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Registros políticos do sofrimento: identidade, trauma e transformação

Political registers of suffering: Identity, trauma, and transformation

Registres politiques de la souffrance: identité, trauma et transformation

Registros políticos del sufrimiento: identidad, trauma y transformación

Neste artigo apresentaremos algumas incidências sociais do sofrimento psíquico, suas valências políticas, formas de resistência e potencialidades transformativas. Distintas expressões e produções sociais de sofrimento no contexto brasileiro contemporâneo ligadas a gênero, sexualidade, raça e violência serão mobilizadas para uma análise a partir dos registros lacanianos de Real, Simbólico e Imaginário. Discutiremos a identitarização do sofrimento como uma estratégia de denúncia que tem na fixação traumática seu limite; a banalização da contingência no silenciamento de violências como efeitos de colonizações entre os eixos imaginário e real; e, por fim, a apresentação da espessura sintomática do sofrimento permitirá a utilização do registo simbólico como matriz de um horizonte de transformação social que se valha do passado para a construção de um futuro de liberdade ligado ao desejo.

Palavras-chave:
Psicanálise; reconhecimento; gênero; racismo


Resumos

In this paper, we will present some social occurrences of psychological suffering, their political implications, means of resistance, and transformative potentials. Different expressions and social productions of suffering in the contemporary Brazilian context related to gender, sexuality, race, and violence are mobilized for an analysis based on Lacanian registers of the Real, the Symbolic, and the Imaginary. We will discuss the identitarization of suffering as a denunciation strategy that has traumatic fixations as its limit; the banalization of contingency in the silencing of violence as effects of the colonization between the imaginary and the real axes; and finally, a presentation of the symptomatic structure of suffering will allow the use of the symbolic register as the matrix for a horizon of social transformation that articulates history and desire.

Keywords:
Psychoanalysis; recognition; gender; racism

Dans cet article, nous présenterons quelques incidences sociales de la souffrance psychique, leurs dimensions politiques, formes de résistance et potentiel de transformation. Différentes expressions et productions sociales de la souffrance dans le contexte brésilien contemporain, liées au genre, à la sexualité, à la race et à la violence, seront mobilisées pour être analysées à partir des registres lacaniens du Réel, du Symbolique et de l’Imaginaire. Nous discuterons la tournant identitaire de la souffrance comme stratégie de dénonciation qui trouve ses limites dans la fixation traumatique; de la banalisation de la contingence dans le silence sur les violences comme effets de la colonisation entre les axes imaginaire et réel; finalement, la presentation de l’épaisseur symptomatique de la souffrance permettra l’utilisation du registre symbolique comme matrice pour un horizon de transformation sociale qui s’appuie sur le passé pour construire un avenir de liberte lié au désir

Mots-clés:
Psychanalyse; reconnaissance; genree; racisme


En este artículo presentaremos algunas manifestaciones sociales del sufrimiento psicológico, sus implicaciones políticas, modos de resistencia y potencialidades transformadoras. Se examinarán diferentes expresiones y producciones sociales del sufrimiento en el contexto contemporâneo de Brasil relacionadas con género, sexualidad, raza y violencia utilizando los registros lacanianos de lo real, lo simbólico y el imaginario. Discutiremos la identitarización del sufrimiento como una estrategia de denuncia que tiene como límite la fijación traumática; la banalización de la contingencia en el silenciamiento de la violencia como efectos de colonización entre los ejes imaginario y real; y, por último, la presentación de la espesura sintomática del sufrimiento permitirá la utilización del registro simbólico como matriz para un horizonte de transformación social que toma el pasado para construir un futuro de libertad articulado al deseo.

Palabras clave:
Psicoanálisis; reconocimiento; género; racismo


Especificidades sociais da noção de sofrimento em psicanálise

Dentre as descobertas da psicanálise encontra-se a sistematização das articulações entre sofrimentos e verdades: os casos clínicos de Freud negritam como a produção de sofrimento está diretamente ligada à forma pela qual o recalcamento aparta o sujeito de sua verdade inconsciente (Freud, 2022Freud, S. (2022). Histórias clínicas: cinco casos paradigmáticos da clínica psicanalítica. (T. L. C. Romão, Trad.). Autêntica). Um tanto heroica, a narrativa que descreve Freud como o desbravador do inconsciente a partir do desvelamento do sexual recalcado na miséria histérica é um ponto de partida de uma práxis que se nega a ler o sofrimento como idêntico a si. Hermeneutas da suspeita (Ricoeur, 1977, p. 33Ricoeur, P. (1977). Da interpretação: ensaio sobre Freud. Imago.), analistas tomam o sintoma na qualidade de texto estrangeiro a ser traduzido, transcrito ou escrito pelo sujeito.1 1 Cf. “Uma falha de tradução”, conferência de Paulo Sérgio de Souza Jr. Disponível em: https://bit.ly/uma_falha_de_traducao

Tal expediente interpretativo não se encerra na escuta supostamente individual e, mais ainda, baseia-se em um franco trânsito teórico e metodológico entre categorias sociais e subjetivas. Em “O mal-estar na civilização”, por exemplo, considerando que a civilização em si é neurótica, Freud julgará possível tomar o social a partir de categorias do psíquico, projeto levado a cabo por Lélia Gonzalez em sua proposição de racismo como sintoma de uma neurose cultural. Em Lacan a radicalidade com que o Outro determina a cartografia de sofrimentos do sujeito e, em última instância, a construção da própria realidade, permite-nos afirmar que não só o sofrimento porta uma verdade, como a constituição subjetiva que o experiencia se dá a partir de diversos tipos de alteridades, seja do pequeno outro, do grande Outro ou do real.

O sofrimento desvela as relações existentes entre desejo, possibilidades e impossíveis em determinada forma de vida, sem ser, contudo, um dado em si, imutável: é modalizado e adquire contornos através das conformações, endereçamentos e narrativas, além de possuir valência transitiva, já que se configura como uma experiência de reconhecimento inter-subjetivo (Dunker, 2015Dunker, C. I. L. (2015). Mal-estar, sofrimento e sintoma: uma psicopatologia do Brasil entre muros. Boitempo.). O sofrimento diz justamente dessa articulação entre sujeito e objeto, das construções fantasísticas e do laço social nelas implicado, do caráter pulsional que contorna a experiência e carrega, em si, as possibilidades de transformação implicando necessariamente o(s) outro(s) e, portanto, sua gramática política de relações.

Voltando a Freud, Daniel Paul Schreber e Margarethe Csonka-Trautenegg,2 2 A maneira pela qual ambos os casos ficaram conhecidos na tradição psicanalítica é representativa. Presidente Schreber, de um lado, e Jovem Homossexual, de outro. Se, entre analistas, traços da história do jurista são conhecidos para além de suas memórias e da análise de Freud, o mesmo não se pode dizer de Csonka-Trautenegg. Dona de uma biografia riquíssima, que atravessou diversas transformações sociais e morais ao longo do século XX, Csonka-Trautenegg foi apresentada para além do “caso”— sob o pseudônimo de Sidonie Csillag — por Rieder & Voigt (2008), como resultado de uma série de entrevistas. por exemplo, respondem singularmente às impossibilidades de desejos sexuais heteronormativamente inaceitáveis. Por diferentes razões — e ainda que os casos sejam radicalmente distintos do ponto de vista diagnóstico —, suas conciliações face a tais impasses não passam pelo tratamento analítico, o que não impediu, contudo, que seus sofrimentos tenham sido pensados à luz da psicanálise. A partir desses casos clínicos, Freud reconhecerá as articulações entre história, linguagem, desejo, excesso e impossibilidade, buscando deduzir dinâmicas próprias, que, no limite, são resultados de alteridades significativas, atravessadas, hoje sabemos, por normatividades sociais.

