universidade federal do Rio Grande do Sul. MÉTODO: trata-se de estudo analítico, transversal, quantitativo. Aplicaram-se um formulário de dados socio demográficos, a Escala de Estresse no Trabalho e o Maslach Burnout Inventory-Human Services Survey (MBI-HSS) em 37 residentes entre abril e junho de 2011. Valores de p<0,05 foram considerados estatisticamente significativos. RESULTADOS: verificou-se que 48,65% de residentes apresentavam alto estresse. Na associação das subescalas do MBI, 27% dos residentes apresentaram indicativo para síndrome de Burnout. Observou-se correlação estatisticamente significativa (p=0,00; r= 0,68) entre alto estresse e Burnout. CONCLUSÕES: confirmou-se o alto estresse como preditor da síndrome de Burnout entre os residentes multiprofissionais. Assim, propõe-se a realização de estudos com delineamento interventivo para que essa realidade seja modificada.

Enfermagem; Esgotamento Profissional; Internato não Médico; Capacitação em Serviço; Epidemiologia Analítica


OBJECTIVE: To identify associations between high-stress and burnout syndrome in multidisciplinary residents from a federal university in Rio Grande do Sul, Brazil. METHOD: This is an analytical, cross-sectional and quantitative study. A socio-demographic questionnaire, the Work Stress Scale and the Maslach Burnout Inventory-Health Services Survey (MBI-HSS) were applied to 37 residents between April and June 2011. P-values<0.05 were considered statistically significant. RESULTS: We verified that 48.65% of the residents experienced high-stress. When associating the MBI-HSS subscales, we verified that 27% of the residents showed some indication of burnout syndrome. There was a statistically significant correlation (p=0.00, r=0.68) between a high-stress and burnout. CONCLUSIONS: High-stress was confirmed as being a predictor of burnout syndrome among multidisciplinary residents. Therefore, we propose that intervention studies be conducted in order to change such contexts.

Nursing; Burnout, Professional; Internship, Nonmedical; Inservice Training; Analytical Epidemiology


OBJETIVO: Identificar la asociación entre alto estrés y Burnout en residentes Multiprofesionales de una universidad federal de Rio Grande do Sul. MÉTODO: se trata de un estudio analítico, transversal, cuantitativo. Se aplicaron un formulario de datos socio-demográficos, la Escala de Estrés en el Trabajo y el Maslach Burnout Inventory- Health Services en 37 residentes entre Abril y Junio de 2011. Valores de p<0,05 fueron considerados estadísticamente significativos. RESULTADOS: se verificó 48,65% de residentes en alto estrés. En la asociación de las subescalas del MBI, 27% de los residentes presentaron indicativo para Síndrome de Burnout. Se observó correlación estadísticamente significativa (p=0,00; r= 0,68) entre alto estrés y Burnout. CONCLUSIONES: se confirmó el alto estrés como predictor del Síndrome de Burnout entre los residentes multiprofesionales. Así, se propone la realización de estudios con delineamiento de intervención para que esa realidad sea modificada.

Enfermería; Agotamiento Profesional; Internado no Médico; Capacitación en Servicio; Epidemiología Analítica


ARTIGO ORIGINAL

Estresse e Burnout entre residentes multiprofissionais

Laura de Azevedo GuidoI; Carolina Tonini GoulartII; Rodrigo Marques da SilvaIII; Luis Felipe Dias LopesI; Emanuelli Mancio FerreiraIV

IPhD, Professor Associado, Universidade Federal de Santa Maria, Brasil

IIEnfermeira, Mestranda, Universidade Federal de Santa Maria, Brasil

IIIEnfermeiro, Mestrando, Universidade Federal de Santa Maria, Brasil

IVAluna do curso de graduação em enfermagem, Universidade Federal de Santa Maria, Brasil. Bolsista do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC) do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ), processo nº 800003/2011-0

Endereço para correspondência

RESUMO

OBJETIVO: identificar a associação entre alto estresse e Burnout em residentes multiprofissionais de uma universidade federal do Rio Grande do Sul.

MÉTODO: trata-se de estudo analítico, transversal, quantitativo. Aplicaram-se um formulário de dados socio demográficos, a Escala de Estresse no Trabalho e o Maslach Burnout Inventory-Human Services Survey (MBI-HSS) em 37 residentes entre abril e junho de 2011. Valores de p<0,05 foram considerados estatisticamente significativos.

