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Sobrepeso e obesidade em crianças de cinco a dez anos de idade beneficiárias do Programa Bolsa Família no estado de Sergipe, Brasil

Sobrepeso y obesidad en niños de cinco a diez años de edad beneficiarias del programa «Bolsa Família» en la provincia de Sergipe, Brasil

Resumos

OBJETIVO: Estimar a prevalência de sobrepeso e obesidade em crianças beneficiárias do Programa Bolsa Família (PBF) durante os anos de 2008 a 2010, de acordo com o sexo e com as regionais de saúde do estado de Sergipe. MÉTODOS: Estudo epidemiológico descritivo, conduzido com banco de dados secundário do Datasus/Sisvan. Foram obtidos 79.795 registros de crianças de cinco a dez anos de idade beneficiárias do PBF no estado de Sergipe, sendo 20.338 de 2008 (9.848 do sexo feminino e 10.490 do masculino), 27.106 de 2009 (13.092 do sexo feminino e 14.014 do masculino) e 32.351 de 2010 (15.963 do sexo feminino e 16.388 do masculino). Foram mensuradas as variáveis de massa corporal e estatura, calculando-se o índice de massa corpórea (IMC), o qual foi analisado por meio dos valores do escore Z das tabelas normativas da Organização Mundial de Saúde. RESULTADOS: A prevalência de sobrepeso nos sexos feminino e masculino, respectivamente, no ano de 2008 foi de 12,2 e 12,4%; em 2009, de 13,2 e 13,2% e em 2010, de 13,1 e 13,3%. A prevalência de obesidade em 2008 foi de 11,0 e 13,5%; em 2009, de 11,9 e 15,1%; e em 2010, de 11,2 e 14,5%, respectivamente, para o sexo feminino e masculino. O sobrepeso e a obesidade foram mais prevalentes em crianças de municípios com menor Índice de Desenvolvimento Humano. CONCLUSÕES: Recomenda-se a criação de uma política nacional nutricional que dê subsídios para os beneficiários do PBF se alimentarem com qualidade.

estado nutricional; pobreza; políticas públicas; antropometria; saúde da criança


OBJETIVO: Estimar la prevalencia de sobrepeso y obesidad en niños beneficiarios del Programa «Bolsa Família» (PBF) durante los años de 2008 a 2010, conforme al sexo y con las regionales de salud de la provincia de Sergipe. MÉTODOS: Estudio epidemiológico descriptivo, conducido con base de datos secundaria del Datasus/Sisvan. Se obtuvo 79.795 registros de niños entre cinco y diez años de edad beneficiarias del PBF en la provincia de Sergipe, siendo 20.338 el año de 2008 (9.848 del sexo femenino y 10.490 del masculino), 27.106 en 2009 (13.092 del sexo femenino y 14.014 del masculino), y 32.351 niños en 2010 (15.963 del sexo femenino y 16.388 del masculino). Se midieron las variables de masa corporal y estatura, calculándose el índice de masa corporal (IMC), que fue analizado según los valores del escore-Z de las tablas normativas de la Organización Mundial de la Salud. RESULTADOS: La prevalencia de sobrepeso en los sexos femenino y masculino, respectivamente, el año de 2008 fue de 12,2 y 12,4%, en 2009 de 13,2 y 13,2% y en 2010 de 13,1 y 13,3%. La prevalencia de obesidad en 2008 fue de 11,0 y 13,5%, en 2009 de 11,9 y 15,1%, y en 2010 de 11,2 y 14,5%, respectivamente, para los sexos femenino y masculino. Conforme a las regionales de salud, el sobrepeso y la obesidad fueron más prevalentes en niños de municipios con menor Índice de Desarrollo Humano. CONCLUSIONES: Se recomienda la creación de una política nacional alimentar que de subsidios para que los beneficiarios del PBF se alimenten con calidad.

