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Aplicação de programa de exercícios domiciliares na reabilitação do ombro pós-cirurgia por câncer de mama

Resumos

O objetivo desta pesquisa foi avaliar a efetividade de um programa de exercícios para recuperação da amplitude de movimento (ADM) do ombro. Foi usado o método experimental, e o estudo foi desenvolvido no Ambulatório de Mastologia da Universidade Federal de São Paulo, Brasil, de agosto de 2006 a junho de 2008, com 64 mulheres com câncer de mama, submetidas à cirurgia. A intervenção constou de: avaliação pré-operatória da ADM, orientação verbal e escrita, demonstração e execução dos exercícios e reavaliações nos retornos ambulatoriais até o 105º dia de pós-operatório (PO). Os resultados mostraram, a partir do 7ºPO, acréscimo significante e contínuo na ADM, até o 105º PO. O tempo mínimo para recuperação foi de 105 dias para as mulheres mastectomizadas, e de 75 dias para aquelas submetidas à quadrantectomia. Houve adesão satisfatória de 78,6% das mulheres. Conclui-se que o programa domiciliar se mostrou efetivo para a recuperação da ADM na população estudada, beneficiando mulheres que não poderiam frequentar um programa presencial.

Neoplasias da Mama; Reabilitação; Fisioterapia; Cuidados Pós-Operatórios; Enfermagem Oncológica


The aim of this study was to evaluate the effectiveness of an exercise program for the recuperation of the range of motion (ROM) of the shoulder. This is a quasi-experimental study developed at the Mastology Outpatient Clinic of the Federal University of São Paulo - Brazil, from August 2006 to June 2008, with 64 breast cancer patients undergoing surgery. The intervention consisted of: preoperative evaluation of the ROM, verbal and written guidance, demonstration and implementation of the exercises and revaluation at the outpatient follow-up appointments until the 105th postoperative day (PO). From the 7th PO a significant increase was observed in the ROM, which continued until the 105th PO. The minimum time for recovery was 105 days for the women undergoing mastectomy, and 75 days for those undergoing quadrantectomy. There was satisfactory adherence of 78.6% of the women. The domicile program was effective for the recovery of ROM in the study population, benefiting women who can not attend a presential program.

Breast Neoplasm; Rehabilitation; Physiotherapy; Postoperative Care; Oncologic Nursing


El objetivo de este estudio fue evaluar la efectividad de un programa de ejercicios para recuperación de la amplitud de movimientos (ADM) del hombro. Se trata de una investigación cuasi experimental desarrollada en el Ambulatorio de Mastología de la Universidad Federal de Sao Paulo, en Brasil, de agosto de 2006 a junio de 2008, con 64 mujeres con cáncer de mama, sometidas a cirugía. La intervención constó de: evaluación preoperatoria (ADM), orientación verbal y escrita, demostración y ejecución de los ejercicios y reevaluaciones en los retornos al ambulatorio, hasta el 105º día de posoperatorio (PO). Se constató un aumento significativo y continuo de la ADM, del 7ºPO hasta el 105ºPO. El tiempo mínimo para la recuperación fue 105 días para las mujeres mastectomizadas y 75 para las sometidas a cuadrantectomía. Hubo adhesión satisfactoria de 78,6%. Se concluye que el programa domiciliario se mostro efectivo para la recuperación de la ADM en esa población, beneficiando mujeres que no podrían frecuentar un programa presencial.

Neoplasias de la Mama; Rehabilitación; Fisioterapia; Cuidados Posoperatorios; Enfermería Oncológica


ARTIGO ORIGINAL

IFisioterapeuta, Doutor em Ciências. E-mail: lica.sp@ig.com.br

IIMédico, Livre-Docente, Professor Associado, Departamento de Ginecologia, Universidade Federal de São Paulo, SP, Brasil. E-mail: nazarioafonso@hotmail.com

IIIMédica, Pós-Doutora em Radiologia Clínica, Coordenadora da Casa da Mama, Universidade Federal de São Paulo, SP, Brasil. E-mail: simoneelias3@yahoo.com.br

IVMédico, Doutor em Mastologia, Professor Adjunto, Departamento de Ginecologia, Universidade Federal de São Paulo, SP, Brasil. E-mail: gilfacina@terra.com.br

VEnfermeira, Livre-Docente, Professor Associado, Escola de Enfermagem, Universidade Federal de São Paulo, SP, Brasil. E-mail: gaby.gutierrez@unifesp.br.

