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Caracterização ótica e microestrutural de filmes finos de MoO3 para aplicação em células solares orgânicas

Optical and microstructural characterization of MoO3 thin films for organic solar cells applications

RESUMO

As células solares orgânicas possuem várias vantagens que as tornam atrativas como baixo custo, flexibilidade, leveza e fabricação via processo rolo-a-rolo. Um dos materiais mais empregados como camada transportadora de buracos nessas células é o polímero PEDOT:PSS. Entretanto, ele degrada muito facilmente em condições ambientais, sendo um dos responsáveis pelo curto tempo de vida desses dispositivos. Esse trabalho teve por objetivo obter filmes de MoO3 para atuarem como camada transportadora de buracos em células solares orgânicas. A técnica utilizada para a deposição dos filmes foi pulverização catódica reativa com rádio frequência e magnetos. O efeito dos parâmetros de deposição, como potência de trabalho e temperatura do substrato, foi investigado. Os resultados de difração de raios x mostraram que os filmes depositados a 200 °C eram amorfos ou nanocristalinos, independentemente da potência de deposição, com exceção daqueles depositados na potência mais baixa, 125 W, que continham uma pequena quantidade da fase β-MoO3. A transmitância desses filmes, medida em um espectrofotômetro na faixa UV-VIS, ficou entre 60 e 75%. Ao contrário da potência de deposição, a temperatura do substrato afetou significativamente as propriedades microestruturais e óticas dos filmes. Os resultados mostraram que filmes depositados acima de 250 °C eram cristalinos e constituídos pelas fases β-MoO3 e α-MoO3, sendo que o percentual da fase α-MoO3 aumentava com a temperatura. As imagens da superfície dos filmes confirmaram o importante papel da temperatura do substrato na cristalização dos filmes, mostrando o incremento da cristalização com o aumento da temperatura do substrato. Os resultados da espectroscopia UV-Vis mostraram que a temperatura de substrato pode ser usada como parâmetro controlador da banda proibida, cujo valor aumentou com a temperatura, de 2,7 eV para 3,1 eV.

Palavras-chave
trióxido de molibdênio; propriedades óticas; microestrutura; pulverização catódica

ABSTRACT

Organic solar cells are very attractive for solar energy conversion due to their low cost, flexibility, lightness, and potential for manufacturing via roll-to-roll process. One of the materials most used as hole transport layer in these cells is the PEDOT: PSS polymer. However, this polymer easily degrades under environmental conditions, limiting the device lifetime. In this work MoO3 films were deposited by reactive radio frequency sputtering for being used as hole transport layer in organic solar cells. The effect of deposition parameters, such as working power and substrate temperature, was investigated. The x-ray diffraction data showed that the films deposited at 200 °C were amorphous or nanocrystalline, regardless the deposition power, except for those deposited at the lowest power, 125 W, which contained a small amount of the β-MoO3 phase. The transmittance of these films, measured in a UV-VIS spectrophotometer, ranged from 60% to 75%. Unlike deposition power, the substrate temperature significantly affected the microstructural and optical properties of the films. The results showed that films deposited above 250 °C were crystalline and consisted of a mixture of β-MoO3 and α-MoO3 phases, the percentage of the α-MoO3 phase increasing with temperature. The surface images of the films confirmed the important role of the substrate temperature on the crystallization of the films, showing the increase of crystallization with the temperature. The results of UV-Vis spectroscopy showed that the substrate temperature can be used as a parameter for bandgap tuning, with the values changing from 2.7 eV to 3.1 eV as temperature increases.

Keywords
molybdenum trioxide; optical properties; microstructure; sputtering

1. INTRODUÇÃO

Células solares orgânicas (OSCs) são dispositivos que convertem a luz solar em eletricidade a partir de uma camada ativa polimérica e possuem várias vantagens que as tornam atrativas para comercialização, como baixo custo, flexibilidade, leveza e adaptação ao processo de fabricação rolo-a-rolo, o qual é ideal para produção em larga escala. Os maiores entraves para que elas se tornem competitivas no mercado fotovoltaico são o tempo de vida limitado e a baixa eficiência comparada aos demais dispositivos comerciais [11 CHATURVEDI, N., SWAMI, S.K., DUTTA, V., "Electric field assisted spray deposited MoO3 thin films as a hole transport layer for organic solar cells", Solar Energy, v. 137, pp. 379–384, Nov. 2016.].

Nessas células, a absorção de energia luminosa pela camada ativa leva à formação de excitons, que são pares elétron-buraco que se movem no material por difusão. De forma análoga aos dispositivos solares inorgânicos, que usam uma junção p-n como região ativa e separadora de cargas, as células solares orgânicas usam, como camada ativa, uma junção do tipo doador:receptor, responsável por separar o exciton. A diferença entre as afinidades eletrônicas do doador e do receptor gera um campo elétrico na junção responsável pela separação de cargas na interface entre os dois materiais [11 CHATURVEDI, N., SWAMI, S.K., DUTTA, V., "Electric field assisted spray deposited MoO3 thin films as a hole transport layer for organic solar cells", Solar Energy, v. 137, pp. 379–384, Nov. 2016.].

