Acessibilidade / Reportar erro

Plantas medicinais e ritualísticas dos Kaiowá do Tekoha Taquara como contribuição para a demarcação da terra ancestral, Mato Grosso do Sul, Brasil

Medicinal and ritualistic plants of the Kaiowá of Tekoha Taquara as a contribution to the demarcation of ancestral land, Mato Grosso do Sul, Brazil

Resumo

A pesquisa foi desenvolvida com um grupo Kaiowá, do tronco linguístico Tupi-Guarani. O território Kaiowá é denominado Tekoha. Esse grupo vem ocupando uma fazenda cujo território, embora tenha sido reconhecido como a terra original do Tekoha Taquara em 2010 pela Fundação Nacional do Índio, teve a demarcação suspensa por liminar. A ocupação é considerada ilegal e, os indígenas vêm sendo dizimados. As lideranças Kaiowá nos desafiaram a mostrar que o conhecimento que detêm sobre a flora local, seria uma evidência que legitima a reivindicação da área. Para atender a reivindicação o trabalho foi alicerçado sob hipóteses: recursos iguais estão disponíveis aos indígenas e não indígenas e são valorizados distintamente; os Kaiowá possuem conhecimento exclusivo; as plantas da tradição ocorrem na região. Foram feitas turnês guiadas com sete especialistas. Documentaram-se as espécies em herbário, os nomes em guarani e português, usos e partes utilizadas. Compilaram-se as espécies medicinais da literatura e dos bancos de dados dos herbários. O Fator de Consenso dos Informantes (FIC) dos usos foi comparado com artigos. As 90 espécies registradas compõem a maior lista entre artigos com indígenas do MS. Compilou-se 659 espécies medicinais usadas no MS. Das espécies compiladas, 61,1% são citadas exclusivamente no Taquara. O FIC mostrou baixa similaridade. Os Kaiowá usam misturas de plantas na medicina, o que é raramente citado. Os indígenas citam espécies que não mais ocorrem na área. Os resultados apoiam as hipóteses indicando a especificidade do conhecimento dos Kaiowá do Taquara e é um sustentáculo do reconhecimento da área ancestral.

Palavras-chave:
Cerrado; etnobotânica; Guarani; plantas sagradas

Abstract

Our research is with the indigenous Kaiowá, of the Tupi-Guarani linguistic trunk. Though the land the Kaiowá live on in the state of Mato Grosso do Sul (MS) underwent demarcation as an indigenous territory in 2010, named Tekoha Taquara, a document was issued by a Justice, suspending its validity. The Kaiowá therefore live vulnerably, occupying land that is not in their legal right. Kaiowá leaders challenged us to use their intricate knowledge of local flora as evidence for land rights. To highlight the specificity of their plant knowledge, our study operates on three assumptions: equal resources are available to indigenous and non-indigenous people and are valued distinctly; the Kaiowá have exclusive knowledge; traditional plants occur in the region. Guided tours were conducted with seven experts. Herbarium species, plant names in Guarani and Portuguese, uses and parts used were documented. The medicinal species from literature and from herbaria databases were compiled. Informant Consensus Factor (FIC) regarding uses was compared across articles and with Kaiowá knowledge. 659 medicinal species for MS were compiled. Of these, 61.8% are used exclusively in Taquara. The 90 registered species in our study make up the largest list among articles with indigenous people in MS. FIC demonstrated low similarity. Plant mixtures used by the Kaiowá is rarely mentioned in literature on medicinal plants. The Kaiowá cite species that no longer exist in the area. This supports that the specificity of Kaiowá knowledge, tying it to their land. Our results support the recognition of their ancestral land.

Key words:
Cerrado; ethnobotany; Guarani; sacred plants

Introdução

Designa-se Tupi ao tronco linguístico do qual diferenciaram-se 41 línguas e aos povos falantes destas línguas. Os Tupi ocupavam extensas áreas no leste da América do Sul. A expansão desses povos - no conceito de Noelli (1966)Noelli FS (1996) As hipóteses sobre o centro de origem e rotas de expansão dos Tupi. Revista de Antropologia 39: 7-53., se opõe à migração já que, eles conquistavam novas áreas sem abandonar a terra original - criou o conceito de um centro de origem comum, mas há controvérsias quanto às teorias sobre qual a região seria a original (Noelli 1966Noelli FS (1996) As hipóteses sobre o centro de origem e rotas de expansão dos Tupi. Revista de Antropologia 39: 7-53.; Neves et al. 2011Neves WA, Bernardo DV, Okumura M, Almeida TF & Strauss AM (2011) Origem e dispersão dos Tupiguarani: o que diz a morfologia craniana. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi 6: 95-122.; Almeida & Neves 2015Almeida FO & Neves EG (2015) Evidências arqueológicas para a origem dos Tupi-Guarani no leste da Amazônia. Mana 21: 499-525.).

O Guarani é uma família linguística dentro do tronco Tupi. Sobrevivem no Brasil, Argentina, Bolívia e Paraguai e, embora apresentem semelhanças fundamentais, possuem populações com dialetos, religiões e relações com o meio ambiente distintas (Instituto Socioambiental 2016Instituto Socioambiental (2016) Guaraní Continental. Disponível em <http://www.icsoh.unsa.edu.ar/mapa-continental-guarani-reta/>. Acesso em 7 julho 2017.
http://www.icsoh.unsa.edu.ar/mapa-contin...
). Um destes povos são os Pâei-Tavyterâ que, no Brasil, são chamados Kaiowá (Azevedo et al. 2008Azevedo M, Brand A, Heck E, Pereira LM & Meliá B (2008) Guarani Retâ - povos Guarani na fronteira Argentina, Brasil e Paraguai. Bartolomeu Melià (ed.) Disponível em <https://pib.socioambiental.org/files/file/PIB_institucional/caderno_guarani_%20portugues.pdf>. Acesso em 19 maio 2017.
https://pib.socioambiental.org/files/fil...
).

O Mato Grosso do Sul - MS é o segundo estado brasileiro em número de indígenas, com 73.295 índios, sendo que a nação Guarani (Mbya, Kaiowá e Ñandeva) contava com cerca de 43.401 indivíduos (IBGE 2010IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2010) Disponível em <http://indigenas.ibge.gov.br/estudos-especiais-3/o-brasil-indigena/povos-etnias>. Acesso em julho 2017.
http://indigenas.ibge.gov.br/estudos-esp...
).

A partir dos anos 1920 e mais intensamente dos anos 1960, iniciou-se a colonização sistemática e efetiva dos territórios guarani, desencadeando-se um processo de desapropriação de suas terras pelos colonos brancos (Instituto Sócio Ambiental 2016). De 2000 a 2008, 410 indígenas do grupo Kaiowá do MS se suicidaram, a maioria por enforcamento. Salienta-se que as tentativas de suicídio não consumadas não foram registradas (FUNASA 2008FUNASA (2008) Suicídios por aldeias. DSEI/MS, Brasília. Pp. 133-135.). Uma das possíveis causas deste índice alarmante de suicídios foi a remoção destes povos de suas terras ancestrais (Pimentel 2000Pimentel S (2000) O mistério dos suicídios: ninguém sabe com certeza por que tantos caiovás se matam. Problemas Brasileiros. Vol. 38. Senac, São Paulo. Pp. 14-7.; Grubits et al. 2003Grubits S, Freire HB & Noreiga JA (2003) Suicídios de jovens Guarani/Kaiowá de Mato Grosso do Sul, Brasil. Psicologia: Ciência e Profissão 31: 504-517.; Foti 2004Foti MV (2004) A morte por Jejuvy entre os Guarani do Sudoeste Brasileiro. FUNAI, Brasília. Revista de Estudos e Pesquisas 1: 45-72.).

As terras ancestrais dos indígenas transformaram-se em campos de monoculturas (Brand 2004Brand A (2004) Os complexos caminhos de luta pela terra entre os Kaiowá e Guarani no MS. Tellus, Campo Grande 4: 137-150.). A mata, a água e outros elementos do ambiente são espaços ocupados por uma série de seres espirituais, com os quais os Kaiowá necessitam interagir para reproduzir seu modo de vida. Esses povos não são nômades nem vivem somente da caça, da coleta e da pesca. São agricultores, que produziam alimentos em abundância. O território físico dos Kaiowá é denominado Tekoha (Azevedo et al. 2008Azevedo M, Brand A, Heck E, Pereira LM & Meliá B (2008) Guarani Retâ - povos Guarani na fronteira Argentina, Brasil e Paraguai. Bartolomeu Melià (ed.) Disponível em <https://pib.socioambiental.org/files/file/PIB_institucional/caderno_guarani_%20portugues.pdf>. Acesso em 19 maio 2017.
https://pib.socioambiental.org/files/fil...
).

Em 1943 foi criado, em pleno território indígena, a Colônia Agrícola Nacional de Dourados (CAND) que tinha como objetivo possibilitar acesso à terra a milhares de famílias de colonos (Azevedo et al. 2008Azevedo M, Brand A, Heck E, Pereira LM & Meliá B (2008) Guarani Retâ - povos Guarani na fronteira Argentina, Brasil e Paraguai. Bartolomeu Melià (ed.) Disponível em <https://pib.socioambiental.org/files/file/PIB_institucional/caderno_guarani_%20portugues.pdf>. Acesso em 19 maio 2017.
https://pib.socioambiental.org/files/fil...
). Foi por esta época que o Tekoha Taquara, segundo relatos do cacique Ernesto, foi desmontado.

Segundo o relato oral do cacique, no processo de remoção dos indígenas do Taquara em 1943, mais de 1.000 índios foram queimados na casa de reza. A maioria dos que conseguiram fugir do incêndio, morreram assassinados. Em 1999 os Kaiowá retomaram o território do Taquara sendo expulsos em 2001. Em 2003 os indígenas voltam ao Taquara e, o cacique e líder do movimento, Marcos Verón, foi assassinado. Os Kaiowá permanecem no local (Zaks 2017Zaks AJ (2017) Narrativas de resistência: ensinamentos do caso Guarani e Kaiowá para uma educação ambiental intercultural. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós Graduação em Educação, Universidade de Brasília, Brasília. Pp. 44-51.). Os assassinatos continuam nos dias atuais.

Os efeitos da ‘Portaria Declaratória da Terra Indígena Taquara’ - Portaria nº 954 emitida pelo Ministério da Justiça em junho de 2010 (Brasil 2010Brasil - Ministério da Justiça. Portaria nº 954, de 4 de junho de 2010 (2010) Diário Oficial da União, Brasília, DF, 7 jun. 2010. 33p. Disponível em <http://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?data=07/06/2010&jornal=1&pagina=33&totalArquivos=80>. Acesso em 29 julho 2017.
http://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/v...
), foram suspensos por uma liminar (Ministério Público Federal, Procuradoria da República do Mato Grosso do Sul 2010Ministério Público Federal, Procuradoria da República do Mato Grosso do Sul (2010) Ministério da Justiça reconhece terra indígena em Mato Grosso do Sul. Disponível em <https://cpisp.org.br/ministerio-da-justica-reconhece-terra-guarani-em-mato-grosso-do-sul/>. Acesso em 20 julho 2017.
https://cpisp.org.br/ministerio-da-justi...
). Os Kaiowá permanecem acampados na área, em situação de ilegalidade. Os indígenas denominam este tipo de acampamento como “retomada”.

