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Influência do Ti e da taxa de resfriamento na microestrutura e na temperatura MS em ligas Ni-Ti com EMF solidificadas rapidamente

Effect of titanium content and cooling rate on the microstructure and martensitic transformation of rapidly solidified Ti-Ni shape memory alloys

RESUMO

Um grande desafio no projeto de microssistemas é a implementação de princípios eficientes de atuação miniaturizados em microescala. Ligas com efeito memória de forma (EMF) têm sido consideradas como uma solução potencial para este problema, uma vez que estes materiais oferecem propriedades atraentes como grande deformação e capacidade para ser processada em microescala. Ligas com composição Ni-44, 8wt% Ti e Ni-45, 3wt% Ti foram produzidas usando o método melt spinning em atmosfera argônio. Fitas obtidas neste processo mostraram tamanho médio de grãos martensíticos entre 5 e 30 µm, dependendo do tipo de liga e da velocidade linear da roda do melting spinning. As temperaturas de início de transformação martensítica (MS) assim como o tamanho de grãos foram reduzidos com o aumento de velocidade linear da roda e da quantidade de titânio.

Palavras-chave:
ligas Ni-Ti; efeito de memória de forma; solidificação rápida.

ABSTRACT

One important challenge of microsystems design is the implementation of efficient principles of miniaturized actuation at the micro-scale. Shape memory alloys (SMAs) have early been considered as a potential solution to this problem as these materials offer attractive properties like a high-power to weight ratio, large deformation and the capability to be micro-scale processed. Alloys of composition Ni-44,8wt%Ti and Ni-45,3wt%Ti were produced using the melt spinning method in air atmosphere. Ribbons obtained in this process showed martensitic grain size between 5 and 30 µm, depending on the alloy composition and the linear velocity of the wheel.

Keywords:
shape memory Ni-Ti alloy; rapid solidification; martensitic transformation.

1. INTRODUÇÃO

Os termossensores são largamente usados em aplicações domésticas e em equipamentos industriais para controle de temperatura. Em muitas aplicações, especialmente em sistema de alarme contra incêndio e em dispositivos de proteção contra superaquecimento, é muito importante aumentar a velocidade de resposta, e para isso é necessário miniaturizar esses dispositivos com garantia de baixo custo [11 BELLOUARD, Y., “Shape memory alloys for microsystems: A review from a material research perspective”, Materials Science and Engineering, A 481-482, pp. 582-589, 2008.].

Os materiais mais promissores para atender tais exigências são as ligas metálicas com Efeito de Memória de Forma (EMF). A designação dessas é aplicada a um grupo de materiais metálico que demonstram capacidade de retomar uma forma ou tamanho previamente definido quando sujeitas a um ciclo térmico apropriado [22 FERNANDES, F. M. B., “Ligas Com Memória de Forma”, Departamento de ciência dos Materiais / CENIMAT, Universidade de Lisboa, Lisboa, pp.1-20, 2006.].

Em virtude de possuírem propriedades específicas, as ligas com EMF são fortemente utilizadas em muitas áreas da ciência e tecnologia e está cada vez mais aumentando o campo de suas aplicações. As aplicações mais importantes são na engenharia elétrica e mecânica, tecnologia aeroespacial, medicina e robótica. Com o surgimento de novos desafios na engenharia, novas pesquisas e desenvolvimentos em ligas com EMF com espessuras finas se fazem necessárias, para atender as necessidades de miniaturização, operação mais econômica e resposta rápida de dispositivos. Uma perspectiva consiste em produzir fitas com espessura de 100 (m ou menos a partir de ligas à base de nitinol (NiTi). Porém, é muito difícil produzir fitas com essa espessura a partir de ligas pré-deformadas à base de NiTi utilizando a técnica convencional, que é a de laminação, pois o tempo de processamento será maior e o custo do processo se torna alto. Além disso, a tecnologia convencional de obtenção da fita por laminação provoca diminuição do efeito de memória de forma das ligas [33 LOBO, P. S., ALMEIDA, J., GUERREIRO, L. “Shape memory alloys behaviour: A review”, Procedia Engineering, v. 114, pp. 776 - 783, 2015.].

