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Coping em idosos com doença de Alzheimer

Resumos

A intensidade da experiência do estresse e a elaboração do coping dependem, fundamentalmente, da avaliação cognitiva feita pelo indivíduo. Considerando o déficit cognitivo de idosos com doença de Alzheimer (DA), este estudo teve por objetivo identificar o estilo de coping utilizado por eles. Para isso, foi aplicado o Inventário de Coping de Jalowiec em 60 idosos, sendo 30 do grupo controle e 30 com DA. Os resultados evidenciaram o predomínio do coping focado na emoção no grupo DA e focado no problema no grupo controle, porém, não houve diferença significativa (p=0,124). Além disso, observou-se que, quanto melhor o desempenho cognitivo dos idosos com DA, maior a tendência em utilizar estratégias de coping focadas no problema (p=0,0074). Assim, parece haver tendência à seleção de estratégias evasivas e de controle emocional nos idosos dementes com pior desempenho cognitivo, em detrimento da tentativa de solucionar o problema ou minimizar suas conseqüências.

enfermagem; idoso; adaptação psicológica; estresse; cognição; doença de Alzheimer


The intensity of stress experiences and elaboration of coping essentially depend on individuals' cognitive assessment. Considering the cognitive impairment of elderly persons with Alzheimer's disease (DA), this study aimed to identify their coping style. The Jalowiec Coping Inventory was applied to 60 elderly, 30 in the control group and 30 in the DA group. The results demonstrated a predominance of emotion-focused coping in the DA group and problem-focused coping in the control group, but the difference was not statistically significant (p=0.124). In addition, it was observed that individuals with better cognitive development in the DA group selected problem-focused coping strategies (p=0.0074). Thus, it seems there is a tendency to select evasive and emotional control strategies in demented elderly with worsened cognitive performance, rather than attempting to solve the problem or minimize its consequences.

nursing; aged; adaptation psychological; stress; cognition; Alzheimer disease


La elaboración de estrategias de ataque a las situaciones estresantes depende de la evaluación cognitiva hecha por el individuo. Considerando el déficit cognitivo de los ancianos con la enfermedad de Alzheimer (DA), este estudio tuvo por objetivo verificar el estilo de coping predominantemente utilizado por ellos. Para esto, fue aplicado el inventario de Coping de Jalowiec en 60 ancianos, de los cuales 30 individuos eran cognitivamente saludables (grupo control) y 30 individuos con DA. Se observó un predominio del coping enfocado en la emoción en el grupo DA y enfocado en el problema en el grupo control, aunque no hubo una diferencia significativa. Así, parece haber una tendencia, en los ancianos con demencia, a elegir estrategias evasivas y de control emocional, en detrimento de la tentativa de solucionar el problema o minimizar sus consecuencias.

enfermería; anciano; adaptación psicológica; estrés; cognición; enfermedad de Alzheimer


ARTIGO ORIGINAL

Coping em idosos com doença de Alzheimer

Juliana Nery de SouzaI; Eliane Corrêa ChavesII; Paulo CaramelliIII

IEnfermeira, Mestranda, e-mail: juli3@bol.com.br

IIEnfermeira, Professor Doutor, e-mail: eccsp@yahoo.com. Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo

IIIMédico Neurologista. Professor Assistente da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, e-mail: caramelp@usp.br

RESUMO

A intensidade da experiência do estresse e a elaboração do coping dependem, fundamentalmente, da avaliação cognitiva feita pelo indivíduo. Considerando o déficit cognitivo de idosos com doença de Alzheimer (DA), este estudo teve por objetivo identificar o estilo de coping utilizado por eles. Para isso, foi aplicado o Inventário de Coping de Jalowiec em 60 idosos, sendo 30 do grupo controle e 30 com DA. Os resultados evidenciaram o predomínio do coping focado na emoção no grupo DA e focado no problema no grupo controle, porém, não houve diferença significativa (p=0,124). Além disso, observou-se que, quanto melhor o desempenho cognitivo dos idosos com DA, maior a tendência em utilizar estratégias de coping focadas no problema (p=0,0074). Assim, parece haver tendência à seleção de estratégias evasivas e de controle emocional nos idosos dementes com pior desempenho cognitivo, em detrimento da tentativa de solucionar o problema ou minimizar suas conseqüências.