Nos processos de “retomada” a atuação dos rezadores é efetiva desde a identificação, a organização do movimento de ocupação, a sustentação da luta através das rezas na entrada e, na permanência na área reconquistada (Colman & Brand 2008). Estes rezadores mantêm e ensinam aos mais novos, sobre as plantas e suas propriedades medicinais e espirituais e todos falam a língua materna. Nesta briga pela posse de sua terra e perpetuação de sua cultura, os Kaiowá do Tekoha Taquara, decidiram compartilhar parte do conhecimento secular mantido pelo grupo sobre as plantas medicinais, provando que ali onde acampam, estão suas raízes.

O modo de vida Kaiowá é o produto da co-evolução entre a sociedade e o ambiente natural específico. Como ilustrado pelos estudos de Clement (1989)Clement CR (1989) A center of crop genetic diversity in Western Amazonia. BioScience 39: 624-631., Posey (1998)Posey DA (1998) Os povos tradicionais e a conservação da biodiversidade. In: Manejo participativo por populações tradicionais - textos complementares. Vol. 2. Piracicaba. Pp. 1-8., e Balée (2013)Balée W (2013) Cultural Forests of the Amazon: a historical ecology of people and their landscapes. The University of Alabama Press, Tuscaloosa. Pp. 174-184., os povos tradicionais das américas vivem de tal forma que manejam e protegem a biodiversidade local. Bailey (1992)Bailey R (1992) Development in the Central African Rainforest: concern for forest people. In: Diegues A C, Aruda RS, Silva VCF, Figols FAB, Andrade D (2000) Os saberes tradicionais e a biodiversidade no Brasil. Ministério do Meio Ambiente, São Paulo. 19p. argumenta que as florestas podem ser consideradas artefatos culturais humanos.

Para demonstrar que o conhecimento do grupo em questão é específico da área reivindicada como o Tekoha Taquara, este trabalho foi alicerçado sob três hipóteses: 1. os mesmos saberes sobre as plantas medicinais estão disponíveis aos diversos grupos indígenas e não indígenas do MS, e são usados e valorizados de formas distintas. Em cada cultura um certo saber sobre as plantas medicinais permanecem num nicho cultural específico; 2. os Kaiowá reteriam conhecimento específico sobre os recursos naturais da área; 3. as plantas medicinais e ritualísticas dos Kaiowá, que é um grupo fortemente ligado à terra ocorrem na da região.

Material e Métodos

A coleta de dados e a caracterização da área

Foram assinados Termos de Consentimento Prévio, conforme orienta a Lei nº 13.123, de 20 de maio de 2015 (Brasil 2015Brasil - Lei nº 13.123, de 20 de maio de 2015 (2015) Dispõe sobre o acesso ao patrimônio genético, sobre a proteção e o acesso ao conhecimento tradicional associado e sobre a repartição de benefícios para conservação e uso sustentável da biodiversidade; revoga a Medida Provisória nº 2.186-16, de 23 de agosto de 2001; e dá outras providências. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/Lei/L13123.htm>. Acesso em 29 julho 2017.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at...
) em cada uma das quatro visitas à “retomada”, por haver população flutuante. Em todos os termos consta a assinatura das principais lideranças e dos presentes na reunião. Destaca-se ainda, que três autores do presente artigo são indígenas do Tekoha Taquara os quais auxiliaram na coleta e manipulação dos dados e, por estarem associados ao meio acadêmico, manifestaram interesse em ajudar na composição do texto e participar da autoria.

A pesquisa foi cadastrada no Sistema Nacional de Gestão do Patrimônio Genético e do Conhecimento Tradicional Associado (SISGen), conforme recomendação do Decreto nº 8.772, de 11 de maio de 2016 (Brasil 2016Brasil - Decreto nº 8.772, de 11 de maio de 2016 (2016) Dispõe sobre o acesso ao patrimônio genético, sobre a proteção e o acesso ao conhecimento tradicional associado e sobre a repartição de benefícios para conservação e uso sustentável da biodiversidade. Dispoível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/decreto/D8772.htm>. Acesso em 29 julho 2017.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at...
), que regulamenta a Lei nº 13.123, de 20 de maio de 2015 (Brasil 2015Brasil - Lei nº 13.123, de 20 de maio de 2015 (2015) Dispõe sobre o acesso ao patrimônio genético, sobre a proteção e o acesso ao conhecimento tradicional associado e sobre a repartição de benefícios para conservação e uso sustentável da biodiversidade; revoga a Medida Provisória nº 2.186-16, de 23 de agosto de 2001; e dá outras providências. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/Lei/L13123.htm>. Acesso em 29 julho 2017.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at...
). A UnB atendeu à demanda de assinatura do termo de compromisso, com data de postagem em 06 de novembro de 2018.

Por tratar-se de uma “retomada”, i.e., área não reconhecida por lei, a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) não delibera e nem pode amparar o grupo.

Os dados foram coletados entre setembro de 2015 e janeiro de 2017 no Tekoha Taquara, localizada no município de Jutí, MS (Fig. 1).

Figura 1
Localização dos estudos etnobotânicos realizados com plantas medicinais nativas em Mato Grosso do Sul, Brasil. = Aldeia Taquara, no município de Juti; Δ = município de Anastácio (Alves et al. 2008Alves EO, Mota JH, Soares TS, Vieira MC & Silva CB (2008) Levantamento Etnobotânico e Caracterização de Plantas Medicinais em Fragmentos Florestais de Dourados-MS. Ciência e Agrotecnologia, Lavras 31: 651-658.); ▲ = município de Caarapó (Pereira et al. 2007Pereira ZV, Gomes CF, Lobtchenko G, Gomes MÊS, Simões PDA, Saruwatari RPS, Rigo VF & Cordeiro WP (2007) Levantamento das Plantas Medicinais do Cerrado Sensu Stricto da Fazenda Paraíso - Dourados, MS. Revista Brasileira de Agroecologia, Porto Alegre 7: 126-136.); ● = município de Dourados (Pereira et al. 2012Pereira ZV, Fernandes SL, Sangalli A & Mussury RM (2012) Usos múltiplos de espécies nativas do bioma Cerrado no Assentamento Lagoa Grande, Dourados, Mato Grosso do Sul. Revista Brasileira de Biociências 5: 249-251.); + = município de Dourados (Bueno et al. 2005Bueno NR, Castilho RO, Costa RB, Pott A, Pott VJ, Scheidt GN & Batista MS (2005) Medicinal plants used by the Kaiowá and Guarani indigenous populations in the Karapoó Reserve, Mato Grosso do Sul, Brasil. Acta Botanica Brasilica 19: 39-44.); ♦ = município de Caarapó (Bratti et al. 2013Bratti C, Vieira MC, Zárate NAH, Oliveira APA, Marafiga BG & Fernandes SSL (2013) Levantamento de plantas medicinais nativas da Fazenda Azulão em Dourados-MS. Revista Brasileira de Plantas Medicinais, Campinas 15: 675-683.); ■ = município de Rio Brilhante (Rego et al. 2010Rego FLH, Brand AJ & Costa RB (2010) Recursos genéticos, Biodiversidade, Conhecimento Tradicional Kaiowá e Guarani e o Desenvolvimento Local. Interações, Campo Grande 11: 55-69.); □ = município de Dourados (Cunha & Bartolotto 2011Cunha SA & Bartolotto IM (2011) Etnobotânica de plantas medicinais no assentamento Monjolinho, município de Anastácio, MS, Brasil. Acta Botanica Brasilica 25: 685-698.).
Figure 1
Localization of ethnobotanical studies realized with native medicinal plants in the state of Mato Grosso do Sul, Brazil. = Aldeia Taquara, in the municipality of Juti; Δ = municipality of Anastácio (Alves et al. 2008Alves EO, Mota JH, Soares TS, Vieira MC & Silva CB (2008) Levantamento Etnobotânico e Caracterização de Plantas Medicinais em Fragmentos Florestais de Dourados-MS. Ciência e Agrotecnologia, Lavras 31: 651-658.); ▲ = municipality of Caarapó (Pereira et al. 2007Pereira ZV, Gomes CF, Lobtchenko G, Gomes MÊS, Simões PDA, Saruwatari RPS, Rigo VF & Cordeiro WP (2007) Levantamento das Plantas Medicinais do Cerrado Sensu Stricto da Fazenda Paraíso - Dourados, MS. Revista Brasileira de Agroecologia, Porto Alegre 7: 126-136.); ● = municipality of Dourados (Pereira et al. 2012Pereira ZV, Fernandes SL, Sangalli A & Mussury RM (2012) Usos múltiplos de espécies nativas do bioma Cerrado no Assentamento Lagoa Grande, Dourados, Mato Grosso do Sul. Revista Brasileira de Biociências 5: 249-251.); + = municipality of Dourados (Bueno et al. 2005Bueno NR, Castilho RO, Costa RB, Pott A, Pott VJ, Scheidt GN & Batista MS (2005) Medicinal plants used by the Kaiowá and Guarani indigenous populations in the Karapoó Reserve, Mato Grosso do Sul, Brasil. Acta Botanica Brasilica 19: 39-44.); ♦ = municipality of Caarapó (Bratti et al. 2013Bratti C, Vieira MC, Zárate NAH, Oliveira APA, Marafiga BG & Fernandes SSL (2013) Levantamento de plantas medicinais nativas da Fazenda Azulão em Dourados-MS. Revista Brasileira de Plantas Medicinais, Campinas 15: 675-683.); ■ = municipality of Rio Brilhante (Rego et al. 2010Rego FLH, Brand AJ & Costa RB (2010) Recursos genéticos, Biodiversidade, Conhecimento Tradicional Kaiowá e Guarani e o Desenvolvimento Local. Interações, Campo Grande 11: 55-69.); □ = municipality of Dourados (Cunha & Bartolotto 2011Cunha SA & Bartolotto IM (2011) Etnobotânica de plantas medicinais no assentamento Monjolinho, município de Anastácio, MS, Brasil. Acta Botanica Brasilica 25: 685-698.).

Os Kaiowá do Taquara vivem em barracas de lona (Fig. 2) que são frequentemente deslocadas por pressão da vigilância armada dos proprietários da terra. Estão desprovidos de energia elétrica, saneamento básico e água potável. As barracas geralmente ficam entre a mata e os monocultivos (Fig. 2e). As crianças viajam diariamente até Juti ou Caarapó para irem à escola, que é bilingue (português/guarani).

Figura 2
a-f. "Retomada" do Tekoha Taquara, Juti, Mato Grosso do Sul - a. evidência do monocultivo e o remanescente de Floresta Estacional Semidecidual; b. reunião com os indígenas para apresentação e discussão da presente proposta; c. prensagem das plantas, acompanhada pelos indígenas; d. turnê guiada atravessando o monocultivos de soja para acessar a Floresta Estacional Semidecidual; e. exemplo de moradia dos Kaiowá na "retomada"; f. turnê guiada em área de campo úmido.
Figure 2
a-f. Reclaimed land Tekoha Taquara, Juti, the state of Mato Grosso do Sul - a. evidence of monoculture and residual semidecidual seasonal forest; b. presentation and discussion with indigenous community of the proposed research; c. plant pressing, accompanied by indigenous people; d. guided tour across the soy monocrops to access the Seasonal Semideciduous Forest; e. housing example on the reclaimed land of the Kaiowá; f. guided tour of the swampy grasslands.