A configuração básica de uma OSC é anodo/camada ativa/catodo. Uma das formas de aumentar a eficiência dessas células é modificar a interface anodo/camada ativa, introduzindo-se uma camada buffer que tem como objetivo principal alinhar os níveis de energia de forma a contribuir para um transporte de cargas (nesse caso, dos buracos) mais eficiente. O mesmo pode ser feito na interface catodo/camada ativa, introduzindo-se uma camada buffer transportadora de elétrons. Assim, uma das configurações das OSCs mais exploradas atualmente é a configuração invertida, que utiliza camadas transportadoras de elétrons e de buracos. Além disso, os materiais que vêm sendo utilizados nessa arquitetura são mais estáveis no ambiente [22 GUPTA, S.K., BANERJEE, S., SINGH, A., et al., "Modeling of degradation in normal and inverted OSC devices", Solar Energy Materials and Solar Cells, v. 191, pp. 329–338, Mar. 2019., 33 MEYER, J., HAMWI, S., KRÖGER, M., et al., "Transition metal oxides for organic electronics: Energetics, device physics and applications", Advanced Materials, v. 24, n. 40, pp. 5408–5427, Ago. 2012.].

As OSCs invertidas mais exploradas atualmente são compostas por um catodo (óxido de índio-estanho - ITO), através do qual a luz solar incide, uma camada transportadora de elétrons (óxido de zinco - ZnO), uma junção doador:receptor (por ex., poli(3-hexiltiofeno-2,5-diil):éster fenil-C61-ácido butírico-metílico - P3HT:PCBM), uma camada transportadora de buracos e um anodo (prata - Ag) [22 GUPTA, S.K., BANERJEE, S., SINGH, A., et al., "Modeling of degradation in normal and inverted OSC devices", Solar Energy Materials and Solar Cells, v. 191, pp. 329–338, Mar. 2019.]. Um dos materiais mais empregados como camada transportadora de buracos é o polímero poli(1,4-etilnodioxitiofeno): poli (estirenosulfonado), PEDOT:PSS, o qual é facilmente degradado em condições ambientais, sendo um dos responsáveis pelo curto tempo de vida desses dispositivos. Ao contrário, alguns óxidos de metais de transição, como o trióxido de molibdênio (MoO3), têm sido propostos para essa finalidade, devido à estabilidade e à alta função trabalho [11 CHATURVEDI, N., SWAMI, S.K., DUTTA, V., "Electric field assisted spray deposited MoO3 thin films as a hole transport layer for organic solar cells", Solar Energy, v. 137, pp. 379–384, Nov. 2016., 44 KIRAN, M.R., ULLA, H., KRISHNAMANOHARA, S., et al.,"Investigation of charge transport in Vanadyl-phthalocyanine with molybdenum trioxide as a buffer layer: Impedance spectroscopic analysis", Synthetic Metals, v. 210, pp. 208–213, Dez. 2015.

5 MAITI, P., GUHA, P., SINGH, R., et al.,"Optical band gap, local work function and field emission properties of MBE grown β-MoO3 nanoribbons", Applied Surface Science, v. 476, pp. 691–700, Mai. 2019.

6 SHI, L., CUI, Y., GAO, Y., et al.,"High Performance Ultrathin MoO3/Ag Transparent Electrode and Its Application in Semitransparent Organic Solar Cells", Nanomaterials, v. 473, n. 8, Jun. 2018.
-77 LI, P., WU, B., YANG, Y. C., et al., "Improved charge transport ability of polymer solar cells by using NPB/MoO3 as anode buffer layer", Solar Energy, v. 170, pp. 212–216, Ago. 2018.]. A elevada transparência do MoO3 na região visível do espectro solar também é uma vantagem, pois possibilita a fabricação de OSCs semi-transparentes [66 SHI, L., CUI, Y., GAO, Y., et al.,"High Performance Ultrathin MoO3/Ag Transparent Electrode and Its Application in Semitransparent Organic Solar Cells", Nanomaterials, v. 473, n. 8, Jun. 2018.].

Recentemente, SHI et al. [66 SHI, L., CUI, Y., GAO, Y., et al.,"High Performance Ultrathin MoO3/Ag Transparent Electrode and Its Application in Semitransparent Organic Solar Cells", Nanomaterials, v. 473, n. 8, Jun. 2018.] produziram eletrodos ultrafinos de MoO3/Ag para serem usados como anodo em células orgânicas semitransparentes. Os autores obtiveram filmes contínuos e finos (< 10 nm) de Ag com a finalidade de usá-los em OSCs e permitir a incidência de luz, não somente pelo catodo, mas também pelo lado do anodo. Os filmes de Ag, apesar de terem somente 9 nm de espessura, apresentaram excelente cobertura quando foram depositados sobre um filme de MoO3 com 1 nm de espessura. A transmitância desse eletrodo foi aproximadamente 74%. Os autores verificaram que o MoO3, além de ter atuado como bom transportador de buracos, facilitou a nucleação da Ag, com a consequente formação de filmes contínuos e muito finos.

São várias as técnicas utilizadas para a fabricação de filmes finos de MoO3, dentre elas, a evaporação térmica [66 SHI, L., CUI, Y., GAO, Y., et al.,"High Performance Ultrathin MoO3/Ag Transparent Electrode and Its Application in Semitransparent Organic Solar Cells", Nanomaterials, v. 473, n. 8, Jun. 2018.], a deposição por spray [11 CHATURVEDI, N., SWAMI, S.K., DUTTA, V., "Electric field assisted spray deposited MoO3 thin films as a hole transport layer for organic solar cells", Solar Energy, v. 137, pp. 379–384, Nov. 2016.] e a pulverização catódica [88 MEHMOOD, H., GENCE, B., İLKER, Y., et al., "Electrical, optical and surface characterization of reactive RF magnetron sputtered molybdenum oxide films for solar cell applications", Materials Science in Semiconductor Processing, v. 101, pp. 46-56, Out. 2019.]. A pulverização catódica reativa, seja por corrente contínua (DC) ou por rádio frequência (RF), tem sido amplamente utilizada devido as suas vantagens que são boa adesão e uniformidade dos filmes, reprodutibilidade e alta taxa de deposição [99 AL-BARADI, A.M., EL-NAHASS, M.M., HASSANIEN, A.M., et al.,"Influence of RF sputtering power on structural and optical properties of Nb2O5 thin films". Optik, v. 168, pp. 853–863, Set. 2018., 1010 WALIA, S., BALENDHRAN, S., NILI, H., et al.,"Transition metal oxides - Thermoelectric properties", Progress in Materials Science, v. 58, n. 8, pp. 1443–1489, Out. 2013.]. Algumas das variáveis de controle dessa técnica são a temperatura do substrato e a potência de trabalho, cujos valores adotados influenciam diretamente as propriedades microestrutural e ótica dos filmes de MoO3 [1111 NIRUPAMA, V., GUNASEKHAR, K. R., SREEDHAR, B., et al.,"Effect of oxygen partial pressure on the structural and optical properties of dc reactive magnetron sputtered molybdenum oxide films", Current Applied Physics, v. 10, n. 1, pp. 272–278, Jan. 2010.]. No caso da deposição reativa, o percentual de oxigênio na mistura gasosa é também um fator determinante no controle das fases presentes.

