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Efeito do índice de massa corpórea na gravidade da asma e na reatividade brônquica induzida pelo exercício em crianças asmáticas com sobrepeso e obesas

Effect of body mass index on asthma severity and exercise-induced bronchial reactivity in overweight and obese asthmatic children

Resumos

OBJETIVO: Analisar a relação entre o grau de obesidade ou sobrepeso medido pelo índice de massa corpórea (IMC) de crianças e adolescentes asmáticos com a gravidade clínica e funcional da doença e com a intensidade do broncoespasmo induzido pelo exercício (BIE). MÉTODOS: 20 pacientes com idade entre seis e 18 anos, asma persistente e sobrepeso ou obesidade foram submetidos ao teste padronizado com exercício em bicicleta ergométrica e avaliação seriada dos parâmetros espirométricos, realizada aos 3, 6, 10, 15, 20 e 30 minutos após o exercício. BIE foi definido como a queda do volume expiratório forçado no primeiro segundo (VEF1) >10% e/ou do fluxo médio expiratório forçado medido entre 25 e 75% da capacidade vital forçada (FEF25-75%) >26% em relação aos valores pré-teste. Foram avaliadas as freqüências de positividade do teste e as maiores quedas de VEF1 e FEF25-75% após o término do exercício. RESULTADOS: A gravidade clínica da asma foi considerada leve, moderada e grave em dez, cinco e cinco pacientes, respectivamente. Houve BIE em 50% dos pacientes testados. Não houve correlação significativa entre os seguintes parâmetros confrontados: valores de IMC e valores basais do VEF1 e FEF25-75% percentuais em relação ao previsto; valores do IMC e as maiores quedas do VEF1 e do FEF25-75% em relação aos valores basais; valores do IMC e gravidade da asma. A melhor correlação ocorreu entre o IMC e as maiores quedas do FEF25-75% em relação ao basal. CONCLUSÕES: O IMC não teve influência no grau de hiperresponsividade brônquica induzida pelo exercício em crianças asmáticas com sobrepeso e obesas e na gravidade da obstrução basal medida pelo VEF1 e FEF25-75%.

obesidade; asma; broncoespasmo induzido por exercício; hiperreatividade brônquica


OBJECTIVE: To analyze the association between the degree of obesity or overweight measured by the body mass index (BMI) in children and adolescents with asthma and the clinical and functional severity of the disease and the intensity of exercise-induced bronchospasm (EIB). METHODS: 20 patients (age range: 6-18 years) with persistent asthma, with overweight or obesity, were submitted to a standardized exercise test on an ergometric bicycle, followed by serial evaluations of spirometric parameters performed at 3, 6, 10, 15, 20 and 30 minutes after the exercise. EIB was defined as a decrease in FEV1>10% and/or FEF25-75% >26% when compared to pre-test values. The positivity of the test was evaluated as the highest decreases in FEV1 and FEF25-75% after the end of the exercise. RESULTS: Asthma severity was considered mild, moderate and severe in ten, five and five patients, respectively. EIB was observed in 50% of the studied children. There was no significant correlation among the following parameters: BMI and basal FEV1 and FEF25-75% in relation to the predicted value; BMI and the highest decrease in FEV1 and FEF25-75% in relation to the basal levels; BMI and asthma severity. The best correlation was obtained between BMI and the highest decreases in FEF25-75% in relation to basal levels. CONCLUSIONS: The BMI did not influence the degree of exercise-induced bronchial hyperresponsiveness in overweight and obese children and adolescents with asthma as well as the degree of basal obstruction measured by FEV1 and FEF25-75%.

obesity; asthma; asthma; exercise-induced; bronchial hyperreactivity


ARTIGO ORIGINAL

Efeito do índice de massa corpórea na gravidade da asma e na reatividade brônquica induzida pelo exercício em crianças asmáticas com sobrepeso e obesas