Durante o desenvolvimento desta pesquisa, um Kaiowá se suicidou e dois Caciques, todos filhos de Marcos Verón, foram espancados quase que até a morte. Vários dos informantes do início da pesquisa, por serem pessoas idosas, foram removidos do acampamento por questão de segurança.

De acordo com a Portaria Declaratória da Terra Indígena Taquara - Portaria nº 954 emitida pelo Ministério da Justiça em junho de 2010 (Brasil 2010Brasil - Ministério da Justiça. Portaria nº 954, de 4 de junho de 2010 (2010) Diário Oficial da União, Brasília, DF, 7 jun. 2010. 33p. Disponível em <http://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?data=07/06/2010&jornal=1&pagina=33&totalArquivos=80>. Acesso em 29 julho 2017.
http://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/v...
), Taquara compreende uma área de aproximadamente 9.700 ha. Geniole et al. (2011)Geniole LA, Kodjaoglanian VL & Vieira CCA (2011) A saúde na família indígena. Editora UFMS: Fiocruz Unidade Cerrado Pantanal, Campo Grande. 52p. relacionou 294 pessoas vivendo no local mas, por não se tratar de moradia fixa, há grande flutuação do censo demográfico. Ferreira (2017)Ferreira RS (Arajeju) (2017) Tekoha - som da terra: a liderança das nhandesy nos processos autogestionários da vida e do território do Povo Kaiowa no Tekoha Takuara. Dissertação de Mestrado em Desenvolvimento Sustentável. Universidade de Brasília, Brasília. 193p. relacionou 162 pessoas no acampamento.

A vegetação remanescente é bastante antropizada, e engloba uma área com fragmentos de floresta estacional semidecidual (Fig. 2a,d), áreas com cerrado sentido restrito e campo úmido (Fig. 2f).

Na primeira visita houve uma reunião com os indígenas e os sete informantes especialistas foram escolhidos pelo grupo (Fig. 2b). Duas nhandesy e um nhanderu, anciões e líderes espirituais, conhecedores das plantas medicinais, um ywira yja, ajudante dos líderes espirituais, e três informantes jovens, futuros líderes religiosos.

Os mesmos foram escolhidos por serem os que detêm o maior conhecimento sobre plantas na comunidade. “Além de saber expor bem a palavra, espera-se que os líderes religiosos conheçam as práticas curativas do grupo (baseadas em cantos e rezas, aplicação de massagens, uso de plantas medicinais e alguns procedimentos “mágicos”), conheçam as práticas econômicas tradicionais, sejam bons agricultores e agricultoras, sejam conhecedores da mata e dos “donos do ser”, tekojára, que nela habitam, mobilizem o grupo, promovam mutirões e festas” (Chamorro 2015Chamorro G (2015) História Kaiowa. Das origens aos desafios contemporâneos. Nhanduti Editora, São Bernardo do Campo. 320p.).

Foram realizadas turnês guiadas (Fig. 2d), durante as quais o material botânico foi coletado. O enfoque nas plantas medicinais surgiu espontaneamente. Dois biólogos e um historiador indígenas auxiliaram como interlocutores culturais. Cada turnê teve duração superior a seis horas.

As informações obtidas sobre plantas medicinais e ritualísticas eram discutidas entre os especialistas, na maioria das vezes em Guarani, e só então a informação era traduzida.

O processamento e prensagem do material, seguindo as técnicas usuais em taxonomia (Fidalgo & Bononi 1989Fidalgo O & Bononi VLR (1989) Técnicas de coleta, preservação e herborização de material botânico. Instituto de Botânica, São Paulo. 62p.), também foi acompanhado pelos indígenas (Fig. 2c). As informações coletadas sobre cada planta incluem o nome em Guarani, a tradução do nome em português, o nome comum, os usos medicinais e os usos padronizados, e a parte da planta usada. O material foi incorporado ao herbário da Universidade de Brasília (UB) e da Universidade Federal da Grande Dourados (DDMS). Siglas conforme Thiers (continuamente atualizado)Thiers B [continuamente atualizado] Index Herbariorum: a global directory of public herbaria and associated staff. New York Botanical Garden’s Virtual Herbarium. Disponível em <http://sweetgum.nybg.org/science/ih/>. Acesso em 25 julho 2017.
http://sweetgum.nybg.org/science/ih/...
.As identificações botânicas foram realizadas por meio do uso de chaves, comparação em herbário e consultas a especialistas.

Na última visita ao MS, a “retomada” havia sido invadida e os indígenas não permitiram que concluíssemos a coleta para nossa segurança pessoal, mas esta publicação é desejada e autorizada pelo grupo. Pela falta de segurança na atividade de campo, nos foi revelado, através de desenhos e depoimentos orais, um pouco da cosmologia Kaiowá e dos seres sagrados, cuidadores dos elementos e das plantas.

A compilação e categorização dos dados

A grafia dos nomes científicos foi conferida pela Flora do Brasil 2020 (em construção)Flora do Brasil 2020 (em construção). Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Disponível em <http://floradobrasil.jbrj.gov.br/>. Acesso em 29 julho 2017.
http://floradobrasil.jbrj.gov.br/...
. Citação de riscos de extinção dos taxa de plantas medicinais e ritualísticas do Taquara foram avaliados de acordo com o Centro Nacional de Conservação da Flora (CNCFlora) (Martinelli & Moraes 2013Martinelli G & Moraes MA (2013) Livro Vermelho da Flora do Brasil. Centro Nacional de Conservação da Flora (CNC-Flora). Ministério do Meio Ambiente, Rio de Janeiro. 1100p.).

Através do nome científico das plantas medicinais e ritualísticas, os nomes populares em português que eram desconhecidos dos indígenas, foram buscados nas bases de dados SciELO, Science Direct, Medline, Google Scholar e Pubmed.

Os usos foram classificados de acordo com o critério da Classificação Internacional de Doenças (ICD 2016ICD - International Statistical Classification of Diseases and Related Health Problems (2016) World Health Organization. 10th revision. Disponível em <http://www.who.int/classifications/apps/icd/icd10online/>. Acesso em 9 junho 2017.
http://www.who.int/classifications/apps/...
) da Organização Mundial de Saúde (OMS). Usos associados às dimensões simbólica, mítica, espiritual e, portanto, comportamental, foram colocadas na categoria de Doenças Mentais e Comportamentais (V). Foi acrescentado à lista do ICD a categoria Pediátrica, o que é discutido nos resultados. As categorias de uso para as espécies de Taquara foram relatadas.

Foram selecionados sete estudos: Alves et al. (2008)Alves EO, Mota JH, Soares TS, Vieira MC & Silva CB (2008) Levantamento Etnobotânico e Caracterização de Plantas Medicinais em Fragmentos Florestais de Dourados-MS. Ciência e Agrotecnologia, Lavras 31: 651-658., Bratti et al. (2013)Bratti C, Vieira MC, Zárate NAH, Oliveira APA, Marafiga BG & Fernandes SSL (2013) Levantamento de plantas medicinais nativas da Fazenda Azulão em Dourados-MS. Revista Brasileira de Plantas Medicinais, Campinas 15: 675-683., Bueno et al. (2005)Bueno NR, Castilho RO, Costa RB, Pott A, Pott VJ, Scheidt GN & Batista MS (2005) Medicinal plants used by the Kaiowá and Guarani indigenous populations in the Karapoó Reserve, Mato Grosso do Sul, Brasil. Acta Botanica Brasilica 19: 39-44., Cunha & Bartolotto (2011)Cunha SA & Bartolotto IM (2011) Etnobotânica de plantas medicinais no assentamento Monjolinho, município de Anastácio, MS, Brasil. Acta Botanica Brasilica 25: 685-698., Pereira et al. (2007Pereira ZV, Gomes CF, Lobtchenko G, Gomes MÊS, Simões PDA, Saruwatari RPS, Rigo VF & Cordeiro WP (2007) Levantamento das Plantas Medicinais do Cerrado Sensu Stricto da Fazenda Paraíso - Dourados, MS. Revista Brasileira de Agroecologia, Porto Alegre 7: 126-136., 2012)Pereira ZV, Fernandes SL, Sangalli A & Mussury RM (2012) Usos múltiplos de espécies nativas do bioma Cerrado no Assentamento Lagoa Grande, Dourados, Mato Grosso do Sul. Revista Brasileira de Biociências 5: 249-251. e Rego et al. (2010)Rego FLH, Brand AJ & Costa RB (2010) Recursos genéticos, Biodiversidade, Conhecimento Tradicional Kaiowá e Guarani e o Desenvolvimento Local. Interações, Campo Grande 11: 55-69. (Tab. 1) para comparação com o presente levantamento. Estes artigos foram selecionados por tratarem-se de levantamentos etnobotânicos desenvolvidos no MS, que enfocaram as plantas medicinais nativas e, listas com, pelo menos, 85% das espécies identificadas. Foram excluídos estudos realizados no Bioma Pantanal, pois a lista de espécies não seria comparável com a do presente estudo. Os locais dos estudos foram plotados no mapa (Fig. 1) usando o programa QGIS 2.18. Táxons identificados somente até o nível genérico foram desconsiderados.

Tabela 1
Artigos utilizados para comparação das espécies medicinais nativa utilizadas por comunidades do Mato Grosso do Sul e do presente estudo, relacionando o tipo de vegetação amostrado sendo floresta semidecidual estacional (F) ou cerrado sentido restrito (C), se as plantas são nativas (N) ou cultivadas (Cl), o número de informantes, a percentagem de espéceis exclusivas - não mencionadas em nenhum outro artigo, famílias mais representadas com a porcentagem de espécies, tamanho da área, se o estudo foi conduzido em área indígena (I) ou não indígena (K) e se os usos das plantas foram mencionadas dentro da lista de plantas medicinais; d.i. = dado indisponível.
Table 1
Articles used in comparing native medicinal species used by comunities in the state of Mato Grosso do Sul with the presente study, relaying type of vegetation shown, using semidecidual seasonal forest (F) or cerrado (C), whether the plants are native (N) or cultivated (C), the number of informants, the percentage of exclusive species - not mentioned in any other article, best represented families with the percentage of species, size of the área, whether the study took place in an indigenous área (I) or not (K) and whether the uses of the plants were mentioned within the reported list of medicinal plants; d.i. = data unavailable.

Dos sete artigos usados para comparação, quatro também relataram os usos associados às plantas (Tab. 1). Foram comparados os usos padronizados das espécies comuns entre estes quatro estudos mais o presente trabalho (Fig. 3). Para comparar a homogeneidade do conhecimento dos usos das plantas, foi calculado o Fator de Consenso dos Informantes (FIC) adaptado de Trotter & Logan (1986)Trotter RT & Logan MH (1986) Informant census: a new approach for identifying potentially effective medicinal plants. In: Etkin LN (ed.) Plants in indigenous medicine and diet. Redgrave, Bedford Hill, New York. Pp. 91-112., tratando cada estudo como um informante. Utilizou-se a seguinte fórmula para o FIC:

FIC = Nur Nt / Nur 1

Figura 3
Representação gráfica Kaiowá, segundo desenho de indígena da "retomada" do Tekoha Taquara, Juti, MS. Yvy marene'y, nome em Guarani para "terra sem males", durante sua fundação. As cruzes e paus são os Xiru, bastões dos seres divinos, que são plantas sagradas, deixado pelos mesmos para fornecer o firmamento da terra. Seriam 12 bastões, segundo o desenhista indígena, um deles ficou fora da ilustração, do lado esquerdo, porque não coube no papel.
Figure 3
Kaiowá graphic representation, drawn by an indigenous person of the reclaimed land Tekoha Taquara, Juti, MS. Yvy marene'y, name in Guarani for "land of no evils", during its founding. The crosses and sticks are Xiru, staffs of divine beings, which are sacred plants, left by those who came to establish the Earth. There would be 12 staffs, according to the draftsman, but one of them was left out of the illustration, on the left side because it would not fit on the paper.

