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Resposta do tecido subcutâneo de camundongos à implantação de um novo biovidro à base de óxido de nióbio

Biocompatibility in vivo study of a new bioglass made up niobium oxide

Resumos

O objetivo deste estudo foi avaliar a resposta biológica do tecido subcutâneo de camundongos à implantação de um novo biovidro à base de óxido de nióbio e óxido fosforoso. A morfologia do material foi analisada por microscopia eletrônica de varredura com espectroscopia de raios X por dispersão de energia (MEV/EDX) e a resposta tecidual foi avaliada após implantação de 30mg do biovidro no tecido subcutâneo da região dorsal de camundongos Balb/c (n=15), segundo ISO 10993-6. Após o período de 1, 3 e 9 semanas, os animais foram sacrificados e as necrópsias fixadas em formol tamponado pH 7,2 e submetidas ao processamento clássico para inclusão em parafina. Contudo, nenhum processo convencional de desmineralização de ossos e biomateriais cerâmicos foi capaz de desmineralizar o material. Alternativamente, o material obtido foi reprocessado e incluído em resina para corte em micrótomo de impacto. O estudo histopatológico considerou para análise: reação inflamatória (intensidade de células polimorfonucleares, mononucleares e células gigantes multinucledas das do tipo corpo estranho) e processo de reparo (tecido de granulação e fibrose). A análise do biomaterial no MEV/EDS demonstrou partículas irregulares com ampla variação dimensional e presença de nióbio, fósforo, cálcio, carbono e oxigênio. A análise histológica mostrou moderado infiltrado inflamatório composto de células mononucleares na semana 1, a qual desapareceu nos períodos subsequentes. Após 3 e 9 semanas, vasos sanguíneos foram observados com presença discreta de células gigantes multinucleadas tipo corpo estranho contendo partículas de biovidro de nióbio. Mesmo após 9 semanas, não se observou presença de cápsula fibrosa ao redor do material. Em nenhum momento, verificaram-se focos de necrose nem sinais de degradação das partículas. Baseado nestes resultados preliminares foi possível concluir que o material testado é biocompatível e não-bioabsorvível. A comparação deste biovidro contendo nióbio, especialmente implantado intra-ósseo, permitirá avaliar seu real potencial uso como enxerto ósseo.

biomaterial; biovidro; óxido de nióbio; biocompatibilidade


The aim of this study was to evaluate the biological response to the implantation of a new biocompatible glass based on niobium oxide and phosphorus oxide. Scanning electron microscopy with energy dispersive spectroscopy evaluated the morphology of the material (SEM/EDS) and the tissue response was evaluated by implantation of 30mg of biocompatible glass on subcutaneous tissue of Balb/c mice (n=15) as ISO 10993-6. After the period of 1, 3 and 9 weeks, the animals were killed and the necropsies were fixed in buffered formalin pH 7.2 and processed for inclusion in paraffin after demineralization step in Allkymia solution; however, no demineralization conventional procedure for bone and ceramics biomaterials was sufficient to decompose the material. Alternatively, the material was processed for inclusion in resin for being cut by high impact microtome. The histopathological study considered inflammatory reaction (intensity of polymorphonuclear, mononuclear and giant multinuclear foreign body cells) and repair process (granulation tissue and fibrosis) for evaluation. SEM/EDS analysis showed irregular particles with wide size variation and presence of niobium, phosphorus, calcium and oxygen. Despite of the presence artifacts included during the histolopatological processing, microscopic analysis showed moderate inflammatory infiltrate with the presence of mononuclear cells in week 1, that disapeared in the next implantation periods. After 3 and 9 weeks, blood vessels were observed, with discrete presence of foreign body giant multinuclear cells containing particles of niobium biocompatible glass. Even after 9 weeks, no fibrous capsules were observed around the granules of material. Necrosis foci and particles degradation signs were not detected in no one experimental period. Based in these preliminary results, it was possible to conclude that the tested material is biocompatible and not bioabsorbable. The comparison of this biocompatible glass containing niobium, specially grafted into intraosseous sites, will allow the evaluation of its real potential use as bone graft.

biomaterial; bioglass; niobium oxide; biocompatibility


Cristina Jardelino de LimaI; Igor Iuco Castro da SilvaI; Luis Felipe Hermida de BarrosI, José Mauro GraneiroI, Marcelo Henrique Prado da SilvaII