RESULTADOS: verificou-se que 48,65% de residentes apresentavam alto estresse. Na associação das subescalas do MBI, 27% dos residentes apresentaram indicativo para síndrome de Burnout. Observou-se correlação estatisticamente significativa (p=0,00; r=0,68) entre alto estresse e Burnout.

CONCLUSÕES: confirmou-se o alto estresse como preditor da síndrome de Burnout entre os residentes multiprofissionais. Assim, propõe-se a realização de estudos com delineamento interventivo para que essa realidade seja modificada.

Descritores: Enfermagem; Esgotamento Profissional; Internato não Médico; Capacitação em Serviço; Epidemiologia Analítica.

Introdução

A revolução industrial, ocorrida nos séculos XVIII e XIX, caracterizou-se pelo notável desenvolvimento econômico e foi marcada pelo deslocamento dos indivíduos do meio rural para as fábricas das cidades, o que levou a modificações importantes nas condições de vida do trabalhador. No entanto, a miséria, o serviço estafante e prolongado, as péssimas condições de moradia e de alimentação prosseguiram afligindo a classe trabalhadora(1).

Além disso, nesse período, o progresso da ciência proporcionou inovação organizacional e tecnológica com transformações nas atividades dos trabalhadores, em especial aqueles da área da saúde(2). Assim, destacam-se as discussões sobre a saúde dos trabalhadores, sua relação entre si e com o meio laboral.

Nesse sentido, tem sobressaído o estresse que, segundo o modelo interacionista, é definido como qualquer estímulo que demande do ambiente externo ou interno e que taxe ou exceda as fontes de adaptação de um indivíduo ou sistema social(3).

Segundo esse modelo, acontece uma avaliação cognitiva que é entendida como um processo mental de localizar o evento ou situação em uma série de categorias avaliativas que são relacionadas ao significado de bem-estar da pessoa(3). Nesse processo, inicialmente, o indivíduo identifica as demandas de uma situação e define o significado do evento (avaliação primária). Se ele for definido como uma ameaça ou desafio, ocorre a reação de estresse e serão verificadas as possibilidades de estratégias de enfrentamento e/ou adaptação ao estressor (avaliação secundária)(3).

Caso essas estratégias não sejam utilizadas ou não haja sucesso em seu uso e o estressor permaneça, o estresse se mantém e pode ocorrer a síndrome de Burnout (SB)(4). Assim, essa síndrome é vista como um processo que se dá em resposta à cronificação do estresse e possui consequências negativas, tanto individuais como profissionais, familiares e sociais(4).

Na área da saúde, verifica-se a presença do Burnout ligado ao processo de trabalho. Contudo, nas atividades de formação profissional, tanto nos cursos de graduação como nos programas de pós-graduação, há situações que podem ser avaliadas como estressoras, principalmente aquelas relacionadas ao processo de formação e atuação profissional.

Nesse sentido, destaca-se, aqui, que os Programas de Residência Multiprofissional em Saúde (RMS), regulamentados como pós-graduação lato sensu, buscam romper os paradigmas em relação à formação de profissionais para o Sistema Único de Saúde (SUS) e contribuir para qualificação dos serviços de saúde ofertados à população. Eles apresentam uma variedade de desenhos metodológicos, mas, em comum, defendem a utilização de metodologias ativas e participativas e a educação permanente como eixo pedagógico(5).

Somado a isso, a intrínseca característica da interdisciplinaridade confere caráter inovador aos programas, o que é demonstrado, principalmente, por meio da inclusão de 14 categorias profissionais da saúde. Essa forma de proceder "intercategorias" visa a formação coletiva inserida no mesmo "campo" de atuação, com respeito aos "núcleos" específicos de conhecimento de cada profissão(5-6).

A residência multiprofissional da instituição em estudo foi iniciada em 2009 com vagas às seguintes profissões: Enfermagem, Psicologia, Nutrição, Assistência Social, Fisioterapia, Fonoaudiologia, Farmácia, Terapia Ocupacional e Odontologia. Em 2010, incluiu-se a Educação Física junto às já existentes(6).

No primeiro ano, o programa era financiado pelo Ministério da Saúde (MS) e constituía-se por três ênfases: Gestão e Políticas de Saúde, Atenção Básica em Saúde da Família, Atenção em Rede Hospitalar. Em 2010, o Ministério da Educação e Cultura (MEC) passou a financiar residências para os hospitais universitários e, dessa maneira, o projeto original foi desmembrado em dois. Assim, o programa vinculado ao MS passou a ser composto pelas seguintes ênfases: Atenção Básica/Saúde da Família e Vigilância em Saúde. A ênfase Gestão e Atenção Hospitalar ficou vinculada e financiada pelo MEC(6).