Diante disso, é bem sugestivo um projeto onde se possam obter fitas de ligas EMF utilizando resfriamento rápido (técnica de melt spinning). Essa técnica permitirá obtenção de uma grande quantidade de fita com variação nas propriedades físicas e mecânicas. A principal vantagem dessa nova técnica está no fato de que ela permite, através do resfriamento rápido da ordem de 105 a 109 K/s, a obtenção de ligas com estrutura amorfa ou parcialmente amorfa, que depois do tratamento térmico, se tornam estruturas micro cristalinas ou nano cristalinas com um fino grau de dispersão da ordem 1-2 nm, o que não é possível obter através da tecnologia convencional de processamento de ligas com efeito de memória de forma [44 DUWEZ, P., “Mettalic Glasses - Historical Background”, Topics in Applied Physics, v.46, pp. 19-23, 1981.].

O objetivo do presente trabalho foi estudar o efeito do tamanho de grão e do teor de titânio nas temperaturas de transformação martensítica das fitas de Ni-44,8%pTi e Ni-45,3%pTi solidificadas rapidamente.

2. MATERIAIS E MÉTODOS

Ligas Ni-44,8%pTi e Ni-45,3%pTi foram produzidas pelo processo de fusão por indução a vácuo Laboratório de Caracterização de Materiais do ITA. Pedaços de Ni com pureza de 99.80% adquirido da Hong Kong Sino Mighty e Ti com pureza de 99.95% adquirido da TIBRASIL Titânio Ltda., foram colocados em um cadinho de grafite e fundidos, com potência de fusão variando de 15 a 17 kW e com pressão interna da câmara de 10-2 Pa. Após a fusão, as ligas foram caracterizadas Difração de Raios -X (EDX) e por Calorimetria Diferencial de Varredura (DSC) com taxa de aquecimento e resfriamento de 10 ºC/s e faixa de temperatura variando em torno de -30 a 300 ºC, para obtenção das temperaturas de transformação martensíticas.

As fitas foram obtidas através da técnica de melt spinning, que consiste em um jato de metal líquido fundido que é lançado sob pressão numa roda de cobre girando a uma alta velocidade. Ao chocar-se com a roda de cobre, que atua como substrato, o jato de metal líquido cria uma poça gerada pela projeção continua do metal líquido que serve de reservatório de onde emerge uma fita de metal que, após ser solidificada rapidamente, é lançada fora da roda através da força centrífuga, conforme mostra a Figura 1. Foram utilizadas velocidades lineares da roda de 30 m/s e 50 m/s.

Figura 1:
Representação esquemática do processo melt spinning.

Para caracterização metalográfica, as fitas foram cortadas suavemente com uma tesoura e embutidas na posição longitudinal da espessura, utilizando resinas acrílicas de cura a frio, para a observação da microestrutura na seção transversal. As amostras foram lixadas com diferentes granulometrias e polidas com alumina e atacadas com uma solução de HF + HNO3 + H2O numa proporção de 3%, 15% e 82% respectivamente, durante 7 segundos. A captura das imagens e medida do tamanho de grão foram realizadas através de um programa de cálculo do tamanho do grão (TG) do Analisador de Imagem em que foram calculados os diâmetros dos grãos para as amostras analisadas. Foram feitas 5 medidas de TG com o objetivo de minimizar o erro na determinação do diâmetro médio do grão.

3. RESULTADOS E DISCUSSÕES

A Tabela 1 apresenta os valores das temperaturas de transformação matensítica, tanto da liga no estado bruto de fusão como das fitas obtidas por melting spinning com variação da velocidade linear da roda. Observa-se que com o aumento da quantidade de titânio as temperaturas de transformação matersíticas (MF) diminuem. Com o aumento da quantidade de titânio de 44,5 para 45,5%p e com o aumento da velocidade de solidificação aumenta-se também à possibilidade de formação de precipitados de Ti nas fitas. Esses precipitados presentes geralmente se localizam nos contornos de grão e impedem o crescimento do grão e consequentemente diminuem as temperaturas de transformação martensítica [55 WU, Y., WANG, J., HE, Y., et al., “Microstructure and the correlated martensitic transformation of melt spinning Ni50Mn29Ga21-xTbx (x = 0-1) ribbons”, Acta Materialia, v. 104, pp. 91-100, 2016.], como apresentado na Figura 2.

Tabela 1:
Valores das temperaturas de transformação martensíticas para a liga bruta de fusão e para as fitas produzidas com velocidades lineares da roda de 30 e 50 m/s.