estado nutricional; pobreza; políticas públicas; antropometría; salud del niño


OBJECTIVE: To estimate the prevalence of overweight and obesity in children benefited from Brazil's conditional cash transfer program (Bolsa Família Program - BFP), during the years 2008, 2009 and 2010, according to gender and health departments in the State of Sergipe, Northeast Brazil. METHODS: Descriptive epidemiological study, conducted with a secondary database of Datasus/Sisvan. The data from 79,795 children aged five to ten years old benefited from BFP in the State of Sergipe were retrieved: 20,338 children were benefitted in 2008 (9,848 females and 10,490 males), 27,106 in 2009 (13,092 females and 14,014 males) and 32,351 in 2010 (15,963 females and 16,388 males). The variables measured were body weight and height. The body mass index (BMI) was analyzed with Z scores of normative tables from Word Health Organization. RESULTS: The prevalence of overweight in females and males was respectively 12.2 and 12.4% in 2008; 13.2 and 13.2% in 2009; 13.1 and 13.3% in 2010. The prevalence of obesity for female and male children was respectively 11.0 and 13.5% in 2008; 11.9 and 15.1% in 2009; 11.2 and 14.5% in 2010. Overweight and obesity were more prevalent in children living in cities/towns with a lower Human Development Index. CONCLUSIONS: A national food policy is needed in order to provide education for those who benefit from BFP to improve the quality of their nutritional intake.

nutritional status; poverty; public policies; anthropometry; child health


ARTIGO ORIGINAL

Sobrepeso e obesidade em crianças de cinco a dez anos de idade beneficiárias do Programa Bolsa Família no estado de Sergipe, Brasil

Diego Augusto S. Silva

Instituição: Núcleo de Pesquisa em Cineantropometria e Desempenho Humano da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis, SC, Brasil

Doutorando em Educação Física do Programa de Pós-Graduação em Educação Física do Núcleo de Pesquisa em Cineantropometria e Desempenho Humano da UFSC, Florianópolis, SC, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Diego Augusto S. Silva Rua João Motta Espezim, 703, Apto 201, Residencial São Francisco CEP 88045-400 - Florianópolis/SC E-mail: diegoaugustoss@yahoo.com.br

RESUMO

OBJETIVO: Estimar a prevalência de sobrepeso e obesidade em crianças beneficiárias do Programa Bolsa Família (PBF) durante os anos de 2008 a 2010, de acordo com o sexo e com as regionais de saúde do estado de Sergipe.

MÉTODOS: Estudo epidemiológico descritivo, conduzido com banco de dados secundário do Datasus/Sisvan. Foram obtidos 79.795 registros de crianças de cinco a dez anos de idade beneficiárias do PBF no estado de Sergipe, sendo 20.338 de 2008 (9.848 do sexo feminino e 10.490 do masculino), 27.106 de 2009 (13.092 do sexo feminino e 14.014 do masculino) e 32.351 de 2010 (15.963 do sexo feminino e 16.388 do masculino). Foram mensuradas as variáveis de massa corporal e estatura, calculando-se o índice de massa corpórea (IMC), o qual foi analisado por meio dos valores do escore Z das tabelas normativas da Organização Mundial de Saúde.

RESULTADOS: A prevalência de sobrepeso nos sexos feminino e masculino, respectivamente, no ano de 2008 foi de 12,2 e 12,4%; em 2009, de 13,2 e 13,2% e em 2010, de 13,1 e 13,3%. A prevalência de obesidade em 2008 foi de 11,0 e 13,5%; em 2009, de 11,9 e 15,1%; e em 2010, de 11,2 e 14,5%, respectivamente, para o sexo feminino e masculino. O sobrepeso e a obesidade foram mais prevalentes em crianças de municípios com menor Índice de Desenvolvimento Humano.

CONCLUSÕES: Recomenda-se a criação de uma política nacional nutricional que dê subsídios para os beneficiários do PBF se alimentarem com qualidade.

Palavras-chave: estado nutricional; pobreza; políticas públicas; antropometria; saúde da criança.

Introdução

A desnutrição infantil era considerada um dos maiores problemas de Saúde Pública no Brasil, sobretudo nas classes menos favorecidas economicamente. Todavia, o processo de transição nutricional, que se caracteriza por uma inversão nos padrões de distribuição dos problemas nutricionais de uma dada população no tempo, vem, aos poucos, transformando esse cenário(1). O declínio da prevalência de desnutrição pode ser observado em estudo realizado em âmbito nacional, o qual aponta que, desde a década de 1970 até o final da década de 1990, a queda da desnutrição ocorreu de forma mais acentuada nas regiões mais pobres do Brasil, ou seja, no Norte e Nordeste(2).

