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Notas sobre a vida social do Conventinho de frei Hugolino: de convento a repartição pública, de museu a local de devoção 1 1 Agradeço aos pareceristas, cujos comentários propiciaram um aprimoramento das ideias aqui apresentadas.

Notes on the social life of Frei Hugolino’s Conventinho: from convent to public premises, from museum to place of devotion

Resumo:

Este trabalho traça uma trajetória do Convento do Espírito Santo, de Santo Amaro (SC), destacando as imbricações entre espaço público e religião. Esse convento foi marcado por frei Hugolino (1926-2011), um franciscano que lá praticava curas. Depois de sua morte, o chamado Conventinho foi locado pela prefeitura a fim de preservar a “memória” da cidade e desenvolver “turismo religioso”. Essa circulação entre secular e religioso se expressa nos objetos do museu lá mantido. As peças, expostas como patrimônio histórico, são objetos de devoção de visitantes e funcionários do prédio. Essas práticas devocionais não apenas refletem a posição privilegiada do catolicismo no espaço público, onde pode emergir como “arte”, “história” ou “cultura”, mas mostram os vazamentos das práticas católicas, marcadas por atravessamentos.

Palavras-Chave:
espaço público; religião; catolicismo; cultura; arte.

Abstract:

This article addresses the social biography of Espírito Santo’s Convent, in Santo Amaro (SC), Brazil, in order to highlight the imbrications between public space and religion. This convent was the place where lived Friar Hugolino (1926-2011), a Franciscan who promoted healing activities there. After his death, the so-called Conventinho was rented by the municipality in order to preserve the “memory of the city” and to promote “religious tourism”. This circulation between the secular and the religious is expressed in the objects displayed in the museum installed there. Some pieces, exposed as historical patrimony, became objects of devotion by visitors and employees of the building. These devotional practices reflect the privileged position of Catholicism in the public space, where they can emerge as “art”, “history” or “culture”, but they also give place to (not only) Catholic practices.

Keywords:
public space; religion; catholicism; culture; art.

Introdução

Não é difícil perceber que o espaço público brasileiro é bastante marcado pela presença católica. Uma análise da literatura poderia facilmente mostrá-lo (cf. Ranquetat Júnior 2012RANQUETAT JÚNIOR, C. A. (2012), Laicidade à Brasileira : Um Estudo sobre a Controvérsia em Torno da Presença de Símbolos Religiosos em Espaços Públicos. Porto Alegre: Tese de doutoramento, UFRGS.), assim como visitas a repartições públicas, com seus crucifixos e imagens marianas, ou a praças com nomes de santos, ainda que nessas se possa topar com monumentos à Bíblia que testemunham o crescimento evangélico. Não apenas o “espaço”, mas também o “tempo público” indica uma forte presença católica (Bosisio 2016BOSISIO, I. P. D. (2016), "A Religião no Calendário Oficial: Notas Acerca da Regulação de Feriados no Brasil". Novos Debates, 2(2). Disponível em: http://novosdebates.abant.org.br/index.php/numeros-anteriores/v2n1/136-v2-n1/novas-pesquisas/157-a-religiao-no-calendario-oficial-notas-acerca-da-regulacao-de-feriados-no-brasil
http://novosdebates.abant.org.br/index.p...
). Os cortes do calendário e os feriados apresentam a matriz nessa religiosidade, mesmo que muitos tenham sido secularizados e sejam vivenciados de modo menos devocional ou sem seguir a ritualística do catolicismo. De qualquer forma, o espaço e o tempo são marcados pelo catolicismo.

Casos concretos, contudo, podem revelar não apenas essa posição privilegiada do catolicismo, mas salientar os vazamentos das práticas católicas, marcadas por atravessamentos que refletem, em parte, a diversidade religiosa. As presenças de certas práticas religiosas e ausências de outras, em suas mais diversas formas, testemunhariam potências que ajudam a dar forma ao mundo e também legitimidades, que moldam a visibilidade dessas potências. Como se salientará neste artigo, certas emergências no espaço público colocam em questão as fronteiras entre “religião”, “cultura” e “arte”. Tomados por agentes públicos como “cultura” ou como “arte”, rituais são divulgados por órgãos públicos, a manutenção de templos é incluída no orçamento público por expressarem o estilo arquitetônico de determinado período histórico, e objetos de devoção, não raro, convertem-se em peças de museus públicos ao serem considerados artefatos barrocos ou de outra corrente artística. Por isso, acompanhar o crescimento de certa aura “cultural” ou “artística” em práticas e artefatos católicos se torna uma estratégia privilegiada para perceber a presença do religioso católico no espaço público brasileiro. Uma perspectiva de análise capaz de dar conta desse cenário fluído, em que se observam constantes conversões de práticas religiosas em manifestações culturais e/ou artísticas e vice-versa - conversões que se produzem em meio a controvérsias entre religiosos, artistas, autoridades públicas, peregrinos, saberes científicos, entre outros -, deve estar menos inclinada ao estabelecimento de uma definição do que seja religião, cultura ou arte, do que às percepções dos agentes, as quais estão atentas ao crescimento de auras culturais, artísticas ou históricas, bem como do potencial turístico de certo templo, artefato ou ritual.