Nessa esteira Frantz Fanon interpreta o expediente social do racismo a partir de seus efeitos subjetivos, apontando como, através da ficção univer-salizante da branquitude, lógicas segregacionistas produzem sofrimento a partir de uma evidente falta de reconhecimento do humano na diferença de cor (Fanon, 2020Fanon, F. (2020). Pele negra, máscaras brancas. Ubu.).

O sofrimento, assim, não abarca apenas uma dimensão subjetivista da experiência, mas adquire uma espessura política na medida em que não só é partilhável, dado seu caráter transitivista, mas pode tornar-se o motor mesmo de uma transformação social, já que pode impelir a mudanças de posição a partir da possibilidade de escuta, denúncia e agência. Essa perspectiva é solidária a algumas modalidades de crítica social e seus tratamentos: as pautas feministas e antirracistas, as discussões dentro dos movimentos pela luta de direitos como os da saúde pública e da assistência social, se constituem através dos contornos transformativos de sofrimentos que apontam para uma verdade construída no tecido social. As diferentes posições enunciativas, materialmente estabelecidas como desigualdades, são também produtoras de valor que pode ser apropriado pelos sujeitos e grupos rumo à transformação de suas formas de vida.

A quilombagem foi, para Clóvis Moura, o motor da transformação do sistema econômico e social no Brasil na passagem do escravismo pleno para o escravismo tardio, em meados do século XIX. O autor realiza um movimento hermenêutico da sociedade brasileira que tem como ponto de partida não a violência da escravidão, mas suas formas de luta coletiva contra a opressão. A revolta organizada e coletiva como negação da condição de escravizados provocou desgastes de ordem econômica, política e psicológica no regime de produção (Moura, 1987Moura, C. (1987). Da insurgência negra ao escravismo tardio. Estudos Econômicos, 17(n. especial), 37-59.), o que conduziu o país à paradoxal e moderada abolição, na véspera do crepúsculo do segundo reinado.

De maneira análoga, foi a organização de coletivos do movimento gay que estruturou as primeiras tecnologias de cuidado, solidariedade e prevenção da epidemia do HIV/AIDS nos anos 1980. Tais saberes, advindos precisamente daqueles que mais sofrem, viriam a pautar a transformação do paradigma estigmatizante e de culpabilização individual da epidemiologia, transformando o enfoque da chamada História Natural da Doença em uma perspectiva inovadora baseada na Vulnerabilidade e Direitos Humanos, o que fez do Brasil referência mundial no combate à epidemia (Ayres et. al., 2003Ayres, J. R. C. M., França Júnior, I., Calazans, G. J., & Saletti Filho, H. C. (2003). O conceito de vulnerabilidade e as práticas de saúde: novas perspectivas e desafios. Promoção da saúde: conceitos, reflexões, tendências, 2, 121-144.). Nesses dois exemplos, sujeitos escravizados e vulnerabilizados reconheceram a existência de seus sofrimentos e tomaram consciência dessas identidades como ponto de partida para resistências e lutas coletivas rumo a um futuro no qual aqueles deixariam de ser necessários.

A forma como o sofrimento é nomeado e reconhecido no corpo social, entretanto, muitas vezes inviabiliza que o sujeito ocupe outras posições enunciativas, ou seja, impede que tal experiência possa transformar-se e configurar-se diferentemente. Em outras palavras, ao falar a partir de uma hipóstase da verdade do sofrimento, corre-se o risco de uma identificação imaginariamente totalizante do sujeito a essa experiência, desprovida de descontinuidades ou aberturas. Cria-se aí um paradoxo, à medida que o sofrimento passa a ser a garantia da existência de uma determinada forma de vida e sua transformação seria tomada, no limite, como deslegitimação da experiência. Esta lógica intensifica-se ao considerar o espraiamento da racionalidade neoliberal e individualizante nas últimas décadas, em especial em sua incidência no campo da saúde mental: saem de cena metanarrativas que tinham no conflito e no enigma seu cerne e surgem centenas de diagnósticos com os quais o sujeito se identifica, dificultando a transitoriedade estruturalmente dinâmica dos processos psíquicos. A vulgarização diagnostica de categorias oriundas do principal manual diagnóstico da psiquiatria organicista contemporânea, o DSM-5, associadas ao insuspeito e aparentemente benigno mantra “precisamos falar sobre saúde mental”3 3 Essa máxima é cada vez mais presente em discursos públicos e institucionais, de instituto de defesa do consumidor, passando por prefeituras, câmaras municipais, universidades, planos de saúde privados e consultorias de carreira. Ver: https://bit.ly/precisamos_falar_sobre_saude_mental no campo do trabalho, das escolas e das redes sociais produz um autogoverno de si (Safatle, Silva Jr. & Dunker, 2020Safatle, V., Silva Junior, N., & Dunker, C. (2020). Neoliberalismo como gestão do sofrimento psíquico. Autêntica.) que tem na codificação cristalizada de códigos de sofrimento um de seus principais pilares.

A categoria “Disforia de gênero” é, no referido manual, um dos exemplos mais gritantes de tecnologias de produção de experiências na qual identidade e sofrimento tornam-se indistinguíveis. Ao invés da organização coletiva de uma revolta que destrua a transfobia no nível social e a hierarquização biomédica na decisão sobre intervenções no corpo, forçam-se sujeitos a performar, individualmente, a coesão identitária de uma suposta “transexualidade verdadeira”, para que tenham acesso à saúde pública. Uma identidade patologizante passa a ser um pedágio necessário para o acesso a um direito constitucional (Butler, 2004Butler, J. (2004). Undoing gender. Routledge.).

TDAH, depressão, ansiedade, transtorno de personalidade borderline, entre outras, deixam de ser categorias técnicas dos saberes “psi”, popularizam-se, lateralizando cada vez mais a relação hermenêutica do sofrimento com a história em nome de uma peregrinação pelo diagnóstico correto, que conferiria, enfim, uma unidade identitária ao sujeito. “Masculinidade tóxica”, “solidão da mulher negra”, “sofrimento universitário”, são alguns exemplos de categorias que fazem convergir um traço do sujeito a uma forma específica e partilhada de sofrimento, muitas vezes analisados por uma via que totaliza a experiência ao campo dessas particularidades. Nesse cenário, sofrimento (codificado) e verdade (identitária) convergiriam a ponto de tornarem-se indiscerníveis, o que acarretaria desafios para horizontes de tratamento psíquico ou transformação social, dado que alterá-lo poderia significar não o reconhecer ou, até mesmo, deslegitimá-lo. Como transformar um sofrimento se ele passa a estar intimamente ligado a uma identidade que, a princípio, definiria o sujeito inclusive contra uma normatividade social que invisibiliza e combate sua existência?