O sobrepeso é uma realidade em crianças de baixo nível econômico, residentes em favelas(3,4). Silva et al(3) detectaram excesso de peso em 10,1% das crianças de baixo nível econômico da cidade de Recife (PE). Sawaya et al(4) observaram obesidade em 8,7% das meninas que residem em favelas de São Paulo (SP). Porém, essas pesquisas foram desenvolvidas com crianças de escolas públicas(3) ou de uma única comunidade(4), dificultando o real entendimento de problemas nutricionais na população carente, o que impede políticas públicas mais eficientes.

O Programa Bolsa Família (PBF), criado em 2003, é considerado atualmente o maior programa de transferência de renda do mundo, pois é destinado às famílias brasileiras que vivem em condições de pobreza e de extrema pobreza(5). Estima-se que mais de 12.500.000 famílias sejam beneficiárias do PBF. Destas, em torno de 50% são do Nordeste e, a partir dos recursos recebidos, têm necessidades básicas supridas, como alimentação e saúde(6).

Nesse contexto, acredita-se que um estudo com crianças provenientes do PBF possa trazer boas estimativas do status de peso em camadas pobres e extremamente pobres do Brasil. Ademais, a investigação desse cenário em um estado de uma região com sérios problemas de concentração de renda, como o Nordeste, pode estimular reflexões sobre uma política nacional de saúde. Assim, este estudo teve como objetivo estimar a prevalência de sobrepeso e obesidade em crianças de cinco a dez anos de idade, beneficiárias do PBF, durante os anos de 2008, 2009 e 2010, de acordo com o sexo e com as regionais de saúde do menor estado em extensão territorial do Brasil.

Método

Trata-se de pesquisa epidemiológica descritiva, construída com base em banco de dados secundário, proveniente do Sisvan Bolsa Família/Datasus, de domínio público e de livre acesso pela Internet(7). O Datasus é o Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (SUS), órgão da Secretaria Executiva do Ministério da Saúde do Brasil. Dentre outras competências, o Datasus tem a finalidade de fomentar, regulamentar e avaliar as ações de informatização do SUS; desenvolver, pesquisar e incorporar tecnologias de informática que possibilitem a implementação de sistemas e a disseminação de informações necessárias às ações de saúde; manter o acervo das bases de dados necessárias ao sistema de informações em saúde; assegurar aos gestores do SUS e órgãos congêneres o acesso aos serviços de informática e bases de dados; definir programas de cooperação técnica com entidades de pesquisa e ensino para prospecção e transferência de tecnologia e metodologia de informática em saúde; e apoiar estados, municípios e o Distrito Federal na informatização das atividades do SUS(7).

O Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (Sisvan) corresponde a um sistema de informações que tem como objetivo principal promover informação contínua sobre as condições nutricionais da população e sobre os fatores que as influenciam. Essa informação fornece base para decisões a serem tomadas pelos gestores de programas relacionados com a melhoria dos padrões de consumo alimentar e do estado nutricional da população atendida pelo SUS(8). O Sisvan Bolsa Família destina-se ao registro do estado nutricional dos beneficiários do PBF. A partir de 2006, foram inseridos dados sobre o estado nutricional dos beneficiários do PBF, compondo as estratégias adotadas para o monitoramento da situação nutricional da população brasileira. Por meio de um software, TabNet, são acessadas as informações do estado nutricional dos beneficiários do PBF, cujos dados são registrados no sistema e enviados via Internet ao final de cada vigência do programa(8,9).

Para o presente estudo, foram adquiridas informações sobre crianças de cinco a dez anos de idade do estado de Sergipe, beneficiárias do PBF nos anos de 2008, 2009 e 2010. Os três anos foram escolhidos por serem os únicos constantes no banco de dados até maio de 2011 com informações completas para o estado de Sergipe em relação ao índice de massa corpórea (IMC), respectivos percentis e escores Z. Em 2008, existiam informações de 20.338 crianças de cinco a dez anos de idade, sendo 9.848 do sexo feminino e 10.490 do masculino. Em 2009, foram registradas 27.106 crianças (13.092 do sexo feminino e 14.014 do masculino). No ano de 2010, integraram os registros 32.351 crianças, 15.963 do sexo feminino e 16.388 do masculino. As mesmas crianças podem ter sido estudadas nos três anos; entretanto, o sistema do Sisvan não traz nenhum controle de tais informações, o que dificulta a análise de um estudo do tipo longitudinal. De qualquer forma, como o número de crianças estudadas nos anos de 2008, 2009 e 2010 é diferente, acredita-se que os dados apresentem o perfil de sobrepeso e obesidade ao longo dos três anos.