ILaboratório de Bioengenharia, Biomateriais e Mineralização Biológica e Núcleo de Terapia Celular - Rua Marquês do Paraná, 303 - 4º andar - Unidade de Pesquisa Clínica, Universidade Federal Fluminense, Niterói, RJ e-mail: tinajlima@yahoo.com.br ; iuco_uff@yahoo.com.br ; luiz_felipeh@hotmail.com ; jmgranjeiro@gmail.com

IIInstituto Militar de Engenharia - Praça General Tibúrcio, 80, Rio de Janeiro, RJ. e-mail: marceloprado@ime.eb.br

RESUMO

O objetivo deste estudo foi avaliar a resposta biológica do tecido subcutâneo de camundongos à implantação de um novo biovidro à base de óxido de nióbio e óxido fosforoso. A morfologia do material foi analisada por microscopia eletrônica de varredura com espectroscopia de raios X por dispersão de energia (MEV/EDX) e a resposta tecidual foi avaliada após implantação de 30mg do biovidro no tecido subcutâneo da região dorsal de camundongos Balb/c (n=15), segundo ISO 10993-6. Após o período de 1, 3 e 9 semanas, os animais foram sacrificados e as necrópsias fixadas em formol tamponado pH 7,2 e submetidas ao processamento clássico para inclusão em parafina. Contudo, nenhum processo convencional de desmineralização de ossos e biomateriais cerâmicos foi capaz de desmineralizar o material. Alternativamente, o material obtido foi reprocessado e incluído em resina para corte em micrótomo de impacto. O estudo histopatológico considerou para análise: reação inflamatória (intensidade de células polimorfonucleares, mononucleares e células gigantes multinucledas das do tipo corpo estranho) e processo de reparo (tecido de granulação e fibrose). A análise do biomaterial no MEV/EDS demonstrou partículas irregulares com ampla variação dimensional e presença de nióbio, fósforo, cálcio, carbono e oxigênio. A análise histológica mostrou moderado infiltrado inflamatório composto de células mononucleares na semana 1, a qual desapareceu nos períodos subsequentes. Após 3 e 9 semanas, vasos sanguíneos foram observados com presença discreta de células gigantes multinucleadas tipo corpo estranho contendo partículas de biovidro de nióbio. Mesmo após 9 semanas, não se observou presença de cápsula fibrosa ao redor do material. Em nenhum momento, verificaram-se focos de necrose nem sinais de degradação das partículas. Baseado nestes resultados preliminares foi possível concluir que o material testado é biocompatível e não-bioabsorvível. A comparação deste biovidro contendo nióbio, especialmente implantado intra-ósseo, permitirá avaliar seu real potencial uso como enxerto ósseo.

Palavras chaves: biomaterial, biovidro, óxido de nióbio, biocompatibilidade

ABSTRACT

The aim of this study was to evaluate the biological response to the implantation of a new biocompatible glass based on niobium oxide and phosphorus oxide. Scanning electron microscopy with energy dispersive spectroscopy evaluated the morphology of the material (SEM/EDS) and the tissue response was evaluated by implantation of 30mg of biocompatible glass on subcutaneous tissue of Balb/c mice (n=15) as ISO 10993-6. After the period of 1, 3 and 9 weeks, the animals were killed and the necropsies were fixed in buffered formalin pH 7.2 and processed for inclusion in paraffin after demineralization step in Allkymia solution; however, no demineralization conventional procedure for bone and ceramics biomaterials was sufficient to decompose the material. Alternatively, the material was processed for inclusion in resin for being cut by high impact microtome. The histopathological study considered inflammatory reaction (intensity of polymorphonuclear, mononuclear and giant multinuclear foreign body cells) and repair process (granulation tissue and fibrosis) for evaluation. SEM/EDS analysis showed irregular particles with wide size variation and presence of niobium, phosphorus, calcium and oxygen. Despite of the presence artifacts included during the histolopatological processing, microscopic analysis showed moderate inflammatory infiltrate with the presence of mononuclear cells in week 1, that disapeared in the next implantation periods. After 3 and 9 weeks, blood vessels were observed, with discrete presence of foreign body giant multinuclear cells containing particles of niobium biocompatible glass. Even after 9 weeks, no fibrous capsules were observed around the granules of material. Necrosis foci and particles degradation signs were not detected in no one experimental period. Based in these preliminary results, it was possible to conclude that the tested material is biocompatible and not bioabsorbable. The comparison of this biocompatible glass containing niobium, specially grafted into intraosseous sites, will allow the evaluation of its real potential use as bone graft.