Effect of body mass index on asthma severity and exercise-induced bronchial reactivity in overweight and obese asthmatic children

Joaquim Carlos RodriguesI; Aneliza TakahashiII; Fabiana Monte A. OlmosIII; Juliana Bragança de SouzaIV; Maria Helena F. BussamraV; Joselina Magalhães A. CardieriVI

IProfessor colaborador do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), mestre e doutor em Pediatria pela FMUSP e chefe da Unidade de Pneumologia Pediátrica do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da FMUSP (HCFMUSP)

IIFisioterapeuta do Instituto da Criança do HCFMUSP

IIIAcadêmica do quarto ano de Medicina e bolsista de iniciação científica da FMUSP

IVEstagiária de complementação especializada em Pneumologia Pediátrica do HCFMUSP

VMestre e doutora em Pediatria pela FMUSP

VIMédica assistente da Unidade de Pneumologia Pediátrica do Instituto da Criança do HCFMUSP

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Joaquim Carlos Rodrigues Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – Unidade de Pneumologia Pediátrica Avenida Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 647 – Cerqueira César CEP 05403-900 – São Paulo/SP E-mail: jocarod@uol.com.br

RESUMO

OBJETIVO: Analisar a relação entre o grau de obesidade ou sobrepeso medido pelo índice de massa corpórea (IMC) de crianças e adolescentes asmáticos com a gravidade clínica e funcional da doença e com a intensidade do broncoespasmo induzido pelo exercício (BIE).

MÉTODOS: 20 pacientes com idade entre seis e 18 anos, asma persistente e sobrepeso ou obesidade foram submetidos ao teste padronizado com exercício em bicicleta ergométrica e avaliação seriada dos parâmetros espirométricos, realizada aos 3, 6, 10, 15, 20 e 30 minutos após o exercício. BIE foi definido como a queda do volume expiratório forçado no primeiro segundo (VEF1) >10% e/ou do fluxo médio expiratório forçado medido entre 25 e 75% da capacidade vital forçada (FEF25-75%) >26% em relação aos valores pré-teste. Foram avaliadas as freqüências de positividade do teste e as maiores quedas de VEF1 e FEF25-75% após o término do exercício.

RESULTADOS: A gravidade clínica da asma foi considerada leve, moderada e grave em dez, cinco e cinco pacientes, respectivamente. Houve BIE em 50% dos pacientes testados. Não houve correlação significativa entre os seguintes parâmetros confrontados: valores de IMC e valores basais do VEF1 e FEF25-75% percentuais em relação ao previsto; valores do IMC e as maiores quedas do VEF1 e do FEF25-75% em relação aos valores basais; valores do IMC e gravidade da asma. A melhor correlação ocorreu entre o IMC e as maiores quedas do FEF25-75% em relação ao basal.

CONCLUSÕES: O IMC não teve influência no grau de hiperresponsividade brônquica induzida pelo exercício em crianças asmáticas com sobrepeso e obesas e na gravidade da obstrução basal medida pelo VEF1 e FEF25-75%.

Palavras-chave: obesidade; asma; broncoespasmo induzido por exercício; hiperreatividade brônquica.

ABSTRACT

OBJECTIVE: To analyze the association between the degree of obesity or overweight measured by the body mass index (BMI) in children and adolescents with asthma and the clinical and functional severity of the disease and the intensity of exercise-induced bronchospasm (EIB).

METHODS: 20 patients (age range: 6-18 years) with persistent asthma, with overweight or obesity, were submitted to a standardized exercise test on an ergometric bicycle, followed by serial evaluations of spirometric parameters performed at 3, 6, 10, 15, 20 and

30 minutes after the exercise. EIB was defined as a decrease in FEV1>10% and/or FEF25-75%>26% when compared to pre-test values. The positivity of the test was evaluated as the highest decreases in FEV1 and FEF25-75% after the end of the exercise.