Onde Nur = soma da citação dos usos relacionados em cada artigo para uma categoria de uso específica; Nt = o número de taxons usados para determinada categoria de uso em todos os artigos.

Uma busca na base de dados do specieslink com ‘medicinal’ e ‘Mato Grosso do Sul’ foi feita. De 1.419 registros, somente os 511 identificados até o nível específico de táxons nativos ou naturalizados foram incluídos. A lista final foi utilizada para mostrar as espécies exclusivas.

Resultados e Discussão

Plantas medicinais do Tekoha Taquara

As turnês guiadas que foram realizadas na área reivindicada como Tekoha Taquara, resultaram em 90 espécies de plantas medicinais e ritualísticas identificadas (Tab. S1, disponibilizada no material suplementar <https://doi.org/10.6084/m9.figshare.13073189.v1>). Do total, três espécies são de Pteridófitas, uma de Fungo que não foi identificada e as demais, Angiospermas.

As espécies de Angiospermas identificadas estão distribuídas em 39 famílias botânicas. Do total de espécies, 86 são nativas do Brasil (94,5%) e cinco naturalizadas (5,5%) e associadas às áreas antrópicas.

Do total de espécies, 37 (41,1%) foram encontradas na floresta estacional semidecidual, 41 (45,5%) no cerrado sentido restrito e 12 (13,3%) no campo úmido (Tab. S1, disponibilizada no material suplementar <https://doi.org/10.6084/m9.figshare.13073189.v1>).

Considerando o hábito, os subarbustos e as ervas são os mais utilizados, com 25 espécies, sendo seguido pelos arbustos (21), lianas (10) e árvores (9).

As famílias mais ricas em espécies foram Asteraceae (9), Fabaceae (8), Bignoniaceae (6), Rubiaceae (6) e Solanaceae (6).

As partes das plantas mais utilizadas por número de citações foram: a folha (47 citações), seguida pela raiz (41 citações) e casca (15 citações).

As categorias de uso das plantas medicinais com maior número de espécies relacionadas foram as doenças do sistema genito-urinário (34 espécies), seguida pelo sistema digestório (24 espécies), doenças infecciosas e parasíticas (19), doenças da pele e do tecido subcutâneo (14) e da categoria que foi criada para acomodar os dados dos Kaiowá: uso pediátrico (14). Foram coletadas 12 espécies de uso ritualístico. Aqui se exclui a maioria das plantas denominadas Xirus, porque a identidade de várias não pôde ser revelada.

A preparação mais frequente é a infusão oral, ou seja, na forma de chá. Toda planta que pode ser ingerida como chá também pode ser tomada com a erva mate (Ilex paraguariensis A.St.-Hil.), na forma de chimarrão (quente) ou tereré (frio). Exceção são as plantas de uso pediátrico, pois crianças não tomam chimarrão.

Além da combinação de plantas com a erva mate, para o tratamento de diabetes e para doenças sexualmente transmissíveis (DST), foram listadas combinação de plantas. Essas plantas se encontram na Tabela 2.

Tabela 2
Espécies usadas em conjunto para tratar diabetes e doenças sexualmente transmissíveis (DST), segundo informantes Kaiowá do Tekoha Taquara, MS.
Table 2
Species used together in order to treat diabetes or sexually transmitted diseases (STDs), according to the Kaiowá informants of Tekoha Taquara, MS.

As plantas e a cosmologia Kaiowá

A presença dos seres espirituais na terra, o lugar de cada um e sua interconexão é explicada na história da fundação da Yvy marene’y, terra sem males (Fig. 3). Essa história leva 12 dias para ser contada e é narrada uma vez por ano para as crianças entre 8 e 13 anos.

A cosmovisão dos Kaiowá sobre a origem da terra conta que foram deixados pelos seres divinos 12 Xiru, bastões em forma de cruz ou cajado, que são árvores sagrados por manterem o firmamento da terra (Fig. 3).

O Yuyraka-tingy, ou cedro em português (Cedrela fissilis Vell.), o Tembetary (não foi coletado), o Xiru ỹ ou palo-santo (não foi coletado), a matriarca das ervas Ka’a jarỹ, o Ka’a ou erva-mate (Ilex paraguariensis A. St.-Hil.), o pacuri (não foi coletado), o Jata’yva ou jatobá (não foi coletado), o Gwapo’y ou figueira (não foi coletado, Moraceae), o Yvyra vevui ou juúna (Solanum subinerme Jacq.), entre outros, são plantas consideradas Xiru, deixadas pelos seres celestiais. Xiru pode se referir, também, à própria entidade espiritual que cuida de cada planta.

Há também o Xiru Ka’aguijarỹ, que é o ser da mata, que tem a força para coordenar as árvores e as entidades que cuidam de cada espécie específica. Outros seres protetores da floresta, os Rekoreté, incluem os protetores dos bichos, dos insetos, o Yvyra jarỹ - o dono das árvores, a Ka’a jarỹ - a matriarca das ervas, o ỹsypó jarỹ - o dono dos cipós, o Ogussu jarỹ - o dono da casa grande.

As espécies ameaçadas do Tekoha Taquara e as que não puderam ser coletadas

Cedrela fissilis e Balfourodendron riedelianum (Engl.) Engl. estão na lista de espécies ameaçadas do CNCFlora, Martinelli & Moraes (2013)Martinelli G & Moraes MA (2013) Livro Vermelho da Flora do Brasil. Centro Nacional de Conservação da Flora (CNC-Flora). Ministério do Meio Ambiente, Rio de Janeiro. 1100p., nas categorias de “vulnerável” e “em perigo”, respectivamente.

Como diz um dos principais informantes deste trabalho, “não coletamos nem metade das plantas que são remédios de verdade”. Cabe ressaltar aqui, que as informações sobre as plantas fornecidas pelos Kaiowá seguem critérios e há “estágios” para que as informações sejam repassadas.

A transmissão e repasse do conhecimento entre os Kaiowá se baseia, como em muitas comunidades (Coelho et al. 2003Coelho MFB, Costa Júnior P & Dombroski JLD (2003) Diversos olhares em etnobiologia, etnoecologia e Plantas Medicinais. UNICEN, Cuiabá. Pp. 89-98.), em aspectos geracionais e de gênero. Além deste critério, o repasse do conhecimento é também determinado pela função de cada indivíduo na comunidade, governado pelo sobrenatural e mediado pelos sonhos. O cargo ou função da pessoa é dado durante o ritual de nominação, nhemongarai.

O nhemongarai, é o momento durante o qual os nhanderu e nhandesy conversam com os “de cima” para despertarem o nome Kaiowá inerente à pessoa. O nome indica a identidade Kaiowá, e o compromisso que a pessoa vem a assumir com a comunidade. Caso um nome não venha, é porque a pessoa não é de confiança e não pode receber os ensinamentos Kaiowá.

Como diz a liderança, “tem certas plantas medicinais que são sagradas para nós. O que é muito especial a gente não mostrou ainda pra vocês. Porque tem que rezar muito. Isso aparece no sonho, quando se permite ser conhecido. Quando não se permite, não aparece por alguma razão”.

As plantas gwapo’y (figueira, Moraceae) e a tembeta’y (Rutaceae) não foram coletadas porque não existem mais no Taquara, segundo relato dos informantes. Foram dizimadas para ceder lugar aos monocultivos.

Os pindó (coqueiros, Arecaceae) não podem ser tocados por mulheres, o que impossibilitou a coleta e as informações de uso também não foram disponibilizadas. Algumas plantas como a Ysy, e o Xiru ỹ (palo-santo), que são sagradas para os Kaiowá, só nos foram reveladas ao final do trabalho e não pudemos confirmar a identidade taxonômica.

Compilação das espécies de plantas medicinais citadas na literatura e das bases de dados dos herbários do Mato Grosso do Sul e comparação com as citadas pelos Kaiowá do Tekoha Taquara

A lista total de espécies compiladas do presente estudo mais as dos sete artigos selecionados (Alves et al. 2008Alves EO, Mota JH, Soares TS, Vieira MC & Silva CB (2008) Levantamento Etnobotânico e Caracterização de Plantas Medicinais em Fragmentos Florestais de Dourados-MS. Ciência e Agrotecnologia, Lavras 31: 651-658.; Bratti et al. 2013Bratti C, Vieira MC, Zárate NAH, Oliveira APA, Marafiga BG & Fernandes SSL (2013) Levantamento de plantas medicinais nativas da Fazenda Azulão em Dourados-MS. Revista Brasileira de Plantas Medicinais, Campinas 15: 675-683.; Bueno et al. 2005Bueno NR, Castilho RO, Costa RB, Pott A, Pott VJ, Scheidt GN & Batista MS (2005) Medicinal plants used by the Kaiowá and Guarani indigenous populations in the Karapoó Reserve, Mato Grosso do Sul, Brasil. Acta Botanica Brasilica 19: 39-44.; Cunha & Bartolotto 2011Cunha SA & Bartolotto IM (2011) Etnobotânica de plantas medicinais no assentamento Monjolinho, município de Anastácio, MS, Brasil. Acta Botanica Brasilica 25: 685-698.; Pereira et al. 2007Pereira ZV, Gomes CF, Lobtchenko G, Gomes MÊS, Simões PDA, Saruwatari RPS, Rigo VF & Cordeiro WP (2007) Levantamento das Plantas Medicinais do Cerrado Sensu Stricto da Fazenda Paraíso - Dourados, MS. Revista Brasileira de Agroecologia, Porto Alegre 7: 126-136., 2012Pereira ZV, Fernandes SL, Sangalli A & Mussury RM (2012) Usos múltiplos de espécies nativas do bioma Cerrado no Assentamento Lagoa Grande, Dourados, Mato Grosso do Sul. Revista Brasileira de Biociências 5: 249-251.; Rego et al. 2010Rego FLH, Brand AJ & Costa RB (2010) Recursos genéticos, Biodiversidade, Conhecimento Tradicional Kaiowá e Guarani e o Desenvolvimento Local. Interações, Campo Grande 11: 55-69.) resultou num total de 292 espécies. Dos herbários foram compiladas 511 espécies nativas ou naturalizadas de plantas medicinais do MS, excluindo as plantas do Pantanal.

Do total de espécies compiladas, somente 144 são compartilhadas entre as informações de herbário e os dados dos artigos selecionados. Assim, o presente estudo listou 659 espécies de uso medicinal nativas e naturalizadas do estado do MS, exceto as que são do Pantanal.