Keywords: biomaterial, bioglass, niobium oxide, biocompatibility

1 INTRODUÇÃO

O desenvolvimento de novas tecnologias, associado ao avanço humano nas diversas áreas do conhecimento, trouxe muitos benefícios para a qualidade de vida da população relacionados à melhoria da saúde e do bem-estar. Neste processo, deve-se dar destaque especial a uma área multidisciplinar que estuda e desenvolve materiais potencialmente aplicados a sistemas biológicos danificados com finalidade de auxiliar seu reparo ou substituí-los, denominada de Biomateriais.

Os biovidros foram desenvolvidos pelo Prof. Larry L. Hench, em 1969. Foram sintetizados vidros com composições à base de sílica, pentóxido de fósforo, óxido de cálcio e óxido de sódio. Esses materiais foram desenvolvidos para utilização como implantes sujeitos ou não a carregamento, como recobrimentos bioativos sobre implantes metálicos e grânulos bioativos. O Bioglass®, um dos biovidros mais estudados, é bioativo, ou seja, capaz de se ligar quimicamente ao tecido ósseo, e sugere-se que seja bio-reabsorvível. [1]

A maior parte dos biovidros, ou vidros biocompatíveis, têm a sílica como principal óxido formador de rede vítrea. O nome biovidro é uma tradução da composição comercial denominada Bioglass®, que tem a sílica como formador de rede vítrea. Entretanto, outros vidros biocompatíveis podem ser denominados biovidros - mas não Bioglass®, e não contém sílica [2,3]. O Bioglass®, contém cerca de 40-55% de SiO2, 12-25% de CaO, 19-25% de Na2O e 6% de P2O5 e apresenta uma reatividade de superfície específica que aumenta a interação com tecido circundante devido a ação de aditivos, primariamente óxidos alcalinos. Este sólido amorfo não é intrinsecamente adesivo, mas é capaz de formar uma ligação coesiva com ambos os tecidos duro e mole quando exposto a apropriado ambiente in vivo ou in vitro, como fluido corporal simulado ou tampão tris-hidroximetilaminometano, para o desenvolvimento de uma camada superficial de carbonato apatita pela liberação de espécies iônicas do material em grandes quantidades. [4,5] Quando imersa em um meio aquoso, a superfície do biovidro libera íons Na+, K+ e Ca2+. Essas espécies são repostas com íons H3O+ da solução por meio de uma reação de troca iônica que produz uma camada superficial de sílica-gel. Uma camada de carbonato apatita parcialmente amorfa se forma no topo da camada de sílica gel, a qual pode evoluir para hidroxiapatita cristalina. [4,5] Essa camada é semelhante à apatita óssea e é denominada "bone-like apatite". Quando formada após imersão em fluido corpóreo simulado ("simulated body fluid", SBF), é indicativa de bioatividade.

O tamanho das partículas interfere no tempo de dissolução iônica do biovidro; partículas menores são mais rapidamente dissolvidas, devido à sua maior área de superfície. [6] Sugere-se que o biovidro apresente capacidade de ligação superior aos outros biomateriais osteosubstitutos devido à sua reatividade em fluidos fisiológicos. Uma série de reações químicas é desencadeada em cascata quando o biovidro está imerso em solução em solução aquosa, resultando na formação de uma camada de hidroxiapatita, a qual o osso é capaz de se ligar por meio de três processos gerais: clivagem, solubilização e precipitação. [7,8,9] Pré-osteoblastos são atraídos para a camada de hidroxiapatita e liberam constituintes orgânicos, promovendo a mineralização. O resultado final é uma forte interface consistindo em uma espécie de camadas: biovidro-gel de sílica-hidroxiapatita-osso. [6,7,10]

