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Validade de constructo e confiabilidade da versão em língua portuguesa do Questionário de Qualidade de Vida em Adultos que apresentam TDAH (AAQoL)

Resumos

INTRODUÇÃO: Diversos estudos demonstram que o transtorno de déficit de atenção/hiperatividade (TDAH) em adultos está relacionado a piores medições de qualidade de vida. OBJETIVO: Avaliar a validade e confiabilidade de constructo da versão em língua portuguesa do questionário de qualidade de vida em adultos com TDAH (AAQoL). MÉTODOS:Foram incluídos neste estudo adultos com idade entre 18 e 60 anos. Eles foram divididos em três grupos de acordo com o diagnóstico: a) indivíduos com TDAH com base nos critérios do DSM-IV; b) indivíduos abaixo do limite de TDAH; c) grupo controle de comparação que não apresenta TDAH. Foram aplicados os seguintes questionários: ASRS, SF-36 e AAQoL. A primeira parte do estudo avaliou a validação de constructo do instrumento e a segunda parte testou sua confiabilidade. RESULTADOS: Os grupos TDAH, TDAH abaixo do limite e controle abrangeram 29, 18 e 29 indivíduos, respectivamente. Considerando todos os três grupos, encontramos uma correlação negativa entre o número de sintomas (ASRS) e a pontuação total do AAQoL. O grupo TDAH apresentou os piores níveis de qualidade de vida quando comparado com o grupo controle. No geral, as pontuações do AAQoL tiveram correlação significativa com as da SF-36. Os resultados indicaram altos níveis de coerência interna e confiabilidade dos testes e retestes. CONCLUSÃO: O constructo do AAQoL apresentou altos níveis de coerência interna dos itens, estabilidade e validade de constructo.

Tradução; transtorno do déficit de atenção; qualidade de vida; estudos de validação


BACKGROUND: Several studies demonstrate that attention deficit hyperactivity disorder (ADHD) in adults is related to worse measures of quality of life. OBJECTIVE: To evaluate the reliability and construct validity of the Portuguese version of the Adult ADHD Quality of Life Questionnaire (AAQoL). METHODS: Adults with age ranging from 18 to 60 years old were included in this study. According to their diagnostic status they were divided into three groups: a) ADHD subjects using DSM-IV criteria; b) subjects with subthreshold ADHD; c) control comparison group without ADHD. The following questionnaires were applied: ASRS; SF-36 and AAQoL. The first part of the study evaluated the construct validity of the instrument and in the second part its reliability was tested. RESULTS: ADHD, subthreshold ADHD and control groups comprised 29, 18 and 29 subjects, respectively. We found a negative correlation between the number of symptoms (ASRS) and the AAQoL total score considering all three groups. ADHD group presented worse levels of quality of life when compared to control group. As a whole, AAQol scores had significant correlation with SF-36 scores. Results indicated high levels of internal consistency and test-retest reliability. DISCUSSION: The AAQoL construct presented high internal consistency of items, stability and construct validity.

Translating; attention deficit hyperactivity disorder; quality of life; validation studies


ARTIGO ORIGINAL

Validade de constructo e confiabilidade da versão em língua portuguesa do Questionário de Qualidade de Vida em Adultos que apresentam TDAH (AAQoL)

Paulo MattosI; Daniel SegenreichI; Gabriela Macedo DiasI; Bruno NazarI; Eloisa SaboyaI; Meryl BroadII

IGrupo de Estudos do Déficit de Atenção (GEDA) do Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

IIThe Brod Group

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Paulo Mattos Rua Paulo Barreto, 91 22280-010 - Rio de Janeiro, RJ E-mail: paulomattos@ufrj.br

RESUMO

INTRODUÇÃO: Diversos estudos demonstram que o transtorno de déficit de atenção/hiperatividade (TDAH) em adultos está relacionado a piores medições de qualidade de vida.

OBJETIVO: Avaliar a validade e confiabilidade de constructo da versão em língua portuguesa do questionário de qualidade de vida em adultos com TDAH (AAQoL).