Quando comparado com os trabalhos de Bueno et al. (2005)Bueno NR, Castilho RO, Costa RB, Pott A, Pott VJ, Scheidt GN & Batista MS (2005) Medicinal plants used by the Kaiowá and Guarani indigenous populations in the Karapoó Reserve, Mato Grosso do Sul, Brasil. Acta Botanica Brasilica 19: 39-44. e Rego et al. (2010)Rego FLH, Brand AJ & Costa RB (2010) Recursos genéticos, Biodiversidade, Conhecimento Tradicional Kaiowá e Guarani e o Desenvolvimento Local. Interações, Campo Grande 11: 55-69., que englobam o estudo de plantas medicinais nativas do MS em aldeias indígenas (Tab. 1), a lista obtida no TekohaTaquara é a maior em número de espécies e, é a terceira em número de táxons específicos reconhecidos entre os demais estudos (Alves et al. 2008Alves EO, Mota JH, Soares TS, Vieira MC & Silva CB (2008) Levantamento Etnobotânico e Caracterização de Plantas Medicinais em Fragmentos Florestais de Dourados-MS. Ciência e Agrotecnologia, Lavras 31: 651-658.; Bratti et al. 2013Bratti C, Vieira MC, Zárate NAH, Oliveira APA, Marafiga BG & Fernandes SSL (2013) Levantamento de plantas medicinais nativas da Fazenda Azulão em Dourados-MS. Revista Brasileira de Plantas Medicinais, Campinas 15: 675-683.; Cunha & Bartolotto 2011Cunha SA & Bartolotto IM (2011) Etnobotânica de plantas medicinais no assentamento Monjolinho, município de Anastácio, MS, Brasil. Acta Botanica Brasilica 25: 685-698.; Pereira et al. 2007Pereira ZV, Gomes CF, Lobtchenko G, Gomes MÊS, Simões PDA, Saruwatari RPS, Rigo VF & Cordeiro WP (2007) Levantamento das Plantas Medicinais do Cerrado Sensu Stricto da Fazenda Paraíso - Dourados, MS. Revista Brasileira de Agroecologia, Porto Alegre 7: 126-136., 2012Pereira ZV, Fernandes SL, Sangalli A & Mussury RM (2012) Usos múltiplos de espécies nativas do bioma Cerrado no Assentamento Lagoa Grande, Dourados, Mato Grosso do Sul. Revista Brasileira de Biociências 5: 249-251.).

Em todos os estudos em que foram incluídas plantas de cerrado stricto sensu, as famílias mais numerosas foram Fabaceae e Asteraceae. Fabaceae (13,4%) e Asteraceae (9,3%) também foram as famílias mais numerosas dos dados totais, considerando os compilados dos herbários, literatura e do Taquara, seguidos por Rubiaceae (4,2%) e Bignoniaceae (3,8%). Apenas no estudo de Alves et al. (2008)Alves EO, Mota JH, Soares TS, Vieira MC & Silva CB (2008) Levantamento Etnobotânico e Caracterização de Plantas Medicinais em Fragmentos Florestais de Dourados-MS. Ciência e Agrotecnologia, Lavras 31: 651-658., que consideraram apenas elementos florestais, nenhuma das duas famílias foram as mais importantes.

Nenhuma espécie foi citada em todos os trabalhos. As espécies que apareceram em cinco dos sete trabalhos foram: Myracrodruon urundeuva Allemão, Copaifera langsdorffii Desf. e Cedrela fissilis. Apenas Cedrela fissilis foi citada pelos Kaiowá.

As espécies Schefflera morototoni (Aubl.) Maguire et al., Baccharis dracunculifolia DC. Bidens pilosa L.*, Bixa orellana L.*, Maytenus ilicifolia Mart. ex Reissek*, Anadenanthera peregrina (L.) Speg., Dimorphandra mollis Benth., Genipa americana L.* e Stachytarpheta cayennensis (Rich.) Vahl* foram citadas em quatro trabalhos. As que estão marcadas por asteriscos, também foram citadas pelos Kaiowá (Tab. S1, disponibilizada no material suplementar <https://doi.org/10.6084/m9.figshare.13073189.v1>).

Em todos os estudos houve espécies exclusivas, ou seja, citadas em apenas um dos levantamentos. Taquara teve 55 espécies exclusivas, o segundo maior número. A maior relação de espécies exclusivas foi dada por Cunha & Bartolotto (2011)Cunha SA & Bartolotto IM (2011) Etnobotânica de plantas medicinais no assentamento Monjolinho, município de Anastácio, MS, Brasil. Acta Botanica Brasilica 25: 685-698., com 56 táxons. Como a amostragem de plantas coletadas por Cunha & Bartolotto (2011)Cunha SA & Bartolotto IM (2011) Etnobotânica de plantas medicinais no assentamento Monjolinho, município de Anastácio, MS, Brasil. Acta Botanica Brasilica 25: 685-698. foi maior, se considerarmos em termos de porcentagem de espécies medicinais exclusivas, Taquara destaca-se dos ademais artigos com 61,1% de táxons exclusivos, sendo seguido por Cunha & Bartolotto (2011)Cunha SA & Bartolotto IM (2011) Etnobotânica de plantas medicinais no assentamento Monjolinho, município de Anastácio, MS, Brasil. Acta Botanica Brasilica 25: 685-698. com 47,1% (Tab. 1).

Das 55 espécies citadas apenas no Taquara, somente oito espécies estavam registradas nos dados compilados de herbários.

Para nove espécies citadas no Taquara, não foi possível encontrar o nome popular através das bases de dados: Byttneria scalpellata Pohl, Coussarea hydrangeifolia (Benth.) Müll. Arg., Desmoscelis villosa (Aubl.) Naudin, Hemipogon sprucei E.Fourn., Mandevilla widgrenii C. Ezcurra, Maytenus floribunda Reissek, Myrcia anomala Cambess., Praxelis insignis (Malme) R.M. King & H.Rob. e Serpocaulon latipes (Langsd. & Fisch.) A.R.

Taquara apresentou a maior riqueza de usos, abrangendo 16 categorias, seguido por Bueno et al. (2005)Bueno NR, Castilho RO, Costa RB, Pott A, Pott VJ, Scheidt GN & Batista MS (2005) Medicinal plants used by the Kaiowá and Guarani indigenous populations in the Karapoó Reserve, Mato Grosso do Sul, Brasil. Acta Botanica Brasilica 19: 39-44. com 14 categorias e Bratti et al. (2013)Bratti C, Vieira MC, Zárate NAH, Oliveira APA, Marafiga BG & Fernandes SSL (2013) Levantamento de plantas medicinais nativas da Fazenda Azulão em Dourados-MS. Revista Brasileira de Plantas Medicinais, Campinas 15: 675-683. com 12.

A categoria de maior citação de uso dos dados compilados foi a do sistema digestório (com 66 menções, 18% dos usos totais), seguido pelas doenças do sistema genito-urinário (com 60 menções, 16% dos usos totais), doenças infecciosas e parasíticas (42 menções, 11% dos usos totais), doenças do sangue e mecanismo de imunidade (37 menções, 10% dos usos totais) (Fig. 4).

Figura 4
Representação gráfica por Categorias de Uso segundo a Classificação Internacional de Doenças (ICD 2016ICD - International Statistical Classification of Diseases and Related Health Problems (2016) World Health Organization. 10th revision. Disponível em <http://www.who.int/classifications/apps/icd/icd10online/>. Acesso em 9 junho 2017.
http://www.who.int/classifications/apps/...
) da Organização Mundial da Saúde, compilando os trabalhos de: Alves et al. 2008Alves EO, Mota JH, Soares TS, Vieira MC & Silva CB (2008) Levantamento Etnobotânico e Caracterização de Plantas Medicinais em Fragmentos Florestais de Dourados-MS. Ciência e Agrotecnologia, Lavras 31: 651-658. = cinza claro; Bueno et al. (2005)Bueno NR, Castilho RO, Costa RB, Pott A, Pott VJ, Scheidt GN & Batista MS (2005) Medicinal plants used by the Kaiowá and Guarani indigenous populations in the Karapoó Reserve, Mato Grosso do Sul, Brasil. Acta Botanica Brasilica 19: 39-44. = cinza escuro; Bratti et al. (2013)Bratti C, Vieira MC, Zárate NAH, Oliveira APA, Marafiga BG & Fernandes SSL (2013) Levantamento de plantas medicinais nativas da Fazenda Azulão em Dourados-MS. Revista Brasileira de Plantas Medicinais, Campinas 15: 675-683. = preto; Rego et al. (2010)Rego FLH, Brand AJ & Costa RB (2010) Recursos genéticos, Biodiversidade, Conhecimento Tradicional Kaiowá e Guarani e o Desenvolvimento Local. Interações, Campo Grande 11: 55-69. = branco e o presente estudo = striped.
Figure 4
Graphic representation of Use Categories according to the International Classification of Diseases (ICD 2016ICD - International Statistical Classification of Diseases and Related Health Problems (2016) World Health Organization. 10th revision. Disponível em <http://www.who.int/classifications/apps/icd/icd10online/>. Acesso em 9 junho 2017.
http://www.who.int/classifications/apps/...
) of the World Health Organization, compiling the studies of: Alves et al. (2008)Alves EO, Mota JH, Soares TS, Vieira MC & Silva CB (2008) Levantamento Etnobotânico e Caracterização de Plantas Medicinais em Fragmentos Florestais de Dourados-MS. Ciência e Agrotecnologia, Lavras 31: 651-658. = light grey; Bueno et al. (2005)Bueno NR, Castilho RO, Costa RB, Pott A, Pott VJ, Scheidt GN & Batista MS (2005) Medicinal plants used by the Kaiowá and Guarani indigenous populations in the Karapoó Reserve, Mato Grosso do Sul, Brasil. Acta Botanica Brasilica 19: 39-44. = dark grey; Bratti et al. (2013)Bratti C, Vieira MC, Zárate NAH, Oliveira APA, Marafiga BG & Fernandes SSL (2013) Levantamento de plantas medicinais nativas da Fazenda Azulão em Dourados-MS. Revista Brasileira de Plantas Medicinais, Campinas 15: 675-683. = black; Rego et al. (2010)Rego FLH, Brand AJ & Costa RB (2010) Recursos genéticos, Biodiversidade, Conhecimento Tradicional Kaiowá e Guarani e o Desenvolvimento Local. Interações, Campo Grande 11: 55-69. = white and the present study = striped.