Considerando que a psicanálise problematiza de maneira dialética a relação entre verdade e sofrimento, atrelando-os também a uma relação não linear com a temporalidade na constituição da experiência, no presente artigo iremos utilizar, metodologicamente, as categorias lacanianas de Real, Simbólico e Imaginário, a fim de articular as dimensões de reconhecimento, transformação e luta política.

Pode-se compreender que a teoria lacaniana trabalha essas três perspectivas sobre o sujeito ao longo de mais de trinta anos de seu ensino, tanto em suas continuidades quanto em suas transformações e que há funcionamentos distintos da relação entre a verdade e o sofrimento dentro desses registros, necessariamente articulados. O sofrimento enoda-se entre essas três dimensões e nosso objetivo aqui será separar operacional e metodologicamente distinções em suas incidências políticas para fins analíticos, não cabendo uma apresentação alongada de suas especificidades. Nossa proposta é demonstrar que real, simbólico e imaginário são categorias para a análise da experiência humana não apenas na dimensão individual, mas coletiva. Este foco objetiva não uma fidelidade ortodoxa à suposta pureza de tais categorias, mas a ampliação metodológica do enodamento de seus usos. Iremos, assim, apresentar duas formas sociais de relação entre simbólico e imaginário e apontar como transformações políticas podem se valer de expedientes simbólicos ainda inexplorados, mas potencialmente presentes em nosso tecido social. Para os propósitos desta apresentação, grosso modo, o Imaginário refere-se à “transformação produzida no sujeito quando ele assume uma imagem” (Lacan, 1949/1998c, p. 97Lacan, J. (1998c). O estádio do espelho como formador da função do eu. In Escritos. (V. Ribeiro, Trad., pp. 96-103). Jorge Zahar. (Trabalho original publicado em 1949).). O paradigma aqui é, propriamente falando, a imagem no espelho que, idêntica a si, se crê unificada e toma o outro na qualidade de um outro eu, um semelhante (Lacan, 1949/1998cLacan, J. (1998c). O estádio do espelho como formador da função do eu. In Escritos. (V. Ribeiro, Trad., pp. 96-103). Jorge Zahar. (Trabalho original publicado em 1949).): a unificação do eu é dada através de uma alienação fundamental a uma alteridade cujo processo se apaga enquanto tal. Veremos como em certas modalidades de sofrimento contemporâneo o eu social se afigura como identificado a um sofrimento coletivo.

No simbólico não é a positividade da imagem, mas a negatividade da linguagem e do desejo que dá as cartas. Não há especularidade que possa dar voz possível ao vazio desejante, que é tomado como uma instância negativa e estruturante (Lacan, 1961-62/2003Lacan, J. (2003). A identificação (I. C. Bagno, Trad.). Recife: Centro de Estudos Freudianos do Recife. (Trabalho originalmente publicado em 1961-62).). Diferentemente do desejo de reconhecimento hegeliano, dialeticamente horizontal e potencialmente imaginário, em Lacan o reconhecimento do desejo no simbólico aponta para algo que a história ainda não pode revelar como possível. A análise das contradições da estrutura simbólica visa explicitar a dimensão transindividual do sujeito e resgatar significantes recalcados da história com vistas à transformação do campo de repetições narcísicas do presente (Ambra, 2023Ambra, P. (2023). Diagnósticas sociais da branquitude. Revistas humanidades e inovação, 10(4), 275-290.)

O Real, por fim, apresenta a arbitrariedade e o impossível como núcleos da experiência. Tem-se aí o resto do traumático que não se reduz nem a imagem e nem ao vazio do devir do desejo: o real marca a contingência da experiência, o acontecimento que, a priori, não possui formas específicas de nomeação por meio de um universal (Lacan, 1972-73/1985Lacan, J. (1985). O seminário. Livro, 20. Mais ainda. (M. Magno, Trad.). Jorge Zahar. (Trabalho original publicado em 1972-73).). Em nossa discussão, focaremos a espessura não simbolizável do traumático em violências sociais como o signo do real. Estes três registros, na teoria lacaniana, apresentam as possibilidades de existência do sujeito falante e sua interpretação do mundo. É a partir dessas instâncias que se configuram formações reativas, articulações sintomáticas e relações parciais entre verdade e sujeito que pautam suas experiências. Porém, é também da articulação entre elas que advém possibilidades de cura e transformação.

Trauma e identidade: a captura do Real pelo Imaginário

Propomos que quando o sofrimento se consolida através de uma articulação da experiência do sujeito construída pela via do Imaginário, realizando uma captura do Real pelo Imaginário, podemos afirmar que a legitimação do sofrimento passa pelo reconhecimento da semelhança como dependente da estabilização da posição do sujeito na condição específica em que este foi produzido. O sofrimento, assim, circunscreve a experiência subjetiva supostamente em sua totalidade, expandindo-se para diversos campos de atuação, tornando-se parte do seu ser. A experiência real, de matriz indeterminada e produtora do sofrimento é cooptada pelo Imaginário e, para ser reafirmada, necessita ser constantemente expandida em suas determinações de unidade, produzindo uma experiência baseada na coesão e coerência identitárias. Daí que, paradoxalmente, encontram-se traços tanto do Real — como aquilo que retorna sempre ao mesmo lugar, constituindo-se como um obstáculo à vida plena (Lacan, 1974Lacan, J. (1974, 21 novembro). Entrevista [a Emilia Granzotto]. Revista Panorama, Milão.) como o que não cessa de não se inscrever (Lacan, 197273/1985Lacan, J. (1985). O seminário. Livro, 20. Mais ainda. (M. Magno, Trad.). Jorge Zahar. (Trabalho original publicado em 1972-73).) — quanto do Imaginário — o júbilo do empoderamento (Lacan, 1949/1998cLacan, J. (1998c). O estádio do espelho como formador da função do eu. In Escritos. (V. Ribeiro, Trad., pp. 96-103). Jorge Zahar. (Trabalho original publicado em 1949).) e a consciência de quem se é e de quem é o outro como mutualmente excludentes. (Lacan, 1948/1998dLacan, J. (1998d). A agressividade em psicanálise. In Escritos (V. Ribeiro, Trad., pp. 104-126). Jorge Zahar. (Trabalho original publicado em 1948).).

Temos aqui dois exemplos desse tipo de cooptação. No primeiro, a expansão liberal do estado democrático de direito que interpreta as condições precárias de vida como formas pontuais e individuais de sofrimento, produzindo, por exemplo, processos de judicialização nas políticas públicas do Sistema Único de Saúde, na luta por direitos, a princípio, garantidos pelo Estado (Paixão, 2019Paixão, A. L. S. (2019). Reflexões sobre a judicialização do direito à saúde e suas implicações no SUS. Rev. Ciência & Saúde Coletiva, 24(6) jun.; Paulon, 2022Paulon, C. P. (2022). Saúde: consumo de todos, produto do Estado? In. P. Chiaretti, J. Santana, & M. Barbai (Orgs.), Discurso e saúde: hegemonia dos sentidos, corpo e sujeito. Pedro e João Editores.). Nesses processos de judicialização contra a não execução das políticas públicas que asseguram o direito do cidadão, um indivíduo processa o Estado pela ausência de medicações específicas na farmácia na rede pública ou pelo não cumprimento de políticas de cuidado e moradia em determinado território. Esses processos têm como estratégia a denúncia da não execução dessas políticas e veem em seu caráter denunciativo a possibilidade de reparação dessa realidade, havendo, portanto, uma repetição particularizante desse posicionamento a partir de táticas individuais: muda-se o “comportamento”, sem, no entanto, apontar para a estrutura. O caráter denunciativo permanece insularizado e repete-se no um-a-um, excluindo a coletividade organizada.