Diante desse contexto, em que se observa a filosofia do processo de formação em saúde com ações inovadoras, alguns aspectos podem ser avaliados como estressores, principalmente por não se incluírem no modelo de formação tradicional. Dentre eles, destacam-se: o trabalho em equipe, as metodologias ativas e participativas, as relações interpessoais estabelecidas com colegas de outras profissões e a responsabilidade de empregar cuidado integral e humanizado.

Ainda, o estresse pode associar-se à administração da responsabilidade profissional, tratamento de pacientes graves, administração de situações problemáticas, gerenciamento do volume de conhecimento e estabelecimento dos limites de sua identidade pessoal e profissional(7). Além disso, ele pode decorrer de características do treinamento, como privação do sono, fadiga, elevada carga assistencial, excesso de trabalho administrativo, problemas relativos à qualidade do ensino e ao ambiente educacional(7). As características individuais e situações pessoais, como sexo, aspectos da personalidade e vulnerabilidades psicológicas, também podem se relacionar ao estresse(7).

Diante disso, através de investigações(1,3), tem-se analisado estresse entre trabalhadores de diferentes profissões da área da saúde, em especial entre enfermeiros. Essa profissão tem sido considerada estressante por suas peculiaridades no desenvolvimento do processo de trabalho. Dentre elas: a permanência de enfermeiros 24 horas nos serviços de saúde, a mediação das relações e demandas entre pacientes, técnicos de enfermagem e outros profissionais da equipe multiprofissional e a realização de atividades gerenciais e assistenciais, concomitantemente. Pelos mesmos motivos, a síndrome de Burnout tem sido verificada em variados públicos, incluindo residentes médicos(8) e de enfermagem(9). Contudo, esse estudo destaca-se por analisar a síndrome e sua relação com o alto estresse entre diferentes profissões e, portanto, avaliar essa temática considerando a relação do enfermeiro com os demais profissionais da equipe. Com base nisso, defende-se, aqui, a hipótese de que os residentes em alto estresse apresentam indicativo para síndrome de Burnout.

Assim, o objetivo deste estudo foi identificar a associação entre alto estresse e Burnout em residentes multiprofissionais de uma universidade federal no centro do Rio Grande do Sul.

Método

Trata-se de estudo analítico, transversal e quantitativo. A pesquisa foi realizada em uma universidade federal no centro do Rio Grande do Sul, Brasil. Neste estudo, incluíram-se residentes das ênfases de atuação Atenção Básica/Saúde da Família, Vigilância em Saúde e Gestão e Atenção Hospitalar, de todas as profissões previstas no programa e regularmente matriculados nas turmas de 2009, 2010 e 2011, são elas: Enfermagem, Psicologia, Nutrição, Assistência Social, Fisioterapia, Fonoaudiologia, Farmácia, Terapia Ocupacional, Odontologia e Educação Física. Excluíram-se os residentes em licença de qualquer natureza. No momento da coleta, havia 85 residentes multiprofissionais matriculados. Desses, todos atenderam os critérios de elegibilidade, porém, 40 (47,06%) não aceitaram participar da pesquisa e 8 (9,41%) devolveram os instrumentos em branco. Logo, obteve-se o total de 37 (43,53%) residentes.

A coleta de dados foi realizada no período de abril a junho de 2011, com o uso da Escala de Estresse no Trabalho (EET)(10) e do Maslach Burnout Inventory-Human Services Survey (MBI-HSS)(11). Esses instrumentos foram aplicados aos sujeitos convidados e que aceitaram voluntariamente participar da pesquisa, após serem informados sobre seus objetivos e características. A abordagem inicial se deu por meio de reuniões e os sujeitos não captados foram buscados individualmente.

A EET, construída e validada em 2004(10), é composta por 23 itens dispostos em escala tipo Likert de cinco pontos, em que: um – discordo totalmente, dois – discordo, três – concordo em parte, quatro – concordo e cinco – concordo totalmente. A partir da soma das pontuações assinaladas em cada item, obtêm-se os escores de estresse, sendo que quanto maior a pontuação maior o estresse(10).