O nióbio, quando testado isoladamente, revela sua biocompatibilidade quando enxertado em tecido subcutâneo de ratos em 4 semanas e um maior potencial osteocondutor quando enxertado em fêmur de ratos em 2 e 4 semanas, com mais neoformação óssea e detecção de cálcio e fosfato se comparado a outros metais (Ti, Hf, Ta e Re). [11] Demonstrou-se que o óxido de nióbio, sintetizado no sistema P2O5-BaO-K2O-Nb2O 5 para aplicação não biomédica, é o componente do vidro que compete com o óxido de fósforo, substituindo os grupos fosfato. [12] Compósitos a base de nióbio, beta-tricálcio fosfato e hidroxiapatita aumentam significantemente a atividade de fosfatase alcalina e a calcificação por osteoblastos humanos, sendo a quantidade de tecido calcificado diretamente proporcional à concentração de íons nióbio dissolvidos no meio e derivados do material testado, podendo este ser considerado efetivo para o reparo ósseo. [13]

Amostras com baixos teores de P2O5 e altos teores de Nb2O5 (30 mol%) foram avaliadas, demonstrando-se que os biovidros niobo-fosfatos eram citocompatíveis e tinham um comportamento biológico similar ao sistema SiO2-P2O5-CaO-Na2O, onde altas razões P2O5/CaO inibem a proliferação celular.[3] Entretanto, não há estudos quanto à resposta tecidual a este novo material. O objetivo deste trabalho foi avaliar a resposta biológica ao novo vidro niobo-fosfato implantado em tecido subcutâneo de camundongos.

2 MATERIAIS E MÉTODOS

O vidro nióbio-fosfato foi produzido e caracterizado no Instituto Militar de Engenharia - IME (Rio de Janeiro, Brasil) como descrito anteriormente [12]. As amostras (n=3) para a análise morfológica foram fixadas em porta amostra com fita condutora de dupla face. A superfície foi recoberta com carbono a fim de possibilitar a condução eletrônica. As análises em Microscopia Eletrônica de Varredura com espectroscopia de raios X por dispersão de energia (MEV/EDX) foram realizadas em equipamento Jeol JSM 5800LV (Suécia).

O estudo in vivo (aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa Animal da Universidade Federal Fluminense, registro nº 0036/08), conduzido no Biotério do Núcleo de Animais Experimentais da mesma instituição, usou camundongos Balb/c (n=15), pesando 50 g e com 2 meses de idade. Foi realizada anestesia intramuscular com solução de ketamina (100 mg/kg, Veltbrands, Brasil) e xilazina (10 mg/kg, Veltbrands, Brasil), seguida de tricotomia e anti-sepsia com clorexidina alcoólica 0,5% na região dorsal dos animais. Incisão linear e divulsão expuseram a região subcutânea para implantação do material (pó com 30 mg), suturada com fio nylon 5.0 (Ethicon®, Johnson & Johnson, Brasil). Os animais foram mortos usando sobredose anestésica em 1, 3 e 9 semanas pós-cirurgia, seguindo a ISO-10993-6) [14] e dissecado por animal um bloco de tecido contendo a área do implante do biomaterial e tecido saudável ao redor. O processamento histológico das amostras coletadas contou das etapas de fixação em formol 10% tamponado, pH 7,2, por 48 horas, seguida da desmineralização com solução desmineralizadora da Allkymia e processamento convencional para inclusão em parafina. Contudo, a desmineralização do biomaterial não foi obtida, resultando em destruição dos cortes. O material foi reprocessado para inclusão em resina cujos blocos foram obtidos após desidratação em etanol 95%, 100% e 70% por 48 horas cada banho (±4ºC), clarificação em xilol por 1 dia (±4ºC), imersão na solução 1 (7,5 ml de metil-metacrilato e 2,5 ml de di-butil-ftalato) por 2 dias, solução 2 (7,5 ml de metil-metacrilato, 2,5 ml de di-butil-ftalato, 0,1 g de peróxido de benzoíla) por 2 dias sempre sob refrigeração (±4ºC) e solução 3 (7,5 ml de metil-metacrilato, 2,5 ml de di-butil-ftalato, 0,25 g de peróxido de benzoíla) por 1 dia na estufa em 39°. Cortes com 5µm de espessura foram corados pela técnica Hematoxilina-Eosina e foram submetidas à análise descritiva que avaliou reação inflamatória (presença e intensidade de células polimorfonucleares, mononucleares e células gigantes multinucleadas do tipo corpo estranho) e processo de reparo (tecido de granulação e fibrose).