Descritores: enfermagem; idoso; adaptação psicológica; estresse; cognição; doença de Alzheimer

INTRODUÇÃO

As inúmeras mudanças do cotidiano, decorrentes das alterações cognitivas, sejam as de origem física, psíquica ou social, vivenciadas pelo idoso com doença de Alzheimer (DA), podem representar ameaça à sua manutenção biopsicossocial, constituindo, assim, fator estressante na medida em que solicitam estratégias de ajustamento(1) e produzem forte impacto emocional(2).

O estresse psicológico consiste em "uma particular relação entre a pessoa e o ambiente, que é avaliada por ela como excedendo seus recursos de enfrentamento e ameaçando seu bem-estar" (2). Dessa definição surge o conceito de "avaliação cognitiva"(2) como um mediador não biológico capaz de intervir na resposta ao estresse. Essa avaliação é composta por duas etapas (primária e secundária) interdependentes e consiste em um processo que define porquê e em que medida certo relacionamento entre o indivíduo e o ambiente que o circunda é estressante(2).. Nesse relacionamento, não é a qualidade do evento, mas a maneira como é percebido que o classificará como estressor. Após as etapas avaliativas, inicia-se uma fase de julgamento, no qual a pessoa analisa se as demandas ambientais ou internas (medo, ansiedade) são maiores do que os esforços pessoais para modular a experiência de estresse. Esse conflito entre as demandas e os esforços emitidos para agir sobre ela é denominado coping(2).

Segundo o Modelo Interacionista Cognitivo(2), o coping consiste em "uma constante mudança cognitiva e esforços comportamentais para manusear específicas demandas externas e/ou internas que são avaliadas como algo que excede os recursos da pessoa" e pode ser classificado em duas divisões distintas: centrado no problema e centrado na emoção(2). O coping centrado no problema diz respeito a todas as tentativas do indivíduo em administrar ou modificar o problema. Já, o coping centrado na emoção descreve a tentativa de substituir ou regular o impacto emocional do estresse no indivíduo, derivando principalmente de processos defensivos, fazendo com que a pessoa evite confrontar, de forma realista, a ameaça(2).

Considerando o comprometimento cognitivo e funcional progressivo da DA, decorrente do processo fisiopatológico neurodegenerativo, a elaboração de estratégias de coping e a percepção dos eventos conflituosos podem ocorrer de forma diferente, uma vez que a função cognitiva e, portanto, o planejamento, o pensamento abstrato e o julgamento encontram-se progressivamente comprometidos.

Assim, de acordo com o pressuposto teórico apresentado(2), os indivíduos com DA possivelmente se encontrariam em dificuldades ou impossibilitados, a depender da fase evolutiva da doença, de avaliar o potencial de ameaça de um determinado evento estressor, bem como julgar se os recursos pessoais de enfrentamento às demandas ambientais ou internas são suficientes para modular a experiência do estresse, uma vez que, para isso, é necessário acessar regiões do sistema límbico e áreas corticais relacionadas com a cognição, emoção e comportamento, cujas funções estão prejudicadas nos idosos com DA.

Dessa forma, não se sabe se a avaliação com relação à própria capacidade de desempenho está acessível de forma a identificar os recursos internos e externos disponíveis, permitindo a elaboração de estratégias de enfrentamento eficientes para lidar com a situação conflitante, ou se o coping passa a ser predominantemente defensivo, no qual o indivíduo evita confrontar-se conscientemente com a realidade ameaçadora.

Considerando a influência que o comprometimento cognitivo pode ocasionar sobre a avaliação, reação e manejo frente a situações adversas, em indivíduos com demência, levanta-se a hipótese de que o coping nos indivíduos com DA de intensidade leve é predominantemente centrado na emoção, cujas estratégias de enfrentamento derivam, principalmente, de processos defensivos, diminuindo o potencial de ação sobre o problema.

A carência significativa de estudos com enfoque nos recursos disponíveis por idosos em processo degenerativo para o enfrentamento ou manejo das situações estressantes, bem como de sua reação a elas, constitui-se fator relevante para a exploração do tema.