O Maslach Burnout Inventory, versão HSS, traduzido e adaptado para a realidade brasileira por Liana Lautert, em 1995(11), é um questionário autoaplicável, com uma escala tipo Likert de cinco pontos em que: zero- "nunca", um- "algumas vezes ao ano", dois- "algumas vezes ao mês", três- "algumas vezes na semana" e quatro- "diariamente". Assim, conforme a experiência do indivíduo no trabalho, o valor mínimo que pode ser assinalado em cada item é zero e o máximo quatro(11). O instrumento é composto por 22 itens distribuídos em três subescalas: Desgaste Emocional (DE), formada pelos itens 1, 2, 3, 6, 8, 13, 14, 16 e 20; Despersonalização (DP) pelos itens 5, 10, 11, 15 e 22 e Incompetência Profissional (IP), composta pelos itens 4, 7, 9, 12, 17, 18, 19 e 21(11). Contudo, o pesquisador(12) destaca que itens e domínios de instrumentos não devem conter juízos ou valores prepostos. Esses devem ser obtidos a partir da análise dos dados. Por isso, foi utilizada a seguinte nomenclatura para as subescalas: Exaustão Emocional (EE), Despersonalização (DP) e Realização Profissional(RP)(13).

A Exaustão Emocional, caracterizada como sobrecarga emocional, avalia os sentimentos do indivíduo em relação ao trabalho. É o traço inicial do Burnout, assinalado por manifestações psíquicas e físicas e reduzida capacidade de produção; a Despersonalização é a característica específica da síndrome, definida como a insensibilidade e desumanização no atendimento e o tratamento de clientes e colegas com frieza e indiferença; a Baixa Realização Profissional corresponde à baixa eficiência e produtividade no trabalho(9).

Altas pontuações em Exaustão Emocional e Despersonalização, associadas à baixa pontuação em Realização Profissional, indicam que o indivíduo está em Burnout(11).

Após a coleta, os dados foram organizados e armazenados em uma planilha eletrônica no programa Excel 2007 (Office XP) para que, posteriormente, fossem analisados eletronicamente com o auxílio do programa Statistical Analisys System (SAS, versão 8.02). As variáveis qualitativas foram apresentadas em valores absolutos (n) e relativos (%) e as quantitativas expostas em medidas descritivas: valores mínimos e máximos, média () e desvio-padrão (±). Para a verificação das relações entre estresse e Burnout, utilizou-se o teste de correlação de Pearson. Valores de p<0,05 foram considerados estatisticamente significativos com intervalo de confiança de 95%.

Para análise da EET, realizou-se a média geral da população e, a partir dessa média, as respostas foram dicotomizadas em "alto" e "baixo" estresse. Para análise dos escores do MBI, realizou-se a soma das pontuações atribuídas a cada item e dividiu-se pelo número total de itens das subscalas, o que permitiu a obtenção da média por subescala. A partir dessa medida, dicotomizou-se as subescalas em "alto" e "baixo". Assim, valores acima da média geral, para a EET, e da média de cada subescala do MBI foram classificados como "alto" e valores abaixo dessas medidas como "baixo". Além disso, associaram-se as classificações obtidas por cada indivíduo nas três subescalas do MBI-HSS. Dessa forma, quando essa associação foi concomitantemente Alta Exaustão Emocional, Alta Despersonalização e Baixa Realização Profissional, o residente foi considerado com indicativo para síndrome de Burnout. Para análise da consistência interna desses instrumentos, utilizou-se o coeficiente alfa de Cronbach.

Ainda, atendendo as Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisas Envolvendo Seres Humanos, do Conselho Nacional de Saúde(14), foi entregue o termo de consentimento livre e esclarecido, com informações referentes à pesquisa, o qual foi assinado (em duas vias, uma para o sujeito e outra para o pesquisador), onde o sujeito consentia em participar voluntariamente da pesquisa. Além disso, foi entregue o termo de confidencialidade, o qual afirma o compromisso dos pesquisadores diante da utilização e preservação do material (por período de cinco anos) com informações sobre os sujeitos.

Esta pesquisa faz parte do projeto Estresse, Coping, Burnout, Sintomas Depressivos e Hardiness em Residentes Médicos e Multiprofissionais, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade, sob nº23081.020160/2010-06.