A questão aqui gira em torno de um funcionamento através do qual os pontos de transformação e de reparação discursiva estão, em última instância, nas mãos do Estado (em seu aparato jurídico e executivo) e não no do “denunciante” que permanece no lugar de objeto, sem possibilidades de atuação direta frente às suas necessidades. O objetivo desses processos é o de reparação, a partir da concepção de que o Estado retirou algo do indivíduo (e não do social) e deve repará-lo por essa perda. A busca por uma totalidade garantida, tal como a imagem e semelhança no espelho, é a forma como muitas vezes, dentro de uma perspectiva neoliberal, busca-se por direitos: que eles possam aplacar angústias e não que eles fundem outras possibilidades de articulação e relação no campo social.

Em um segundo exemplo de cooptação do Real pelo Imaginário como indutor de uma verdade sobre o sofrimento, temos a produção de identidades homogeneizadas a partir de experiências de sofrimento específicas, recusando os diferentes efeitos que essas podem ter nas subjetividades. Sair desse campo seria, de algum modo, deslegitimar esse sofrimento, tornando-o falso. A transformação, assim, paralisa-se na denúncia, expandindo a cena traumática, irrepresentável, às condições gerais produtoras da vida. O caso aqui seria a forma como em determinados grupos feministas lida-se com experiências de estupro e outras violências contra a mulher, em especial em coletivos autogeridos de partilhas de experiências de violência, bastante frequentes em relatos clínicos. O reforço à proteção da mulher através de medidas como o acesso massivo à informação a partir de dados sobre violência de gênero nas cidades, a participação em aulas de defesa pessoal e grupos de apoio, construídos de forma justificadamente reativa, mas não articulados a outras formas de reconhecimento e heterogeneidades discursivas, produzem campos performáticos de atuação e expansão do irrepresentável da situação traumática, não podendo ser esquecido para que seja legitimado. A necessidade de manter a denúncia viva, como motor da transformação dessas condições, inviabiliza, paradoxalmente, a realização de seu objetivo final de horizonte transformativo, pautando sua existência através da afirmação do sofrimento como índice de verdade do sujeito: a armadilha aqui seria considerar necessário manter as condições produtoras do sofrimento para que se mantenha a sua legitimidade. Na ausência do reconhecimento social do caráter estrutural da violência contra a mulher, a afirmação individual da experiência faz com que o traumático precise se atualizar repetidamente no presente como um apelo de reconhecimento, que acaba por se mesclar à própria identidade do sujeito. Cristaliza-se assim a experiência de sofrimento, sem que ela possa ser diferenciada e transformada em seu cerne, colocando as contradições do patriarcado não como possíveis, mas como necessárias e as possibilidades de libertação como impossíveis e não contingentes. Tal unificação identitária do sofrimento ligado à violência contra a mulher apresenta alguns entraves psicossociais a partir da análise interseccional de dispositivos do feminismo hegemônico, como por exemplo a Lei Maria da Penha (LMP).

Ana Flauzina (2015)Flauzina, A. L. P. (2015). Lei Maria da Penha: entre os anseios da resistência e as posturas da militância. In A. L. P. Flauzina et al. (Orgs.), Discursos negros: legislação penal, política criminal e racismo. Brado Negro. e Carla Akotirene (2018)Akotirene, C. (2018). O que é interseccionalidade? Letramento. observam que, apesar da importância e dos inegáveis avanços proporcionados pela LMP, parte-se de uma abstração unitária da categoria mulher que unifica experiências de sofrimento no âmbito da violência doméstica sem atentar para especificidades raciais. Pode parecer um contrassenso, para o discurso reformista, criticar uma lei que representou tantos avanços na luta feminista, mas observamos aqui, a partir de uma perspectiva crítica da unitarização subjetiva de violências, a insuficiência da identidade imaginária, supostamente universal, fazendo-se necessária uma abertura no campo simbólico para reestruturações utópicas que estejam à altura de desejo de uma sociedade radicalmente transformada. Uma leitura que considera o enodamento entre os três registros mostra, ainda, como valer-se da perspectiva de mulheres negras em relação à LMP não é em absoluto um “identitarismo”, mas, pelo contrário, possibilita a constituição de uma universalidade simbólica e jurídica que reconheça particularidades e singularidades. A obrigatoriedade de apresentação de denúncia via boletim de ocorrência e sua impossibilidade de retratação para ter acesso à maior parte das proteções previstas pela LMP, infantilizaria e limitaria a capacidade de ação da vítima, conduzindo-a muitas vezes a uma desestruturação de sua rede de apoio não prevista pela coesão identitária e social desse sofrimento (Bernardes, 2020Bernardes, M. N. (2020). Questões de raça na luta contra a violência de gênero: processos de subalternização em torno da Lei Maria da Penha. Revista Direito GV, 16(3), e1968. https://doi.org/10.1590/2317-6172201968
https://doi.org/10.1590/2317-6172201968...
) codificado na categoria “mulher” supostamente universal, mas materialmente identitária.

A unificação de narrativa aqui criticada tem, igualmente, incidências subjetivas. Na clínica, é comum depararmo-nos com cristalizações de experiências de sofrimento que emanam não exatamente da incompreensão face a situações traumáticas, mas justamente de suas formas de tratamento imaginárias, que tem na legitimação absoluta do reconhecimento da semelhança, seu único recurso. “Esses ataques de pânico são por conta do abuso que sofri”; “Tenho dificuldade em me relacionar mais, pois todo homem pode repetir um padrão que me ameaça”; “Como mulher minha experiência é do medo e violências constantes” são exemplos de enunciados que portam verdades cristalizadas no enunciado. Isso não implica, por exemplo, que grupos de apoio no qual se partilham experiências e denúncias não promovam alívio ou não tenham efeitos terapêuticos e políticos. Parece haver, porém, uma iatrogenia própria a essa modalidade de tratamento quando utilizada de forma exclusiva e excludente. Trata-se de mais um caso no qual o Imaginário captura o Real, pois, paradoxalmente, visando apagar o impossível, reitera-se seu lugar de legitimidade por meio de uma nomeação e de um quadro explicativo especular, não havendo propriamente uma falta estruturante, mas um vazio de sentido que deve ser preenchido. Forma-se, assim, uma linha tênue entre a necessidade de reconhecimento da existência de sofrimento para que algo possa ser feito dele e a captura da posição do sujeito em lugares de fala pré-determinados pela polarização legitimação/deslegitimação, sem levar em consideração as possibilidades de diferenças nos processos narrativos (individuais, coletivos e sociais) da produção dessas posições. A legitimidade sobre esse sofrimento guarda, nesse aspecto, relações com a noção de justiça e igualdade sem articulá-las à diferença, homogeneizando posições-sujeito e inviabilizando outras perspectivas identificatórias.