3 RESULTADOS

3.1 Microscopia eletrônica de varredura:

O material testado demonstrou ter uma estrutura constituída por partículas irregulares com variação dimensional de 310 a 750µm (Figura 1 A) e diferentes características de superfície, em sua maioria lisa, mas apresentando regiões rugosas (Figura 1 B). A microanálise química por espectroscopia de raios X por dispersão de energia de elétrons (MEV-EDX) confirmou a composição projetada, à base de nióbio (Nb), fósforo (P), cálcio (Ca), carbono (C) e oxigênio (O) (Figura 1 C).


3.2 Microscopia óptica:

Uma surpresa digna de nota no presente estudo foi à incapacidade de desmineralizar o biovidro à base de nióbio. O processamento acelerado com solução desmineralizadora da Allkymia não surtiu qualquer efeito mesmo após 1 semana. Alternativamente, o processamento foi refeito para inclusão em resina e, novamente, a alta dureza do material promoveu a ruptura da amostra, mas não seu corte. Conseqüentemente, a qualidade do corte foi muito prejudicada, restando fragmentos de tecido e de material. Paralelamente, tentou-se a desmineralização dos grânulos com solução de Morse e, mesmo após, 30 dias, os grânulos permaneceram inalterados. Nos cortes obtidos, corados em HE, em 1 semana, foi observada a presença de moderado infiltrado inflamatório composto de células mononucleares, ausência de células polimorfonucelares ou focos de necrose, com tecido de granulação circundando os grânulos do material enxertado. Ao longo dos períodos de 3 e 9 semanas, observou a estabilização da resposta tecidual caracterizada pela presença nova microarquitetura vascular próximo aos grânulos do material, presentes num tecido conjuntivo em sua maioria frouxo, mas com áreas de denso não-modelado, contendo baixa densidade de células gigantes multinucleadas (englobando o material particulado), macrófagos e fibroblastos (Figura 2). Não se observaram sinais de fibrose ao redor dos grânulos do material.


4 DISCUSSÃO

O Brasil é o maior produtor de nióbio, possuindo reservas entre 85 e 90% de todo o nióbio do planeta. [15] Portanto, aplicações comerciais para esse metal e seu óxido são de interesse nacional.

Estudos anteriores demonstram que o biovidro possui grande capacidade osteocondutora, elevada biocompatibilidade e não promove interposição de tecido fibroso na interface com osso. [16, 17] Além disso, o biovidro pode promover a migração, replicação e diferenciação de células mesenquimais da medula óssea de humanos em osteoblastos, por meio da ativação do controle genético que leva a produção dos fatores de crescimento, confirmando a sua atividade osteoindutora. [16,18] Em relação a outros substitutos ósseos testados, o biovidro foi capaz de estimular proliferação óssea mais rápida. [19]

Em um estudo comparando hidroxiapatita e biovidro, foi descrito que a velocidade de crescimento do osso ao redor das partículas do biovidro foi mais rápida e o osso neoformado mais denso. [20] A vascularização observada no leito de implantes tratados com biovidro foi mais pronunciada do que no sítio controle. Além disso, os defeitos tratados com biovidro geram cerca de duas vezes mais tecido ósseo do que os defeitos controle. [21]

Neste estudo, avaliou-se a resposta tecidual ao biovidro de nióbio desenvolvido no grupo de pesquisa [12] e não citotóxico [3]. Considerando-se o conceito dos 3Rs (reduction, replacement, refinement) quanto ao uso de animais de experimentação, optou-se por não incluir o grupo controle nesse etapa do trabalho, posto que o intento foi identificar a resposta tecidual a um composto inédito. A verificação do tipo, intensidade e composição do infiltrado inflamatório, bem como da degradação (ou não, do biomaterial) e das características do tecido ao redor do material ao longo dos períodos experimentais são suficientes para suportar uma análise preliminar e a conclusão apresentada no trabalho, como já publicado anteriormente [22-24]. Vale destacar, ainda, que a opção pelo modelo para avaliar a biocompatibilidade em subcutâneo de ratos é fundamentada no fato de que, durante o desenvolvimento e avaliação de biomateriais, os passos iniciais de caracterização biológica envolvem os testes de citotoxicidade [ISO-10993-5], dados já publicados [3], e biocompatibilidade [ISO-10993-6] em subcutâneo de roedores antes dos testes de implantação intraósseo. Essa rota de estudo, embora um pouco mais longa, permite conhecer melhor as propriedades biológicas do biomaterial em avaliação, como amplamente publicado na literatura. Essa sequencia lógica de estudos é uma estratégia importante para que se possa conhecer em maior profundidade a resposta celular e tecidual ao biomaterial em estudo, bem como minimizar o risco de se realizar estudos mais complexos e caros com materiais que poderiam ser excluídos em uma análise preliminar. Nossa estratégia mostrou-se acertada, pois, ao constatar que o biovidro de nióbio não é absorvível e nem passível de processamento histológico convencional, indicou a necessidade de modificações no processo de síntese de modo otimizar as propriedades biológicas do biomaterial, mantendo sua biocompatibilidade e agregando uma propriedade muito importante que é a biodegradabilidade. Assim, após os ajustes nas propriedades do material, sua eficiência poderá ser determinada utilizando-se modelos intraósseos e comparando-se a resposta tecidual a controles adequados, como materiais à base de biovidros disponíveis no mercado ou outras cerâmicas como a hidroxiapatita.