Os Kaiowá do Taquara possuem uma categoria não citada, mesmo se considerarmos estudos feitos em outras regiões (Bhat et al. 2013Bhat JA, Kumar M, Negi AK & Todaria NP (2013) Informants’ consensus on ethnomedicinal plants in Kedarnath Wildlife Sanctuary of Indian Himalayas. Journal of Medicinal Plants Research 7: 148-154.; Ceron et al. 2016Ceron A, Guilson AV, Bristot SF, Martins HB, Elias GA, Santos R & Citadini-zanette AV (2016) Potencial medicinal e alimentício da vegetação herbácea terrícola ciliar no sul do brasil. Interciencia 41: 393-400.; Heinrich et al. 1998Heinrich M, Ankli A, Frei B, Weimann C & Sticher O (1998) Medicinal plants in Mexico: healer’s consensus and cultural importance. Social Science and Medicine 47: 1859-1871.; Juárez-Vázquez et al. 2013Juárez-Vázquez MC, Carranza CA, Alonso AJC, González FVA, Bravo EA, Chamarro JFT & Solano E (2013) Ethnobotany of medicinal plants used in Xalpatlahuac, Guerrero, México. Journal of ethnopharmacology 148: 521-527.; Uddin & Hassan 2014Uddin MZ & Hassan MA (2014) Determination of informant consensus factor of ethnomedicinal plants used in Kalenga Forest, Bangladesh. Bangladesh Journal of Plant Taxon: 83-91.; e outros), que é o uso de plantas medicinais específicas para crianças. No caso de uma mesma enfermidade, as crianças serão tratadas com uma planta diferente daquela usada para o adulto. Como os informantes deram muita ênfase ao tratamento diferenciado das crianças, optamos por criar esta categoria chamada de “pediátrica” (XXIII).

Considerando a homogeneidade dos usos, representado pelo FIC, as categorias que tiveram maior consenso foram as de visão (1), do ouvido (0,36), do sistema digestório e do sistema dermatológico e tecido subcutâneo (0,333) (Tab. 3).

Tabela 3
Número das categorias de uso conforme padrão da Organização Mundial da Saúde e Fator de Consenso (FIC) considerando os estudos etnobotânicos disponíveis e agrupados em indígenas e não indígenas do Mato Grosso do Sul, respectivamente.
Table 3
Number of use categories given by the world health organization and Informant Consensus Factor (FIC) considering ethnobotanical studies available and grouped by indigenous and non-indigenous within the state of Mato Grosso do Sul, respectively.

A média do FIC de todas as categorias entre as 5 áreas em que o uso foi discriminado (Alves et al. 2008Alves EO, Mota JH, Soares TS, Vieira MC & Silva CB (2008) Levantamento Etnobotânico e Caracterização de Plantas Medicinais em Fragmentos Florestais de Dourados-MS. Ciência e Agrotecnologia, Lavras 31: 651-658.; Bueno et al. 2005Bueno NR, Castilho RO, Costa RB, Pott A, Pott VJ, Scheidt GN & Batista MS (2005) Medicinal plants used by the Kaiowá and Guarani indigenous populations in the Karapoó Reserve, Mato Grosso do Sul, Brasil. Acta Botanica Brasilica 19: 39-44.; Bratti et al. 2013Bratti C, Vieira MC, Zárate NAH, Oliveira APA, Marafiga BG & Fernandes SSL (2013) Levantamento de plantas medicinais nativas da Fazenda Azulão em Dourados-MS. Revista Brasileira de Plantas Medicinais, Campinas 15: 675-683.; Rego et al. 2010Rego FLH, Brand AJ & Costa RB (2010) Recursos genéticos, Biodiversidade, Conhecimento Tradicional Kaiowá e Guarani e o Desenvolvimento Local. Interações, Campo Grande 11: 55-69.; e o presente estudo) é de 0,235 (Tab. 3). Quando se divide os estudos em indígenas e não indígenas, a média baixa para 0,122 e 0,0845, respectivamente.

Os Kaiowá do TekohaTaquara lançaram-nos um grande desafio ao proporem que o conhecimento deles sobre a flora da área reinvidicada como ancestral, poderia ser utilizada como instrumento para legalizar a posse daquela terra. O desafio foi ainda maior, pela impossibilidade de trabalharmos livremente na área já que, os fazendeiros têm a posse legal e não permitem a circulação dos indígenas na região.

Para mostrar que os índios vivem naquela área por longo tempo, nós pensamos em mostrar, as especificidades de uso.

Categorias de uso e FIC

Enquanto a compilação dos estudos demonstrou que a categoria de uso que possui o maior número de espécies medicinais citadas foi a de doenças do sistema digestório, a categoria mais numerosa do Taquara foi a de doenças do sistema genito-urinário, com o sistema digestório em segundo lugar.

Heinrich et al. (1998)Heinrich M, Ankli A, Frei B, Weimann C & Sticher O (1998) Medicinal plants in Mexico: healer’s consensus and cultural importance. Social Science and Medicine 47: 1859-1871. sugerem que a categoria de doenças do sistema digestório sempre aparece com um alto número de espécies, independente da cultura. Nos estudos de Martinez et al. (2006)Martinez MR, Pochettino ML, Crivos M, Remorini C & Sy A (2006) Gathering and circulation of medicinal plants in a pluricultural contexto (Misiones, Argentina). Proceedings of the IVth International Congress of Ethnobotany, Estambul. Pp. 1-9., Juárez-Vázquez et al. (2013)Juárez-Vázquez MC, Carranza CA, Alonso AJC, González FVA, Bravo EA, Chamarro JFT & Solano E (2013) Ethnobotany of medicinal plants used in Xalpatlahuac, Guerrero, México. Journal of ethnopharmacology 148: 521-527., Oliveira et al. (2010)Oliveira AKM, Oliveira NA, Resende UM & Martins PFRB (2010) Ethnobotany and traditional medicine of the inhabitants of the Pantanal Negro sub-region and the raizeiros of Miranda and Aquiduana, Mato Grosso do Sul, Brazil. Brazilian Journal of Biology 71: 283-289., e Pasa et al. (2005)Pasa MC, Soares JJ & Neto GG (2005) Estudo etnobotânico na comunidade de Conceição-Açu (alto da bacia do Rio Aricá Açu, MT, Brasil). Acta Botanica Brasilica 19: 195-207., o número de plantas destinados à categoria de doenças do sistema digestório também predominou. Nos estudos desenvolvidos no MS que listam os usos, doenças do sistema digestório ficaram em primeiro lugar em Bratti et al. (2013)Bratti C, Vieira MC, Zárate NAH, Oliveira APA, Marafiga BG & Fernandes SSL (2013) Levantamento de plantas medicinais nativas da Fazenda Azulão em Dourados-MS. Revista Brasileira de Plantas Medicinais, Campinas 15: 675-683., Bueno et al. (2005)Bueno NR, Castilho RO, Costa RB, Pott A, Pott VJ, Scheidt GN & Batista MS (2005) Medicinal plants used by the Kaiowá and Guarani indigenous populations in the Karapoó Reserve, Mato Grosso do Sul, Brasil. Acta Botanica Brasilica 19: 39-44., e Rego et al. (2010)Rego FLH, Brand AJ & Costa RB (2010) Recursos genéticos, Biodiversidade, Conhecimento Tradicional Kaiowá e Guarani e o Desenvolvimento Local. Interações, Campo Grande 11: 55-69.. Somente no estudo de Alves et al. (2008)Alves EO, Mota JH, Soares TS, Vieira MC & Silva CB (2008) Levantamento Etnobotânico e Caracterização de Plantas Medicinais em Fragmentos Florestais de Dourados-MS. Ciência e Agrotecnologia, Lavras 31: 651-658. as doenças do sistema genito-urinário também predominaram.

Talvez o gênero do entrevistador, interfira diretamente nas citações de usos. Porém, o fato do trabalho de Alves et al. (2008)Alves EO, Mota JH, Soares TS, Vieira MC & Silva CB (2008) Levantamento Etnobotânico e Caracterização de Plantas Medicinais em Fragmentos Florestais de Dourados-MS. Ciência e Agrotecnologia, Lavras 31: 651-658. que trabalhou com grupo indígena da região de Dourados, ajude a sustentar que os Guarani tenham como característica o zelo pela saúde feminina. No presente estudo das 34 espécies indicadas para o tratamento genito-urinário, 23 são relacionadas à mulher.

A homogeneidade de informações providas por diferentes informantes para espécies medicinais utilizadas para uma mesma categoria são refletidas em altos valores de FIC (Bernaba 2016Bernaba B (2016) Medicinal plants used by traditional healers from South-West Algeria: an ethnobotanical study. Journal of Intercultural Ethnopharmacology 5: 320-330.). Um consenso maior entre comunidades pode sugerir que o conhecimento tenha tido a mesma origem ou, que há uma troca maior de informações sobre os usos de plantas entre as comunidades (Heinrich et al. 1998Heinrich M, Ankli A, Frei B, Weimann C & Sticher O (1998) Medicinal plants in Mexico: healer’s consensus and cultural importance. Social Science and Medicine 47: 1859-1871.).

A transmissão cultural de conhecimento é de grande importância para a compreensão da manutenção, erosão e propagação das características culturais e de inovação (Reyes-García et al. 2007Reyes-García V, Martí N, McDade T, Tanner S & Vadez V (2007) Concepts and methods in studies measuring individual ethonobotanical knowledge. Journal of Ethnobiology 27: 182-203.). Este grupo mostrou ainda, no estudo entre ameríndios da Bolívia, que houve maior interferência de transmissão do conhecimento a partir dos anciãos do que dos pais.

Como nossa hipótese de estudo é de que cada grupo étnico apresenta especificidades, o baixo índice médio de FIC apresentado na comparação com outros artigos (Tab. 3), era esperado. Mesmo quando se comparou o FIC médio entre os grupos indígenas da mesma região e língua, não houve consenso, mostrando que há especificidades de conhecimento. É razoável pensar que, a presença constante dos anciãos nas “retomadas” e aldeias demarcadas - os mais jovens muitas vezes trabalham e/ou estudam fora das aldeias - vem proporcionando a manutenção e circulação dos saberes locais.

Número de espécies exclusivas

São 55 espécies medicinais de uso exclusivo no Taquara em comparação aos estudos em áreas contíguas (Tab. 1; Fig. 1).

A falta de nome popular em português para nove das espécies medicinais do Tekoha Taquara (Tab. S1, disponibilizada no material suplementar <https://doi.org/10.6084/m9.figshare.13073189.v1>), é mais uma indicação que a população não indígena desconhece espécies usadas pelos indígenas do Taquara. Souza & Hawkins (2017)Souza ENF & Hawkins JA (2017) Comparison of herbarium label data and published medicinal use: herbaria as an underutilized source of ethnobotanical information. Economic Botany XX: 1-12. advertem que, uma única citação de espécie também pode ser resultado de má identificação. Grande parte do material de Taquara foi identificado por especialistas e temos segurança nas identificações do nosso estudo.

Das 55 espécies de menção exclusiva ao Taquara, quando comparadas com as coletadas no MS e as tombadas em herbário com menção de ser medicinal, somente oito se encontram na base de dados specieslink com citação de uso medicinal no MS. É possível que hajam poucas identificações ao nível específico na base de dados, já que a identificação ao nível genérico teve 28 registros.

Souza & Hawkins (2017)Souza ENF & Hawkins JA (2017) Comparison of herbarium label data and published medicinal use: herbaria as an underutilized source of ethnobotanical information. Economic Botany XX: 1-12. evidenciaram que no Brasil, informações de herbário representam bem o ranqueamento de gêneros usados como medicinais, as partes usadas e o modo de aplicação das mesmas. Desta forma, mais uma vez, evidencia-se a especificidade do conhecimento dos Kaiowá sobre a flora medicinal da área reivindicada como terra ancestral.