A convergência da imaginarização do traumático e da via jurídica não é uma coincidência nos exemplos aqui evocados: o sujeito de direito no capitalismo é intrinsecamente ligado a uma equivalência abstrata de posições tipicamente especulares (Pachukanis, 2017Pachukanis, E. B. (2017). Teoria geral do direito e marxismo. Boitempo.). Na constituição subjetiva ligada ao estádio do espelho (Lacan, 1949/1998cLacan, J. (1998c). O estádio do espelho como formador da função do eu. In Escritos. (V. Ribeiro, Trad., pp. 96-103). Jorge Zahar. (Trabalho original publicado em 1949).), o sujeito funda seu eu pela alienação a uma imagem que supostamente o representaria, deixando de fora o núcleo instituinte do desejo do Outro (Simbólico) e o horror do despedaçamento corporal (do Real). Da mesma feita, a fundação do sujeito de direito no juspositivismo depende da alienação das condições estruturais de desigualdade das partes, criando uma ficção de um sujeito de direito que esconde a verdade que a exploração no capitalismo se dá pelo assujeitamento pelo direito (Mascaro, 2015Mascaro, A. L. (2015). Direito, Capitalismo e Estado: da leitura marxista do Direito. In C. N. Kashiura Jr., O. Akamine Jr., & T. Melo (Orgs.), Para a crítica do direito: reflexões sobre teorias e práticas jurídicas. Outras Expressões.). Dito de outro modo: a barbárie neoliberal que torna o fascismo na contemporaneidade uma possibilidade fez com que se acreditasse que o direito serve para a garantia da vida, da integridade física e da dignidade. Porém, com isso ignora-se que é o próprio ordenamento jurídico que — ao igualar empresas, trabalhadores, latifundiários e, no limite, o próprio Estado enquanto entes jurídicos virtualmente equivalentes —, sustentando a ideia de que “somos todos iguais perante a lei”, perpetua, por esse mesmo mecanismo imaginário, o real traumático das violências psicossociais aqui aventadas. Assim, a luta individual pela igualdade é, paradoxalmente, necessária e inglória ao tratar a repetição pela identidade.

O cinismo reacionário: o imaginário colonizado pelo real

Há também a consolidação de narrativas sobre o sofrimento a partir de uma experiência colonizada4 4 Categoria de forte peso conceitual, a colonização possui diversas acepções e projetos estrategicamente diversos. Para ficarmos apenas com alguns exemplos críticos, perspectivas anticoloniais, pós-coloniais e decoloniais (Balestrin, 2017) possuem importantes diferenças entre si. Optamos aqui por descrever esse conjunto de fenômenos sociais como colonizações do imaginário pelo real na medida em que tais discursos eminentemente conservadores perpetuam expedientes de dominação por meio de naturalizações de opressões, um dos cernes do projeto colonial perpetuado pela modernidade. Este ponto pode ser considerado uma espécie de solo comum entre essas abordagens. pelo Real, uma cooptação do Imaginário pelo Real.

Nesta modalidade as relações causais entram em suspensão, como se apenas o arbitrário dominasse o registro da experiência. Temos aí processos de naturalização da relação do sujeito com o sentido, a partir de sua negatividade, produzindo, por exemplo, um apagamento da materialidade da desigualdade que tem como efeito uma sensação de autoevidência do sentido, assentada sobre a denegação das diversidades.

Se na captura do Real pelo Imaginário a falta permanece particularizada e, por isso, inviabilizada em seu percurso rumo à diferença, nessa perspectiva, diametralmente oposta, temos a construção de um universal causal que não se sustentaria em condições materiais, promovendo uma relação cínica do sujeito com suas condições de existência, apagando sua posição na sociedade. A relação com o mundo e com sua materialidade partiria de um princípio niilista da existência. Supostas críticas de baciada ao chamado “politicamente correto” ou ao “identitarismo”, por exemplo, têm como efeito um apagamento das assimetrias e das formas de resistência correlatas. A repetição de frases como “Esse mimimi dos direitos humanos é muito chato”, “as feministas são histéricas” ou “o inconsciente não tem cor”, entre outras, formam uma repetição performática que se opõe ao caráter denunciativo da primeira posição, sendo construída a partir de um silenciamento radical das posições críticas que podem incorrer em um viés identitário. Se, no primeiro caso, há uma (re)produção de sofrimento pela via da afirmação de identidades, aqui há um silenciamento do sofrimento pela suposição de um desamparo socialmente uniforme como condição universal. Esse posicionamento, contudo, só pode ser construído a partir da posição de um universal abstrato, que se sustenta apagando as diferenças, inclusive suas próprias, compreendidas como particularidades. A ideia aqui se enquadra, por exemplo, na pretensão univer-salizante da branquitude ou na experiência europeia como referência máxima de desenvolvimento civilizatório, máximas coloniais que tendem a apagar maiorias minorizadas. Andréa Guerra (2021)Guerra, A. M. C. (2021). Branquitude e Psicanálise: segregação racial e a matriz colonial do saber. Revista Espaço Acadêmico, 21(230), 55-67, set/out. aponta como, por exemplo, “O racismo implica assim, de maneira radical, uma rejeição primordial no nível do simbólico que retorna como modo de gozo e se articula com efeitos imaginários” (p. 58), o que corrobora aqui a nossa proposta, ao pensar que essas estratégias “universalizantes”, na verdade se balizam na exclusão de lastro simbólico a qualquer alteridade que ameace essa homogeneização provocada por tal colonização do Imaginário pelo Real.

Tudo se passa como se o arbitrário significasse ausência total e completa de referência, o que não só é impossível politicamente, dentro do campo da práxis e dos estudos da ideologia, como também um equívoco teórico: a arbitrariedade da articulação entre significante e significado em Saussure (2008)Saussure, F. de (2008). Curso de linguística geral. Cultrix. está balizada pelo seu valor e pela subjacente produção de sentido que a articulação entre signos produz: não há estrutura que contemple uma produção totalmente arbitrária. Talvez essa interpretação diga mais de idealizações burguesas a respeito de determinada noção de liberdade, que com as possibilidades estabelecidas pela materialidade de nossas formas de vida. Tanto a estrutura quanto as identidades desapareceriam face à arbitrariedade como denominador comum da experiência coletiva: anarcocapitalismo, terraplanismo, pressões pelo fim de leis trabalhistas, exaltação da meritocracia, resistências de grupos conservadores a propostas de regulamentação mínima das redes sociais contra fake-news são alguns exemplos do avanço da lógica neoliberal do livre-mercado às relações sociais, efeitos dessa colonização entre registros.