RESULTS: Asthma severity was considered mild, moderate and severe in ten, five and five patients, respectively. EIB was observed in 50% of the studied children. There was no significant correlation among the following parameters: BMI and basal FEV1 and FEF25-75% in relation to the predicted value; BMI and the highest decrease in FEV1 and FEF25-75% in relation to the basal levels; BMI and asthma severity. The best correlation was obtained between BMI and the highest decreases in FEF25-75% in relation to basal levels.

CONCLUSIONS: The BMI did not influence the degree of exercise-induced bronchial hyperresponsiveness in overweight and obese children and adolescents with asthma as well as the degree of basal obstruction measured by FEV1 and FEF25-75%.

Key-words: obesity; asthma; asthma, exercise-induced; bronchial hyperreactivity.

Introdução

Asma e obesidade são doenças prevalentes e a associação de ambas é um fenômeno comum em crianças e adolescentes, cada uma com um impacto significativo em Saúde Pública(1). A prevalência de obesidade em crianças e adolescentes está aumentando nas últimas décadas, tanto em países desenvolvidos quanto nos em desenvolvimento(2). Um estudo norte-americano, no período de 1999 a 2002, mostrou que 31% das crianças entre seis e 19 anos de idade apresentam sobrepeso ou risco de sobrepeso(3). Em outro estudo, evidenciou-se uma relação positiva entre asma, atopia e índice de massa corpórea (IMC) aumentado(4). Uma pesquisa recente com adolescentes na região sul do Brasil, baseada no projeto International Study of Asthma and Allergies in Childhood (Isaac), mostrou uma associação positiva entre obesidade e prevalência de sintomas de asma e sua gravidade, principalmente no gênero feminino(5).

Uma série de estudos epidemiológicos reforça a hipótese de que a obesidade é um fator de risco para asma e que pode existir uma origem inter-relacionada comum entre obesidade e asma(6). A relação de causalidade não está bem esclarecida, mas os dados atuais não apóiam a hipótese de que a asma cause obesidade. É possível que esta relação entre asma e obesidade ocorra por uma predisposição genética comum, que possa ter origem na submissão a fatores comuns na vida intra-uterina ou que resulte de variáveis predisponentes, como atividade física ou dieta(7). Tanto a asma como a obesidade são condições heterogêneas e, embora com características específicas, podem partilhar fatores genéticos de risco comuns, tornando-se necessário entender se fatores intrínsecos da asma podem estar relacionados à limitação à atividade física e, conseqüentemente, ao ganho ponderal(8). Além disso, admite-se que a obesidade possa ser um fator relacionado à gravidade da asma(9).

Estudos experimentais realizados em animais obesos admitem a hipótese de que a obesidade possa causar ou piorar a asma: camundongos geneticamente obesos têm hiperresponsividade brônquica (HRB) inata e aumento de responsividade a desencadeantes de asma(10). Os dados clínicos da relação entre obesidade e HRB são inconsistentes. Alguns estudos observaram maior prevalência de HRB em obesos, quando comparados à população normal(11,12). Outros relataram maior broncoespasmo induzido pelo exercício em crianças obesas, comparadas a crianças não asmáticas(13,14). Porém, nesses estudos, não houve análise da relação entre o grau de obesidade avaliado pelo IMC com a intensidade da doença e da HRB.

O principal objetivo desse estudo foi analisar a relação entre o grau de obesidade ou sobrepeso medido pelo IMC de crianças e adolescentes asmáticos com a gravidade clínica e funcional da doença e com a intensidade da resposta broncoconstritora desencadeada pelo exercício físico.

Métodos

Foi realizado estudo transversal descritivo para avaliar alterações espirométricas, antes e após a realização de exercício físico em bicicleta ergométrica, em crianças asmáticas obesas e com sobrepeso.

Foram avaliadas, por meio de uma amostra de conveniência, 20 crianças e adolescentes com idades entre seis e 18 anos de idade, obesos ou com sobrepeso, de ambos os gêneros, com asma persistente de gravidade diversa, em seguimento ambulatorial no Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP).