Utilizaram-se como critério de exclusão os registros que estivessem sem informação sobre o estado nutricional das crianças, os que estivessem classificados como sem parâmetros para classificação do estado nutricional da referência adotada(10,11) e os registros das regionais de saúde que apresentassem prevalências exageradas de sobrepeso/obesidade. A prevalência exagerada de sobrepeso/obesidade foi considerada como aquela bastante diferente das demais e elevada em relação à prevalência relatada na literatura para sobrepeso/obesidade. Por exemplo, alguma regional de saúde que apresentasse prevalência de sobrepeso ou obesidade acima de 30% seria excluída por ser considerada prevalência exagerada do desfecho em investigação.

Para classificar o estado nutricional das crianças beneficiárias do PBF, utilizou-se o IMC, calculado pela divisão entre a massa corporal (kg) e o quadrado da estatura (m), tomando-se como referência os pontos de corte da Organização Mundial da Saúde(10,11), empregados pelo Sisvan a partir de 2008. Os pontos de corte do IMC variam conforme a idade, e o estado nutricional pode ser classificado a partir de percentil e/ou escore Z. Empregaram-se nessa pesquisa informações sobre os escores Z calculados pelo próprio Sisvan. São definidos seis pontos de corte para o IMC, baseado no escore Z(11): a) magreza acentuada (<-3); b) magreza (>-3 e <-2); c) eutrofia (>-2 e <+1); d) sobrepeso (>+1 e <+2); e) obesidade (>+2 e <+3); f) obesidade grave (>+3). Para o presente estudo, agruparam-se as categorias descritas nos itens a, b e c em "eutrofia"; a letra d continuou como categoria "sobrepeso", e os itens e e f foram agrupados em "obesidade".

As medidas antropométricas foram coletadas e registradas conforme as padronizações do Sisvan(12). A medida de massa corporal é obtida com uma balança calibrada, podendo ser mecânica de plataforma ou eletrônica digital. A estatura é avaliada por meio de um antropômetro vertical ou por meio de uma fita antropométrica afixada na parede. Os profissionais de saúde da atenção básica, responsáveis pela coleta dos dados, recebem o manual e devem seguir os procedimentos contidos no documento(12).

O estado de Sergipe é a menor unidade federativa em extensão territorial do Brasil (21.910km2), localiza-se na região Nordeste, é composto por 75 municípios e apresenta o melhor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da região (0,742)(13). Tem uma população estimada de 2.019.679 habitantes, uma expectativa de vida de 70,3 anos, a mortalidade infantil atinge 21 crianças entre mil nascidas vivas e a taxa de analfabetismo das pessoas de 15 anos de idade ou mais é de 16,9%(14).

Os municípios sergipanos são divididos em sete regionais de saúde. Para o presente estudo, as regionais foram classificadas quanto ao IDH médio do conjunto de municípios que a formam(15): Aracaju - oito municípios (IDH=0,676); Nossa Senhora do Socorro - 12 municípios (IDH=0,656); Itabaiana - 14 municípios (IDH=0,635); Propriá - 16 municípios (IDH=0,612); Estância - dez municípios (IDH=0,601); Lagarto - seis municípios (IDH=0,594); Nossa Senhora da Glória - nove municípios (IDH=0,582). Optou-se pela utilização do IDH porque é considerado uma medida comparativa que engloba três dimensões - riqueza, educação e esperança média de vida, sendo uma estimativa do bem-estar da população(15).

Para o tratamento estatístico, fez-se uso do programa TabWin para obter os dados do site do Datasus e analisar as informações de forma descritiva (frequências absoluta e relativa). Utilizou-se o programa MedCalc para o cálculo dos intervalos de confiança e o teste do qui-quadrado para identificar diferenças entre as proporções. Foi adotado um nível de significância de 5%. Por se tratar de uma investigação baseada em dados de domínio público, sem implicações diretas aos seres humanos, não houve necessidade de encaminhamento a comitês de ética em pesquisa científica.