MÉTODOS:Foram incluídos neste estudo adultos com idade entre 18 e 60 anos. Eles foram divididos em três grupos de acordo com o diagnóstico: a) indivíduos com TDAH com base nos critérios do DSM-IV; b) indivíduos abaixo do limite de TDAH; c) grupo controle de comparação que não apresenta TDAH. Foram aplicados os seguintes questionários: ASRS, SF-36 e AAQoL. A primeira parte do estudo avaliou a validação de constructo do instrumento e a segunda parte testou sua confiabilidade.

RESULTADOS: Os grupos TDAH, TDAH abaixo do limite e controle abrangeram 29, 18 e 29 indivíduos, respectivamente. Considerando todos os três grupos, encontramos uma correlação negativa entre o número de sintomas (ASRS) e a pontuação total do AAQoL. O grupo TDAH apresentou os piores níveis de qualidade de vida quando comparado com o grupo controle. No geral, as pontuações do AAQoL tiveram correlação significativa com as da SF-36. Os resultados indicaram altos níveis de coerência interna e confiabilidade dos testes e retestes.

CONCLUSÃO: O constructo do AAQoL apresentou altos níveis de coerência interna dos itens, estabilidade e validade de constructo.

Palavras-chave: Tradução, transtorno do déficit de atenção/hiperatividade, qualidade de vida, estudos de validação.

Introdução

A forma adulta do transtorno do déficit de atenção/hiperatividade (TDAH) - anteriormente chamado de "tipo residual" - foi oficialmente reconhecida pela Associação Americana de Psiquiatria em 1980. Estudos longitudinais demonstraram que o TDAH persiste na vida adulta em cerca de 60% a 70% dos casos, com diferenças encontradas nos índices de remissão bem atribuídas a diferentes definições de TDAH ao longo do tempo, do que ao curso da doença durante o período de vida1,2. Outra pesquisa empregou várias metodologias (tais como estudos comparativos e de coorte), utilizando os critérios do sistema DSM-III, e indicou convincentemente a existência de comprometimento de múltiplos domínios da vida de pacientes com TDAH3,4. A avaliação dos indicadores de qualidade de vida (QoL) frequentemente sugere que é necessário melhor entendimento do comprometimento associado ao TDAH, uma vez que a correlação entre o número de sintomas e o grau de impacto é incerto5,6. Os índices de qualidade de vida vêm sendo usados na prática médica não apenas para calcular o impacto das diferentes doenças de função e bem-estar, mas também para comparar resultados entre diferentes modalidades de tratamento. Embora não haja uma única definição de qualidade de vida universalmente aceita, muitos especialistas concordam que a abrangência desse conceito deveria centrar-se na percepção individual subjetiva da sua própria qualidade de vida, um consenso baseado nas descobertas de estudos sociológicos demonstram que condições objetivas da vida (educação, renda etc.) deveriam estar marginalmente relacionadas à experiência subjetiva da qualidade de vida7,8.

O Questionário de Qualidade de Vida em Adultos com TDAH (AAQoL)9 foi criado especialmente para avaliar o impacto do TDAH na qualidade de vida do paciente (QoL). Sua estrutura foi desenvolvida com base na sistematização de um conjunto de dados de sintomas, e os impactos da doença foram colhidos dos seus próprios pacientes, de especialistas em TDAH e da literatura especializada. Esses dados permitiram a criação de um modelo conceitual do impacto na qualidade de vida do indivíduo adulto com TDAH. No estudo de validação, a análise das propriedades psicométricas da escala original revelou uma coerência interna global de 0,93 e de 0,75 a 0,93 para cada uma das quatro subescalas propostas8. O propósito deste estudo foi investigar sua confiabilidade e validação do constructo em uma amostra de pacientes adultos com TDAH no Brasil.