Assim, este estudo tem o objetivo de identificar o estilo de coping predominantemente utilizado por indivíduos com DA comparado com idosos cognitivamente saudáveis, buscando, de forma indireta, explorar a capacidade de indivíduos com DA em acessar o arsenal de possibilidades de enfrentamento construídas ao longo de sua existência.

CASUÍSTICA E MÉTODO

O estudo foi desenvolvido no ambulatório de Neurologia Cognitiva e do Comportamento do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP), sendo os dados coletados após análise e aprovação dos Comitês de Ética em Pesquisa do referido ambulatório e da Escola de Enfermagem da USP.

Foram incluídos no estudo 60 indivíduos, subdivididos em dois diferentes grupos: Grupo controle - composto por trinta (30) idosos com autonomia cognitivo-funcional, escolhidos aleatoriamente, a partir de um grupo de idosos cadastrados na Secretaria de Cultura e Extensão Universitária da Escola de Enfermagem da USP (SCEU -EEUSP) em função de terem, em algum momento, participado de pelo menos uma atividade cultural dessa instituição; Grupo DA: composto por trinta (30) idosos com diagnóstico médico de DA de intensidade leve, escolhidos aleatoriamente a partir de uma população de idosos com DA, acompanhadas clinicamente pelo Grupo de Neurologia Cognitiva e do Comportamento do HC-FMUSP (GNCC-HC-FMUSP), sendo incluídos no estudo apenas aqueles cuja intensidade da doença fosse classificada como leve, constituindo uma amostra de conveniência.

Cabe ressaltar que o diagnóstico de DA, bem como a determinação da intensidade dos sintomas foram realizados pela equipe médica do GNCC-HCFMUSP, baseados, respectivamente, nos critérios estabelecidos pelo National Institute of Neurological and Communicative Disorders and Stroke - Alzheimer's Disease and Related Disorders Association (NINCDS-ADRDA)(3) e pelo DSM-III- R(4).

Foram excluídos do estudo idosos com diagnóstico de qualquer outra doença neurológica ou neurodegenerativa, história de abuso de álcool, ou de drogas, no último ano ou, previamente por longo período, indivíduos analfabetos, idosos do grupo controle em uso de medicações psicoativas, com diagnóstico médico de transtorno depressivo ou de ansiedade ou, ainda, que apresentassem evidências de alterações cognitivas incompatíveis com a normalidade para a idade.

Inicialmente, após levantamento dos prontuários dos pacientes com DA leve do referido ambulatório e dos idosos cadastrados na Secretaria SCEU-EEUSP, foi aplicado durante uma entrevista individual, em ambos os grupos, questionário de caracterização pessoal, um instrumento de avaliação cognitiva (MEEM)(5-6) e coping (Inventário de Coping de Jalowiec)(7). Aos idosos do grupo controle, foi também aplicada uma escala de avaliação funcional (IQCODE)(8), para exclusão de alteração cognitiva e/ou presença de demência, uma vez que, a associação de um instrumento de avaliação cognitiva e funcional, essa última aplicada a um cuidador ou responsável, apresenta boa sensibilidade e especificidade para detecção de um quadro demencial(9).

O MEEM(5-6) é um instrumento composto por diversas questões tipicamente agrupadas em sete categorias, com o objetivo de avaliar globalmente a função cognitiva. O escore do MEEM pode variar de um mínimo de 0 até um total máximo de 30 pontos. As pontuações de corte para indivíduos sem queixas cognitivas são: >28 para sujeitos com escolaridade maior do que sete anos, >24 para aqueles que estudaram de 4 a 7 anos, >23 para os que tiverem entre um e três anos de estudo(10). Esse instrumento teve, nesse estudo, a finalidade de avaliar o desempenho cognitivo dos idosos normais, além de confirmar e fundamentar a inclusão apenas de pacientes com DA leve.

O Inventário de Coping(7), tem por objetivo identificar as características individuais de estratégias para enfrentamento de estressores. É composto por 60 afirmações, divididas em oito estilos de coping, baseados em elaboração cognitiva e de comportamentos, sendo eles: confrontivo, evasivo, otimista, fatalista, emotivo, paliativo, sustentativo e autoconfiante.