Endereço para correspondência

RESUMO

O objetivo desta pesquisa foi avaliar a efetividade de um programa de exercícios para recuperação da amplitude de movimento (ADM) do ombro. Foi usado o método experimental, e o estudo foi desenvolvido no Ambulatório de Mastologia da Universidade Federal de São Paulo, Brasil, de agosto de 2006 a junho de 2008, com 64 mulheres com câncer de mama, submetidas à cirurgia. A intervenção constou de: avaliação pré-operatória da ADM, orientação verbal e escrita, demonstração e execução dos exercícios e reavaliações nos retornos ambulatoriais até o 105º dia de pós-operatório (PO). Os resultados mostraram, a partir do 7º PO, acréscimo significante e contínuo na ADM, até o 105º PO. O tempo mínimo para recuperação foi de 105 dias para as mulheres mastectomizadas, e de 75 dias para aquelas submetidas à quadrantectomia. Houve adesão satisfatória de 78,6% das mulheres. Conclui-se que o programa domiciliar se mostrou efetivo para a recuperação da ADM na população estudada, beneficiando mulheres que não poderiam frequentar um programa presencial.

Descritores: Neoplasias da Mama; Reabilitação; Fisioterapia; Cuidados Pós-Operatórios; Enfermagem Oncológica.

Introdução

O câncer de mama é o segundo tipo mais frequente no mundo e a causa mais comum de morte por câncer em mulheres, em vários países(1). Entre as modalidades terapêuticas destaca-se a cirurgia, e, quanto maior sua extensão, maior a probabilidade de complicações pós-operatórias. A limitação da amplitude de movimento (ADM) do ombro é considerada uma das principais complicações pós-operatórias do tratamento do câncer de mama, e vem acompanhada de comprometimento e decréscimo da função do membro superior(2-7).

O ombro está sujeito a rápida instalação de rigidez e atrofia muscular após a cirurgia por câncer de mama, sendo os movimentos de flexão e abdução os mais acometidos(7-8). Tanto a imobilização prolongada, ocasionada pelo medo e/ou pela dor, quanto o tipo de cirurgia, o tamanho da incisão, a realização de linfonodectomia axilar, traumatismos no nervo torácico longo ou espasmo muscular em toda região cervical, decorrentes da reação de defesa muscular, são fatores que fazem com que a mulher desenvolva tendência a pouca movimentação do membro superior(9-10).

Para diminuir a incidência dessas complicações, estudos destacam que a realização de exercícios, logo após a cirurgia, traz resultados positivos tanto na esfera física como na psicológica, uma vez que propicia condições para que a mulher retorne às suas atividades de vida diária (AVD) num período de tempo mais breve(4,9,11).

Entre os estudos consultados, a maioria descreve programas de reabilitação em que as mulheres, submetidas à cirurgia, realizam exercícios no serviço de fisioterapia ou reabilitação do hospital, com frequência de duas a três vezes na semana, complementados em casa, com auxílio de manuais e/ou vídeos educativos(2,5-6,12-15). Poucos estudos, entretanto, relatam a realização de exercícios exclusivamente nos domicílios(2-3,13).

Em comum, todos os programas apresentam avaliação pré-operatória e progressão gradual dos exercícios, iniciados de forma precoce, a partir do 1º dia pós-operatório (PO)(2-3,6,9,12,14-15). Apenas um estudo recomenda o início do programa de exercícios após a retirada do dreno(13), e outro mais tardiamente, após a 6ª ou 26ª semana de PO(5).