Amostras e métodos

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética do IPUB - UFRJ. Foram registrados setenta e seis (76) homens e mulheres com idade entre 18 e 60 anos. Todos os indivíduos do estudo assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Os três grupos deste estudo são constituídos por: a) indivíduos com TDAH (Grupo TDAH); b) indivíduos com sintomas de TDAH, mas sem sintomas suficientes para diagnóstico (Grupo Subsindrômico); e c) controles normais agrupados por idade, sexo e escolaridade (Grupo Controle). Os critérios de exclusão deste estudo foram: a) presença da doença clínica não estabilizada; b) presença da doença clínica que comprometeria potencialmente as atividades da vida diária (doenças pulmonares, cardíacas, articulares, síndromes de dores crônicas etc.); c) presença de episódio depressivo maior (no momento da inscrição no estudo); d) presença de ideia suicida; e e) presença de abuso ou dependências atuais de álcool ou substâncias psicoativas.

A primeira fase consiste de um estudo de validação do instrumento envolvendo um teste de dupla hipótese. No primeiro, foi presumida uma correlação inversa entre as pontuações do AAQoL e o número de sintomas de TDAH, ou seja, quanto maior o número de sintomas, piores os índices do QoL. Para testar essa hipótese, duas análises distintas foram realizadas: a) comparação de todos os três grupos para verificar se os indivíduos com TDAH teriam pior QoL do que indivíduos com quadro clínico subsindrômico; estes últimos teriam pior QoL comparados com o controle e; b) comparação dentro do grupo para verificar se pacientes com quadro mais grave de TDAH (ou seja, com maior número de sintomas) teriam pior qualidade de vida comparados àqueles com o mesmo diagnóstico, apesar de revelar menor gravidade sintomática. A segunda hipótese supôs que a QoL deveria ser menor na presença de comorbidades. Além disso, tentou-se ainda pesquisar a existência da correlação entre as pontuações do AAQol e da SF-36, um instrumento de QoL específico para não doentes, que foi selecionado porque foi utilizado no estudo de validação da escala AAQoL original.

A segunda fase consistiu de um estudo de confiabilidade, incluindo a avaliação da coerência interna dos itens e a estabilidade da escala ao longo do tempo. A coerência interna do instrumento foi avaliada pelos coeficientes de correlação alfa de Cronbach e Spearman. A avaliação da estabilidade da escala temporal utilizou uma metodologia de teste-reteste10 com um intervalo de 15 dias, durante o qual não se espera nenhuma alteração significativa no comportamento geral do paciente nem a lembrança de um questionário previamente aplicado e das respostas dadas.

Todos os pacientes foram incluídos consecutiva e voluntariamente no Grupo de Estudos do Déficit de Atenção (GEDA) do Instituto de Psiquiatria da UFRJ. Para o diagnóstico de TDAH, de acordo com os critérios de DSM-IV, foi utilizado o Questionário de Diagnóstico do Módulo K-SADS-PL (versão 6.0 adaptada) e, para diagnóstico de comorbidade psiquiátrica, utilizou-se o MINI Plus11. Para a análise da gravidade do TDAH, utilizou-se a Escala de Autorrelato do TDAH em Adultos (ASRS), que foi previamente validada para a língua portuguesa por nosso grupo12.

Foram incluídos no Grupo TDAH apenas indivíduos com seis ou mais sintomas anteriores ou atuais de ao menos uma dimensão sintomática. Embora esse critério possa ser considerado muito restrito e possa reduzir o número de diagnósticos de TDAH, diversos estudos que investigaram o tratamento de drogas em adultos com TDAH utilizaram o mesmo critério de gravidade de sintomas13. Esse critério foi selecionado porque permite a seleção de uma amostra de pacientes com TDAH com baixo risco de diagnóstico falso-positivo.

Foram incluídos no Grupo Subsindrômico os indivíduos com persistência sintomática, ou seja, aqueles que relatam ao menos seis sintomas anteriores de desatenção e/ou hiperatividade, mas que têm apenas quatro ou cinco sintomas atuais. Também foram incluídos nesse grupo os indivíduos com quatro ou cinco sintomas anteriores de ao menos uma das dimensões de sintomatologia (desatenção ou hiperatividade-impulsividade) que relataram quatro ou mais sintomas atuais. É importante notar que os sintomas anteriores foram considerados positivos se iniciados antes dos 12 anos de idade em vez de aos 7 anos como proposto pelo DSM-IV, de acordo com a análise amplamente aceita de alguns autores14 por causa da baixa validade empírica do limite de idade estabelecido pelo DSM15.