Critérios de inclusão

Para o diagnóstico de asma, foram obedecidos os critérios preconizados pela American Thoracic Society (ATS)(15). Foram consideradas com sobrepeso crianças e adolescentes com percentil de IMC>85, segundo critério do National Health and Nutrition Examination Survey (NHANES II-III)(4). Foram considerados obesos aqueles com percentil de IMC>95, sendo o cálculo do IMC(16) resultante de: peso (kg)/estatura (m)2.

Foram excluídos pacientes com sobrepeso ou obesidade de causa endocrinológica (hipotireoidismo, diabetes, síndrome de Cushing, etc.) ou com doenças sindrômicas que podem cursar com obesidade (síndrome de Prader Willy, síndrome do ovário policístico, síndrome de Down). Além destes, excluiu-se pacientes com incapacidade de se exercitar em bicicleta ergométrica por problemas motores ou neurológicos; as crianças e adolescentes com deficit neuropsicomotor ou dificuldade de compreensão das instruções dos testes espirométricos; aqueles com volume expiratório forçado no primeiro segundo (VEF1) <60% do valor previsto na espirometria basal no momento da avaliação e os portadores de história de exacerbação da asma nos 30 dias que antecederam a avaliação.

Aplicou-se anamnese padronizada para verificar a evolução clínica da doença e o uso de medicações. Os pacientes foram classificados quanto à gravidade da asma, segundo critérios preconizados pelo consenso internacional(17). Foram obtidos os dados antropométricos (peso e estatura) e os pacientes classificados em percentis de IMC, segundo gênero e idade.

Todos os pacientes foram submetidos ao teste de broncoprovocação com exercício em bicicleta ergométrica no Laboratório de Provas de Função Pulmonar do Instituto da Criança do HCFMUSP, na Unidade de Pneumologia Pediátrica, segundo as normas preconizadas pela ATS(18). Foram executados os seguintes procedimentos: as crianças realizaram uma espirometria basal seguida de exercício em bicicleta ergométrica (Ergometrics 800, Sensormedics). A carga foi ajustada a fim de alcançar freqüência cardíaca (FC) entre 80 a 90% da máxima (220-idade) após um a dois minutos de aquecimento, por meio da seguinte equação: carga de trabalho = (53,76 x VEF1 medido) - 11,07. A carga de trabalho foi fixada em 60% no primeiro minuto, 75% no segundo e 90 a 100% no restante do exercício (seis minutos). A FC foi monitorada a cada minuto para determinar se a FC submáxima estava sendo atingida. A FC foi também aferida durante todo o exercício, usando-se o oxímetro de pulso da marca Nonin®. Empregou-se clipe nasal durante o teste. Após o teste de exercício em cada paciente, a espirometria foi medida novamente aos 3, 6, 10, 15, 20 e 30 minutos.

O valor mais alto de três medidas do VEF1 foi selecionado como representativo de cada intervalo. A intensidade da resposta máxima foi avaliada pela maior queda de VEF1 pós-exercício, expressa como uma porcentagem do VEF1 basal. Considerou-se como resposta positiva a queda no VEF1 pós-exercício de pelo menos 10% e/ou de pelo menos 25% no fluxo médio expiratório forçado medido entre 25 e 75% da capacidade vital forçada (FEF25-75%), pois estes valores representam duas vezes o coeficiente de variação dessas medidas(19). Após o término dos testes, foi administrado broncodilatador (salbutamol, 200mcg em aerossol dosimetrado) nos pacientes com VEF1 inferior a 90% do basal. Os pacientes foram liberados somente ao apresentar VEF1 superior a 90% do basal, depois de uma ou mais administração do salbutamol.

O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Pesquisa e Ética do HCFMUSP (CAPpesq). O consentimento livre e esclarecido foi assinado pelos responsáveis antes do ingresso no estudo.