O MoO3 tem três polimorfos, dentre eles, o α-MoO3, cuja estrutura é ortorrômbica, e o β-MoO3, com estrutura monoclínica [1212 SONG, J., LI, Y., ZHU, X., et al.,"Preparation and optical properties of hexagonal and orthorhombic molybdenum trioxide thin films", Materials Letters, v. 95, n. 3, pp. 190–192, Mar. 2013.]. O arranjo atômico do α-MoO3 é composto por octaedros de MoO6 em zig-zag e linha formando bicamadas ligadas fracamente entre si [1313 KOIKE, K., WADA, R., YAGI, S., et al., "Characteristics of MoO3 films grown by molecular beam epitaxy", Japanese Journal of Applied Physics, v. 53, n. 5S1, Abr. 2014.]. A fase ortorrômbica α-MoO3 é a mais estável acima de 350 oC. A transição β-MoO3 para α-MoO3 ocorre somente em temperaturas de deposição acima de 350 oC, principalmente quando a atmosfera de deposição do filme é rarefeita em oxigênio. Quando a atmosfera reativa é rica em oxigênio, por ex. acima de 30% de O2 em uma mistura argônio-oxigênio, observa-se a presença da fase α-MoO3 [1414 KODAN, N., SINGH, A.P., VANDICHEL, M., et al.,"Favourable band edge alignment and increased visible light absorption in β-MoO3/α-MoO3 oxide heterojunction for enhanced photoelectrochemical performance", International Journal of Hydrogen Energy, v. 43, n. 33, pp. 15773-15783, Ago. 2018.].

A banda proibida do MoO3 situa-se entre 2,6 a 2,8 eV para o β-MoO3 e entre 3,3 a 3,6 eV para o α-MoO3 [11 CHATURVEDI, N., SWAMI, S.K., DUTTA, V., "Electric field assisted spray deposited MoO3 thin films as a hole transport layer for organic solar cells", Solar Energy, v. 137, pp. 379–384, Nov. 2016., 1414 KODAN, N., SINGH, A.P., VANDICHEL, M., et al.,"Favourable band edge alignment and increased visible light absorption in β-MoO3/α-MoO3 oxide heterojunction for enhanced photoelectrochemical performance", International Journal of Hydrogen Energy, v. 43, n. 33, pp. 15773-15783, Ago. 2018.]. Além disso, os filmes finos de MoO3 possuem alta transmitância no espectro visível e podem ser fabricados como semicondutores tipo-n. As propriedades ópticas desses filmes dependem fortemente dos estados de oxidação dos íons de Mo na matriz. A introdução de impurezas de átomos doadores pode gerar deficiência de oxigênio no filme de forma a gerar níveis doadores abaixo da banda de condução. Com isso, os óxidos reduzidos se comportam como semicondutores. A transferência das cargas entre as vacâncias de oxigênio e os íons de Mo cria uma vacância de carga positiva que serve como um estado receptor. Além disso, à medida que a temperatura de crescimento do filme aumenta, a densidade dos estados de vacâncias diminui [1515 BORAH, D.J., MOSTAKO, A.T.T., SAIKIA, P.K., et al.,"Effect of thickness and post deposition annealing temperature on the structural and optical properties of thermally evaporated molybdenum oxide films", Materials Science in Semiconductor Processing, v. 93, pp. 111–122, Abr. 2019.].

As deposições de filmes de MoO3 em temperaturas de substrato menores que 200 °C favorecem a formação de filmes amorfos [1616 NAVAS, I., VINODKUMAR, R., LETHY, K.J., et al.,"Growth and characterization of molybdenum oxide nanorods by RF magnetron sputtering and subsequent annealing", Journal of Physics D: Applied Physics, v. 42, n. 17, Ago. 2009.]. Já em temperaturas superiores, filmes cristalinos são obtidos mais facilmente, tal como observaram UHANNA et al. [1717 UTHANNA, S., NIRUPAMA, V., PIERSON, J.F., "Substrate temperature influenced structural, electrical and optical properties of dc magnetron sputtered MoO3 films", Applied Surface Science, v. 256, n. 10, pp. 3133–3137, Mar. 2010.], que produziram filmes finos de MoO3 variando a temperatura de substrato entre a ambiente e 350 °C. Eles notaram que o aumento da temperatura de substrato favoreceu a cristalização dos filmes de MoO3, bem como a formação de filmes com grãos equiaxiais. Os autores também verificaram o aumento da transmitância com o aumento da temperatura de substrato e a partir disso concluíram que os filmes possuíam baixa concentração de vacâncias de oxigênio.