A noção de aura aqui referida remete ao clássico trabalho de Walter Benjamim (1975BENJAMIN, W. (1975), "A Obra de Arte na Época de suas Técnicas de Reprodução". In: BENJAMIN, W. Textos De Walter Benkamin (pp. 10-34). São Paulo: Abril.), segundo o qual há uma espécie de força que ultrapassa a materialidade de determinado objeto e lhe garante propriedades que afetariam a percepção de sujeitos relacionados a essa aura. Essa capacidade de percepção está ligada a certa habilidade, no sentido que Ingold (2010INGOLD, T. (2010), "Da Transmissão de Representações à Educação da Atenção". Educação, 33(1): 6-25.) dá ao termo, isto é, capacidade de acompanhar os movimentos do mundo e perceber os sinais que as paisagens lhe suscitam. Ao recorrer a essa dupla de categorias - aura e habilidade -, busca-se uma alternativa às dicotomias entre objeto e imagem, materialidade e linguagem, coisa e ideia. Daí também a noção de cultura como “coisa” (Ingold 2012______. (2012), "Trazendo as Coisas de Volta à Vida: Emaranhados Criativos num Mundo de Materiais". Horizontes Antropológicos, 18(37): 25-44.), capaz de crescer em outras. Na medida em que as coisas possuem auras, as percepções não são somadas às coisas, mas remetem às suas propriedades, as quais, no entanto, estão sujeitas às transformações em decorrência de novos crescimentos, responsáveis por reconfigurações das coisas. A aura, portanto, tampouco é algo adicionado a um objeto e sim parte essencial de uma coisa. Quando se afirma que cultura ou arte cresce em um templo ou artefato, salienta-se que esse templo ou artefato tem algumas propriedades que garantem a emanação de “cultura” ou “arte” do templo ou artefato. Mas a percepção dessa emanação depende de certas habilidades nem sempre igualmente difundidas, o que pode ocasionar controvérsias, as quais confrontam sensibilidades díspares. Em alguma medida, a própria percepção participa das coisas e vice-versa (Ingold 2015).

A fim de discutir essas questões e seguir essas controvérsias, este trabalho traça uma trajetória do Convento do Espírito Santo, de Santo Amaro da Imperatriz (SC, Brasil), destacando as imbricações entre espaço público e religião2 2 O Convento do Espírito Santo localiza-se no centro da cidade, a duas quadras da Igreja Santo Amaro, sede paroquial. Santo Amaro dista 40km de Florianópolis, capital do estado. . Acompanhando a vida social (Appadurai 2008APPADURAI, A. (2008), "Introdução: Mercadorias e a Política de Valor". In APPADURAI, A. (org.). A Vida Social das Coisas (pp. 15-88). Niterói, Rj: Editora da Universidade Federal Fluminense.) dessa construção, somos capazes de documentar os fluxos que lhe atravessam, bem como salientar aspectos da história das relações entre Igreja Católica e Estado brasileiro, percebendo que a Igreja Católica não apenas sacraliza, ao passo que o poder público não exclui o religioso. Observa-se uma circulação entre secular e religioso, que não aparecem como esferas estanques ou coisas opostas. Isso se nota atentando às conversões de religião em cultura, de cultura em arte, de arte em religião e vice-versa. Assim, o prédio se torna muito mais do que tijolos e cimento: torna-se testemunha da participação de múltiplos atravessamentos que reconfiguram sua aura e afetam percepções.

Este texto, que se baseia em material coletado por meio de observação participante no Convento3 3 Os períodos de trabalho de campo em Santo Amaro da Imperatriz (SC) compreenderam a primeira dezena do mês de agosto de 2015 e a primeira quinzena de janeiro de 2017, além de contatos mais curtos nesse ínterim. Também há um constante contato telefônico e por redes sociais com agentes interessados na divulgação da obra de frei Hugolino e do Conventinho. , entrevistas com frequentadores4 4 Utilizei entrevistas semi-estruturadas, as quais, conforme classificação de Tim May (2004: 148–149), mesmo sendo guiadas por roteiro, sempre podem tomar outros rumos. Basicamente, conversei com os frequentadores do Conventinho e com outras pessoas que os frequentadores me indicavam. As entrevistas foram realizadas nas dependências do Conventinho ou nas residências dos entrevistados. A maioria delas não foi gravada. e, principalmente, pesquisa documental5 5 Os documentos coletados incluem reportagens sobre o Convento e sobre o trabalho de frei Hugolino (que em alguma medida se confunde com a história do Conventinho), documentação disponível em portais da internet de órgãos públicos municipais e estaduais e, principalmente, documentos publicados por Toni Jochen, historiador que dedicou parte de suas pesquisas a investigar a atuação da Igreja Católica na região de Santo Amaro, tendo escrito o principal livro sobre a paróquia cuja sede é nessa cidade (Jochen 2005). Essa publicação inclui extensa pesquisa em Livros de Crônicas, em arquivos e acervos de ordens religiosas, de instituições públicas e de particulares. , organiza-se em quatro partes, divisão que espelha os quatro principais movimentos da história do prédio. Construído para “restaurar” a presença franciscana no Brasil, presença que minguava desde a época pombalina, depois de servir como convento, inicialmente, masculino e, em seguida, feminino, o Convento se tornou moradia de um casal de leigos. Uma vez readquirido pela província franciscana, sua existência foi marcada por frei Hugolino (1926-2011), um franciscano que lá praticava curas por meio da imposição de mãos. Depois da morte do religioso, o chamado Conventinho6 6 Talvez por suas dimensões não tão grandes, o Convento protagonista deste texto é, em Santo Amaro, chamado de Conventinho, terminologia que se utilizará neste texto. foi locado pela prefeitura municipal a fim de preservar a “memória” da cidade, vista como ligada ao frade, e de desenvolver o “turismo religioso”. Iniciemos, pois, acompanhando as forças que ajudaram a construir o prédio.