Alguns pontos, no entanto, são controversos, não havendo consenso sobre quantos e quais são os exercícios mais indicados para promover a recuperação funcional do ombro, após a cirurgia. A ênfase é dada aos alongamentos de região cervical e à movimentação ativa do membro superior (flexão, extensão, abdução e rotação do ombro), porém, apenas três trabalhos descreviam, além do tipo, o número de exercícios propostos para o programa de reabilitação, sendo que esse variava de 13 a 19(3,6,14).

Além disso, o período de seguimento pós-operatório é variado, sendo encontrados acompanhamentos de duas semanas até dois anos(2-3,5-6,12-16). Cabe destacar que, para o alcance dos objetivos de um programa de reabilitação, há necessidade da adesão do paciente ao tratamento, bem como incentivo e apoio da família e da equipe de saúde.

O conhecimento dos benefícios, o menor nível de dificuldade dos exercícios, o reforço social, a confiança nos líderes do programa e a possibilidade de realização dos mesmos fora de centros especializados, após orientação prévia, são fatores determinantes para facilitar a adesão aos programas de exercícios(17-20). Entretanto, a falta de tempo, os afazeres domésticos e os efeitos colaterais do tratamento antineoplásico são barreiras ao seguimento dos exercícios(17,20).

Cabe destacar que a reabilitação do ombro em mulheres submetidas à cirurgia por câncer de mama, para ser efetiva, deve promover recuperação total ou parcial da ADM. Alguns autores(6,15) descrevem como aceitável déficit na recuperação da ADM entre 10 e 15% do valor considerado normal para cada movimento do ombro (flexão=180º, abdução=180º, extensão=45º)(21) , uma vez que essa diminuição não interfere na funcionalidade do membro superior para a realização das AVDs.

Além das limitações de âmbito funcional, as mulheres portadoras de câncer de mama estão expostas também a impactos na sua qualidade de vida, no que diz respeito aos ajustes psicossociais, decorrentes de diferentes estressores, entre eles a alteração da autoimagem, sensação de autossuficiência, medo em relação à evolução do quadro e ansiedade para retornar à atividade profissional(22). Neste trabalho, entretanto, a ênfase foi dada à funcionalidade do membro superior.

Pelo exposto, pode-se constatar que não há consenso em relação ao período ideal para o início dos exercícios, se de forma precoce, nos primeiros dias de pós-operatório, ou após a retirada do dreno, bem como por quanto tempo devem ser realizados. Outro aspecto que não está suficientemente claro é o que diz respeito ao número e ao tipo de exercícios necessários para promover a recuperação da ADM do ombro homolateral à cirurgia.

Mesmo conhecidos os benefícios da implantação formal de um programa de exercícios e acompanhamento pós-operatório, no Brasil, nem todos os serviços públicos de saúde que atendem mulheres com câncer de mama oferecem esse atendimento, e quando o possuem, as características socioeconômicas da população atendida nessas instituições constituem fator limitante para o seu comparecimento às sessões ambulatoriais.

Frente a essas considerações, o programa de exercícios testado foi realizado de forma extramuros, após orientação profissional, acompanhamento e encorajamento para a realização dos exercícios nos domicílios e complementado com manual explicativo, constituído por um conjunto de nove exercícios, selecionados a partir de revisão de literatura e validados por especialistas na área de reabilitação em mastologia(23).

Assim, o objetivo geral deste estudo foi avaliar a efetividade de um programa de exercícios, instituído precocemente e realizado no domicílio, para a recuperação da ADM do membro homolateral à cirurgia de mulheres submetidas à quadrantectomia ou mastectomia. Os objetivos específicos foram: verificar o tempo necessário para a recuperação dos movimentos de flexão, extensão e abdução dessa articulação, de acordo com o tipo de cirurgia e a adesão das pacientes ao referido programa.

Método

Pesquisa quase-experimental, tipo antes e depois(24), realizada no Ambulatório de Mastologia do Departamento de Ginecologia da Universidade Federal de São Paulo, no período de agosto de 2006 a junho de 2008, após aprovação do projeto pelo Comitê de Ética em Pesquisa dessa Universidade (CEP nº1488/05).