Indivíduos que apresentam menos de quatro sintomas atuais em ambos os módulos, independentemente do número de sintomas anteriores, compõem o Grupo Controle. Esse critério para sintomas atuais foi escolhido levando-se em conta que indivíduos com três sintomas em ao menos uma dimensão sintomática - apesar de apresentarem sintomas desde a infância - não tinham o perfil de comorbidade e comprometimento funcional similares ao do grupo de pacientes com TDAH diagnosticado com base no DSM-IV16. Resultados semelhantes foram obtidos por Kooij et al. (2005)17, que demonstraram que adultos com quatro ou mais sintomas tiveram comprometimento funcional maior do que aqueles com três ou menos sintomas. Também foram considerados controles os indivíduos que relatam menos de quatro sintomas anteriores em ambos os módulos, com menos de seis sintomas atuais, já que a presença de sintomas atuais sem sintomas anteriores em um número significativo poderia sugerir outra etiologia que não TDAH.

Foi adotado um nível de 5% de significância em todos os testes estatísticos aplicados. Foram utilizados o teste qui-quadrado e a análise de variância para comparar as variáveis demográficas dos grupos, e o teste Shapiro-Wilk foi aplicado para verificar a normalidade de distribuição dos dados, antes de cada análise. A correlação entre as pontuações das escalas ASRS e SF-36 com as do AAQoL foi calculada pelo coeficiente de correlação de Pearson (r). O coeficiente de correlação de Spearman (rs) foi utilizado para calcular a correlação entre as pontuações do questionário K-SADS-PL e as do AAQoL. As diferenças entre os grupos para as médias das pontuações do AAQoL foram comparadas pelos testes de comparação múltipla de Bonferroni. O teste t de Student foi utilizado para comparar os subgrupos de pacientes com TDAH com ou sem a presença de comorbidade para as médias das pontuações do AAQoL. A coerência interna das pontuações das subescalas do AAQoL e a pontuação total foi calculada pelo alfa de Cronbach, e a correlação entre subescalas foi calculada pelo coeficiente de correlação de Pearson. A estabilidade temporal foi avaliada pelo teste t pareado em comparação com os resultados de pontuação de ambas as aplicações e pelo coeficiente de correlação intraclasses (ICC).

Resultados

A amostra compreendeu 29 pacientes adultos com TDAH, 18 indivíduos com sintomas de TDAH que não atingiram os critérios completos de diagnóstico (forma subsindrômica) e 29 pacientes controles sem TDAH. Nenhuma diferença estatisticamente significativa foi encontrada entre as variáveis dos dados demográficos dos grupos (p > 0,05). Tanto o grupo com TDAH como o grupo subsindrômico tiveram um ou mais diagnósticos de comorbidade psiquiátrica.

A tabela 1 apresenta as análises descritivas de cada grupo.

A gravidade do TDAH foi medida pela pontuação obtida pela escala ASRS de autorretrato, computando as pontuações referentes à soma das pontuações dos nove itens de desatenção, e também referente à soma das pontuações dos nove itens de hiperatividade/impulsividade, acrescentadas à pontuação total (a soma dos 18 itens da escala). Na comparação entre os Grupos Controle e TDAH, diferenças estatisticamente significativas foram encontradas entre os grupos quanto à pontuação total (p < 0,001) e às pontuações de Desatenção e Hiperatividade (p < 0,001 para ambos), com as médias do Grupo Controle sendo menores do que as do Grupo TDAH. Na comparação das pontuações médias da escala ASRS entre os Grupos TDAH e Subsindrômico, diferenças estatisticamente significativas foram encontradas entre os grupos quanto à pontuação total (p = 0,003) e também às pontuações de Desatenção e Hiperatividade (p = 0,028 e p = 0,012, respectivamente), com médias no Grupo Subsindrômico menores do que no grupo TDAH. Na comparação das pontuações médias entre os Grupos Controle e Subsindrômico na escala ASRS, diferenças estatisticamente significativas foram encontradas entre grupos quanto à pontuação total (p < 0,001) e às pontuações de Desatenção e Hiperatividade (p < 0,001 e p = 0,001, respectivamente), com médias no Grupo Controle menores do que no Grupo TDAH.