PONCE-MOSSO et al. [1818 PONCE-MOSSO, M., PÉREZ-GONZÁLEZ, M., GARCÍA-TINOCO, P.E., et al.,"Enhanced photocatalytic activity of amorphous MoO3 thin films deposited by rf reactive magnetron sputtering", Catalysis Today, Abr. 2018.] produziram filmes amorfos de MoO3 à temperatura ambiente, com potências entre 40 a 80 W. Esses autores observaram que a potência de trabalho pouco alterou as propriedades microestruturais dos filmes de MoO3, porém promoveu mudanças significativas na transmitância e no coeficiente de absorção. O aumento da potência de 40 para 80 W ocasionou uma redução tanto na transmitância, de 90% para 20 %, quanto na banda proibida, de 2,67 eV para 1,64 eV. Eles justificaram esse comportamento pelo aumento da concentração de vacâncias de oxigênio na microestrutura.

Apesar de a literatura explorar bastante a funcionalidade do MoO3 como camada transportadora de buracos na célula solar orgânica, pouco é abordado sobre o controle da microestrutura desse material a partir dos parâmetros de processamento. Vários trabalhos nem mencionam a forma polimórfica sintetizada durante o processo de fabricação da célula. Dessa forma, esse trabalho visa estudar a influência da temperatura e da potência de deposição na microestrutura e nas propriedades óticas de filmes de MoO3 produzidos por pulverização catódica reativa com RF assistida por campo magnético, contribuindo para obtenção e controle de filmes com propriedades adequadas para aplicação em células solares orgânicas.

2. MATERIAIS E MÉTODOS

Os filmes de MoO3 foram depositados sobre substratos de vidro soda lime pela técnica de pulverização catódica reativa com RF e magnetos, em um equipamento projetado no Laboratório de Filmes Finos do Instituto Militar de Engenharia (LFF-IME). Um alvo metálico de molibdênio (99,99% de pureza) com 3” de diâmetro, da AJA International, foi utilizado. A distância alvo-substrato foi de 8,5 cm, a pressão-base do sistema foi de 10-6 Torr e a razão da mistura gasosa (O2/Ar+O2) foi 10%: 0,2 mTorr de oxigênio e 1,8 mTorr de argônio, ou seja, uma pressão de trabalho de 2,0 mTorr. Essa pressão era controlada pelo fluxo de oxigênio, 1,75 sccm de oxigênio e 6,0 sccm de argônio. Os substratos eram rotacionados durante a deposição com uma velocidade de 22 rpm. A potência de trabalho e a temperatura do substrato foram variadas na faixa de 125 W a 205 W e 20 °C a 400 °C, respectivamente. A espessura dos filmes foi mantida em torno de 500 nm. A identificação de fases e a caracterização morfológica dos filmes produzidos foram feitas, respectivamente, no difratômetro de raios x, modelo D8 Advanced da Bruker, com fonte Co-Kα, do Laboratório Multiusuário de Difração de Raios X da Universidade Federal Fluminense (LDRX-UFF) e no microscópio eletrônico de varredura (MEV), modelo JEM 2100F da Jeol, do Laboratório Multiusuário de Nanofabricação e Caracterização de Nanomateriais da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (NANOFAB-UERJ), enquanto que a transmitância foi medida no espectrofotômetro, modelo Cary 5000 da Varian, do LFF-IME, na faixa 200-800 nm.

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

3.1 Efeito da potência

O efeito da potência na cristalização dos filmes de MoO3 depositados a 200 °C pode ser verificado nos difratogramas de raios x da Figura 1. A porção amorfa identificada em baixos ângulos deve-se principalmente ao substrato de vidro. Como se pode observar, os difratogramas dos filmes depositados a 165 W e 205 W mostraram que esses materiais são amorfos ou nanocristalinos, enquanto que no difratograma dos filmes depositados a 125 W foi verificado um pico de baixa intensidade, em 26,6°, referente ao plano (011) da fase β. A ficha utilizada para identificação dessa fase foi a JCPS n° 00-037-1445. Em geral, a cristalização de filmes depositados por pulverização catódica é favorecida quando há incremento de temperatura no substrato ou quando a potência de deposição é suficientemente alta para que os átomos cheguem ao substrato com alguma energia. Os resultados indicam que tanto a temperatura de 200 oC quanto a faixa de potência utilizada não favoreceram a cristalização dos filmes. PONCE-MOSSO et al. [1818 PONCE-MOSSO, M., PÉREZ-GONZÁLEZ, M., GARCÍA-TINOCO, P.E., et al.,"Enhanced photocatalytic activity of amorphous MoO3 thin films deposited by rf reactive magnetron sputtering", Catalysis Today, Abr. 2018.] também não observaram uma influência da potência na cristalização dos filmes, concluindo que os filmes tornaram-se cristalinos devido ao efeito da temperatura. No caso do filme depositado a 125 W, visto que ele foi crescido durante um tempo maior para se alcançar a mesma espessura dos demais filmes (500 nm), é possível que esse tempo tenha sido longo o suficiente para iniciar a cristalização. Ainda assim, esses filmes possuem baixa cristalinidade e devem ser crescidos a temperaturas acima de 200 oC ou ser submetidos a tratamento térmico pós-deposição como sugere a literatura [1919 SIMCHI, H., MCCANDLESS, B.E., MENG, T., et al.,"Characterization of reactively sputtered molybdenum oxide films for solar cell application", Journal of Applied Physics, v. 114, n. 1, Jul. 2013.].

Figura 1
Difratogramas de raios x dos filmes de MoO3 depositados em 200 °C a diferentes potências de trabalho.