Um Convento para restaurar (e romanizar)

Desde a época pombalina, entre 1750 e 1777, até finais do século XIX, os conventos da América portuguesa foram se esvaziando. Joaquim Manuel de Macedo (2005MACEDO, J. M. (2005), Um Passeio pela Cidade do Rio de Janeiro. Brasília: Senado Federal.: 157-175), em seu passeio pelo Rio de Janeiro, publicado originalmente na década de 1860, observou o número de irmãos minguar:

A ordem de S. Francisco de Assis está entre nós em completa decadência. Os conventos despovoados de frades vão-se transformando em tristes solidões. [...] toda a esperança de futuro para os frades capuchos do Brasil não vai além de vidas, das quais as mais novas já estão em meio, e deve apagar-se à beira da sepultura do último dos atuais frades.

Em 1764, ainda quando o Brasil era uma colônia do Império português, uma ordem do marquês de Pombal mandou fechar noviciados. Somado ao impedimento do ingresso de noviços e noviças imposto na década de 1850 pelo Ministério da Justiça, essa ordem fez com que a Província Franciscana da Imaculada Conceição, circunscrição franciscana responsável por atuar na porção do território brasileiro que vai de Santa Catarina ao Espírito Santo, praticamente não tivesse mais frades7 7 Para uma história dos franciscanos, ver Willeke (1977). .

No final do século XIX, a proclamação da República e a dissociação da Igreja Católica do Estado brasileiro, que promoveu o fim do padroado8 8 Padroado é o regime que facultou aos reis de Portugal e Espanha a administração da Igreja Católica em seus domínios. No Brasil, esse regime persistiu até a Proclamação da República e a consequente separação entre Estado e religião (cf. Azzi 1983). , foram o ensejo para que a Igreja construísse sua estrutura institucional durante a Primeira República (Miceli 1985MICELI, S. (1985), A Elite Eclesiásticas Brasileira (1890-1930). Campinas, SP: Tese de livre docência, Universidade Estadual de Campinas.: 175-177). Entre os franciscanos, foi realizada a chamada “restauração” da província.

Esse processo envolveu a vinda de missionários franciscanos alemães e tramou com outros processos também em curso, como a imigração alemã. Em 1860, próximo a Santo Amaro, foi criada a colônia Teresópolis para assentar imigrantes alemães recém-chegados. A fim de atender essa colônia, abarcada pela Paróquia Santo Amaro e de maioria católica, o pároco de Santo Amaro solicitou a vinda de sacerdotes alemães: “[...] fez todos os seus esforços para mover alguns sacerdotes, que viessem da Alemanha tomar sobre si a paroquiação dos seus patrícios” (Correspondência dos Arciprestes e Vigários para Governador... apudJochen 2005JOCHEN, T. (2005), Uma Caminhada de Fé: História da Paróquia Santo Amaro. Santo Amaro Da Imperatriz: Edição do Autor.: 48).

Inicialmente, alguns sacerdotes que falavam alemão e moravam nas proximidades de Teresópolis celebraram missas e administraram sacramentos na colônia. No final do século XIX, foram substituídos pelos frades “pioneiros” da restauração franciscana, dois sacerdotes e dois irmãos conventuais. Eles iniciaram sua atuação no Brasil aos 10 dias de julho de 1891 em Teresópolis (SC), localidade alçada a “berço da restauração franciscana no Brasil” (Jochen 2005JOCHEN, T. (2005), Uma Caminhada de Fé: História da Paróquia Santo Amaro. Santo Amaro Da Imperatriz: Edição do Autor.: 50).

Dois anos depois, contudo, o Conselho Provincial dos franciscanos decidiu deixar de ser responsável pela paróquia da regiãodevolver a comunidade à diocese: “[...] Teresópolis será entregue [à diocese], assim que for possível” (Willeke 1975 apudJochen 2005JOCHEN, T. (2005), Uma Caminhada de Fé: História da Paróquia Santo Amaro. Santo Amaro Da Imperatriz: Edição do Autor.: 50). Pareceu ao Conselho um equívoco atuar em uma região com parca estrutura “[...] quando no norte existiam conventos grandes, belos e vazios”, como defendido por um padre na época (Ibid.).