O programa Epiinfo, versão 2000, foi empregado para análise dos dados antropométricos e classificação nutricional dos pacientes. Utilizou-se o escore Z para expressar todos os parâmetros antropométricos e para confrontação dos dados. Os dados gerais foram expressos por média±desvio padrão e mediana. As análises de correlação entre os parâmetros foram realizadas pelo índice de correlação de Pearson e por regressão linear, com o aplicativo estatístico SPSS versão 12.0. O teste de Kruskal-Wallis testou a correlação entre o IMC e a gravidade clínica da asma.

Resultados

Todos os participantes do estudo realizaram os testes adequadamente e atingiram a FC alvo do teste de exercício. Apenas três pacientes eram do gênero feminino. No momento da avaliação, utilizando os critérios do consenso internacional(17), dez pacientes foram classificados como portadores de asma leve, cinco como asmáticos moderados e cinco, graves. As características demográficas gerais do grupo estudado, estado nutricional e função pulmonar estão demonstrados na Tabela 1.

Quanto à resposta de broncoconstricção induzida pelo exercício, nove pacientes apresentaram resposta positiva ao teste, com queda da VEF1>10% da condição basal, e dez com queda de FEF25-75%> 26%. Os testes foram concordantes em oito (88%) pacientes.

A Figura 1 mostra os gráficos de correlações entre o IMC e os valores basais do VEF1 (r=0,2165; p=0,35) e do FEF25-75% (r=0,1001, p=0,67). Não houve significância nessas correlações.


A Figura 2 mostra os gráficos de correlações entre o IMC e os valores porcentuais de queda do VEF1 (r=-0,002413, p=0,99) e do FEF25-75% (r=-0,2776, p= 0,23). Não houve significância na correlação desses parâmetros.


A Figura 3 mostra os gráficos de correlações entre o escore Z da adequação peso/ idade (P/I) e as quedas máximas do VEF1 (r=0,2549, p= 0,27) e do FEF25-75% (r=-0,01546, p= 0,94). Não houve significância na correlação desses parâmetros.


A Figura 4 mostra o gráfico de correlação do IMC com os diferentes os graus de gravidade clínica da asma persistente (leve, moderada e grave).


Discussão

Este estudo mostrou que 50% das crianças e adolescentes com sobrepeso ou obesos, portadores de asma persistente de diferentes graus, responderam ao teste de broncoprovocação com exercício, o que foi concordante com estudos anteriores indicadores de uma prevalência de broncoespasmo induzido pelo exercício entre 40 a 90%(20). A classificação da gravidade da asma dos pacientes levou em conta, além da freqüência e intensidade dos sintomas, o grau de obstrução basal no momento do teste e a dose de medicação profilática vigente. Segundo esse critério, preconizado pelo consenso internacional(17), a maioria dos pacientes analisados apresentava asma de grau leve no momento da avaliação e 50% deles não estavam recebendo terapêutica de manutenção. Este fato pode, em parte, explicar a maior indução de broncoespasmo, como conseqüência da maior hiperresponsividade desse grupo de pacientes. Por outro lado, os pacientes classificados como moderados ou graves não tinham exacerbação da doença no momento da avaliação, estavam controlados e recebendo corticosteróide inalado de manutenção em doses moderadas ou altas. Tais características podem ter contribuído para a menor positividade do teste em tais pacientes. É conhecido que o grau de hiperresponsividade aos testes de broncoprovocação independe da gravidade da doença, mas pode estar reduzido como conseqüência do uso prolongado de drogas anti-inflamatórias eficazes, como os corticosteróides inalados(21).