Como efeito de tal discursividade, posições não hegemônicas como a da mulher, da pessoa negra ou LGBTQIA+ são vistas como desvios de uma suposta igualdade anterior que aplainaria e pacificaria as relações de poder. A denúncia da existência das diferenças é compreendida como criação dessas próprias existências, como se nada houvesse antes desses dizeres. A materialidade da desigualdade fica assim apagada e solapada por certa concepção metafísica de sujeito que se sustenta tal como o Barão de Münchhausen, erguendo-se da areia movediça, puxando-se pelos próprios cabelos. A noção de valor, tal como desenvolvida por Saussure (2008)Saussure, F. de (2008). Curso de linguística geral. Cultrix., fica soterrada por uma perspectiva que insulariza os processos de significação, como se pudessem todos ser apreendidos em sua unidade, sem articulações através das diferenças e, então, quando essas aparecem, são entendidas como falhas e devolvidas ao outro. Vejamos como essa insularização pode ser pensada a partir desse trecho de Guerreiro Ramos (1955)Ramos, G. (1955). Patologia Social do Branco Brasileiro. Jornal do Commercio. acerca da “Patologia do branco brasileiro”:

Para garantir a espoliação, a minoria dominante de origem europeia recorria não somente à força, à violência, mas a um sistema de pseudo justificações de estereótipos ou a processos de domesticação psicológica. A afirmação dogmática da excelência da brancura ou a degradação estética da cor negra era um dos suportes psicológicos da espoliação. (p. 175)

Quando nos deparamos com essa afirmação de Ramos, em um texto de 1955, e, ao mesmo tempo, percebemos a contínua degradação do corpo negro até os dias de hoje (tal como em declarações do ex-presidente Jair Bolsonaro, onde ele, por diversas vezes, usa o significante “arroba”, que remete ao campo animal, para se referir ao peso de pessoas racializadas e, concomitantemente, tenta retirar as consequências de seu discurso ou o peso de suas palavras através de uma leitura “bem humorada” de seu dizer), observamos o quanto essa produção de sentido, de colonização do Imaginário pelo Real, surge como tentativa de despolitização de toda e qualquer ação no meio social. O valor, que na teoria saussuriana é justamente dado pela relação entre signos a partir de sua diferença é rechaçado pela própria recusa da diferença no discurso que, no entanto, é evidenciada e justificada no processo de enunciação, mostrando, assim, as relações de poder (Dunker, 2009Dunker, C. I. L. (2009). Notas sobre a importância de uma teoria do valor no pensamento social lacaniano. Rev. A peste, 1(1), 21-47, jan/jun.). Enquanto num caso paralisa-se na denúncia política, no outro ausenta-se dela, como se fosse possível recusar, ao fim e ao cabo, a luta de classes.

Temos, retomando nosso argumento, uma posição que marca a falta como injustiça a ser reparada, produzindo como efeito a denúncia do não acesso a indivíduos totais ou violências particularizadas em formas de vida vulneráveis por outro no campo do imaginário. Aqui o indivíduo identifica-se com a falta particularizando-a a partir de sua experiência traumática. Já na outra posição, exclui-se a falta e o indivíduo identifica-se com um suposto todo abstrato, identificando erroneamente vulnerabilidades sociais à falta universal e recusando a particularidade, tratada como imaginarização de pressupostos universais, no campo do real. No interior da psicanálise, alguns recursos à excessiva formalização tanto da teoria quanto da experiência clínica produz uma abstração que intenta afastar-se das capturas imaginárias, mas acaba recaindo no universalismo liberal: singularidade no enunciado, individualidade na enunciação. Vemos aqui um paralelo com o problema do sujeito jurídico (Mascaro, 2015Mascaro, A. L. (2015). Direito, Capitalismo e Estado: da leitura marxista do Direito. In C. N. Kashiura Jr., O. Akamine Jr., & T. Melo (Orgs.), Para a crítica do direito: reflexões sobre teorias e práticas jurídicas. Outras Expressões.) a partir de uma outra perspectiva: aquela que traz, na unidade abstrata do sujeito, a sustentação do não reconhecimento de suas assimetrias estruturalmente sociais. Ao colonizar o Imaginário pelo Real a produção de deslegitimação de diferenças sociais pode produzir concepções ortopédicas de direção do tratamento (Zygouris, 2011Zygouris, R. (2011). Psicanálise e psicoterapia. Via Lettera.) que buscam, por exemplo, nos cânones lacanianos que exaltam a ausência de sentido, construir um horizonte de tratamento cuja ausência de implicação remetesse a certa concepção de retificação subjetiva.

A transformação simbólica: políticas do sintoma

Apesar de se tratar de estratégias radicalmente distintas, moral e politicamente, de lida com a legitimação do sofrimento, ambas parecem partilhar o fato de que se pautam numa relativa repetição performática para se sustentarem. Por um lado, o recobrimento imaginário de experiências reais parece necessitar de uma afirmação identitária que possa dar consistência e visibilidade a experiências de indeterminação que, sem isso, estariam desamparadas de quadros de inteligibilidade, em termos butlerianos (Butler, 2004Butler, J. (2004). Undoing gender. Routledge.). Ocorre que tal afirmação estará sempre à mercê de um questionamento na medida em que tenta abarcar pela imagem e pela unidade algo que é da ordem do traumático e do irrepresentável, aprisionando o sujeito em certa estagnação temporal. A total extensão da verdade do que foi a escravização no Brasil, por exemplo, é da ordem de um horror e de uma impossibilidade representacional tão radical que as tentativas de afirmação identitária racial no Brasil precisam, quase sempre, fazer certo recurso seja a uma ancestralidade mítica (expediente criticado por Fanon já em Pele negra, máscaras brancas), seja ao uso contemporâneo do chamado lugar de fala que objetiva combater o racismo por meio de uma subversão que solapa a “neutralidade” da palavra em detrimento da visibilidade concreta e epidérmica do falante subalternizado. Porém, as conquistas que tais expedientes alcançam parecem estar subordinadas a uma reafirmação e repetições potencialmente infinitas, posto que o real não pode, estruturalmente, ser recoberto pelo imaginário sem que isso deixe de fora um resto que virá a assombrar constantemente seus equilíbrios e avanços. Como afirmado anteriormente, o horizonte máximo dessas reivindicações orbita ao redor da judicialização, seja da saúde, seja aquela pautada nos direitos humanos.

Já no polo oposto, no qual temos um silenciamento radical das denúncias da identidade e um expediente de naturalização dos horrores, observa-se a constituição de um cinismo que não consegue se estruturar sem a reafirmação constante da expulsão das identidades do domínio da vida partilhada que se baseia em uma crítica ao presente que, supostamente, tolheria a liberdade de uma “maioria” em nome das “minorias”. Daí que, surpreendentemente, temos também certo recurso a um retorno a um passado, dessa vez não pré-colonizatório, mas antidemocrático, que viria tratar as supostas mazelas globalistas do contemporâneo. Tal passadismo se verifica também no interior da própria psicanálise, em propostas como o de queda do Nome-do-pai, generalização da forclusão, sociedade do gozo, entre outros.

A despeito, portanto, da radical diferença política e ética que marca as duas posições, parece que estamos diante de entrelaçamentos imaginários e reais que não conseguem escapar de uma noção de tratamento que compreende a saúde do tecido social a partir de uma perspectiva restaurativa (retorno à situação pré-traumática) e homeostática (equilíbrio e completude). O que tal estratégia parece banir de seu horizonte é um questionamento mais radical tanto das apostas transformativas quanto dos desejos que as sustentam. Que saída teríamos para nomear as condições produtoras de sofrimento sem deslegitimá-las, reconhecendo-as sem fixá-las? E é aqui que parece ser necessário negritar as potencialidades do simbólico para que uma outra gramática de lutas possa ser possível.