Mesmo que as autoridades franciscanas não quisessem mais construir no Sul, começaram a erguer um Convento em 1904 na cidade de Santo Amaro. Isso porque, em 1900, assumiram a Paróquia sediada no município. Nos primeiros anos, os três padres e os dois irmãos franciscanos encaminhados a Santo Amaro residiam na antiga casa paroquial, que renomearam para Residência Santa Rosa de Lima. Jochen (2005: 52) observa, porém, que as condições não eram ideais: “[...] o espaço físico da ‘nova’ casa paroquial deixava, em muito, a desejar, sendo necessárias providências no sentido de organizar a construção de um convento”. E assim nasceu o protagonista deste texto, então chamado de Convento Santa Rosa de Lima. Em 1906, foi inaugurado o convento, e a capela contígua, dois anos mais tarde.

Os frades que passaram a viver nesse convento, vindos da Alemanha, chegavam ao Brasil no espírito da romanização, nome que se dá à reforma do catolicismo no fim do século XIX. A historiografia da religião, em cujo âmago a romanização chegou a ser tema dominante9 9 “Esse processo de ‘romanização’ da Igreja brasileira é um dos temas dominantes na historiografia recente.” (Fernandes 1984, n. 5). , percebeu que, durante o século XIX, a ação do episcopado, auxiliado pelo afluxo de religiosos compromissados com a reforma tridentina10 10 Diz-se da reforma da Igreja Católica empreendida a partir dos ditames do Concílio de Trento, ocorrido no século XVI (Santirocchi 2010: 26). e com o ultramontanismo11 11 É a doutrina que prega a superioridade papal sobre reis, ainda que seu sentido mude no transcorrer da história (Santirocchi 2010: 24–25). , promoveu uma desarticulação do catolicismo tradicional - baseado em poucos padres e muitos agentes leigos e nas devoções a santos -, processo que se acelerou com a Proclamação da República (Azzi 1976AZZI, R. (1976), "Elementos para a História do Catolicismo Popular". REB, 36(144): 95-130., 1983______. (1983), "História dos Religiosos No Brasil". In: ______ (org.). A Vida Religiosa No Brasil: Enfoques Históricos (pp. 9-23). São Paulo: Paulinas.; Ribeiro de Oliveira 1972RIBEIRO DE OLIVEIRA, P. (1972), "Religiosidade Popular Na América Latina".REB , 32(126): 354-364.).

Segundo boa parte da literatura, esses religiosos europeus compartilhavam certo projeto romanizador. Steil resumiu da seguinte forma esse projeto: “Esses agentes modernos que vinham da Europa chegaram imbuídos de uma nova missão civilizatória, que pretendia realizar uma ‘purificação’ do catolicismo tradicional através do combate às ‘superstições’” (Steil 2001: 16). Isso quer dizer que, em alguma medida, não apenas tijolos e cimento fundamentam as paredes do protagonista deste artigo, mas também uma missão modernizadora. O Convento foi atravessado, desde sua origem, pela romanização e, consequentemente, por uma vontade modernizadora.

O Estado brasileiro e a Igreja Católica, que os agentes da República, seguindo uma intenção modernizadora similar, almejavam separar, uniam-se justamente por compartilharem essa intenção de modernização. Não deve ser motivo de surpresa, então, se religiosos comemorassem o fato de que o catolicismo deixara de ser a religião oficial, tal como testemunha Sinzig, intelectual franciscano que vivia no Brasil à época, em trecho em que se percebe também o ideal romanizador:

Devido à política imperial, os conventos, outrora florescentes, outros tantos centros de vida religiosa e intelectual, estavam desertos. [...] Pior a situação religiosa. Onde faltavam a palavra viva do sacerdote e as bênçãos que se irradiam do sacrifício da missa, a vida moral e religiosa do povo, fatalmente, esmorece. Não faltavam alguns filhos de s. Francisco que, saudosos do tempo florescente de sua província, pensassem num meio para ressuscitar a vida anterior. Caíra o regime monárquico, opressor da liberdade de culto. Substituíra-o a república, proclamando a sua separação da Igreja, com o que esta sentiu caírem-lhe as pesadas correntes das mãos e dos pés. Donde esperar a vida? De novas vocações o Brasil? Até que viesse a primeira, o último frade estaria sepultado no cemitério, não havendo quem pudesse transmitir as tradições seráficas, nem mesmo receber na ordem e garantir a sucessão legal. Restava um só recurso: a Santa Sé. Se esta mandasse religiosos europeus, bons, zelosos, prudentes, a ocuparem as casas desertas, a tornarem a entoar os salmos do Ofício Divino, a celebrarem a s. missa, pregarem e administrarem os santos sacramentos, a vida voltaria. (Sinzig 1939SINZIG, P. (1939), Frei Rogério O.F.M. Petrópolis, RJ: Vozes, 2° ed.: 62-63, grifos meus)12 12 As referências escritas em português antigo tiveram suas ortografias atualizadas.