Resultados

Na análise da consistência interna dos itens que compõem a Escala de Estresse no Trabalho, obteve-se alfa de Cronbach de 0,91. Quanto às subscalas do Maslach Burnout Inventory-HSS, esse coeficiente foi de 0,82 para a Exaustão Emocional e 0,63 para Despersonalização. Como o alfa de Cronbach da subscala Realização Profissional foi de 0,24, realizou-se a exclusão dos itens 9 e 21, o que elevou esse valor para 0, 60. Segundo autores(3), esses valores são suficientes para atestar a confiabilidade interna satisfatória do instrumento.

Quanto à Escala de Estresse no Trabalho, evidencia-se que 51,35% dos residentes apresentam baixo estresse e 48,65% alto estresse. Sobre as medidas descritivas para esse instrumento, verifica-se que a média foi de 2,80 (±0,69) e os valores mínimo e máximo foram 22 e 71, respectivamente.

Em relação ao MBI, observa-se média de 2,55 (±0,71) para Exaustão Emocional, de 2,72 (±0,80) para Despersonalização e de 3,42 (±0,73) para Realização Profissional. Além disso, verifica-se que 37,84% apresentaram altas médias em Exaustão Emocional, 43,24% altas em Despersonalização e 48,65% baixas em Realização Profissional. Na associação das subescalas, 27% dos participantes apresentam indicativo para síndrome de Burnout.

As correlações entre as classificações de estresse e as subescalas do MBI-HSS são apresentadas na Tabela 1. Evidencia-se correlação estatisticamente significativa positiva entre alto estresse e síndrome de Burnout (p=0,00; r=0,68).

Visto a hipótese apresentada, os dados relativos ao baixo estresse não serão discutidos neste estudo.

Discussão

Os residentes multiprofissionais inserem-se em um contexto peculiar, pois estão expostos a situações decorrentes do processo de trabalho e de ensino-aprendizagem e que podem ser avaliadas como estressoras por eles. Nesse sentido, 51,35% dos residentes encontravam-se em baixo estresse e 48,65% em alto estresse. Em estudo com enfermeiros de unidade cirúrgica(3), verificou-se que 55,56% desses profissionais encontravam-se em baixo estresse e 11,12% em alto estresse. Em investigação(15) com médicos de um hospital público da África do Sul, foram identificados 46% desses profissionais com baixo estresse e 27% em alto estresse.

Observa-se que a distribuição de indivíduos em alto estresse difere significativamente entre os estudos mencionados(3,15). Embora isso possa ser atribuído às diferenças amostrais, também se pode dizer que os residentes avaliam o estresse de maneiras diferentes, sejam expostos a situações similares ou típicas de cada profissão. Isso fortalece a assertiva de que a avaliação dos estressores é individual e envolve funções cognitivas, emocionais e comportamentais(4).

Ainda, sabe-se que, quando o profissional percebe uma situação como estressora, ele realiza uma avaliação para encontrar respostas adequadas ao seu enfrentamento e isso pode solucionar ou minimizar os efeitos do estresse(4). Nesse sentido, observa-se a prevalência do baixo estresse nesse e nos estudos(3,15) supracitados. Isso pode indicar que os profissionais, inclusive os residentes, têm utilizado estratégias de enfrentamento efetivas para a redução do estresse no local de trabalho. Nesse sentido, em outro estudo analisaram-se as estratégias de coping utilizadas por enfermeiras com e sem indicativo de Burnout e identificou-se que as estratégias dirigidas à resolução de problemas auxiliam na prevenção do Burnout(16). Portanto, o uso de estratégias de coping não efetivas pode levar à cronificação do estresse entre os residentes multiprofissionais e, por consequência, à síndrome de Burnout.

Na associação das subscalas do MBI, observou-se que 27% dos residentes multiprofissionais apresentam indicativo para o Burnout. Em pesquisa(9) com residentes de enfermagem, analisou-se a SB nos quatro períodos da Residência e demostrou-se a presença de um profissional (6,3%) do quarto período com alterações nas três subescalas e, consequentemente, em Burnout. Através de estudo(8), realizado nos Estados Unidos, identificou-se 74% dos residentes médicos com a síndrome. Ainda, em investigação(17) envolvendo 12 países europeus e dos Estados Unidos verificou-se que 78% das enfermeiras da Grécia e 42% da Inglaterra apresentavam SB.