Estes “saberes locais” devem ser compreendidos no sentido múltiplo do termo, e não enquanto um “conhecimento tradicional” unívoco e hegemônico, pois a riqueza e força do “tradicional” residem, justamente na sua constante capacidade de renovação (Perreli 2008Perreli M (2008) “Conhecimento tradicional” e currículo multicultural: notas com base em uma experiência com estudantes indígenas Kaiowá/Guarani. Ciência e Educação 14: 381-96.). Os “saberes locais” não são estáticos, fundamentam-se em complexos sistemas de práticas e representações simbólicas, processos contínuos de inovação e experimentação (Carneiro da Cunha 1999Carneiro da Cunha M (1999) Populações tradicionais e a convenção da diversidade biológica. Estudos Avançados 13: 147-163., 2000Carneiro da Cunha M (2009) Cultura com aspas e outros ensaios. Cosac, Naif & São Paulo. 252p., 2012)Carneiro da Cunha M (2012) Savois authochtones: quelle nature, quel apports? Col. Leçons Inaugurales du Collège de France. Fayard e Collège de France, Paris. 60p. e é construído ao longo do tempo, incorporando conhecimentos de grupos que se impactam ou convivem (Moran 1990 apud Campos & Ehringhaus 2003Campos MT & Ehringhaus C (2003) Plant virtues are in the eyes of the beholders: a comparision of known palm uses among indigenous and folk communities of Southwestern Amazonia. Economic Botany 57: 324-344.).

A pesquisa de Campos & Ehringhaus (2003)Campos MT & Ehringhaus C (2003) Plant virtues are in the eyes of the beholders: a comparision of known palm uses among indigenous and folk communities of Southwestern Amazonia. Economic Botany 57: 324-344. mostra que, o tempo de convívio com espécies locais proporciona um conhecimento maior dos usos associados. A ancestralidade dos usos está relacionada com a complexa cosmologia dos Kaiowá, que está diretamente relacionada à flora local, com plantas denominadas sagradas de ocorrência natural na região. Há ainda, a retenção de nomes e prefixos e sufixos do tronco comum Guarani, segundo a explicação de Barbosa Rodrigues (1905)Barbosa Rodrigues J (1905) Mbaé Kaá. Tapyiyetá Enoyndaua. Imprensa Nacional, Rio de Janeiro. 89p., que tratou da nomenclatura botânica dos Guarani. Esta retenção mostra que há uma construção antiga entre o indígena e a flora local.

Misturas de plantas medicinais

O uso combinado de espécies medicinais para o tratamento de diabetes e Doenças Sexualmente Transmissíveis (DSTs) (Tab. 2), merece ser destacado, pois não é citado na literatura, mesmo considerando artigos com povos tradicionais de outras regiões (Bhat et al. 2013Bhat JA, Kumar M, Negi AK & Todaria NP (2013) Informants’ consensus on ethnomedicinal plants in Kedarnath Wildlife Sanctuary of Indian Himalayas. Journal of Medicinal Plants Research 7: 148-154.; Bye 1986Bye RA (1986) Medicinal plants of the Sierra Madre: comparative study of Tarahumara and Mexican Market Plants. Economic Botany 40: 103-124.; Campos & Ehringhaus 2003Campos MT & Ehringhaus C (2003) Plant virtues are in the eyes of the beholders: a comparision of known palm uses among indigenous and folk communities of Southwestern Amazonia. Economic Botany 57: 324-344.; Freitas & Fernandes 2006Freitas JC & Fernandes MWB (2006) Uso de plantas medicinais pela comunidade de Enfarrusca, Bragança, Pará. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi 1: 11-26.; Heinrich et al. 1998Heinrich M, Ankli A, Frei B, Weimann C & Sticher O (1998) Medicinal plants in Mexico: healer’s consensus and cultural importance. Social Science and Medicine 47: 1859-1871.; Hoffman 2013Hoffman B (2013) Exploring biocultural contexts: comparative woody plant knowledge of an Indigenous and Afro-American Maroon Community in Suriname, South America. Springer Science+Business Media, New York. Pp. 335-393.; Juárez-Vázquez et al. 2013Juárez-Vázquez MC, Carranza CA, Alonso AJC, González FVA, Bravo EA, Chamarro JFT & Solano E (2013) Ethnobotany of medicinal plants used in Xalpatlahuac, Guerrero, México. Journal of ethnopharmacology 148: 521-527.; Martinez et al. 2006Martinez MR, Pochettino ML, Crivos M, Remorini C & Sy A (2006) Gathering and circulation of medicinal plants in a pluricultural contexto (Misiones, Argentina). Proceedings of the IVth International Congress of Ethnobotany, Estambul. Pp. 1-9.; Milliken & Albert 1996Milliken W & Albert B (1996) The use of medicinal plants by the Yanomami Indians of Brasil. Economic Botany 50: 10-25.; Ndondolo et al. 2016Ndondolo S, Owour BO, Gakuubi MM & Wanzala W (2016) A comparative analysis of ethnobotanical applications by the Aba Wanga people in western Kenya. Arabian Journal of Medicinal & Aromatic Plants 2: 117-137.; Oliveira et al. 2010Oliveira AKM, Oliveira NA, Resende UM & Martins PFRB (2010) Ethnobotany and traditional medicine of the inhabitants of the Pantanal Negro sub-region and the raizeiros of Miranda and Aquiduana, Mato Grosso do Sul, Brazil. Brazilian Journal of Biology 71: 283-289.; Oliveira & Braga 2017Oliveira PC & Braga J (2017) Ethnobotany of Borari-Arapiuns indigenous people, Amazon, Brazil. Journal of Medicinal Plants Studies 5: 164-170.; Pasa et al. 2005Pasa MC, Soares JJ & Neto GG (2005) Estudo etnobotânico na comunidade de Conceição-Açu (alto da bacia do Rio Aricá Açu, MT, Brasil). Acta Botanica Brasilica 19: 195-207.; Uddin & Hassan 2014Uddin MZ & Hassan MA (2014) Determination of informant consensus factor of ethnomedicinal plants used in Kalenga Forest, Bangladesh. Bangladesh Journal of Plant Taxon: 83-91.).

Temos segurança em afirmar, que o uso de combinação de plantas entre os Kaiowá é muito mais frequente do que a relatada e estas combinações precisam ser estudadas.

As evidências, de forma resumida, mostram que: 1. há expressivo número de táxons nativos e naturalizados reconhecidos como medicinais e de uso ritualístico pelos Kaiowá do Tekoha Taquara, incluindo táxons citados exclusivamente por este grupo, sem nome popular em português conhecido segundo várias bases de dados, quando comparados a estudos similares desenvolvidos no MS e dados de herbário. Mostra-se ainda, que a medicina Kaiowá é mais complexa que as relatadas pela literatura, pelo uso de misturas de plantas para o tratamento de uma doença; 2. a cosmologia Kaiowá envolve plantas sagradas, todas com ocorrência confirmada no MS; 3. mostra-se que há o reconhecimento de espécies raras e relato de espécies que não ocorrem mais na área por parte dos indígenas e que, há a retenção de nomes quando comparado ao relato de Barbosa Rodrigues; 4. evidencia-se que há maior multiplicidade de categorias de uso, segundo a Classificação Internacional de Doenças; 5. mostra o baixo Índice de Valor de Consenso (FIC) entre os artigos que trazem listas de plantas medicinais de indígenas X não indígenas do MS.

Concluímos que o conhecimento das plantas medicinais e ritualísticas pelos Kaiowá é uma forte evidência de que a área que apontam como sendo o Tekoha Taquara, compõe a área ancestral deste grupo.

Agradecimentos

À Fundação de Amparo à Pesquisa do Distrito Federal - FAP/DF (Proc. 0193.000.979/2015); à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal Nível Superior - CAPES (Proc. 16037.76.43976.1404/2017), a concessão de bolsa de Mestrado à primeira autora do trabalho. A Maria Rita, o suporte teórico e discussões académicos; aos meus colegas de campo Ana Julia Zaks, e Rodrigo Siqueira; ao povo Kaiowá do Tekoha Taquara, seu acolhimento, confiança e inspiração do bem viver, seu Teko sustentável que favorece o bem estar da Mãe Terra e de todos os seres que dependem dela. Aguyjé.