O cálculo do tamanho da amostra foi realizado no programa NCSS 2004 e PASS 2002, para um nível de significância de 5%, um poder de 90% e um tamanho de efeito de 1,15 entre as avaliações. Conforme estudo piloto, com 29 pacientes, obteve-se total mínimo de 60 pacientes.

No período estudado, a população submetida à cirurgia oncológica de mama, no Ambulatório de Mastologia do Hospital São Paulo, foi de 185 mulheres. Desse total, 94 não preenchiam os critérios de inclusão.

Os critérios de inclusão foram: indicação de quadrantectomia ou mastectomia por neoplasia de mama, com ou sem linfonodectomia axilar, conhecimento e concordância em participar da pesquisa, com assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE), avaliação pré-operatória da ADM e condição de compreensão das orientações. Os critérios de exclusão foram: limitação da ADM do ombro homolateral a cirurgia maior que 10% da amplitude normal e realização imediata de reconstrução mamária.

Foram consideradas perdas de seguimento 22 pacientes (24,1%) que não compareceram à penúltima ou última avaliação (75º ou 105ºPO), impedindo a mensuração final da recuperação da ADM, e cinco mulheres que, durante o seguimento, necessitaram de reoperação. Sendo assim, 64 mulheres completaram o acompanhamento mínimo de 75 dias.

Cabe destacar que o agrupamento das pacientes em dois grupos deveu-se ao fato de que, entre as cirurgias não conservadoras, a mastectomia radical modificada foi prevalente (37/43-86%), seguida pela mastectomia simples (4/43-9,3%) e, por último, pela mastectomia radical (2/43-4,7%). Com relação à linfonodectomia, nesse mesmo grupo, 38 mulheres (88,4%) tiveram manipulação axilar. Assim sendo, decidiu-se juntá-las num único grupo de mulheres mastectomizadas, e o outro foi constituído pelas mulheres submetidas à cirurgia conservadora (quadrantectomia).

O programa de exercícios testado foi composto por uma série de nove exercícios, com 10 repetições cada um, realizados extramuros, após orientação durante a internação, com reorientações nos retornos ambulatoriais(23). Os exercícios eram iniciados no 1ºPO, ainda com a presença do dreno de aspiração contínua, após conhecimento do estudo e assinatura do TCLE por parte das pacientes que aceitaram participar da pesquisa. As reavaliações ocorreram no 7º, 14º, 45º, 75º e 105ºPO. Todas as orientações, bem como as avaliações da ADMs e da adesão, foram realizadas pelo mesmo instrutor.

Para definir o período de seguimento, foi feita uma análise do tempo médio descrito na literatura, que mostrou que o período predominante para atingir resultados satisfatórios, em relação à ADM, de forma funcional, é de um a três meses(2-3,5-6,11-14). Por esse motivo, neste estudo, o período de seguimento estendeu-se do pré-operatório até o 75º ou 105ºPO, conforme Figura 1.


A coleta de dados pré-intervenção para avaliação das pacientes ocorreu no pré-operatório, incluindo dados de identificação clínicos e cirúrgicos, além de medidas da flexão, extensão e abdução da articulação do ombro homolateral à cirurgia, por meio da goniometria (goniômetro plástico transparente CARCI - Brasil). Para a avaliação desses movimentos, foi padronizado o posicionamento da paciente sentada, com apoio das costas, mantendo bom alinhamento postural, e a região do ombro descoberta. A extensão foi medida com o cúbito flexionado, e em todos os movimentos foram evitadas compensações com o tronco, elevação da escápula ou movimentos combinados(21).

Nesse momento, também eram explicados e demonstrados os exercícios pelo instrutor, repetidos pelas pacientes e entregue o manual de orientações elaborado para consulta no domicílio.