Se a missão modernizadora fundamenta a constituição primeira do Convento, isso não significa que a empreitada tenha tido êxito. Mesmo que os religiosos romanizadores objetivassem purificar as práticas populares, suas ações produzem mais sincretismos. Parafraseando Latour (1994LATOUR, B. (1994), Jamais Fomos Modernos: Ensaio de Antropologia Simétrica. Rio de Janeiro: Ed. 34.), poderia ser dito que jamais fomos romanos. A romanização, ao invés de ser um processo encerrado e bem-sucedido, é um projeto fadado à produção não de um culto puro e sim de novas hibridizações, novas mediações, às vezes nem tão novas. É o que ficará claro observando as práticas de cura mantidas por Frei Hugolino nesse local. Mas esse é outro capítulo da vida do Convento.

Um Convento para chamar de lar

Em 1913, o Convento passou por mudanças na sua ocupação. Os frades, desejosos de que irmãs passassem a atuar no município, construíram um segundo convento, junto à igreja matriz, e venderam o nosso protagonista à Congregação das Irmãs da Divina Providência. O Convento Santa Rosa de Lima deixou de ser residência franciscana masculina e passou a abrigar religiosas da Província do Sagrado Coração da Congregação das Irmãs da Divina Providência.

Se é possível identificar descontinuidades com relação ao passado franciscano, algumas continuidades também são visíveis. Não apenas o Convento seguiu com o mesmo nome. A forma de atuação era coincidente. A congregação dessas religiosas, fundada na Alemanha em 1842, também veio ao Brasil no âmbito da romanização (Beozzo 1983BEOZZO, J. O. (1983), "Decadência e Morte, Restauração e Multiplicação das Ordens e Congregações Religiosas no Brasil (1870-1930)". In: BEOZZO, J. O.. A Vida Religiosa No Brasil: Enfoques Históricos (pp. 85-129). São Paulo: Paulinas.: 123). Isso pode ser relacionado ao fato de manterem a Escola Paroquial, pois as atividades educativas foram uma das grandes ênfases da Igreja Católica romanizada no Brasil da Primeira República (Miceli 1985MICELI, S. (1985), A Elite Eclesiásticas Brasileira (1890-1930). Campinas, SP: Tese de livre docência, Universidade Estadual de Campinas.).

Uma novidade desse período foi a atenção à saúde, que marcaria a vida do Convento de tal modo que receber peregrinação de enfermos se tornaria uma constante da trajetória do lugar. À moda do bom samaritano, uma tradição de longa duração que atravessa a história do cristianismo, foi criada uma farmácia e uma religiosa ficou conhecida como “Irmã Doutora” por atender a doentes:

De grande benefício para a população, principalmente para a de baixo poder aquisitivo, foi a abertura da ‘farmácia das irmãs’. E como Santo Amaro era carente na área da saúde assumiram a enfermagem ambulante, atendendo com grande dedicação as famílias dos colonos, que vinham de todos os lados buscar a Irmã Roberta Rölver, a ‘Irmã Doutora’, como carinhosamente a chamavam. Muitas vezes, de dia ou de noite, com bom ou mau tempo, a Irmã ia a pé, a cavalo ou de aranha às casas, as mais das vezes muito pobres, dos arredores da vila. (Jochen 2005JOCHEN, T. (2005), Uma Caminhada de Fé: História da Paróquia Santo Amaro. Santo Amaro Da Imperatriz: Edição do Autor.: 411)

Com o passar dos anos, outras religiosas assumiram essa forma precursora de uma “pastoral da saúde”. Em 1952, a farmácia ganhou sala de curativos, o que é tomado como a “célula mater do Hospital [São Francisco de Assis, único hospital do município]” (Ibid.: 413). Sete anos mais tarde, o Convento passa a contar também com atendimento médico duas vezes por semana.

Em 1965, a “célula mater” se converteu em Hospital São Francisco de Assis, hospital sediado em prédio localizado em frente ao Conventinho. E a comunidade do Convento Santa Rosa de Lima dividiu-se para atender também no hospital. Dois anos depois, nosso protagonista é fechado pela primeira vez. O livro de crônicas do lugar destaca que a farmácia foi vendida ao hospital: “Com isto, a permanência das Irmãs no Convento perdeu a sua finalidade”, descreve a literatura nativa (Ibid.: 414). A Província Franciscana da Imaculada Conceição já estava restaurada; o hospital, funcionando13 13 O Conventinho foi disponibilizado para as Irmãs Carmelitas que atuavam em São Leopoldo (RS), as quais não puderam lá se instalar, porque foram requisitadas a auxiliar a atuação da fraternidade em outro país (Ibid.: 500). .

Talvez não houvesse mais serviços para o já velho edifício. Pelo menos, na visão dos agentes da Igreja Católica. O fato de ser o marco da restauração da província não parece ter garantido certa aura capaz de motivar os franciscanos a readquirirem o prédio. Recentemente, no processo de tombamento estadual do Conventinho, um historiador deu um parecer contrário ao tombamento, argumentando que, se fosse importante marco da atuação dos franciscanos na região, como alegava o requerente no pedido inicial, os frades não o teriam vendido (Estado de Santa Catarina 2015). Tampouco uma possível aura sagrada do Convento, que inclui uma capela e seu sacrário, foi percebida pelos filhos de são Francisco como razão para comprá-lo. E assim, o Convento ficou sete anos fechado - de 1967 a 1974.