O Informant Questionnaire on Cognitive Decline in the Elderly (IQCODE)(8) é um instrumento que avalia o declínio cognitivo a partir de uma entrevista com um cuidador ou outra pessoa próxima do paciente. É composto por 26 questões, nas quais o informante analisa o desempenho atual do paciente em diferentes situações de atividades diárias comparado com desempenho observado há 10 anos.

As respostas dos itens de todos os instrumentos de avaliação foram obtidas a partir de uma entrevista individual, realizada sempre pelo mesmo pesquisador, com perguntas dirigidas a cada um dos indivíduos do grupo controle e do grupo DA.

Ressaltando a importância dos aspectos éticos envolvidos em qualquer pesquisa, para todos os indivíduos e/ou respectivos responsáveis legais apresentou-se o termo de consentimento, no qual os participantes puderam optar pela sua inclusão ou não no estudo, estando cientes de que a recusa não lhes traria qualquer ônus.

RESULTADOS

O grupo DA foi constituído por 30 idosos, predominantemente do sexo feminino (70%), idade média de 78,9 anos, com predomínio da faixa etária dos 83 aos 90 anos, escolaridade média 5,5 anos, distribuídos predominantemente entre 1 e 6 anos de estudo. O grupo controle foi formado por 30 idosos, sendo que 25 eram do sexo feminino (83,3%), com média de idade de 72,6 anos, com predomínio da faixa etária dos 69 aos 75 anos, escolaridade média de 6,5 anos, distribuídos predominantemente entre 1 e 6 anos de estudo (Tabelas 1 e 2).

Embora se tenha observado distribuição dos idosos de ambos os grupos em diferentes faixas de idade e escolaridade, optou-se por analisar os dados utilizando as médias dessas variáveis, já que algumas faixas possuíam número reduzido de indivíduos, dificultando ou impossibilitando as comparações e correlações estatísticas dos dados.

Dessa forma, comparando as médias das variáveis sexo, idade e escolaridade, não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas entre os grupos, exceção feita apenas à idade (p<0,001), permitindo considerar que os mesmos foram praticamente homogêneos em relação às características sociodemográficas, o que representou maior confiabilidade nas comparações e correlações feitas entre eles.

Com relação ao desempenho cognitivo, observou-se escore médio de 20,6 no grupo DA, com pontuação mínima de 14 e máxima de 28. No grupo controle, a média obtida foi de 27,4 pontos, com escore mínimo de 23 e máximo de 30. A diferença encontrada entre os dois grupos atingiu significância estatística (p<0,001) o que era esperado, uma vez que a distribuição dos idosos em duas categorias se deu exatamente pela sua diferença na habilidade cognitiva.

No tocante ao estilo de coping, obteve-se, no grupo DA, predomínio do estilo otimista nos 21 idosos que foram capazes de responder às questões do instrumento, o que significa que esses indivíduos utilizam pensamentos otimistas, elaboração mental e comparações positivas sobre o problema. No grupo controle, observou-se a ocorrência do estilo confrontivo, evidenciando que os idosos sem alterações cognitivas patológicas resolvem a situação de forma combativa, confrontando-se com a situação estressora. No entanto, essa diferença não foi estatisticamente significante, (Tabela 3).

Considerando que grande parte dos estilos de coping ocorreu de forma pouco freqüente nos dois grupos, optou-se por reagrupar os oito diferentes tipos de enfrentamento, classificando-os a partir da caracterização do foco de ação do coping (emoção e problema). Nessa nova divisão, tornou-se possível tratamento estatístico apropriado para a análise comparativa com as demais variáveis.

Assim, após esse reagrupamento obteve-se predomínio do coping focado na emoção pelo grupo DA (61,9%) e focado no problema pelo grupo controle (40%), porém, não se atingiu significância estatística (p=0,124).