Com relação à ADM inicial dos exercícios, a mesma era livre, de acordo com a sensação de desconforto da paciente, apoiados em estudo anterior(15) que constatou não haver diferença estatisticamente significante na incidência de complicações em programas com ADM livre, desde o início ou ADM limitada a 90º, até a retirada do dreno. Os exercícios propostos foram validados em estudo prévio(23), e constavam de duas fases: FASE 1 (do 1ºPO até a retirada do dreno - exercícios realizados até o limite individual da paciente) - dois alongamentos para a região cervical, dois exercícios para movimentação da cintura escapular, um para flexão do ombro e um para extensão além da linha média; FASE 2 (acrescentados aos realizados na FASE 1, após a retirada do dreno, até o 105ºPO) - um para flexão e dois para abdução do ombro

No 1ºPO, na enfermaria, as mulheres realizavam os seis exercícios iniciais constantes do manual, sob supervisão da pesquisadora, e eram estimuladas a realizá-los diariamente, no domicílio, após a alta hospitalar, até o primeiro retorno ambulatorial (7º a 10ºPO). Após a retirada do dreno, eram orientadas quanto à realização dos três exercícios adicionais. Nesse retorno, e nos subsequentes, ocorridos no 14º, 45º, 75º e 105ºPO, em data e local coincidentes com os retornos médicos de rotina, eram efetuadas medidas da ADM do ombro, solicitada a demonstração dos exercícios pelas pacientes, correção dos movimentos quando necessário, e encorajamento para a continuidade da realização dos mesmos em casa.

Essa estruturação do programa teve como finalidade maximizar a adesão por parte das pacientes, a qual foi mensurada em cada avaliação, de acordo com o autorrelato das mesmas sobre a realização dos exercícios nos domicílios, no período imediatamente anterior à avaliação. Foi considerada adesão satisfatória a realização de exercícios durante cinco a sete dias na semana, pelo menos uma vez ao dia, e adesão não satisfatória frequência igual ou inferior a quatro vezes por semana.

Todas as análises foram realizadas utilizando o SPSS for Windows (versão 11.5). No que se refere à análise dos dados, as variáveis descritivas foram resumidas como número e porcentagem ou como média e desvio padrão. Para a ADM, foram construídos os perfis médios de cada um dos movimentos, de acordo com o tipo de cirurgia e o tempo de recuperação, e análise inferencial de variância (Anova) com medidas repetidas (SAS, v.9.2). A comparação entre os dois grupos foi realizada pelo teste t de Student ou pelo teste de Mann-Whitney. Em toda a análise estatística foi adotado nível de significância de 5% (p<0,05).

Resultados

De agosto de 2006 a junho de 2008, 64 mulheres completaram o seguimento mínimo de 75 dias. As características demográficas e clínicas estão sintetizadas na Tabela 1, separadas de acordo com o tipo de cirurgia.

No que se refere à efetividade do programa, apresentam-se, na Tabela 2, os dados relativos às variações da ADM de flexão, abdução e extensão, além da linha média do ombro homolateral à cirurgia, separados de acordo com o tipo de cirurgia realizada e tempo de acompanhamento.

De acordo com os dados da Tabela 2, pode-se constatar que os três movimentos avaliados no 1ºPO apresentaram decréscimo nos valores médios, quando comparados à medida de base (pré-operatória), seguido por acréscimo contínuo do 7º até o 105ºPO, tanto nas mulheres submetidas à mastectomia quanto à quadrantectomia.

A comparação entre as médias obtidas em cada avaliação demonstrou comportamento diferente nos movimentos de flexão e abdução, em ambos os tipos de cirurgia, ao longo do tempo, ou seja, até o 14ºPO para a flexão (p=0,001) e até o 45ºPO para a abdução (p=0,006). Nas mulheres mastectomizadas, as médias finais desses movimentos foram menores do que aquelas observadas antes da cirurgia em todas as avaliações (flexão: p=0,526; abdução: p=0,044). No movimento de flexão, houve diferença estatisticamente significante entre a medida de base e as medidas subsequentes, até o 75ºPO (p<0,001), enquanto que na abdução essa diferença permaneceu até a última avaliação (p=0,044).

Nas mulheres submetidas à quadrantectomia, a média desses movimentos não apresentou diferença estatisticamente significante em comparação com a medida de base, ao final do acompanhamento (flexão: p=0,890; abdução: p=0,721). A flexão apresentou diferença estatisticamente significante até o 7ºPO (p<0,001), enquanto que a abdução manteve essa diferença até o 45ºPO (p=0,014).