Referências

  • Alves EO, Mota JH, Soares TS, Vieira MC & Silva CB (2008) Levantamento Etnobotânico e Caracterização de Plantas Medicinais em Fragmentos Florestais de Dourados-MS. Ciência e Agrotecnologia, Lavras 31: 651-658.
  • Almeida FO & Neves EG (2015) Evidências arqueológicas para a origem dos Tupi-Guarani no leste da Amazônia. Mana 21: 499-525.
  • Azevedo M, Brand A, Heck E, Pereira LM & Meliá B (2008) Guarani Retâ - povos Guarani na fronteira Argentina, Brasil e Paraguai. Bartolomeu Melià (ed.) Disponível em <https://pib.socioambiental.org/files/file/PIB_institucional/caderno_guarani_%20portugues.pdf>. Acesso em 19 maio 2017.
    » https://pib.socioambiental.org/files/file/PIB_institucional/caderno_guarani_%20portugues.pdf
  • Bailey R (1992) Development in the Central African Rainforest: concern for forest people. In: Diegues A C, Aruda RS, Silva VCF, Figols FAB, Andrade D (2000) Os saberes tradicionais e a biodiversidade no Brasil. Ministério do Meio Ambiente, São Paulo. 19p.
  • Balée W (2013) Cultural Forests of the Amazon: a historical ecology of people and their landscapes. The University of Alabama Press, Tuscaloosa. Pp. 174-184.
  • Barbosa Rodrigues J (1905) Mbaé Kaá. Tapyiyetá Enoyndaua. Imprensa Nacional, Rio de Janeiro. 89p.
  • Bernaba B (2016) Medicinal plants used by traditional healers from South-West Algeria: an ethnobotanical study. Journal of Intercultural Ethnopharmacology 5: 320-330.
  • Bhat JA, Kumar M, Negi AK & Todaria NP (2013) Informants’ consensus on ethnomedicinal plants in Kedarnath Wildlife Sanctuary of Indian Himalayas. Journal of Medicinal Plants Research 7: 148-154.
  • Brand A (2004) Os complexos caminhos de luta pela terra entre os Kaiowá e Guarani no MS. Tellus, Campo Grande 4: 137-150.
  • Bratti C, Vieira MC, Zárate NAH, Oliveira APA, Marafiga BG & Fernandes SSL (2013) Levantamento de plantas medicinais nativas da Fazenda Azulão em Dourados-MS. Revista Brasileira de Plantas Medicinais, Campinas 15: 675-683.
  • Brasil - Ministério da Justiça. Portaria nº 954, de 4 de junho de 2010 (2010) Diário Oficial da União, Brasília, DF, 7 jun. 2010. 33p. Disponível em <http://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?data=07/06/2010&jornal=1&pagina=33&totalArquivos=80>. Acesso em 29 julho 2017.
    » http://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?data=07/06/2010&jornal=1&pagina=33&totalArquivos=80
  • Brasil - Lei nº 13.123, de 20 de maio de 2015 (2015) Dispõe sobre o acesso ao patrimônio genético, sobre a proteção e o acesso ao conhecimento tradicional associado e sobre a repartição de benefícios para conservação e uso sustentável da biodiversidade; revoga a Medida Provisória nº 2.186-16, de 23 de agosto de 2001; e dá outras providências. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/Lei/L13123.htm>. Acesso em 29 julho 2017.
    » http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/Lei/L13123.htm
  • Brasil - Decreto nº 8.772, de 11 de maio de 2016 (2016) Dispõe sobre o acesso ao patrimônio genético, sobre a proteção e o acesso ao conhecimento tradicional associado e sobre a repartição de benefícios para conservação e uso sustentável da biodiversidade. Dispoível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/decreto/D8772.htm>. Acesso em 29 julho 2017.
    » http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/decreto/D8772.htm
  • Bueno NR, Castilho RO, Costa RB, Pott A, Pott VJ, Scheidt GN & Batista MS (2005) Medicinal plants used by the Kaiowá and Guarani indigenous populations in the Karapoó Reserve, Mato Grosso do Sul, Brasil. Acta Botanica Brasilica 19: 39-44.
  • Bye RA (1986) Medicinal plants of the Sierra Madre: comparative study of Tarahumara and Mexican Market Plants. Economic Botany 40: 103-124.
  • Campos MT & Ehringhaus C (2003) Plant virtues are in the eyes of the beholders: a comparision of known palm uses among indigenous and folk communities of Southwestern Amazonia. Economic Botany 57: 324-344.
  • Carneiro da Cunha M (1999) Populações tradicionais e a convenção da diversidade biológica. Estudos Avançados 13: 147-163.
  • Carneiro da Cunha M (2009) Cultura com aspas e outros ensaios. Cosac, Naif & São Paulo. 252p.
  • Carneiro da Cunha M (2012) Savois authochtones: quelle nature, quel apports? Col. Leçons Inaugurales du Collège de France. Fayard e Collège de France, Paris. 60p.
  • Ceron A, Guilson AV, Bristot SF, Martins HB, Elias GA, Santos R & Citadini-zanette AV (2016) Potencial medicinal e alimentício da vegetação herbácea terrícola ciliar no sul do brasil. Interciencia 41: 393-400.
  • Chamorro G (2015) História Kaiowa. Das origens aos desafios contemporâneos. Nhanduti Editora, São Bernardo do Campo. 320p.
  • Clement CR (1989) A center of crop genetic diversity in Western Amazonia. BioScience 39: 624-631.
  • Coelho MFB, Costa Júnior P & Dombroski JLD (2003) Diversos olhares em etnobiologia, etnoecologia e Plantas Medicinais. UNICEN, Cuiabá. Pp. 89-98.
  • Cunha SA & Bartolotto IM (2011) Etnobotânica de plantas medicinais no assentamento Monjolinho, município de Anastácio, MS, Brasil. Acta Botanica Brasilica 25: 685-698.
  • Ferreira RS (Arajeju) (2017) Tekoha - som da terra: a liderança das nhandesy nos processos autogestionários da vida e do território do Povo Kaiowa no Tekoha Takuara Dissertação de Mestrado em Desenvolvimento Sustentável. Universidade de Brasília, Brasília. 193p.
  • Fidalgo O & Bononi VLR (1989) Técnicas de coleta, preservação e herborização de material botânico. Instituto de Botânica, São Paulo. 62p.
  • Flora do Brasil 2020 (em construção). Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Disponível em <http://floradobrasil.jbrj.gov.br/>. Acesso em 29 julho 2017.
    » http://floradobrasil.jbrj.gov.br/
  • Foti MV (2004) A morte por Jejuvy entre os Guarani do Sudoeste Brasileiro. FUNAI, Brasília. Revista de Estudos e Pesquisas 1: 45-72.
  • FUNASA (2008) Suicídios por aldeias. DSEI/MS, Brasília. Pp. 133-135.
  • Freitas JC & Fernandes MWB (2006) Uso de plantas medicinais pela comunidade de Enfarrusca, Bragança, Pará. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi 1: 11-26.
  • Geniole LA, Kodjaoglanian VL & Vieira CCA (2011) A saúde na família indígena. Editora UFMS: Fiocruz Unidade Cerrado Pantanal, Campo Grande. 52p.
  • Grubits S, Freire HB & Noreiga JA (2003) Suicídios de jovens Guarani/Kaiowá de Mato Grosso do Sul, Brasil. Psicologia: Ciência e Profissão 31: 504-517.
  • Heinrich M, Ankli A, Frei B, Weimann C & Sticher O (1998) Medicinal plants in Mexico: healer’s consensus and cultural importance. Social Science and Medicine 47: 1859-1871.
  • Hoffman B (2013) Exploring biocultural contexts: comparative woody plant knowledge of an Indigenous and Afro-American Maroon Community in Suriname, South America. Springer Science+Business Media, New York. Pp. 335-393.
  • IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2010) Disponível em <http://indigenas.ibge.gov.br/estudos-especiais-3/o-brasil-indigena/povos-etnias>. Acesso em julho 2017.
    » http://indigenas.ibge.gov.br/estudos-especiais-3/o-brasil-indigena/povos-etnias
  • ICD - International Statistical Classification of Diseases and Related Health Problems (2016) World Health Organization. 10th revision. Disponível em <http://www.who.int/classifications/apps/icd/icd10online/>. Acesso em 9 junho 2017.
    » http://www.who.int/classifications/apps/icd/icd10online/
  • Instituto Socioambiental (2016) Guaraní Continental. Disponível em <http://www.icsoh.unsa.edu.ar/mapa-continental-guarani-reta/>. Acesso em 7 julho 2017.
    » http://www.icsoh.unsa.edu.ar/mapa-continental-guarani-reta/
  • Juárez-Vázquez MC, Carranza CA, Alonso AJC, González FVA, Bravo EA, Chamarro JFT & Solano E (2013) Ethnobotany of medicinal plants used in Xalpatlahuac, Guerrero, México. Journal of ethnopharmacology 148: 521-527.
  • Martinelli G & Moraes MA (2013) Livro Vermelho da Flora do Brasil. Centro Nacional de Conservação da Flora (CNC-Flora). Ministério do Meio Ambiente, Rio de Janeiro. 1100p.
  • Martinez MR, Pochettino ML, Crivos M, Remorini C & Sy A (2006) Gathering and circulation of medicinal plants in a pluricultural contexto (Misiones, Argentina). Proceedings of the IVth International Congress of Ethnobotany, Estambul. Pp. 1-9.
  • Milliken W & Albert B (1996) The use of medicinal plants by the Yanomami Indians of Brasil. Economic Botany 50: 10-25.
  • Ministério Público Federal, Procuradoria da República do Mato Grosso do Sul (2010) Ministério da Justiça reconhece terra indígena em Mato Grosso do Sul. Disponível em <https://cpisp.org.br/ministerio-da-justica-reconhece-terra-guarani-em-mato-grosso-do-sul/>. Acesso em 20 julho 2017.
    » https://cpisp.org.br/ministerio-da-justica-reconhece-terra-guarani-em-mato-grosso-do-sul/
  • Ndondolo S, Owour BO, Gakuubi MM & Wanzala W (2016) A comparative analysis of ethnobotanical applications by the Aba Wanga people in western Kenya. Arabian Journal of Medicinal & Aromatic Plants 2: 117-137.
  • Neves WA, Bernardo DV, Okumura M, Almeida TF & Strauss AM (2011) Origem e dispersão dos Tupiguarani: o que diz a morfologia craniana. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi 6: 95-122.
  • Noelli FS (1996) As hipóteses sobre o centro de origem e rotas de expansão dos Tupi. Revista de Antropologia 39: 7-53.
  • Oliveira AKM, Oliveira NA, Resende UM & Martins PFRB (2010) Ethnobotany and traditional medicine of the inhabitants of the Pantanal Negro sub-region and the raizeiros of Miranda and Aquiduana, Mato Grosso do Sul, Brazil. Brazilian Journal of Biology 71: 283-289.
  • Oliveira PC & Braga J (2017) Ethnobotany of Borari-Arapiuns indigenous people, Amazon, Brazil. Journal of Medicinal Plants Studies 5: 164-170.
  • Pasa MC, Soares JJ & Neto GG (2005) Estudo etnobotânico na comunidade de Conceição-Açu (alto da bacia do Rio Aricá Açu, MT, Brasil). Acta Botanica Brasilica 19: 195-207.
  • Pereira ZV, Gomes CF, Lobtchenko G, Gomes MÊS, Simões PDA, Saruwatari RPS, Rigo VF & Cordeiro WP (2007) Levantamento das Plantas Medicinais do Cerrado Sensu Stricto da Fazenda Paraíso - Dourados, MS. Revista Brasileira de Agroecologia, Porto Alegre 7: 126-136.
  • Pereira ZV, Fernandes SL, Sangalli A & Mussury RM (2012) Usos múltiplos de espécies nativas do bioma Cerrado no Assentamento Lagoa Grande, Dourados, Mato Grosso do Sul. Revista Brasileira de Biociências 5: 249-251.
  • Perreli M (2008) “Conhecimento tradicional” e currículo multicultural: notas com base em uma experiência com estudantes indígenas Kaiowá/Guarani. Ciência e Educação 14: 381-96.
  • Pimentel S (2000) O mistério dos suicídios: ninguém sabe com certeza por que tantos caiovás se matam. Problemas Brasileiros. Vol. 38. Senac, São Paulo. Pp. 14-7.
  • Posey DA (1998) Os povos tradicionais e a conservação da biodiversidade. In: Manejo participativo por populações tradicionais - textos complementares. Vol. 2. Piracicaba. Pp. 1-8.
  • Rego FLH, Brand AJ & Costa RB (2010) Recursos genéticos, Biodiversidade, Conhecimento Tradicional Kaiowá e Guarani e o Desenvolvimento Local. Interações, Campo Grande 11: 55-69.
  • Reyes-García V, Martí N, McDade T, Tanner S & Vadez V (2007) Concepts and methods in studies measuring individual ethonobotanical knowledge. Journal of Ethnobiology 27: 182-203.
  • Souza ENF & Hawkins JA (2017) Comparison of herbarium label data and published medicinal use: herbaria as an underutilized source of ethnobotanical information. Economic Botany XX: 1-12.
  • Thiers B [continuamente atualizado] Index Herbariorum: a global directory of public herbaria and associated staff. New York Botanical Garden’s Virtual Herbarium. Disponível em <http://sweetgum.nybg.org/science/ih/>. Acesso em 25 julho 2017.
    » http://sweetgum.nybg.org/science/ih/
  • Trotter RT & Logan MH (1986) Informant census: a new approach for identifying potentially effective medicinal plants. In: Etkin LN (ed.) Plants in indigenous medicine and diet. Redgrave, Bedford Hill, New York. Pp. 91-112.
  • Uddin MZ & Hassan MA (2014) Determination of informant consensus factor of ethnomedicinal plants used in Kalenga Forest, Bangladesh. Bangladesh Journal of Plant Taxon: 83-91.
  • Zaks AJ (2017) Narrativas de resistência: ensinamentos do caso Guarani e Kaiowá para uma educação ambiental intercultural. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós Graduação em Educação, Universidade de Brasília, Brasília. Pp. 44-51.

Editado por

Editora de área: Dra. Viviane Kruel

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Nov 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    24 Nov 2017
  • Aceito
    10 Set 2019
Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro Rua Pacheco Leão, 915 - Jardim Botânico, 22460-030 Rio de Janeiro, RJ, Brasil, Tel.: (55 21)3204-2148, Fax: (55 21) 3204-2071 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: rodriguesia@jbrj.gov.br