O VEF1 é o parâmetro espirométrico mais utilizado para avaliar a hiperresponsividade brônquica, inclusive nos testes com exercício, e mede o grau de permeabilidade das grandes vias aéreas. O FEF25-75% representa a média de fluxos em volumes baixos, entre 25 e 75% da capacidade vital funcional, sendo considerado mais sensível para detectar a obstrução de pequenas vias aéreas(22). Estudos anteriores(25-29) mostraram que crianças asmáticas devem ser consideradas hiperresponsivas quando, após atividade física por seis a oito minutos seguida de espirometria, houver redução maior ou igual a 10% no valor do VEF1 ou maior ou igual a 26% no valor do FEF25-75%.

Fonseca-Guedes et al(22) compararam a resposta do VEF1 e do FEF25-75% no teste de broncoprovocação com exercício em crianças asmáticas com gravidade variável e verificaram uma boa correlação entre esses parâmetros. Observaram ainda que o FEF25-75% pode estar reduzido em resposta ao exercício, sem mudanças no VEF1, principalmente em crianças com asma leve, e preconizaram a utilização de ambos os parâmetros como critério de resposta broncoconstrictora ao exercício. De acordo com esses parâmetros, nove das 20 crianças da nossa casuística responderam ao teste pelo critério de utilização do VEF1 e nove pelo critério do FEF25-75%, sendo que, em 88% dos casos, eles foram concordantes. Considerando-se os dois critérios, 50% (10/20) dos pacientes foram considerados respondedores. Nas crianças com asma leve, apenas uma apresentou resposta broncoconstrictora detectada pelo FEF25-75% e não pelo critério do VEF1. Apesar de não significativo, observamos uma melhor correlação entre os valores de IMC com a queda percentual do FEF25-75%, demonstrando que esse parâmetro pode ser mais sensível para detecção dos respondedores e, principalmente, considerando-se que a maioria dos pacientes apresentava asma persistente de grau leve.

Del Rio Navarro et al(14) compararam a resposta de broncoconstrição ao exercício em crianças saudáveis, asmáticas não obesas, asmáticas obesas e não asmáticas obesas. Os autores observaram uma redução significativa do VEF1 nos asmáticos obesos em relação aos asmáticos não obesos. O surpreendente é que as crianças obesas não asmáticas tiveram uma resposta muito semelhante ao grupo de crianças asmáticas não obesas. No presente estudo, foram incluídos apenas pacientes asmáticos com sobrepeso ou obesos, mas 19 dos 20 pacientes tinham IMC acima do percentil 95 (obesos) e apenas um com IMC entre 85 e 95 (sobrepeso). Portanto, a casuística selecionada foi uniforme e constituída praticamente de crianças asmáticas com obesidade, não sendo possível comparar pacientes obesos e com sobrepeso.

Alguns estudos demonstraram que o ganho ou a perda de peso pode ter impacto no desencadeamento e na gravidade da asma. O estudo de coorte do Tucson Children’s Respiratory Health Study mostrou que meninas entre seis e 11 anos de idade que ganharam peso tiveram risco aumentado de desenvolver sintomas de asma(23). Esse efeito ocorreu com um risco relativo de 4,8 para sintomas persistentes de asma aos 13 anos de idade. Um aumento de incidência de asma com o ganho de peso foi também relatado no CARDIA Study e em crianças de seis cidades dos Estados Unidos(24,25).

Luder et al(26), discutindo peso corporal e sintomas da asma, relacionaram a prevalência de sobrepeso a crianças com diagnóstico de asma moderada e grave. O IMC aumentado associado à gravidade da asma se associou a um maior número de faltas escolares anuais, pico de fluxo expiratório igual ou inferior a 60% do previsto e uso mais freqüente de medicações. Cabral et al(20) estudaram crianças asmáticas com graus diversos de gravidade e observaram maior prevalência de broncoespasmo induzido pelo exercício nos mais graves; no entanto, a intensidade de resposta de bronconstricção ao exercício não se relacionou à gravidade da asma .