Resultados

Conforme o banco de informações do Datasus/Sisvan, nenhuma criança foi excluída por falta de registro. Assim, o presente estudo foi construído com 79.795 informações de crianças de cinco a dez anos de idade, sendo 38.903 do sexo feminino e 40.892 do masculino.

Na Tabela 1, observa-se que a prevalência de sobrepeso e obesidade nas crianças do sexo feminino beneficiárias do PBF no ano de 2008 foi de 12,2 e 11,0%, respectivamente. Para o sexo masculino, a prevalência de sobrepeso e obesidade foi de 12,4 e 13,5%, respectivamente. O sobrepeso e a obesidade foram mais prevalentes em Nossa Senhora da Glória, regional de saúde que engloba os municípios de menor IDH.

Das crianças analisadas no ano de 2009, verificou-se que 13,2 e 11,9% do sexo feminino apresentaram sobrepeso e obesidade, respectivamente. Para o masculino, a prevalência de sobrepeso e obesidade foi de 13,2 e 15,1%, respectivamente. Em ambos os sexos, a maior prevalência de obesidade foi relatada na regional de saúde de Itabaiana, que possuí IDH=0,635 (Tabela 2).

Em 2010, a prevalência de sobrepeso foi semelhante em ambos os sexos (13,1% no sexo feminino e 13,3% no masculino). A prevalência de obesidade foi de 11,2% no sexo feminino e 14,5% no masculino. No sexo feminino, não houve diferenças nas prevalências de sobrepeso entre as regionais de saúde (p>0,05). Entretanto, crianças do sexo masculino de municípios de menor IDH apresentaram maiores prevalências de sobrepeso/obesidade (Tabela 3).

Discussão

Destaca-se que este estudo é o primeiro do Brasil a fazer uso de uma amostra formada por crianças beneficiárias do PBF e teve como objetivo estimar a prevalência de sobrepeso e obesidade durante os anos de 2008, 2009 e 2010, de acordo com o sexo e com as regionais de saúde do menor estado em extensão territorial do Brasil.

Diversos pesquisadores corroboram os achados do presente estudo, que evidenciou o sobrepeso e a obesidade como problemas eminentes em regiões subdesenvolvidas e em populações pobres, necessitando de intervenções para controlar tais situações(3,4,16,17).

Pelegrini et al(16) analisaram dados antropométricos de 2.913 crianças de sete a nove anos de idade das cinco regiões do Brasil e encontraram uma prevalência de excesso de peso de 21,8% na região Nordeste, percentual inferior somente ao observado na região Sul (27,7%). Sawaya et al(4) desenvolveram um estudo transversal na cidade de São Paulo (SP) com famílias de baixo nível econômico, residentes em áreas de pouca infraestrutura e serviços, e diagnosticaram obesidade em 6,4% dos meninos e 8,7% das meninas. Na cidade de Recife (PE), Silva et al(3) detectaram excesso de peso em 32,2% das crianças de dois a seis anos e 10,1% nas de sete a nove anos, de baixo nível econômico. Uma pesquisa desenvolvida em regiões urbanas e rurais da África do Sul, cuja população ainda sofre por falta de comida e doenças infectocontagiosas, detectou prevalência de excesso de peso na ordem de 19% entre crianças menores de dez anos(17).

O nível econômico, o acesso a serviços, as condições de moradia, a disponibilidade de alimentos e o acesso à informação interferem no status do peso corporal(18). Nos países em desenvolvimento ou subdesenvolvidos, como o Brasil, a disponibilidade de alimentos é um problema importante, sobretudo entre os beneficiários do PBF, e a obesidade na infância mostra-se mais prevalente nas classes econômicas elevadas(2). Nos países desenvolvidos, nos quais mesmo os indivíduos de baixa renda têm acesso ao alimento, encontra-se menor prevalência de obesidade infantil nas classes mais favorecidas, devido ao maior acesso à informação acerca de padrões dietéticos e de prática de atividade física(19,20).