O comportamento da extensão não apresentou diferença estatisticamente significante de acordo com o tipo da cirurgia, entretanto, nas mulheres mastectomizadas, esse movimento mostrou-se recuperado na avaliação no 45ºPO (p=0,164), e naquelas submetidas à quadrantectomia, a partir do 7ºPO (p=0,273).

Em relação à adesão ao programa relatada pelas pacientes, as duas modalidades cirúrgicas apresentaram comportamento semelhante, sem diferença estatisticamente significante entre o percentual de mulheres que relataram adesão satisfatória (realização de exercícios igual ou maior que cinco vezes na semana) e não satisfatória (realização de exercícios em frequência inferior a cinco vezes na semana) em cada tipo de cirurgia. Frente a isso, a análise da adesão é apresentada como em um grupo único, apresentado na Figura 2.


A análise da adesão permite verificar que a adesão satisfatória no 7ºPO até o 75ºPO variou de 75,8 a 91,2%. Além disso, pôde-se verificar que a adesão foi decaindo de acordo com a recuperação da ADM.

Cabe destacar que, na comparação entre o grupo que concluiu o programa e as perdas de seguimento, não houve diferença significante em relação à média de idade (p=0,480), tipo de cirurgia (p=0,556), ou ADM pré-operatória (flexão: p=0,071, extensão: p=0,419, abdução: p=0,164).

Discussão

A efetividade do programa de exercícios foi analisada com base na recuperação funcional da ADM do ombro homolateral à cirurgia, nos movimentos de flexão, extensão além da linha média e abdução.

Nas mulheres submetidas à quadrantectomia, a recuperação do movimento de flexão do ombro foi verificada no 14ºPO (164,7±6,4), e o de abdução no 75ºPO (167,8±3,2), quando os valores médios desses movimentos não apresentaram diferença estatisticamente significante com a medida de base (flexão: p=0,059; abdução: p=0,143). Esse resultado corresponde ao conceito de recuperação funcional(6,15), que aceita déficit de até 10% da ADM inicial como movimento reabilitado. O tempo de recuperação encontrado foi menor do que o relatado em outros estudos(2,6,12-15). O rápido restabelecimento desses movimentos pode ser atribuído ao fato de ser modalidade cirúrgica com ressecção da cunha mamária contendo o tumor e margens de segurança laterais, maior conservação da pele e sem manipulação da musculatura adjacente(7), resultando em menor prejuízo da função do membro superior.

Já nas mulheres submetidas à mastectomia, esses movimentos demandaram maior tempo para sua recuperação. Do ponto de vista funcional, na última avaliação, tanto a flexão quanto a abdução apresentavam déficit menor que 10% do valor inicial (flexão=167,2±2,6, abdução=164,3±3,1). Entretanto, a abdução final ainda apresentava diferença estatisticamente significante em comparação com a medida pré-operatória (p=0,044), enquanto que a flexão não apresentava diferença significante (p=0,079). Esses dados são condizentes com trabalhos sobre tempo de recuperação do movimento em mulheres com câncer de mama(11-12). O maior tempo para restabelecimento da ADM funcional nas mulheres submetidas à mastectomia pode ser explicada pela extensão da cirurgia, realização de linfonodectomia axilar e ressecção de um ou dois músculos peitorais em parte dos casos, o que culmina em prejuízo da função do membro superior no pós-operatório, devido à dor decorrente da movimentação desse membro. Além disso, a manipulação dos músculos peitorais e serrátil anterior ocasiona perda generalizada de suas funções, com prejuízos aos movimentos de flexão e abdução do braço(7).