Estudos que avaliaram o impacto da perda de peso cirurgicamente induzida em pacientes asmáticos relataram melhora significativa em todos os desfechos de asma, incluindo prevalência, gravidade, uso de medicamentos e hospitalizações por exacerbações(27,28). Tais resultados não podem ser generalizados, uma vez que a cirurgia é restrita à obesidade extrema. Por outro lado, mudanças introduzidas na composição da dieta poderiam ter algum efeito. Investigações relacionadas à perda fisiológica de peso por dieta em asmáticos obesos mostram uma melhora significativa no PFE, VEF1 e capacidade vital forçada (CVF), além da melhora no grau de dispnéia e utilização de medicamentos de resgate(29,30). Aaron et al(31) também notaram melhora no VEF1 e CVF, mas não na hiperresponsividade brônquica, em um grupo de mulheres obesas.

O IMC aumentado em crianças asmáticas pode refletir uma predisposição para o ganho ponderal relacionado a fatores genéticos, mas também pode estar associado à menor tolerância ao exercício físico, à maior gravidade da doença e ou à inadequação dos hábitos alimentares(26). A asma é uma doença pulmonar crônica e, muitas vezes, os pais tendem a adotar uma atitude protecionista, dando orientações para uma vida sedentária com intenção de evitar os sintomas agudos. Este fato pode interferir nas atividades diárias do paciente, causando ganho ponderal e maior gravidade clínica e funcional da doença. A educação dos pacientes e pais, o diagnóstico e o tratamento adequados, a orientação de dietas saudáveis e a prática regular de atividades físicas orientadas podem ser importantes aliados na prevenção do sobrepeso e da obesidade.

No presente estudo, não foi observada a relação entre aumento do IMC e pior função pulmonar basal ou maior gravidade da doença. Também não foi encontrada correlação entre IMC e grau de hiperresponsividade induzida pelo exercício, considerando-se os parâmetros VEF1 e FEF25-75%. No entanto, trata-se de uma casuística homogênea de conveniência, que, embora selecionada aleatoriamente entre a população de asmáticos que realizaram testes de função pulmonar para seguimento clínico, foi constituída basicamente por pacientes obesos. Como conseqüência, não foi possível comparar os resultados dos testes com valores extremos de IMC. A hipótese para os achados deste estudo é que, em crianças asmáticas obesas, apesar delas exibirem hiperresponsividade ao exercício, esse fator não é o mais importante para limitar a sua atividade física. Porém esta limitação aliada à predisposição genética inerente à obesidade e a fatores endógenos (citocinas e leptina) relacionados ao tecido adiposo podem piorar a inflamação presente na asma; todos estes elementos certamente contribuem para o incremento de peso dos pacientes e concomitante piora da asma e da função pulmonar(32).

Este estudo é um passo inicial para investigar, em nosso laboratório, a relação entre asma e obesidade, bem como para compreender os fenômenos que podem interagir nas manifestações clínicas de ambas. Este e novos estudos devem ter continuidade e envolver um maior número de pacientes asmáticos e controles sem obesidade para avaliar melhor a relação entre IMC, resposta ao exercício e função pulmonar, assim como a implicação de fatores endógenos intrínsecos da obesidade, que podem estar envolvidos na gravidade da asma. Desta forma, será possível aferir se programas específicos de reabilitação e redução do peso, dirigidos para crianças asmáticas obesas e com sobrepeso, poderiam melhorar os sintomas de asma, a função pulmonar, a evolução da doença, o número de exacerbações, além de reduzir o uso de medicamentos.

Agradecimentos

Ao professor doutor Claudio Leone, pelo auxílio na análise estatística.

Recebido em: 12/4/2007

Aprovado em: 19/6/2007

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  • Endereço para correspondência:

    Joaquim Carlos Rodrigues
    Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – Unidade de Pneumologia Pediátrica
    Avenida Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 647 – Cerqueira César
    CEP 05403-900 – São Paulo/SP
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Nov 2007
    • Data do Fascículo
      Set 2007

    Histórico

    • Aceito
      19 Jun 2007
    • Recebido
      12 Abr 2007
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