O registro simbólico não trata a falta como um dado em si a ser contornado ou tamponado. Antes, ela é o que estrutura a experiência falante e do laço social. No entanto, não se trata aqui de um elogio à falta e à incompletude que nos conduziria a uma espécie de ontologia negativa da castração, pois a falta não é um elemento especularizável em si, mas é um lugar que fará furo às repetições e vai estruturar a direção das estratégias. Essa relação topológica pode ser localizada na proposta lacaniana de pensar a estrutura do sujeito a partir da estrutura do toro no seminário sobre a identificação (Lacan, 1961-62/2003Lacan, J. (2003). A identificação (I. C. Bagno, Trad.). Recife: Centro de Estudos Freudianos do Recife. (Trabalho originalmente publicado em 1961-62).). As voltas das repetições da demanda são necessárias à constituição do sujeito, é verdade. No entanto, o que permite sua constituição e impede uma repetição de um solenoide infinito é precisamente essa volta não contada, central, que opera em um outro plano e constitui um topos que é, paradoxalmente, um não lugar. É nesse vazio central que Lacan localiza o desejo e, mais ainda, num entrelaçamento entre dois toros fica claro que o que poderíamos chamar de “o nosso desejo” é, na realidade, do Outro. No que uma tal teoria do sujeito poderia aportar às modalidades contemporâneas de lida com o sofrimento social e suas modalidades de transformação?

Em primeiro lugar, parece-nos incontornável adicionar aos trilhos da identidade e do horror o bonde chamado desejo. Ou seja, há algo no interior das afirmações identitárias de ocupação de espaço e tentativa de reparação histórica e material que não consegue ser descrito ou tratado pelos semblantes afirmativos, pois é da ordem de uma falta fundamental que não se reduz nem à imagem, nem ao traumático. O desejo inconsciente (Lacan, 1957-58/1999, p. 97Lacan, J. (1999). O seminário. Livro 5. As formações do inconsciente. (V. Ribeiro, Trad.) Jorge Zahar. (Trabalho original publicado em 1957-58).) é a maneira simbólica de endereçar os impasses imaginários e reais, pois permite uma terceira via que venha a dialetizar um presente de opressão e sofrimento e o passado pré-traumático irrestituível. E isso se dá porque, por meio do desejo, é possível uma suspensão entre o eu (identitário, grupal e predicável) e o sujeito (que tanto age em direção a, quanto é agido pelo seu próprio desejo). Isso não implica que o sujeito seja um universal desencarnado — sem gênero, raça ou outros marcadores sociais da diferença — mas que a maneira pela qual sua experiência pode se dar não está reduzida, só é pensável no encontro que supõe reconhecimento não entre indivíduos, mas entre desejos. A convergência de um desejo no campo político em torno de um projeto requer que o sofrimento seja tomado não como uma obviedade cínica e desresponsabilizante que naturaliza o horror nem como um traço incontornável da identidade numa sociedade de opressões. Haveria outra forma de codificar o sofrimento?

Lélia Gonzalez, ao discutir colonialidade, sexualidade e raça entre negras e brancos, parece ter o desejo em mente quando critica Caio Prado Júnior — para quem o “amor da senzala” não poderia realizar o “milagre do amor” no Brasil, pois baseia-se apenas no desejo, “um instinto tão simples” — e diz:

Quanto à negativa do “seu” Caio Prado Júnior, infelizmente, a gente sabe o que ele está afirmando esquecidamente: o amor da senzala só realizou o milagre da neurose brasileira, graças a essa coisa simplérrima que é o desejo. Tão simples que Freud passou a vida toda escrevendo sobre ela (talvez porque não tivesse o que fazer, né Lacan?). Definitivamente, Caio Prado Júnior “detesta” nossa gente. (Gonzalez, 1983, p. 234-235Gonzalez, L. (1983). Racismo e sexismo na cultura Brasileira. In L. A. Silva. Movimentos sociais urbanos, minorias étnicas e outros estudos (pp. 223-244). Anpocs.; grifos originais)

A autora compreende que a discussão sobre dominação deve não só articular raça e gênero, mas, igualmente, compreender os paradoxos que a dimensão do desejo aporta às já conhecidas cartografias de sofrimento. Daí que 1) freudianamente sublinha que Prado Júnior afirma algo que esquece; 2) marca que a constituição do que ela chama ao longo do texto de “neurose cultural brasileira” é dada pelo desejo e 3) pelas aspas ironiza o detestar do autor que, na verdade, recalcaria um amar que não consegue se assumir enquanto tal. Esse é um dos centros da argumentação de Gonzalez: o racismo, no Brasil, é uma produção reativa ao desejo recalcado e não uma realidade idêntica a si e intransponível. Daí que mulher negra, em seu texto, não está totalmente identificada à posição de sujeição — social, sexual e racial — pois ela é, também, a base fundamental da cultura brasileira em seu sentido positivo: a mãe (negra) e a mulher (desejada), sendo o carnaval uma espécie de formação do inconsciente nacional na qual dá-se a ver uma verdade para além do sofrimento.

É como se as reiterações repetitivas do racismo no Brasil — que insistem em silenciar a raça ao mesmo tempo que a usam para identificar, imageticamente, os corpos matáveis — falhassem em dar conta do furo cultural que o estrutura. Furo esse que, se seguirmos Gonzalez, deve ser pensado não só a partir do desejo, mas do limite das identidades (nacionais e de raça). Não é por outro motivo que a autora nomeia, a partir de MD Magno, nossa cultura como amefricana: pensar as identidades no contexto brasileiro requer um mergulho não só nas contradições do desejo, mas nas interpenetrações recíprocas entre o eu e o Outro.

Sair, portanto, das colonizações imaginárias e reais requer um tipo de alteridade simbólica que dissolva a unidade, mas sem lançá-la na contingência de um horror real e sem representação. O desejo, por apontar tanto para uma impossibilidade estruturante quanto para um devir incógnito, talvez venha a permitir um horizonte de transformação que nos leve para além da dualidade real e imaginária. A escolha de Gonzalez pela categoria de sintoma para nomear a expressão social do sofrimento ligada ao racismo é efeito de sua leitura que coloca o desejo em primeiro plano em sua diagnóstica. Sendo o sintoma uma formação do inconsciente, tem-se que ele porta uma verdade recalcada na condição de não se reduzir a ela. Daí que ao tomá-lo na qualidade de uma neurose cultural, o racismo presentifica-se como estruturalmente simbólico sem, contudo, tornar-se uma categoria a-histórica: ele é aqui o efeito de uma impossibilidade de realização de um desejo social.

A estruturação traumática e generificada da escravização e sua implantação ideológica por meio de identidades racialmente distintas, produz, para Gonzalez, a ficção fundante do mito da democracia racial e efeitos de violência, em especial contra a mulher negra. Porém, tal racismo não é um fenômeno primeiro ou uma categoria ontológica e inultrapassável: trata-se da transformação de um desejo impossível em uma violência dirigida ao outro como testemunho de uma incapacidade de elaboração.

Um dos grandes efeitos do realismo capitalista (Fisher, 2020Fisher, M. (2020). Realismo capitalista: é mais fácil imaginar o fim do mundo do que o fim do capitalismo? Autonomia Literária.) é a obsolescência do futuro: a disputa política parece reduzir-se a uma tentativa de resistência (palavra de ordem reiteradamente evocada pelo campo dito progressista), de judicialização (na saúde coletiva, na luta antirracista e contra a violência de gênero, e na conquista de direitos pela população LGBTQI+) e de ancestralidade (feminina e negra) como forma de luta contra a violência de classe, raça e gênero.