Foi necessário que leigos reconhecessem alguma aura no edifício para reabri-lo. Em 1974, o Convento foi vendido para uma família da cidade. E o Convento tornou-se outra vez casa de moradia. Ao deixar de ser casa de religiosos e se tornar de leigos, ocorre um significativo movimento na trajetória do nosso protagonista. Cresce nele certa profanidade, o que ocorre com anuência - cabe destacar - de agentes religiosos, que vendem o prédio depois de deixá-lo fechado por anos14 14 O fato de o Convetinho ter sido mantido anos fechado e ter sido, em seguida, vendido pode apontar para certo desconhecimento de auras sagradas no prédio por parte de parcelas dos agentes franciscanos da Província da Imaculada Conceição. .

A família de leigos viveu no Convento até meados da década de 80. Em 1985, eles queriam desfazer-se do imóvel e frei Gervásio, um irmão franciscano, resolveu mostrá-lo para seu primo, frei Hugolino. Hugolino encontrou no grande pátio do antigo Convento uma enorme sapucaia, provavelmente a maior árvore da cidade (Back e Grisa 1989BACK, H., e GRISA, P. A. (1989), A Cura pela Imposição das Mãos. Florianópolis: Edipappi, 6° ed.: 100-101; Grisa 1998GRISA, P. A. (1998), O Poder da Fé e a Paranormalidade. Florianópolis: Edipappi , 5° ed.: 214). Mas isso já é outra história.

A maior árvore da cidade

Quando ainda estava em Guaratinguetá (SP), frei Hugolino, então já bastante conhecido como curandeiro, clamou a Deus: “Meu Deus, onde eu irei trabalhar?”. Cansado de se descolocar para impor as mãos, técnica de cura que divulgava, o irmão religioso desejava um lugar para seu Apostolado. Conta-se que imediatamente Deus lhe respondeu: “A Sede do Apostolado de Cura e Saúde é no lugar onde existe uma grande árvore, a mais antiga e a mais grossa do município” (Grisa 1987GRISA, P. A. (1987), "A História De Frei Hugolino Back". O Estado, 24 de maio de 1987.: 215).

Segundo a literatura nativa, não foi sem emoção, portanto, que o frade viu aquela sapucaia que três homens juntos não poderiam abraçar. Era para aquele antigo Convento que Deus o havia encaminhado. E, de certa forma, era uma volta para casa para o franciscano que, em 1926, havia nascido no vizinho município de Angelina.

Na hagiografia de frei Hugolino, conta-se que, de modo quase milagroso, o próprio religioso juntou o dinheiro para comprar o imóvel (Back e Grisa 1989BACK, H., e GRISA, P. A. (1989), A Cura pela Imposição das Mãos. Florianópolis: Edipappi, 6° ed.; Grisa 1998). Em 1978, quando já era um “irmão aposentado”, participou de um curso de parapsicologia, no qual se revelou o poder curativo das energias que poderiam circular a partir da imposição de suas mãos. Desde então, passou a atender enfermos em vários lugares do Brasil e também da Alemanha. Para agradecer essas graças, as pessoas curadas faziam doações espontâneas, guardadas pelo provincial. No momento em que houve a oportunidade de adquirir o Conventinho, a quantia acumulada pelo superior de Hugolino era praticamente a pedida pelo vendedor.

Foi assim que as energias tomaram conta do nosso protagonista. Gervásio, primo de Hugolino e seu irmão de hábito, também impunha as mãos e, principalmente, fazia massagens no Conventinho. “Está em pleno andamento o tratamento da bioenergia da parte do Frei Hugolino e Frei Gervásio. Estão vindo à procura de saúde pessoas até outros estados”, conta o livro de crônicas (Paróquia Santo Amaro 1985: 44-45 apudJochen 2005JOCHEN, T. (2005), Uma Caminhada de Fé: História da Paróquia Santo Amaro. Santo Amaro Da Imperatriz: Edição do Autor.: 501). E um dos principais jornais de Florianópolis descreveu, à época, a rotina do lugar:

Na sala [em que atende o frade], não há mistérios: uma maca, uma mesa, cadeiras encostadas na parede e outras quatro agrupadas em dois pares - uma de frente para a outra. É o consultório de frei Hugolino Back - que ficou famoso por seu poder de curas pelas mãos. [...] O atendimento é rápido: uma garota recolhe as fichas na porta. As pessoas aguardam nas cadeiras, enquanto o frei e sua auxiliar, dona A., atendem outros doentes. Eles perguntam o que a pessoa sente, friccionam as palmas das mãos e concentrados, as colocam nas partes do corpo doente. Cada consulta não dura mais de cinco minutos. Muitas vezes, o paciente é recomendado a voltar, mas o efeito é instantâneo. Todos saem dizendo que sentiram, pelo menos, uma leve melhora. [...] A irradiação de energia, que não é vista a olho nu, foi fotografada através da quilografia - um processo russo que capta a energia saída do corpo. As fotos estão num álbum e mostram auréolas coloridas saindo das mãos e dedos do frei durante as consultas. (Lourenço 1987LOURENÇO, M. (1987), "Mãos que Aliviam a Dor". Diário Catarinense, 14 de fevereiro de 1987.)