Brophy et al(19) analisaram dados de 17.561 crianças do Millennium Cohort Study, desenvolvido com jovens europeus, asiáticos e africanos, e encontraram que o sedentarismo, os comportamentos familiares de risco (obesidade materna, fumar próximo à criança e não ingerir o café da manhã), a baixa renda e a baixa escolaridade foram os fatores mais associados à obesidade infantil. Rolland-Cachera e Bellisle(20), em estudo com crianças francesas de sete a 12 anos de idade, encontraram maior prevalência de obesidade nas classes socioeconômicas baixas, atribuindo esse achado à maior ingestão de energia e de carboidratos.

Embora o presente estudo não tenha investigado as possíveis causas do risco de sobrepeso e obesidade em crianças nas condições de pobreza e extrema pobreza, características dos beneficiários do PBF, especulações baseadas na literatura podem ser feitas: a) os alimentos com maior qualidade nutricional, incluindo frutas e verduras, têm custo elevado para as famílias de baixa renda. Ao mesmo tempo, a indústria alimentícia coloca à disposição vários alimentos com densidade energética aumentada, que promovem saciedade e são mais palatáveis e de baixo custo, o que os torna acessíveis às classes de baixa renda(21); b) o governo disponibiliza alimentos de maior densidade calórica e menor poder nutritivo(3). Um exemplo claro dessa situação pode ser verificado ao se analisar o aumento do consumo de leite em pó entre 1965 e 1985. Para as pessoas de baixa renda, esse alimento passou a ser o principal produto que o Estado fornecia como assistência alimentar a comunidades carentes (creches e escolas públicas). Em contrapartida, nessa época, a indústria disponibilizara leites fortificados e com menor teor de gordura para as pessoas de nível econômico elevado. Esse achado pode ser extrapolado para outros alimentos, como os acessíveis nas merendas escolares do setor público, ricos em carboidratos (pão, macarrão, arroz e batata)(3).

Fortalecendo tais especulações, o relatório que comenta as repercussões do PBF na segurança alimentar e nutricional dos beneficiários afirmou que 91% das famílias atendidas no Nordeste gastam o dinheiro com alimentação, sendo que, quanto mais pobre a família, maior a proporção de renda gasta com alimentos. No Nordeste, o consumo de todos os grupos de alimentos aumentou entre os beneficiários do PBF, sobretudo os açúcares, com menor proporção para o leite e seus derivados. Ademais, as famílias priorizam a compra e o consumo de alimentos considerados básicos e de baixos preços, capazes de propiciar a saciedade e prover energia (maior densidade calórica e menor valor nutritivo)(5).

Vale ressaltar que este estudo apresenta como limitação o uso de dados secundários, que não permitem ao pesquisador controlar possíveis erros decorrentes de digitação e de registro, além de possíveis subnotificações. Apesar disso, acredita-se que, por serem dados nacionais oficiais e de preenchimento obrigatório nos serviços de saúde, seus resultados permitiram o alcance dos objetivos propostos. O ponto forte do presente estudo é a utilização dos pontos de corte oriundos das curvas da Organização Mundial de Saúde(10,11,22), criadas a partir de um estudo multicêntrico, que levou em consideração a diversidade étnica e as condições de vida semelhantes às das crianças avaliadas em diferentes países, inclusive o Brasil. Além disso, trata-se do primeiro a apresentar informações sobre crianças pertencentes ao PBF, que vem servindo de referência como programa social em todo o mundo. Esses dados acrescentam à literatura o impacto que o sobrepeso e a obesidade também exercem em famílias de baixo nível econômico, com dificuldade de acesso e utilização de serviços de saúde.

Diante dos resultados, pode-se concluir que o sobrepeso e a obesidade estão presentes em crianças que vivem na condição de pobreza e extrema pobreza beneficiárias do PBF no estado de Sergipe, com maiores prevalências nos municípios de menor IDH. Nesse sentido, recomenda-se a criação de uma política nacional nutricional que dê subsídios aos beneficiários do PBF para se alimentarem com qualidade.

Conflito de interesse: nada a declarar

Recebido em: 4/2/2011

Aprovado em: 27/6/2011

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  • Endereço para correspondência:
    Diego Augusto S. Silva
    Rua João Motta Espezim, 703, Apto 201, Residencial São Francisco
    CEP 88045-400 - Florianópolis/SC
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      17 Fev 2012
    • Data do Fascículo
      Dez 2011

    Histórico

    • Recebido
      04 Fev 2011
    • Aceito
      27 Jun 2011
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