Ao se comparar os estilos de coping utilizados pelos indivíduos com suas respectivas escolaridades, pôde-se observar que, em ambos os grupos, os idosos com escolaridades médias maiores utilizam o problema como foco estratégico na tentativa de administrar ou modificar a situação estressora, embora essa diferença não tenha sido significativa para nenhum dos grupos (Tabela 4).

Considerando o envolvimento da cognição na elaboração das estratégias de enfrentamento e a definição do estilo de coping, optou-se por analisar o comportamento dessa variável nos indivíduos com DA, cujo desempenho cognitivo encontra-se patologicamente comprometido, comparado ao grupo controle.

Assim, observou-se diferença significativa entre o desempenho cognitivo e o estilo de coping somente no grupo DA

A Tabela 5 evidencia que, dentro do grupo de idosos demenciados, aqueles com melhor desempenho cognitivo tendem a eleger a própria situação estressora como foco de ação para as estratégias de enfrentamento.

DISCUSSÃO

A "avaliação cognitiva" está associada às experiências vividas, vicárias e ao aprendizado. Além disso, a efetividade e qualidade do coping também estabelecem relações, teoricamente, diretas com a capacidade de aprendizado e de elaboração mental dos indivíduos. Assim, a eleição pelo estilo de coping focado no problema ou na emoção irá depender não apenas da interpretação do indivíduo sobre a ameaça, como também sobre os seus recursos disponíveis para elaborar estratégias coerentes com sua capacidade individual de reagir e enfrentar determinada situação adversa.

Dessa forma, considerando esses pressupostos teóricos, hipoteticamente, os idosos com DA tendem a elaborar estratégias predominantemente defensivas e de resignação, uma vez que o comprometimento cognitivo decorrente da doença pode prejudicar a elaboração de enfrentamento confrontivo com a situação estressora.

Neste estudo, na análise das estratégias de enfrentamento elencadas pelos indivíduos no manejo das situações percebidas como conflituosas, observou-se o predomínio do coping focado na emoção nos indivíduos com DA, e do coping focado no problema no grupo controle, embora essa diferença não tenha alcançado significância estatística.

Além disso, encontrou-se, nos dois grupos, predomínio de mais de um estilo de estratégia de coping, resultado que corrobora estudo realizado com um grupo de idosos sem alterações cognitivas, cujos dados revelaram uma rede de relações entre os diferentes estilos com predomínio de alguns, mas não a utilização de um único(11).

No presente estudo, verificou-se predomínio do estilo de coping otimista (foco na emoção) no grupo DA e confrontivo (foco no problema) no grupo controle.

Essa diferença na seleção de estratégias de enfrentamento, embora não tenha sido estatisticamente significante, nos leva à reflexão sobre o esforço comportamental que esse grupo faz para manejar demandas específicas que são analisadas como algo que ameace sua integridade pessoal. Assim, ao eleger prioritariamente o coping focado na emoção, o grupo DA explicita sua dificuldade em recrutar recursos que permitam a mudança da situação, na tentativa de remover o problema ou diminuir sua capacidade de impacto como fonte estressora.

Diante da limitação neuropsicológica em elaborar estratégias combativas, esses idosos elegem, como estratégia de coping, processos defensivos e de distanciamento do problema, focando sua ação na regulagem ou substituição do impacto emocional do estresse. Já, no grupo controle, ocorreu o contrário. Diante da possibilidade de eleger estratégias adaptativas que se confrontam com a situação estressora, esses idosos utilizam predominantemente o coping focado no problema.

Um determinado estilo de coping adotado não é inerentemente bom ou ruim. Ao contrário, a avaliação da eficácia do estilo de coping, adotado por um indivíduo, precisa ser analisada considerando o contexto em que o evento estressor ocorre, uma vez que um determinado estilo de enfrentamento pode ser eficaz em uma situação, mas não em outra. Num preparatório para uma prova, por exemplo, é adaptativo focalizar a ação de enfrentamento no problema. No entanto, ao aguardar o resultado é interessante direcionar as ações de coping ao controle do impacto emocional decorrente da espera. Da mesma forma, ao lidar com situações inexoráveis, como, por exemplo, a morte do companheiro, pode ser mais adaptativo inicialmente se engajar num coping paliativo no manejo da situação focada na emoção e então, depois, após a restauração do equilíbrio emocional, eleger um coping mais instrumental na elaboração dos planos futuros(12-13).