A análise das seções histológicas permitiu observar o desenvolvimento de uma reação granulomatosa tipo corpo estranho discreta com presença de células gigantes multinucleadas tipo corpo estranho e infiltrado mononuclear sugestivo de macrófagos, porém livre de sinais de destruição tecidual no subcutâneo de camundongos. Este tipo de reação é bastante comum a materiais à base de biovidro [25], bem como a praticamente qualquer biomaterial, sintético ou natural, implantado no tecido subcutâneo de roedores [26,27], ou subcutâneo de coelhos. [28] Ainda, nos períodos experimentais avaliados, não sem observou fibrose ao redor das partículas.

Importante destacar que o material não pode ser solubilizado em nenhuma das soluções avaliadas, indicando que a incorporação do nióbio promoveu drástica redução da bioabsorção do biovidro. No presente estudo, pode-se observar que durante a microtomia, grânulos do material foram fragmentados, restando alguns mais periféricos justapostos ao tecido subcutâneo, mas com perda da porção central do material. Anteriormente. foi relatado que a associação de nióbio a um polímero promoveu a diminuição da cinética de sua degradação mesmo após 48 semanas da implantação. [29] A associação do nióbio visou superar limitações inerentes aos próprios biovidros, os quais possuem um bom comportamento quanto à compressão, porém sob tração a evolução é insatisfatória. Com o mesmo objetivo surgiram os compósitos cerâmicas/polímeros, onde as propriedades mecânicas do polímero são otimizadas utilizando-se a cerâmica como reforço, além da propriedade de bioatividade das mesmas. [30]

A presença de partículas do material no interior de células multinucleadas sugere que ele seja degradado ao longo dos períodos experimentais, como observado em outro estudo onde houve reabsorção parcial e substituição por tecido conjuntivo em tecido subcutâneo de ratos. [31] A tendência atual é procurar desenvolver compósitos utilizando polímeros biodegradáveis. Para que os polímeros sejam utilizados como enxertos biodegradáveis alguns requisitos devem ser obedecidos, como: a biocompatibilidade, a facilidade de controle da degradação, a não toxicidade dos produtos da degradação e a facilidade de excreção destes produtos. [32] Em oposição a relatos da literatura, o biovidro de nióbio mostrou-se completamente não absorvível. [33, 34]

Considerando os conceitos modernos de Medicina Regenerativa, a resistência deste biovidro de nióbio à biodegradação mostra-se como um desafio ao desenvolvimento do biomaterial. Novas rotas de síntese estão sendo avaliadas com o intuito de superar esta limitação inicial. Por outro lado, aplicações que prescindam de resistência mecânica do material potencialmente podem ser beneficiadas pelo uso deste material. A implantação do biovidro de nióbio no tecido ósseo permitirá endereçar melhor essa questão.

5 CONCLUSÕES

O biovidro a base de óxido de nióbio e óxido fosforoso mostrou-se biocompatível e não absorvível nas condições experimentais utilizadas.

6 AGRADECIMENTOS

À Faperj, Capes, Finep, MS/DECIT e CNPq por patrocinar este estudo.

7 BIBLIOGRAFIA

Data de envio: 02/07/09

Data de aceite: 13/05/11

Autor Responsável: LIMA, Cristina Jardelino de

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    Biocompatibility in vivo study of a new bioglass made up niobium oxide
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      27 Jun 2011
    • Data do Fascículo
      2011

    Histórico

    • Recebido
      02 Jul 2009
    • Aceito
      13 Maio 2011
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