O efeito da potência de trabalho na morfologia dos filmes de MoO3 pode ser observado nas micrografias da Figura 2. A cristalização dos filmes de MoO3 foi favorecida em potências menores, o que corrobora os resultados mostrados na Figura 1. Os grãos dos filmes de MoO3 produzidos a 125 W e 205 W foram aproximadamente equiaxiais, conforme mostram as Figuras 2a e 2c. Segundo DWIVEDI et al. [2020 DWIVEDI, C., MOHAMMAD, T., BHARTI, V., et al.,"CoSP approach for the synthesis of blue MoO3 nanoparticles for application as hole transport layer (HTL) in organic solar cells", Solar Energy, v. 162, pp. 78–83, Mar. 2018.], o formato esférico é a morfologia ideal para que o transporte de buracos nos filmes de MoO3 seja mais eficaz. A morfologia esférica favorece o aumento da área superficial e filmes com menos defeitos. Sendo assim, os filmes de MoO3 produzidos a 125 W e 205 W devem funcionar melhor como transportador de buracos nas OSCs do que os filmes produzidos a 165 W cuja morfologia foi do tipo flor. Essas morfologias já foram verificadas por outros autores, como UTHANNA et al. [1717 UTHANNA, S., NIRUPAMA, V., PIERSON, J.F., "Substrate temperature influenced structural, electrical and optical properties of dc magnetron sputtered MoO3 films", Applied Surface Science, v. 256, n. 10, pp. 3133–3137, Mar. 2010.] que as obtiveram em filmes depositados por pulverização catódica.

Figura 2
Micrografias obtidas no MEV dos filmes de MoO3 depositados em 200 °C a diferentes potências de trabalho: a) 125 W; b) 165 W; c) 205 W.

A Figura 3 mostra os espectros de transmitância dos filmes depositados a 200 oC nas diferentes potências. O coeficiente de absorção (α) foi calculado a partir dos dados de transmitância e plotado em função da energia do fóton incidente (E) [2121 PANKOVE, J.I., Optical Process in Semiconductors, New York, Dover Publications, 1971.]. Os filmes depositados com 125 W e 205 W possuem espectros bem semelhantes, com transmitância na região visível em torno de 75%, enquanto que os depositados com 165 W são menos transparentes, com transmitância próxima a 60%. É possível que a espessura desse filme não tenha sido uniforme e a análise tenha sido feita em uma região com espessura um pouco maior que a dos demais filmes, o que pode ser inclusive atestado pelo maior número de franjas de interferência. O espectro de absorção desse filme também difere dos demais, exibindo um patamar intermediário antes da absorção fundamental, o que pode estar relacionado à existência de uma maior concentração de defeitos, em função da maior espessura desse filme.

Figura 3
Propriedades óticas dos filmes de MoO3 depositados em 200 oC a diferentes potências de trabalho: a) espectros de transmitância; b) coeficiente de absorção; c) plot de Tauc - transição indireta.

A banda proibida (Eg) dos filmes foi calculada considerando-se que o MoO3 é um semicondutor de banda indireta [1414 KODAN, N., SINGH, A.P., VANDICHEL, M., et al.,"Favourable band edge alignment and increased visible light absorption in β-MoO3/α-MoO3 oxide heterojunction for enhanced photoelectrochemical performance", International Journal of Hydrogen Energy, v. 43, n. 33, pp. 15773-15783, Ago. 2018., 2222 DE MELO, O., GONZÁLEZ, Y., CLIMENT-FONT, A., et al., "Optical and electrical properties of MoO2 and MoO3 thin films prepared from the chemically driven isothermal close space vapor transport technique", Journal of Physics Condensed Matter, v. 31, n. 29, pp. , Mai. 2019.]. Não há um consenso na literatura sobre o tipo de transição fundamental do MoO3. A maioria dos autores considera indistintamente ambas as transições, direta [11 CHATURVEDI, N., SWAMI, S.K., DUTTA, V., "Electric field assisted spray deposited MoO3 thin films as a hole transport layer for organic solar cells", Solar Energy, v. 137, pp. 379–384, Nov. 2016.] e indireta [88 MEHMOOD, H., GENCE, B., İLKER, Y., et al., "Electrical, optical and surface characterization of reactive RF magnetron sputtered molybdenum oxide films for solar cell applications", Materials Science in Semiconductor Processing, v. 101, pp. 46-56, Out. 2019.], sem explicar a razão da escolha, a qual é fundamental para se obter um valor preciso da banda proibida. Entretanto, alguns autores, como DE MELO et al. [2222 DE MELO, O., GONZÁLEZ, Y., CLIMENT-FONT, A., et al., "Optical and electrical properties of MoO2 and MoO3 thin films prepared from the chemically driven isothermal close space vapor transport technique", Journal of Physics Condensed Matter, v. 31, n. 29, pp. , Mai. 2019.], KODAN et al. [1414 KODAN, N., SINGH, A.P., VANDICHEL, M., et al.,"Favourable band edge alignment and increased visible light absorption in β-MoO3/α-MoO3 oxide heterojunction for enhanced photoelectrochemical performance", International Journal of Hydrogen Energy, v. 43, n. 33, pp. 15773-15783, Ago. 2018.] e QU et al. [2323 QU, Q., ZHANG, W.B., HUANG, K., et al.,"Electronic structure, optical properties and band edges of layered MoO3: A first-principles investigation", Computational Materials Science, v. 130, pp. 242–248, Abr. 2017.], fizeram cálculos teóricos para determinar a estrutura eletrônica do MoO3 e concluíram que a transição entre as bandas de valência e de condução é indireta. Baseado nesses estudos teóricos, considerou-se a transição indireta para o cálculo da banda proibida dos filmes. Assim, o valor da banda dos filmes foi determinado plotando-se um gráfico de (α.E)1/2 versus E e extrapolando-se a porção linear da curva para o eixo da energia [2424 FAHRENBRUCH, A. L., BUBE, R.H., Fundamentals of solar cells, 1 ed., New York, Academic Press, 1983.]. Os valores obtidos de Eg, na faixa de 2,7-2,8 eV, estão de acordo com os encontrados na literatura para a fase cristalina β-MoO3 (por ex., 2,6 eV [1414 KODAN, N., SINGH, A.P., VANDICHEL, M., et al.,"Favourable band edge alignment and increased visible light absorption in β-MoO3/α-MoO3 oxide heterojunction for enhanced photoelectrochemical performance", International Journal of Hydrogen Energy, v. 43, n. 33, pp. 15773-15783, Ago. 2018.]), apesar da microestrutura amorfa ou nanocristalina observada nos nossos filmes, conforme mostra a Figura 1. O menor valor de Eg do filme depositado a 165 W pode estar relacionado com a existência de uma maior quantidade defeitos, tais como vacâncias de oxigênio.