Figura 2:
Temperaturas de transformação martensíticas (MF) das fitas em função do tamanho de grão (TG).

Observa-se também que com o aumento da velocidade linear da roda as temperaturas de transformação martensíticas diminuíram. Essa queda nos valores de temperaturas de transformação está relacionada, provavelmente, com o tamanho de grão, ou seja, quanto maior a velocidade linear da roda menor tamanho de grão obtido, como mostra a Figura 3. Isto porque o processo de solidificação rápida gerada pela alta extração de calor da roda de cobre quando da obtenção das fitas, gera uma grande quantidade de defeitos e tensão residual. O contorno de grão e os defeitos causados pela tensão residual podem agir como barreiras para a transformação martensítica como um resultado da energia extra requerida durante a transformação, levando a uma diminuição das temperaturas de transformação quando a velocidade linear da roda é aumentada [55 WU, Y., WANG, J., HE, Y., et al., “Microstructure and the correlated martensitic transformation of melt spinning Ni50Mn29Ga21-xTbx (x = 0-1) ribbons”, Acta Materialia, v. 104, pp. 91-100, 2016.].

Figura 3:
Tamanho de grão (TG) em função da velocidade linear da roda. A velocidade linear da roda de 0 m/s corresponde a liga bruta de fusão.

Nas Figuras 4 e 5 são apresentadas as microestruturas típicas obtidas por microscopia ótica da seção transversal das ligas brutas de fusão e das fitas produzidas por melting spinning com velocidade linear da roda de 30 m/s e 50 m/s.

Figura 4:
Microscopia ótica da liga bruta de fusão e das fitas com composição Ni-44,8%pTi: a) Bruta de fusão; b) Fita produzida com velocidade linear da roda de 30 m/s; c) Fita produzida com velocidade linear da roda de 50 m/s.

Figura 5:
Microscopia ótica da liga bruta de fusão e das fitas com composição de Ni-45,3%pTi: a) Bruta de fusão; b) Fita produzida com velocidade linear da roda de 30 m/s; c) Fita produzida com velocidade linear da roda de 50 m/s.

Observa-se que quando se aumenta a velocidade linear da roda ocorre uma diminuição do tamanho de grão. A região da fita em contato com a roda, por resfriar mais rapidamente, apresenta grãos mais finos e logo em seguida apresenta grãos maiores e mais alongados. O lado da fita em contato com a roda sofre um processo de solidificação rápida com alto nível de super-resfriamento. Sabe-se que a força motriz para a solidificação de um fundido super-resfriado é a diferença das energias de Gibbs entre o sólido e o líquido. Entretanto, o tamanho de grão da liga solidificada é inversamente proporcional ao nível de super-resfriamento. Quando o nível de super-resfriamento é baixo, a solidificação acontece em condições de equilíbrio, fazendo com que tanto a nucleação quanto o crescimento dos cristais ocorram lentamente. Mas quando o nível de super-resfriamento é alto, a nucleação e a velocidade de crescimento dos cristais também são altas, provocando refino de grão na microestrutura [66 PAN, G., BALAGNA, C., MARTINO, L, et al., “Microstructure and transformation temperatures in rapid solidified Ni-Ti alloys. Part I: The effect of cooling rate”, Journal of Alloys and Compounds, v. 589, pp. 628-632, 2014.].

Quanto maior a taxa de extração de calor, mais rápida é a velocidade de crescimento devido ao alto grau de super-resfriamento que está submetido à liga. Como consequência do alto grau de super-resfriamento, o processo de solidificação é rápido e uma microestrutura mais refinada é obtida [77 PEREPEZKO, J. H., WILDE, G., “Melt undercooling and nucleation kinetics”, Current Opinion in Solid State and Materials Science, 20, pp.3-12, 2016.].