O movimento de extensão, entretanto, não apresentou prejuízos após a realização da cirurgia, sendo considerado recuperado funcionalmente após o 7ºPO nas mulheres submetidas à quadrantectomia (p=0,272) e após o 45ºPO nas mastectomizadas (p=0,164). Esse dado confirma os achados de pesquisadores(14), com relação ao tempo para recuperação, e mostra período inferior ao citado em outros estudos, que mencionavam de um a três meses(2,12). O rápido restabelecimento desse movimento se deve ao fato de o mesmo ocorrer no plano sagital, após o retorno do movimento da flexão, e corresponder a apenas de 50 a 70º graus da amplitude desse plano além da linha média.

Outro aspecto analisado no estudo foi a adesão ao programa de exercícios, que é pouco citada nos trabalhos de reabilitação, após a cirurgia oncológica de mama(12,15,17,20). Quando mencionada, a forma de avaliação está associada ao comparecimento às sessões, e não incluem o autorrelato da realização dos exercícios em casa. Mesmo assim, nesses trabalhos há referência de que a adesão é maior nos períodos iniciais de pós-operatório, diminuindo com o passar dos dias - resultados semelhantes aos encontrados no presente estudo.

A análise da adesão ocorreu a partir do autorrelato das pacientes, de acordo com a frequência semanal de realização dos exercícios nos domicílios. Por não haver diferença na adesão de acordo com o tipo de cirurgia, essa análise foi realizada conjuntamente. Nas duas primeiras semanas, a grande maioria das pacientes referiu adesão satisfatória ao programa. No entanto, a partir do 45ºPO, houve diminuição gradativa da porcentagem de pacientes que referiam realizar os exercícios em pelo menos cinco dias na semana, chegando a 54,5% na última avaliação, quando o valor médio da ADM do ombro já era considerado recuperado funcionalmente. Esse fato pode ser explicado devido à sensação de melhora gradativa diminuir a percepção de necessidade da realização de exercícios. Além disso, a característica do programa também é determinante de sua prática, visto que atividades moderadas estão associadas a menores níveis de desistências quando comparadas a atividades intensas(17).

Como implicação prática, pode-se destacar que a implantação de um programa extramuros, estruturado de modo a oferecer à mulher as condições necessárias para a realização dos exercícios no domicílio é viável e efetivo para a recuperação funcional do membro superior. Destaca-se o baixo custo para implantação do programa, com benefícios para mulheres que, devido a características socioeconômicas, não poderiam frequentar um programa presencial. Cabe ressaltar a importância do seguimento por, no mínimo, 75 dias para as mulheres submetidas à quadrantectomia e 105 dias para as mulheres submetidas à mastectomia, para promover a recuperação funcional da ADM, o que implica na participação e apoio da família e da equipe multiprofissional envolvida, no intuito de estimular a adesão dessas mulheres ao programa implantado.

A limitação principal deste estudo foi a ausência de um grupo controle, a fim de comparar a efetividade do programa extramuros com a modalidade ambulatorial. No entanto, os resultados alcançados, em termos de recuperação dos movimentos, foram semelhantes aos realizados em ambiente ambulatorial, descritos na literatura(2,5-6,12-15,18).

Conclusão

Os resultados deste estudo mostraram que o número e o tipo de exercícios que constituíram o programa extramuros foram efetivos para a recuperação dos movimentos de flexão, abdução e extensão do ombro homolateral à cirurgia, na população estudada. O tempo de recuperação desses movimentos ocorreu em diferentes momentos do programa, desde o 7º até o 105ºPO, sendo que o seguimento mínimo após a quadrantectomia é de 75 dias, e, para a mastectomia, de 105 dias. Confirma-se, assim, o benefício do início precoce da reabilitação funcional, com seguimento contínuo até, pelo menos, três meses após a cirurgia.

Considera-se, ainda, que esse programa poderá beneficiar populações com características semelhantes à estudada, que frequentam serviços públicos de saúde.

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    Eliana Louzada PetitoI; Afonso Celso Pinto NazárioII; Simone Elias MartinelliIII; Gil FacinaIV; Maria Gaby Rivero De GutiérrezV
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      02 Abr 2012
    • Data do Fascículo
      Fev 2012

    Histórico

    • Recebido
      13 Maio 2011
    • Aceito
      09 Jan 2012
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