Nesse sentido, os estressores podem ser avaliados como ameaça ou desafio, mas o Burnout apresenta-se como situação negativa e risco à saúde do trabalhador(16). Logo, os desdobramentos da síndrome interferem no processo de aprendizado e na qualidade do cuidado prestado pelos residentes aos pacientes e familiares. Isso é evidenciado em estudo(17) cujos escores de satisfação dos pacientes foram mais baixos em hospitais onde as enfermeiras apresentavam Burnout. Somado a isso, em estudo(18) com enfermeiras de 168 hospitais da Pensilvânia (Estados Unidos) demonstrou-se que cada paciente extra por enfermeira associou-se a 23% de aumento na taxa de Burnout, 7% de aumento na probabilidade de morte do paciente no período de 30 dias após a admissão e 7% de aumento na taxa de falhas no assistência aos indivíduos. Além disso, a SB tem influência no local de trabalho, pois ocorrem atitudes negativas do trabalhador em relação às pessoas e à organização, entre eles, o afastamento.

Nesse sentido, através de pesquisa(18) realizada nos Estados Unidos identificou-se que 43% dos enfermeiros em Burnout pretendiam deixar o trabalho nos próximos 12 meses. Outro estudo(19) evidenciou que os enfermeiros tiveram, em média, 1,71 dias de licença para tratamento de saúde e 3,86 dias de afastamento no ano. Esses dados relacionam-se a doenças decorrentes do estresse no trabalho, do qual pode decorrer a SB(20). Além disso, em alguns casos, o profissional mantém-se no trabalho, mas com problemas de saúde e menor produtividade, o que é denominado presenteísmo. Isso é afirmado em pesquisa(21) com enfermeiros que obtiveram índice de produtividade perdida de até 4,84%. Nesse estudo(21), o presenteísmo correlacionou-se diretamente à realização de tratamento de saúde e ocorrência e número de faltas. Por isso, o Burnout precisa ser identificado, prevenido, tratado e notificado(20).

As correlações estatísticas significativas evidenciaram que os residentes em alto estresse apresentaram alta Exaustão Emocional e alta Despersonalização. Em outra pesquisa(20), realizada com enfermeiros, também se identificou correlação estatística positiva entre Estresse e as subescalas Exaustão Emocional (p<0,05; r = 0,60) e Despersonalização (p<0,05; r= 0,40); e negativa para Realização Profissional (p<0,05; r= -0,27).

Sobre a Exaustão Emocional, destaca-se que corresponde ao traço inicial da síndrome, sendo percebido pelo indivíduo, principalmente, pelo cansaço mental. Quanto a isso, pesquisadores(22) apontam que, nos últimos anos, o desgaste físico e emocional dos trabalhadores tem sido notável, o que ocorre porque algumas instituições empregadoras ignoram o sofrimento de seus funcionários e mantêm-se aquém da realidade. Isso se relaciona ainda à estrutura do capitalismo industrial, cujos conflitos entre capital e trabalho, dentre outros, causa a desmotivação dos trabalhadores que passam a "vender" seu trabalho sem participação integral no processo produtivo(1). Por isso, há necessidade de valorização do trabalho e dos trabalhadores em sua situação de elo mais fraco da corrente econômica, na produção e distribuição das riquezas(1).

Embora a Exaustão Emocional seja a característica inicial da SB, é importante destacar a alta Despersonalização por duas razões. A primeira é que a Despersonalização é considerada elemento específico da síndrome de Burnout quando comparada com as outras duas subscalas. A segunda é que ela reflete atitude de distanciamento e sentimentos negativos em relação ao trabalho que desenvolve, o que afeta tanto os pacientes quanto a própria equipe de trabalhadores(13). Nesse sentido, em estudo multicêntrico(17) destacou-se que aspectos do trabalho hospitalar, como melhores relações entre pacientes e enfermeiros e médicos e profissionais de enfermagem, bem como o envolvimento da enfermeira na tomada de decisões, estão associados a melhores resultados ao paciente, incluindo menor taxa de mortalidade e maior satisfação do mesmo.

Quanto à Realização Profissional, os estudos mencionados apontam que os profissionais em alto estresse apresentam baixa Realização Profissional. Entretanto, neste estudo, não foi encontrado correlação significativa (p=0,06, r= -0,44). Isso pode se relacionar à especificidade da residência multiprofissional como um período de transição entre a academia e a atuação profissional. Assim, as inseguranças do processo de formação podem ser minimizadas e os sentimentos de eficiência e produtividade fortalecidos ao longo da residência. Isso pode explicar os dados encontrados, visto que a população de estudo foi composta por residentes de todos os períodos do programa.