Foram avaliadas, em todos os três grupos, as pontuações nas quatro diferentes subescalas do AAQoL, classificados de acordo com o questionário clínico K-SADS PL, como mostrado na tabela 2.

As correlações entre as pontuações ASRS (gravidade do TDAH) e as quatros subescalas da AAQoL são apresentadas na tabela 3.

As pontuações da correlação entre as escalas SF-36 e AAQoL são apresentadas na tabela 4, levando em consideração grupos classificados de acordo com um questionário clínico que utilizou K-SADS PL.

Na tabela 5 são apresentados os resultados da correlação entre a presença de comorbidades psiquiátricas, como avaliado pelo questionário com MINI Plus, e os indicadores AAQoL de QoL. O perfil das comorbidades consistiu basicamente de ansiedade e transtornos de humor, e, com relação a estes últimos, de eventos anteriores.

A coerência interna da escala foi calculada em todos os três grupos do estudo, como demonstrado na tabela 6, e a tabela 7 apresenta a análise de estabilidade.

Discussão

A análise da validade de constructo da versão em língua portuguesa da escala AAQoL baseou-se no pressuposto de que maiores pontuações nessa escala (ou seja, melhores índices de QoL) deveriam estar associadas ao menor número de sintomas de TDAH. Essa relação inversa deveria ser observada não apenas no grupo de pacientes com diagnóstico completo da doença (quanto mais graves os sintomas da doença, pior a qualidade de vida), mas também nos casos subsindrômicos (este último com menor gravidade de sintoma e, portanto, melhor qualidade de vida). Consequentemente, seria importante que os critérios restritivos fossem utilizados para retratar mais precisamente cada grupo; a utilização de critérios mais restritivos que usam o sistema DSM-IV (a necessidade de um diagnóstico completo na infância) e a utilização de um questionário semiestruturado pretenderam satisfazer essa necessidade. Em um estudo recente18 que propôs uma escala distinta de QoL para adultos com TDAH (Módulo de Impacto de TDAH em Adultos - AIM-A), empregando uma metodologia similar àquela usada no estudo de validação do AAQoL original, como em vários outros estudos na literatura, os pacientes envolvidos foram classificados sem a utilização de um questionário semiestruturado tanto para diagnóstico de TDAH como para comorbidades.

A classificação de acordo com gravidade da pontuação da ASRS em média (0-18), moderada (19-20) e grave (21 ou mais), como utilizada no artigo original de Brod8, não foi aplicável a este estudo, uma vez que, no grupo TDAH, 29 pacientes (100%) tiveram pontuações que os classificariam com TDAH grave; assim, foi realizada uma análise da gravidade dos sintomas na amostra total e em todos os três grupos. Na amostra total foram encontradas correlações negativas estatisticamente significativas entre a pontuação total da escala ASRS e as pontuações das subescalas AAQoL, indicando que quanto maior a pontuação da ASRS, menores as pontuações das subescalas AAQoL. A correlação de -0,76 entre as pontuações totais das escalas ASRS e AAQoL foi estatisticamente significativa. Essa descoberta é confirmada por estudos epidemiológicos, os quais demonstram que o número de sintomas de TDAH está associado aos piores indicadores da função psicossocial3. No Grupo Controle foram encontradas correlações negativas estatisticamente significativas entre as pontuações totais e as das subescalas AAQoL, indicando novamente que quanto maior a pontuação da ASRS, menor a pontuação das subescalas AAQoL. A correlação de -0,78 entre a pontuação total das escalas ASRS e AAQoL foi também estatisticamente significativa. Nos grupos TDAH e Subsindrômico, as correlações não foram significativas ou foram significativas apenas para algumas subescalas, e não para outras. Esses resultados parecem indicar que, embora haja uma correlação entre a gravidade da sintomatologia do TDAH e os índices QoL, a comparação entre as categorias de diagnóstico - ou seja, TDAH e Subsindrômico - não demonstra ser significativa, possivelmente devido ao tamanho limitado de cada uma das amostras.