3.2 Efeito da temperatura

O efeito da temperatura do substrato nos filmes depositados em 165 W pode ser verificado nos difratogramas de raios x da Figura 4. Os difratogramas mostram que os filmes produzidos à temperatura ambiente e a 200 oC são amorfos. NAVAS et al. [1616 NAVAS, I., VINODKUMAR, R., LETHY, K.J., et al.,"Growth and characterization of molybdenum oxide nanorods by RF magnetron sputtering and subsequent annealing", Journal of Physics D: Applied Physics, v. 42, n. 17, Ago. 2009.] também relataram que filmes do sistema Mo-O produzidos em baixas temperaturas de substrato, potência de trabalho de 150 W e atmosfera de Ar são amorfos.

Figura 4
Difratogramas de raios x dos filmes de MoO3 depositados em 165 W a diferentes temperaturas de substrato.

O difratograma de raios x dos filmes de MoO3 fabricados em 250 °C mostra o pico (011) da fase β, em 26,6°. Nas amostras produzidas acima dessa temperatura, observa-se a coexistência das fases cristalinas β-MoO3 e α-MoO3. As fichas utilizadas para identificação foram JCPDS n° 00-037-1445, para a fase β, e JCPDS n° 00-035-0609 e JCPDS n° 00-005-0508, ambas para a fase α. O pico (011) é o mais intenso, indicando que essa é a orientação preferencial de crescimento dos filmes de β-MoO3. Observa-se que o aumento da temperatura do substrato favoreceu o crescimento da fase estável α-MoO3. De fato, CARCIA e McCARRON [2525 CARCIA, P., McCARRON., "Synthesis and properties of thin film polymorphs of molybdenum trioxide", Thin Solid Films, v. 155, n. 1, pp. 53–63, Dez. 1987.] afirmaram que, a partir de 400 °C, a fase β-MoO3 pode ser completamente transformada em α-MoO3. Esse resultado também está de acordo com a informação contida na ficha JCPDS n° 00-037-1445, de que a fase β-MoO3 transforma-se completamente para α-MoO3 a partir de 350-400 oC. A competição entre as fases α e β observada nos filmes depositados a 400 oC pode estar relacionada com a composição da mistura Ar-O2 utilizada nesse trabalho (10% de O2). KODAN et al. [1414 KODAN, N., SINGH, A.P., VANDICHEL, M., et al.,"Favourable band edge alignment and increased visible light absorption in β-MoO3/α-MoO3 oxide heterojunction for enhanced photoelectrochemical performance", International Journal of Hydrogen Energy, v. 43, n. 33, pp. 15773-15783, Ago. 2018.] investigaram o papel da fração de O2 na composição das fases presentes, mostrando que filmes produzidos a 400 °C com fração de O2 igual a 10% possuíam predominantemente a fase β-MoO3, enquanto que filmes produzidos em misturas com valores superiores a 30% de O2 possuíam basicamente a fase α-MoO3. Já que nesse trabalho os filmes de MoO3 foram produzidos em atmosfera reativa de O2 com percentual de 10%, é possível que, mesmo com a temperatura de substrato a 400 °C, tenha ocorrido essa competição entre as fases.

Foram observadas também pequenas quantidades de óxidos de molibdênio com fórmula MoyOx, com x/y ≈ 2,80. Esses óxidos foram identificados pelo software High-Score como sendo: MoO2,8, tetragonal; Mo5O14, monoclínica; Mo4O11, monoclínica ou ortorrômbica; e Mo17O47, ortorrômbica [2626 PORTEMER, F., SUNDBERG, M., KIHLBORG, L., et al., “Homologues of Mo4O11 (mon) in the Mo-W-O system prepared by soft chemistry", Journal of Solid State Chemistry, v. 103, n. 2, pp. 403-414, Abr. 1993., 2727 KIHLBORG, L., "Studies on Molybdenum Oxides", Acta Chemica Scandinavica, v. 13, n. 5, pp. 954-962, 1959.]. Assim, em baixas temperaturas, constata-se a presença de óxidos de molibdênio, ainda que em pequenos percentuais, com a estrutura monoclínica, a mesma da fase estável β-MoO3, enquanto que em altas temperaturas observa-se a presença de pequenos percentuais de óxidos com a estrutura ortorrômbica, a mesma da fase estável α-MoO3.