A partir da análise das correlações estatísticas, verificou-se que os residentes multiprofissionais em alto estresse apresentaram indicativo para o Burnout (p=0,00; r=0,68). Em estudo com estudantes de medicina(23), identificou-se correlação estaticamente significativa (p<0,05) entre alto estresse e SB. Isso indica que a presença do alto estresse foi responsável pela ocorrência da síndrome, ou seja, foi um preditor do Burnout entre os residentes multiprofissionais, o que confirma a hipótese inicial deste estudo.

Nesse sentido, destaca-se que a síndrome de Burnout pode ocorrer desde o início da atividade profissional, tanto na formação acadêmica quanto na atuação profissional, ou frente às mudanças que ocorrem no ambiente de trabalho(24-25). Além disso, confirmam-se os dados postos na literatura de que o estresse, em longo prazo, pode levar ao Burnout, caso as estratégias de enfrentamento utilizadas não sejam efetivas, com consequências negativas aos indivíduos e organização. Por isso, identificar o estresse e as situações desgastantes permite estabelecer intervenções para minimizar seus efeitos e prevenir a ocorrência da SB nessa população.

Conclusão

Observou-se a prevalência do baixo estresse entre os residentes multiprofissionais e outras populações analisadas em pesquisas sobre Burnout. Dessa forma, acredita-se que os residentes têm utilizado estratégias de enfrentamento efetivas para reduzir o estresse. Além disso, a presença de alto estresse em diferentes estudos confirma que os indivíduos avaliam os estressores de formas diferentes, embora expostos às mesmas situações. Isso reforça o referencial teórico, segundo o qual a avaliação dos estressores é individual e varia de acordo com a função cognitiva, comportamental e emocional.

Além disso, as correlações estatísticas evidenciaram que o alto estresse é um preditor para a síndrome de Burnout, o que confirmou a hipótese desta investigação de que os residentes multiprofissionais em alto estresse apresentariam a SB. Ainda, os achados deste estudo foram ao encontro da literatura referente ao tema, ou seja, de que a presença do estresse, em longo prazo, pode levar ao Burnout.

Embora não se tenha encontrada correlação significativa (p>0,05) entre o alto estresse e a Realização Profissional, destaca-se que isso pode ter ocorrido pelo período de transição que representa a residência na vida dos estudantes. Acredita-se que o sentimento de produtividade e realização profissional seja fortalecido, ao longo do curso, a partir das vivências dos residentes com as situações enfrentadas.

As correlações foram estatisticamente significativas entre alto estresse e as subescalas Exaustão Emocional e Despersonalização do MBI. Esses resultados indicam que o estresse identificado nos residentes tem levado à Exaustão Emocional e à Despersonalização. Sendo a Exaustão o sinal inicial da síndrome, aponta-se especial atenção no sentido de prevenir a futura ocorrência da SB nesses indivíduos.

Sendo assim, destaca-se a importância de estudos como este que, além de identificar a ocorrência da síndrome de Burnout, analisa a relação entre ela e o alto estresse, verificando o processo de relação causa/efeito e fortalecendo o referencial teórico. Isso sustenta futuras intervenções para o Burnout e/ou sua prevenção. Essas devem focalizar o trabalhador e o ambiente de trabalho com vistas ao equilíbrio entre as expectativas do indivíduo e as exigências da organização.

No entanto, considerando o reduzido número de pesquisas por meio do método analítico sobre a temática, foi difícil comparar as associações entre alto estresse e a ocorrência da SB deste estudo com as evidências da literatura científica nacional e internacional. As pesquisas têm relacionado estresse percebido ou estresse geral com as subescalas do MBI-HSS ou com a Síndrome de Burnout. Contudo, não se observa a associação de alta intensidade e (ou) nível de estresse com a SB, sendo essa a principal contribuição desta investigação.

Dessa forma, sugere-se a realização de novos estudos analíticos sobre estresse e Burnout entre profissionais da área da saúde, com vistas à produção de evidências científicas sobre a temática. Além disso, propõe-se a elaboração de pesquisas com delineamento interventivo, pois esse tipo de estudo permite a aplicação de ações que podem modificar essa realidade.

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  • Corresponding Author:

    Laura de Azevedo Guido
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      17 Dez 2012
    • Data do Fascículo
      Dez 2012

    Histórico

    • Recebido
      05 Maio 2012
    • Aceito
      24 Ago 2012
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