Logo o movimento ficou tão grande que foi preciso uma equipe de ajudantes. Todas mulheres, as trabalhadoras chegaram a ser em número de 12. Conforme relatos apresentados em comunicação pessoal de uma dessas trabalhadoras, frei Hugolino dizia que o grupo do Conventinho, responsável por dezenas de milhares de atendimentos por ano, era como Jesus e seus doze apóstolos.

Cabe destacar que esse novo encantamento do Convento aos olhos de um religioso está relacionado a uma árvore. Isso pode ser ligado ao atravessamento de certa ambientalização da vida religiosa, isto é, o aguçamento da sensibilidade ambiental, fenômeno que tem permeado algumas práticas religiosas (Carvalho e Steil 2008CARVALHO, I. C. De M., e STEIL, C. A. (2008), "A Sacralização da Natureza e a “Naturalização” do Sagrado: Aportes Teóricos para a Compreensão dos Entrecruzamentos entre Saúde, Ecologia e Espiritualidade". Ambiente e Sociedade, 11(2): 289-305.). Assim, para esses praticantes, é um modo de Deus falar por meio das plantas.

Outro atravessamento que cresceu no Convento foi o pentecostalismo15 15 O termo “pentecostalismo” aqui se refere a presença da ênfase no Espírito Santo no âmbito do catolicismo, ainda que, em geral, o termo seja utilizado para designar certas práticas do cristianismo evangélico. . Segundo uma de suas ex-empregadas, um dos maiores orgulhos do frei Hugolino era o altar que mandara esculpir para a capela do convento. Todo em madeira, o altar representa a efusão do Espírito Santo na Anunciação de Maria, no Batismo de Jesus e, especialmente, no Pentecostes. As pessoas que conviveram com o frade relatam seu gosto por explicar os detalhes da escultura que justificou uma troca do nome do Convento. Tornou-se Convento do Espírito Santo.

Nesse Convento, frei Hugolino trabalhou até seu falecimento em 2011. Foi enterrado nas dependências do imóvel em um túmulo que aos poucos vai se enchendo de placas nas quais se agradecem graças. Ao lado da lápide, a pedido do próprio frade, foi colocado o tronco da sapucaia. A árvore morreu um pouco antes do franciscano. Conforme os devotos do hoje santo popular, a proximidade das mortes não é coincidência e sim remeteria a certa intimidade entre as duas vidas. Antes de falecer, Hugolino falou que a sapucaia ainda salvaria muita gente, conforme contou uma devota que me convidou a retirar uma lasca do troco, tal qual ela fazia. Essa lasca, se colocada em água, transmite propriedades curativas ao líquido. O tronco e, especialmente, o túmulo são locais de peregrinação e não raro se flagra algum devoto ajoelhado ao pé da sepultura.

Não se conseguiu outro curandeiro para ocupar o lugar de frei Hugolino depois da morte desse, a despeito das tentativas nesse sentido. Outros frades trabalharam no Conventinho atendendo a população por meio da fototerapia, iridologia, terapia floral, PNL (Programação Neurolinguística), quiropraxia (Jochen 2005JOCHEN, T. (2005), Uma Caminhada de Fé: História da Paróquia Santo Amaro. Santo Amaro Da Imperatriz: Edição do Autor.: 502). Alguns dos devotos com quem conversei reclamam que a paróquia não facultou às funcionárias ou a outro leigo “a continuidade do trabalho de Hugolino”. Muitos são os que lamentam o fechamento, o segundo da história do lugar, logo depois do falecimento do frade.

Um Conventinho para o turismo

Em setembro de 2011, cinco meses depois da morte de frei Hugolino, a Prefeitura Municipal de Santo Amaro da Imperatriz assinou a locação do Conventinho do Espírito Santo. No contrato, que vem sendo renovado anualmente, consta que se objetivava a instalação do CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) e do Setor da Cultura16 16 O acesso ao contrato se deu no site de transparência da prefeitura. Disponível em: http://www.santoamaro.sc.gov.br/. Acesso em: 07 jan. 2017. . O CAPS foi instalado no lugar, bem como a Secretaria Municipal do Turismo e Cultura.

Essa secretaria é que consta como o órgão responsável pelo contrato. Isso indica que, a par e passo com o crescimento de certa aura histórica do lugar e do reavivamento de sua ligação ao bom samaritanismo por meio das imposições de mão de frei Hugolino, cresceu a identificação do Conventinho com a noção de ponto turístico.

