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Tratamentos termoquímicos a baixa temperatura: formação de fases metaestáveis e seu potencial para novos desenvolvimentos

Tratamentos térmicos são empregados há muito tempo pelo homem para obter as propriedades mecânicas desejadas em componentes metálicos. Da mesma forma, tratamentos termoquímicos são aplicados para alterar predominantemente as propriedades da superfície de componentes. Muito destes tratamentos levam à formação de fases metaestáveis que são fundamentais para obtenção do desempenho desejado. Os tratamentos termoquímicos a baixa temperatura são mais recentes, sendo atualmente aplicados predominantemente para alterar as propriedades da superfície de aços inoxidáveis [11 STAINES, T., “Low temperature thermochemical treatments: opening process window”, Surface Engineering, v. 26, n. 1-2, pp. 97-102, Jul. 2010. DOI: 10.1179/174329409X451182
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-22 DONG, H., “S-phase surface engineering of Fe-Cr, Co-Cr and Ni-Cr alloys”, International Materials Reviews, v. 55, n. 2, pp. 65-98, Jul. 2010. DOI: 10.1179/095066009X12572530170589
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].

No caso dos aços inoxidáveis, uma das grandes limitações para aplicação dos tratamentos termoquímicos “convencionais” está no fato destes levarem à redução da resistência à corrosão da superfície tratada, o que na grande maioria das vezes não é aceitável. A resistência à corrosão destes aços depende da formação de uma camada de óxidos passiva, rica em Cr, na superfície do material. Para que isto ocorra, a liga deve apresentar no mínimo 10,5 % m. de Cr, em solução sólida. Os tratamentos termoquímicos “convencionais” levam à formação de compostos de Cr, como nitretos e/ou carbonetos de cromo, reduzindo o teor de Cr em solução sólida e, consequentemente, reduzindo a resistência à corrosão da superfície tratada. Esse fato resultou no desenvolvimento dos tratamentos termoquímicos a baixa temperatura.

Os tratamentos termoquímicos a baixa temperatura possibilitam alterar as propriedades da superfície de aços inoxidáveis sem impacto negativo em sua resistência à corrosão e, em alguns casos, podendo até melhorar o desempenho do componente em corrosão [33 KAHN, H., HEUER, A.H., MICHAL, G.M., et al., “Interstitial hardening of duplex 2205 stainless steel by low temperature carburisation: enhanced mechanical and electrochemical performance”, Surface Engineering, v. 28, n. 3, pp. 213-219, Nov. 2012 . DOI: 10.1179/1743294411Y.0000000015
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]. Isto é obtido porque os átomos de Cr são substitucionais e os átomos introduzidos nos tratamentos termoquímicos, normalmente N, C ou ambos, são intersticias, tendo assim diferente mobilidade na rede cristalina. Com isto é possível realizar tais tratamentos em uma temperatura tal que o coeficiente de difusão dos átomos substitucionais seja desprezível, tendo, por outro lado, um coeficiente de difusão dos átomos intersticiais considerável. Esse fato leva a limitações cinéticas para a precipitação de compostos contendo grande quantidade de Cr e consequentemente à formação de fases metaestáveis. Assim o Cr se mantém em solução sólida, sendo então formada uma solução sólida supersaturada do elemento que se está introduzindo no tratamento, ou ocorrendo a precipitação de compostos contendo elementos da liga substitucionais na mesma fração da liga original e o elemento que se está introduzindo, sem causar empobrecimento de Cr na matriz do material. Esta condição de tratamento também é conhecida como condição de paraequilíbrio. Com isso, torna-se possível atingir apreciável endurecimento superficial de aços inoxidáveis, aumentando sua resistência ao desgaste, sem comprometer, ou até mesmo aumentando, a resistência à corrosão da superfície tratada. Para o leitor interessado, em [44 CARDOSO, R.P., MAFRA, M., BRUNATTO, S.F., “Low-temperature Thermochemical Treatments of Stainless Steels – An Introduction”, In: Mieno, T. (ed.), Plasma Science and Technology -Progress in Physical States and Chemical Reactions, chapter 5, IntechOpen, 2016. DOI: 10.5772/61989. Available from: https://www.intechopen.com/books/plasma-science-and-technology-progress-in-physical-states-andchemical-reactions/low-temperature-thermochemical-treatments-of-stainless-steels-an-introduction
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] é apresenta uma introdução ao tema.

Tratamentos termoquímicos a baixa temperatura também são empregados em ligas a base de níquel e, de forma similar aos aços inoxidáveis, é possível obter camadas tratadas formadas por uma solução sólida supersaturada em C e/ou N. Devido à supersaturação de intersticiais, para ambas as ligas, ocorre um aumento do parâmetro de rede do material e por isto tais fases são conhecidas como fases expandidas. A formação das fases expandidas é facilmente identificada, via difração de raios X, pelo deslocamento dos picos de difração para ângulos menores, como apresentado na Figura 1 para o caso de um aço inoxidável martensítico nitretado a 300ºC. O comportamento destas fases é bastante interessante do ponto de vista tecnológico, e elas apresentam geralmente elevada dureza e elevada resistência à corrosão.

Figura 1
adrões de difração de raios X para amostras de um aço inoxidável martensítico não tratada e nitretada a baixa temperatura (300ºC).

Baseando-se no entendimento dos fenômenos por trás da formação destas fases metaestáveis e no que se sabe a respeito dos tratamentos termoquímicos a baixa temperatura, pode-se imaginar que outras ligas existentes podem apresentar potencial para aplicação de tais tratamentos, ou ainda que ligas possam ser desenvolvidas especialmente para este fim, podendo levar à formação de novas fases expandidas ou à formação de compostos de paraequilíbrio ainda não conhecidos. Como este campo ainda é pouco explorado, pode-se dizer que existe grande potencial científico e tecnológico para aplicação dos tratamentos termoquímicos a baixa temperatura em diferentes ligas metálicas, sendo este um tema onde se espera importante desenvolvimento nos próximos anos.

BIBLIOGRAFIA

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Maio 2019
  • Data do Fascículo
    2019
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