O aumento da cristalinidade com a temperatura do substrato também foi observado por outros autores. NIRUPAMA et al. [1111 NIRUPAMA, V., GUNASEKHAR, K. R., SREEDHAR, B., et al.,"Effect of oxygen partial pressure on the structural and optical properties of dc reactive magnetron sputtered molybdenum oxide films", Current Applied Physics, v. 10, n. 1, pp. 272–278, Jan. 2010.] reportaram que substratos aquecidos durante a deposição, utilizando a técnica de pulverização catódica com pressão parcial de O2 de 2x10-4 mbar, pressão próxima a desse trabalho, contribuem para a cristalização dos filmes de MoO3. Outros autores como UTHANNA et al. [1717 UTHANNA, S., NIRUPAMA, V., PIERSON, J.F., "Substrate temperature influenced structural, electrical and optical properties of dc magnetron sputtered MoO3 films", Applied Surface Science, v. 256, n. 10, pp. 3133–3137, Mar. 2010.], utilizando a mesma técnica e a mesma pressão parcial de O2, também observaram o aumento da cristalinidade dos filmes de MoO3 produzidos em substratos aquecidos a 200 e 250 °C.

O efeito da temperatura de substrato na morfologia dos filmes de MoO3 produzidos a 165 W pode ser observado nas micrografias da Figura 5. Não são visualizados cristais nos filmes depositados à temperatura ambiente (Figura 5a), o que sugere que sejam amorfos ou nanocristalinos, tal como mostra o difratograma da Figura 4. UTHANNA et al. [1717 UTHANNA, S., NIRUPAMA, V., PIERSON, J.F., "Substrate temperature influenced structural, electrical and optical properties of dc magnetron sputtered MoO3 films", Applied Surface Science, v. 256, n. 10, pp. 3133–3137, Mar. 2010.] produziram filmes de MoO3 em substratos não aquecidos e pressão parcial de O2 igual a 2x10-4 mbar, pressão próxima a desse trabalho, e também relataram a obtenção de filmes amorfos. Além deles, MORALES-LUNA et al. [2828 MORALES-LUNA, M., TOMÁS, S.A., ARVIZU, M.A., et al.,"The evolution of the Mo5+ oxidation state in the thermochromic effect of MoO3 thin films deposited by rf magnetron sputtering", Journal of Alloys and Compounds, v. 722, pp. 938–945, Out. 2017.] constataram o mesmo resultado utilizando potência de 35 W e atmosfera gasosa com mistura (O2/Ar+O2) na razão de 0,18.

Figura 5
Micrografias obtidas no MEV dos filmes de MoO3 depositados em 165 W a diferentes temperaturas de substrato: (a) 20 oC ; (b) 200 oC; (c) 250 oC; (d) 300 oC; (e) 350 oC; (f) 400 oC.

As micrografias dos filmes de MoO3 produzidos em substratos aquecidos revelam agregados cristalinos, conforme mostram as Figuras 5b a 5f. Os filmes de MoO3 fabricados a 200 °C e 250 °C possuem menos cristais do que os de 300 °C, que por sua vez têm menos cristais do que os depositados a 350 °C e 400 °C. Verifica-se que nos filmes depositados a 400 °C a concentração de cristais é mais elevada de forma que esses filmes são mais cristalinos que os demais. Portanto, pode-se afirmar que o aumento de temperatura no substrato favoreceu efetivamente a cristalização dos filmes de MoO3. MARTÍNEZ et al. [2929 MARTÍNEZ, H.M., TORRES, J., LÓPEZ CARREÑO, L.D., et al.,"Effect of the substrate temperature on the physical properties of molybdenum tri-oxide thin films obtained through the spray pyrolysis technique", Materials Characterization, v. 75, pp. 184–193, Jan. 2013.] produziram filmes de MoO3 pela técnica de pirólise por spray e, embora o método de produção tenha sido diferente, eles notaram a mesma influência da temperatura do substrato na cristalização dos filmes de MoO3. UTHANNA et al. [1717 UTHANNA, S., NIRUPAMA, V., PIERSON, J.F., "Substrate temperature influenced structural, electrical and optical properties of dc magnetron sputtered MoO3 films", Applied Surface Science, v. 256, n. 10, pp. 3133–3137, Mar. 2010.] constataram o mesmo efeito nos filmes de MoO3 utilizando a técnica de pulverização catódica com corrente contínua. A temperatura no substrato também influencia a morfologia dos filmes de MoO3. Observa-se uma mudança no formato do grão do filme depositado a 200 °C para os demais, conforme mostram as inserções nas Figuras 5b a 5f. UTHANNA et al. [1717 UTHANNA, S., NIRUPAMA, V., PIERSON, J.F., "Substrate temperature influenced structural, electrical and optical properties of dc magnetron sputtered MoO3 films", Applied Surface Science, v. 256, n. 10, pp. 3133–3137, Mar. 2010.] afirmaram que as formas esférica, agulha, bastão, oval, dentre outras, são comuns em filmes de MoO3. No entanto, vale ressaltar que esses mesmos autores complementam dizendo que a morfologia dos filmes depende da técnica empregada e das condições de trabalho. Na Figura 5b é possível observar que a morfologia dos filmes de MoO3 depositados a 200 °C é do tipo flor, enquanto que a dos demais filmes cristalinos é constituída de grãos aproximadamente equiaxiais. Como já foi discutido anteriormente, grãos esféricos em filmes de MoO3 são ideais para aplicações de OSCs.