Em alguns trabalhos sobre ligas Ni-Ti [66 PAN, G., BALAGNA, C., MARTINO, L, et al., “Microstructure and transformation temperatures in rapid solidified Ni-Ti alloys. Part I: The effect of cooling rate”, Journal of Alloys and Compounds, v. 589, pp. 628-632, 2014., 88 XING, H., KIM, H. Y., MIYAZAK S. “Microstructures of Ti-48%Ni shape memory melt-spun ribbons”. Transactions of Nonferrous Metals Society of China, pp. 92-95, 2006.] e outras ligas com efeito de memória de forma [99 LOPEZ, G. P., CONDO, A. M., GIORDANO, R. N., et al., “Microstructure and magnetic properties of as-cast Ni2MnGa alloys processed by twin roller melt spinning”, Journal of Magnetism and Magnetic Materials, v. 335, pp. 75-85, 2013., 1010 NAM, T., LEE, J., JUNG, L., et al., “Transformation behaviour of Ti-Ni and Ti-Ni-Cu alloy ribbons with nano Ti2Ni particles”, Materials Science and Engineering , A 449-451, pp. 1041- 1044, 2007.] são relatados a diminuição do tamanho de grão a medida que aumenta-se a velocidade linear da roda do processo melting spinning, atribuindo também esse fato ao processo de solidificação rápida provocada pela rápida extração de calor, o que retarda a nucleação e o crescimento dos grãos.

4. CONCLUSÕES

A técnica de melting spinning permite a produção de fitas da ordem de 30 µm em apenas uma etapa de processamento. Isto é muito importante principalmente quando se quer aplicações em micro escala. Observou-se que com o aumento da velocidade linear da roda ocorreu um refino de grão em torno de 95% e consequentemente a diminuição das temperaturas de transformação. Isto ocorreu, provavelmente, porque essa diminuição é induzida pela maior quantidade de contornos de grão e tensões residuais provocadas pelo rápido resfriamento, que retardam a formação da martensita. O aumento da quantidade de titânio na liga também provocou uma diminuição das temperaturas de transformação martensíticas, isto porque quanto maior a quantidade de titânio, aliado ao rápido resfriamento, existe uma probabilidade maior do surgimento de precipitados nos contornos de grão, retardando assim a transformação martensítica.

5. AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem ao CNPq pelo suporte financeiro através do projeto UNIVERSAL no 470342/2012-9 e a concessão da bolsa de estudos para o aluno George Carlos S. Anselmo.

6. BIBLIOGRAFIA

  • 1
    BELLOUARD, Y., “Shape memory alloys for microsystems: A review from a material research perspective”, Materials Science and Engineering, A 481-482, pp. 582-589, 2008.
  • 2
    FERNANDES, F. M. B., “Ligas Com Memória de Forma”, Departamento de ciência dos Materiais / CENIMAT, Universidade de Lisboa, Lisboa, pp.1-20, 2006.
  • 3
    LOBO, P. S., ALMEIDA, J., GUERREIRO, L. “Shape memory alloys behaviour: A review”, Procedia Engineering, v. 114, pp. 776 - 783, 2015.
  • 4
    DUWEZ, P., “Mettalic Glasses - Historical Background”, Topics in Applied Physics, v.46, pp. 19-23, 1981.
  • 5
    WU, Y., WANG, J., HE, Y., et al, “Microstructure and the correlated martensitic transformation of melt spinning Ni50Mn29Ga21-xTbx (x = 0-1) ribbons”, Acta Materialia, v. 104, pp. 91-100, 2016.
  • 6
    PAN, G., BALAGNA, C., MARTINO, L, et al, “Microstructure and transformation temperatures in rapid solidified Ni-Ti alloys. Part I: The effect of cooling rate”, Journal of Alloys and Compounds, v. 589, pp. 628-632, 2014.
  • 7
    PEREPEZKO, J. H., WILDE, G., “Melt undercooling and nucleation kinetics”, Current Opinion in Solid State and Materials Science, 20, pp.3-12, 2016.
  • 8
    XING, H., KIM, H. Y., MIYAZAK S. “Microstructures of Ti-48%Ni shape memory melt-spun ribbons”. Transactions of Nonferrous Metals Society of China, pp. 92-95, 2006.
  • 9
    LOPEZ, G. P., CONDO, A. M., GIORDANO, R. N., et al, “Microstructure and magnetic properties of as-cast Ni2MnGa alloys processed by twin roller melt spinning”, Journal of Magnetism and Magnetic Materials, v. 335, pp. 75-85, 2013.
  • 10
    NAM, T., LEE, J., JUNG, L., et al, “Transformation behaviour of Ti-Ni and Ti-Ni-Cu alloy ribbons with nano Ti2Ni particles”, Materials Science and Engineering , A 449-451, pp. 1041- 1044, 2007.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2017

Histórico

  • Recebido
    12 Abr 2016
  • Aceito
    30 Set 2016
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