Além disso, na avaliação da eficácia do coping, constitui-se necessário verificar a possibilidade não apenas da resolução do problema, mas também de controlá-lo(13-14). Essa abordagem refere-se principalmente a situações insolúveis e permanentemente estressoras, como no caso das doenças crônicas, nas quais a ausência de perspectivas de cura requer muito mais estratégias de controle das emoções e da situação do que ações confrontivas(13-15).

Ademais, há dados na literatura que apontam o controle emocional, alcançado a partir do coping focado na emoção, como estratégia favorável e eficaz no enfrentamento das situações estressoras, nas quais há pouca capacidade de controle(13).

Dessa forma, baseado nos pressupostos teóricos apresentados, pode ser que o predomínio do coping focado na emoção, no grupo de idosos com DA, tenha sido, considerando o contexto crônico de sua situação, uma estratégia adaptativa e defensiva desses indivíduos, elaborada com a finalidade de minimizar o impacto emocional decorrente da percepção de suas limitações e perdas, uma vez que, diante dela, confrontar-se com a situação poderia resultar em emoções mais ameaçadoras do que o próprio evento originário do estresse.

Alguns autores, no entanto, sugerem que, embora a estratégia focada na emoção pareça ser adaptativa a curto prazo, se o indivíduo prolongar seu uso por muito tempo, poderá tender à passividade e repetidamente focalizar sua ação em emoções negativas e nas possíveis conseqüências dessas sensações (13).

Com relação à escolaridade, observou-se, nos dois grupos, que os indivíduos com maior escolaridade tenderam a eleger o problema como foco estratégico de enfrentamento das situações adversas, embora essa diferença não seja estatisticamente significante.

Assim, é possível que a escolaridade tenha exercido influência positiva no manejo do problema, já que os indivíduos tenderam a eleger estratégias combativas, cuja elaboração requer utilização do conhecimento adquirido e das experiências vivenciadas.

No que diz respeito ao desempenho cognitivo, observou-se que, no grupo DA, os idosos com melhor desempenho no MEEM elegem prioritariamente estratégias de coping focadas no problema, em detrimento da emoção. Essa diferença foi estatisticamente significante. Esse dado parece novamente indicar que, a depender da evolução da doença, esses indivíduos fazem uso do conhecimento adquirido e armazenado na memória semântica na tentativa de combater o problema. Embora o coping predominante nesse grupo tenha sido focado na emoção, esse dado mostra que nos indivíduos com desempenho cognitivo melhor, alguns recursos neuropsicológicos, anátomo-funcionais e neurofisiológicos ainda estão disponíveis para o manejo, de maneira mais combativa, das situações estressoras. No grupo controle, observou-se o mesmo fato, porém, não se alcançou significância estatística.

CONCLUSÃO

Neste estudo, os idosos com DA tenderam a utilizar a emoção como estratégia adaptativa no enfrentamento das situações adversas, buscando agir sobre o impacto emocional que as dificuldades diárias promovem em seu cotidiano, uma vez que seu comprometimento cognitivo prejudicou a elaboração de ações confrontivas e de resolução do problema. No entanto, entre os idosos com DA, aqueles que apresentam comprometimento cognitivo menos intenso tendem a enfrentar a situação estressora selecionando estratégias de coping confrontivas, na tentativa de solucionar o problema ou minimizar suas conseqüências.

Embora os dados encontrados permitam a elaboração das conclusões anteriormente mencionadas, sugere-se, em estudos posteriores, grupos com número maior de indivíduos, o uso de instrumentos mais refinados de avaliação cognitiva e de coping, além da inclusão de indicadores de avaliação de estresse na análise das correlações entre esses fatores, para que se possa avançar na construção do conhecimento dessa complexa rede de interações que se constitui a mente humana.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Recebido em: 2.3.2006

Aprovado em: 30.6.2006

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Mar 2007
  • Data do Fascículo
    Fev 2007

Histórico

  • Recebido
    02 Mar 2006
  • Aceito
    30 Jun 2006
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