Os espectros de transmitância dos filmes de MoO3 depositados a 165 W nas diferentes temperaturas de substrato podem ser observados na Fig. 6. A transmitância encontra-se entre 60 e 70%, indicando a transparência dos filmes no espectro visível. O coeficiente de absorção, da ordem de 105 cm-1, foi calculado utilizando-se os dados de transmitância [2121 PANKOVE, J.I., Optical Process in Semiconductors, New York, Dover Publications, 1971.]. Observa-se que os filmes crescidos em temperaturas de até 200 °C exibem um pequeno patamar intermediário de absorção, ligeiramente acima da aresta de absorção fundamental, o que pode estar relacionado com a natureza amorfa desses filmes, conforme constatado na Figura 4. Essa hipótese é sustentada pelo fato de que, acima dessa temperatura, os filmes são cristalinos e os espectros apresentam somente um único patamar de absorção. Os valores da banda proibida foram determinados a partir de um plot de Tauc, considerando transição indireta, tal como apresentado na Figura 3, e estão mostrados na Tabela 1. Os valores da banda proibida dos filmes cristalinos variaram entre 2,8 eV e 3,1 eV, estando dentro da faixa relatada na literatura para as fases cristalinas β-MoO3 (por ex., 2,6 eV [1414 KODAN, N., SINGH, A.P., VANDICHEL, M., et al.,"Favourable band edge alignment and increased visible light absorption in β-MoO3/α-MoO3 oxide heterojunction for enhanced photoelectrochemical performance", International Journal of Hydrogen Energy, v. 43, n. 33, pp. 15773-15783, Ago. 2018.]) e a-MoO3 (por ex., 3,3 eV [1414 KODAN, N., SINGH, A.P., VANDICHEL, M., et al.,"Favourable band edge alignment and increased visible light absorption in β-MoO3/α-MoO3 oxide heterojunction for enhanced photoelectrochemical performance", International Journal of Hydrogen Energy, v. 43, n. 33, pp. 15773-15783, Ago. 2018.]).

Para os filmes cristalinos, verifica-se uma tendência de aumento da banda proibida com o aumento de temperatura. Esse comportamento pode, a princípio, estar relacionado com o preenchimento das vacâncias de oxigênio em maiores temperaturas. Como a cristalinidade aumenta com a temperatura, a concentração de vacâncias diminui, promovendo o aumento da banda proibida. Assim, é esperado que os filmes depositados em maiores temperaturas tenham composição mais próxima da estequiométrica. Em relação a isso, é interessante observar que os espectros de transmitância dos filmes depositados nas temperaturas mais altas não possuem as franjas de interferência observadas nos demais espectros, o que é um indicativo de mudança de composição. Como destacado por BORAH et al. [1515 BORAH, D.J., MOSTAKO, A.T.T., SAIKIA, P.K., et al.,"Effect of thickness and post deposition annealing temperature on the structural and optical properties of thermally evaporated molybdenum oxide films", Materials Science in Semiconductor Processing, v. 93, pp. 111–122, Abr. 2019.], essas franjas são oriundas da diferença de índice de refração entre o filme e o substrato de vidro soda lime. Dessa forma, visto que os filmes crescidos nas diferentes temperaturas possuem diferentes graus de cristalinidade e de deficiência de oxigênio (os depositados em altas temperaturas são mais cristalinos e menos deficientes de oxigênio), é esperado que eles também possuam diferentes índices de refração, explicando o desaparecimento das franjas de interferência.

Outra hipótese mais provável para o aumento de Eg com a temperatura está ligada ao fato de os filmes depositados acima de 300 oC possuírem as duas fases, sendo que a fase β-MoO3, de menor banda, transforma-se para a fase a-MoO3, de maior banda, à medida que a temperatura aumenta. Assim, esse aumento deve-se ao aumento do percentual da fase a nos filmes, decorrente do aumento da temperatura do substrato, como constatado nos difratogramas da Figura 4. O filme depositado a 400 °C, caracterizado com uma mistura de fases α-MoO3 e β-MoO3, apresenta uma absorção gradual, com início em torno de 550 nm, o que está de acordo com o encontrado por CARCIA e McCARRON III [2525 CARCIA, P., McCARRON., "Synthesis and properties of thin film polymorphs of molybdenum trioxide", Thin Solid Films, v. 155, n. 1, pp. 53–63, Dez. 1987.], que mostraram que filmes com a mistura de fases α-MoO3/β-MoO3 possuem patamar de absorção entre 500-600 nm.

Figura 6
Propriedades óticas dos filmes de MoO3 depositados em 165 W a diferentes temperaturas de substrato: a) espectros de transmitância; b) coeficiente de absorção.
Tabela 1
Banda proibida dos filmes de MoO3 depositados em 165 W a diferentes temperaturas de substrato.

4. CONCLUSÕES

Filmes de MoO3 foram depositados por pulverização catódica com RF em diferentes potências e temperaturas de substrato. A temperatura de substrato foi o parâmetro que contribuiu para a cristalização dos filmes. Os filmes depositados em temperaturas abaixo de 200 oC são amorfos ou nanocristalinos, independentemente da potência usada. Filmes cristalinos foram obtidos em temperaturas acima de 250 oC, com o aparecimento da fase β-MoO3. A transição da fase β-MoO3 para a fase α-MoO3 teve início na temperatura de 300 °C, com a quantidade dessa fase aumentando com a temperatura. Porém a transformação não foi completa, e a 400 °C as duas fases, α-MoO3 e β-MoO3, estavam presentes. Os resultados mostraram que a temperatura pode ser usada como parâmetro de controle da banda proibida dos filmes. Os filmes depositados a 400 °C apresentaram banda proibida em torno de 3,1 eV e uma morfologia de grãos equiaxiais, propriedades que são adequadas para a aplicação em células orgânicas.

AGRADECIMENTOS

Esse trabalho foi financiado pela CAPES-ProEx. Os autores agradecem ao LDRX-UFF e ao NANOFABUERJ, pelas análises de DRX e MEV.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Jan 2022
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    23 Jun 2020
  • Aceito
    22 Jun 2021
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