A temporalidade do sofrimento codificado como sintoma no registro simbólico permitiria a superação tanto do cinismo que atemporaliza as opressões quanto das retraumatizações que impedem a transformação. A analítica sintomática, em psicanálise, permite uma historicização não linear da relação entre sofrimento e formas de vida. Tal expediente faculta, na clínica, que reordenações da fala no presente retroajam sobre o passado e floresçam possibilidades inimaginadas de futuro. Em “Função e campo da fala e da linguagem em psicanálise” a ênfase dada por Lacan ao lugar da história no tratamento analítico visa, precisamente, emancipar o sofrimento de uma fixidez egoica e biológica por meio de uma retroação do futuro no passado, tal como prega a lógica fundamental do significante: “[o] que se realiza em minha história não é o passado simples daquilo que foi, uma vez que ele já não é, nem tampouco o perfeito composto do que tem sido naquilo que sou, mas o futuro anterior do que terei sido para aquilo em que me estou transformando” (Lacan, 1953/1998a, p. 301Lacan, J. (1998a). Função e campo da fala e da linguagem em psicanálise. In Escritos. (V. Ribeiro, Trad.). Zahar. (Trabalho original publicado em 1953).).

Retomemos os exemplos apresentados no início deste texto. As distintas hipóteses e construções históricas sobre as formas de organização oriundas dos quilombos não devem ser tomadas como narrativas de ancestralidades perdidas a serem reconquistadas em sua pureza. Ao contrário, sua força política e transformativa reside, precisamente, no fato de que ela segue viva em experiências contemporâneas de luta coletiva contra o sofrimento colonial. Emiliano de Camargo David demonstra como o quilombismo (Abdias do Nascimento), a quilombagem (Clóvis Moura), o Kilombo (Beatriz Nascimento) e o Devir quilomba (Mariléa de Almeida) expressam-se em práticas atuais de saúde mental no Brasil. Tais práticas se valem da diferença da identidade não como uma repetição traumática, mas como uma tecnologia que se assenta no passado ao mesmo tempo que cria um devir. Em suas palavras, “a diferença estaria a serviço da potência do desejo de liberdade, combustível da Luta Antimanicolonial” (David, 2022, p. 52David, E. de C. (2022). Saúde mental e racismo: saberes e saber-fazer desnorteado na/para a Reforma Psiquiátrica brasileira antimanicolonial. Tese de Doutorado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. 207p.).

Da mesma forma, foi apenas recusando a categoria “aidético”; “câncer gay”, “grupo de risco” entre outras que uma articulação singular de atores sociais identitariamente distintos (profissionais da saúde, pesquisadores e população vulnerabilizada) pôde criar inéditos viáveis que levaram a uma resposta efetiva à epidemia do HIV/AIDS a partir de meados dos anos 1980 (Paiva, 2000, p. 41Paiva, V. (2000). Fazendo arte com a camisinha: sexualidades jovens em tempos de AIDS. Summus.). A construção e consolidação de políticas públicas valeu-se da possibilidade de desejar e sonhar com um futuro no qual a luta contra a discriminação, o acesso universal, gratuito e equânime à saúde e a diminuição da vulnerabilidade articulasse bem-estar e direitos humanos formassem uma unidade programática de projeto que, a princípio, soaria utópica (Parker, 2000, p. 17Parker, R. (2000). Prefácio. In V. Paiva, Fazendo arte com a camisinha: sexualidades jovens em tempos de AIDS. Summus.).

A transformação de sintomas psicossociais em desejos de transformação que resgatem práticas e saberes gestados por grupos minorizados não é uma novidade trazida por estes dois exemplos, mas é a própria base do projeto de transformação da realidade já proposto em Marx: a classe trabalhadora detém a verdade não apenas de um futuro pós-capitalista, mas os próprios meios coletivos de produção dessa transformação. A luta contra o sofrimento da exploração visa um amanhã radicalmente distinto tanto das modalidades identitárias postas no contemporâneo quanto do aprisionamento no passado de seus horrores. Desde Freud a miséria neurótica é sustentada por uma reminiscência repetidamente ruminatória do esquecimento das potencialidades de um passado desejado que poderia ter sido e não foi. A chave da cura reside na coragem de afirmar um desejo de futuro que se valha das brechas do passado na construção de um inédito que, tal qual os prisioneiros do sofisma lacaniano, tem na antecipação utópica da liberdade a decantação de uma certeza de transformação de sua prisão. Ao contrário da ofensiva neoliberal individualizante, acreditamos que a transformação do sintoma em desejo de devir só pode ser política, afinal “o coletivo não é nada senão o sujeito do individual” (Lacan, 1945/1998b, p. 213Lacan, J. (1998b). O tempo lógico e a asserção de certeza antecipada: um novo sofisma. In Escritos (V. Ribeiro, Trad., pp. 197-213). Jorge Zahar. (Trabalho original publicado em 1945).).

  • 1
    Cf. “Uma falha de tradução”, conferência de Paulo Sérgio de Souza Jr. Disponível em: https://bit.ly/uma_falha_de_traducao
  • 2
    A maneira pela qual ambos os casos ficaram conhecidos na tradição psicanalítica é representativa. Presidente Schreber, de um lado, e Jovem Homossexual, de outro. Se, entre analistas, traços da história do jurista são conhecidos para além de suas memórias e da análise de Freud, o mesmo não se pode dizer de Csonka-Trautenegg. Dona de uma biografia riquíssima, que atravessou diversas transformações sociais e morais ao longo do século XX, Csonka-Trautenegg foi apresentada para além do “caso”— sob o pseudônimo de Sidonie Csillag — por Rieder & Voigt (2008)Rieder, I., & Voigt, D. (2008). Desejos secretos: a história de Sidonie C., a paciente homossexual de Freud. Companhia das Letras., como resultado de uma série de entrevistas.
  • 3
    Essa máxima é cada vez mais presente em discursos públicos e institucionais, de instituto de defesa do consumidor, passando por prefeituras, câmaras municipais, universidades, planos de saúde privados e consultorias de carreira. Ver: https://bit.ly/precisamos_falar_sobre_saude_mental
  • 4
    Categoria de forte peso conceitual, a colonização possui diversas acepções e projetos estrategicamente diversos. Para ficarmos apenas com alguns exemplos críticos, perspectivas anticoloniais, pós-coloniais e decoloniais (Balestrin, 2017Balestrin, L. M. A. (2017). Modernidade/Colonialidade sem “Imperialidade”? O elo perdido do giro decolonial. DADOS – Revista de Ciências Sociais, 60(2), 505-540. http://dx.doi.org/10.1590/001152582017127
    http://dx.doi.org/10.1590/00115258201712...
    ) possuem importantes diferenças entre si. Optamos aqui por descrever esse conjunto de fenômenos sociais como colonizações do imaginário pelo real na medida em que tais discursos eminentemente conservadores perpetuam expedientes de dominação por meio de naturalizações de opressões, um dos cernes do projeto colonial perpetuado pela modernidade. Este ponto pode ser considerado uma espécie de solo comum entre essas abordagens.

Agradecimentos:

Agradecemos as trocas e produções possibilitadas pelo Laboratório de Teoria Social, Filosofia e Psicanálise (Latesfip-Usp), cuja temática, metodologia e perspectiva crítica ressoam no presente artigo.Agradecemos à FAPESP e ao CNPq pelo financiamento da pesquisa de Pós-Doutorado de um dos autores na qual este artigo se insere (processo n. 2023/12282-2, Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Maio 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    25 Set 2023
  • Revisado
    05 Nov 2023
  • Aceito
    10 Dez 2023
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