Na comparação das médias de pontuação no AAQoL entre os grupos Controle e TDAH, as diferenças estatisticamente significativas na pontuação total e em todas as subescalas apontam para um efeito discriminatório significativo entre ambos os grupos quanto à qualidade de vida. Na comparação entre os grupos TDAH e Subsindrômico, as diferenças estatisticamente significativas ocorreram apenas na pontuação total e na pontuação da subescala Saúde Psicológica; na subescala Produtividade, a diferença foi marginalmente significativa. Em uma comparação entre os grupos Subsindrômico e Controle, foram encontradas diferenças estatisticamente significativas na pontuação total e na pontuação da subescala Produtividade, mas não no restante. Esses resultados sugerem uma forte correlação entre o constructo medido pelo AAQoL e o diagnóstico de TDAH, embora a comparação entre o grupo com diagnóstico formal (TDAH) e o grupo da forma subsindrômica e entre este último e o grupo controle tenha fornecido resultados menos significativos no geral. Deve-se notar, entretanto, que um maior número de correlações aumenta as chances de uma correlação ao acaso.

Na comparação intragrupos entre os pacientes do Grupo TDAH com e sem comorbidades, foram encontradas diferenças estatisticamente significativas em pontuação total e pontuações das subescalas de Saúde Psicológica, Perspectiva de Vida e Relacionamentos, com as médias no Grupo sem Comorbidades sendo sempre maiores do que aquelas no Grupo com Comorbidades. Apenas na subescala Produtividade uma diferença entre as médias dos grupos não foi significativa. As descobertas revelam que a presença de comorbidade está associada com menor QoL, de acordo com a nossa hipótese prévia.

Na comparação com outro instrumento de avaliação de qualidade de vida, SF-36, que ainda é amplamente utilizado em nossa área, foram encontradas correlações positivas estatisticamente significativas entre a pontuação total da escala AAQoL e as pontuações dos domínios da escala SF-36 (p < 0,01 para todos os domínios), variando entre r = 0,37 para Dor e r = 0,67 para Saúde Mental no total das amostras. Nas subescalas Produtividade, Saúde Psicológica e Relacionamentos do AAQoL, as correlações foram todas significativas.

A coerência interna da escala foi altamente significativa (0,85) para a pontuação total do AAQoL, variando de 0,73 a 0,92 para diferentes subescalas, na amostra total. Resultados similares foram observados nos Grupos TDAH, Subsindrômico e Controle, com a subescala Produtividade sendo aquela com maior coeficiente em todos os três grupos.

A comparação entre as duas aplicações do AAQoL, num intervalo de 15 dias, revelou que não houve diferenças estatisticamente significativas na pontuação total do AAQoL e também nas subescalas do AAQoL na amostra total, no grupo TDAH e nos indivíduos com a forma subsindrômica, bem como nos controles, indicando estabilidade com o tempo.

Conclusão

A versão em língua portuguesa da AAQoL demonstrou ter excelente validade de constructo na avaliação dos diferentes indicadores de qualidade de vida em pacientes com TDAH (Produtividade, Saúde Psicológica, Perspectiva de Vida e Relacionamentos). Essa escala demonstrou alta correlação com outro instrumento amplamente utilizado (SF-36), boa estabilidade temporal e excelente coerência interna dos itens incluídos.

Patrocínio

Este estudo foi patrocinado pela Janssen-Cilag Brasil.

Potenciais conflitos de interesse

Paulo Mattos é membro do comitê consultor e palestrante dos laboratórios Janssen-Cilag e Novartis. Daniel Segenreich é palestrante da Janssen-Cilag e Novartis.

Recebido: 19/72010

Aceito: 30/9/2010

Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

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  • Endereço para correspondência:

    Paulo Mattos
    Rua Paulo Barreto, 91
    22280-010 - Rio de Janeiro, RJ
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      29 Jun 2011
    • Data do Fascículo
      2011

    Histórico

    • Recebido
      19 Jul 2010
    • Aceito
      30 Set 2010
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