Frei Hugolino foi um dos responsáveis por incluir Santo Amaro dentre os destinos do turismo religioso de Santa Catarina. Em 2000, isso já era destacado pelos agentes municipais do turismo: “‘Estamos recebendo pelo menos 400 turistas por dia durante a temporada de inverno, mas isso também está sendo incentivado pelas visitas feitas ao frei Hugolino Back, que faz a cura pelas mãos’, afirma o secretário municipal da indústria, Comércio e Turismo, Claudio André Trierwiller” (Pessotto 2000PESSOTTO, C. (2000), "Visão Relaxante". A Notícia On-Line, 6 de agosto de 2000.)17 17 Há uma série de aproximações possíveis entre a trajetória de frei Hugolino e frei Galvão, que motiva uma consolidada rota de turismo religioso. Em alguma medida, os agentes públicos de Santo Amaro têm como modelo a rota do franciscano paulista, que também conjuga catolicismo e promoção de saúde. Cabe destacar, contudo, que o número de peregrinos e romeiros é bem menor em Santo Amaro do que em Guaratinguetá (SP) ou no Mosteiro da Luz, mosteiro construído na capital paulista pelo primeiro santo nascido no Brasil. .

Por meio dessa noção de “turismo religioso”, parece que práticas religiosas católicas são promovidas por diversos órgãos do Estado brasileiro. É sabido que, em alguns centros de peregrinações, os deslocamentos dos fiéis apresentam aproximações dos modos de se mover dos turistas (Steil e Carneiro 2008STEIL, C. A., e CARNEIRO, S. De S. (2008), "Peregrinação, Turismo e Nova Era: Caminhos de Santiago de Compostela no Brasil".Religião e Sociedade , 28(1): 105-124.). No caso de Santo Amaro, agentes públicos, atentos a essas aproximações entre devotos e turistas, possibilitam que a promoção de práticas devocionais encontre guarida nas políticas públicas de turismo. Ao justificar o aluguel do Conventinho, o secretário de Turismo citou os apelos dos devotos do frade e também do empresariado do município, ágil em perceber as similaridades entre turistas e fiéis. Um periódico do lugar escreveu:

O secretário de Turismo Luiz Gonzaga optou em instalar a Secretaria de Turismo no prédio do Conventinho com o objetivo de fomentar o turismo religioso de Santo Amaro. “Além dos inúmeros fiéis, os hoteleiros e os comerciantes nos pediram para cuidar melhor deste espaço”, relatou sobre o local que recebia mais de 30 mil pessoas a cada ano, durante os tempos em que Hugolino curava pelas mãos. (Oliveira 2012OLIVEIRA, A. (2012), "Caminhos do Frei Renovados". Notícias do Dia, 23 de maio de 2012, p. 23., grifos meus)

O secretário também afirmou que na capela do convento seguiriam ocorrendo rituais católicos: “‘A capela será utilizada em parceria com a paróquia para casamentos, missas e batizados’, adiantou [o secretário de Turismo]” (Ibid.).

Em materiais publicitários que divulgam o turismo no local é possível identificar a predominância católica. Um folder de 2011 sobre o turismo em Santo Amaro, produzido pela Prefeitura com apoio dos governos federal e estadual, elenca quatro eixos do turismo para aquele município: ecoturismo; águas termais; turismo religioso e cultura e artesanato. Como turismo religioso, citam-se a Festa do Divino Espírito Santo e o “Conventinho do Espírito Santo, convento franciscano construído em 1904, onde vive o Frei Hugolino” (Prefeitura Municipal de Santo Amaro da Imperatriz 2011PREFEITURA Municipal de Santo Amaro da Imperatriz. Secretaria Municipal do Turismo e Cultura. (2011), "Conheça a Hospitalidade da Melhor Anfitriã: A Natureza". Santo Amaro da Imperatriz, folder .). Mais recentemente, especificamente por causa de frei Hugolino, o Conventinho foi incluído como ponto turístico da coleção de roteiros de turismo religioso compilado pela Santur, empresa que objetiva promover o turismo em Santa Catarina, e pela Secretaria Estadual de Turismo, Cultura e Esporte de Santa Catarina. O que chama a atenção no bonito folder que tem quase trinta páginas de papel de boa qualidade e impressão em cores é a ausência de qualquer outra expressão religiosa que não o catolicismo (Estado de Santa Catarina n.d.ESTADO de Santa Catarina. Fundação Catarinense de Cultura. Secretaria Estadual de Turismo Cultura e Esporte. (N.D.), "Santa Catarina: Roteiros de Emoção, Fé e Espiritualidade". Florianópolis, folder). Esse fato indica que a definição do religioso é marcada por influência católica, apontando também para sua legitimidade no espaço público.

A trajetória do nosso protagonista, que vai de marco da restauração e da romanização franciscanas a destino do turismo religioso gerido por leigos, é, pelo menos em alguns aspectos, o inverso da história dos santuários coloniais. A literatura que se ocupou do turismo religioso no Brasil percebeu que esses santuários, alguns dos principais centros de peregrinação e de turismo religioso, passaram por profundas transformações no contexto da romanização. Houve um processo de destituição dos leigos, no qual religiosos assumiram o controle dos locais sagrados, ainda que não sem a resistência dos leigos18 18 Além do mais, algumas etnografias mostram que, nos momentos rituais, esse controle é diminuto (p. e. Steil 1996). (Steil 2001______. (2001), "Religião e Cultura Popular". In: V. V. Valla (org.), Catolicismo e Cultura (pp. 9-40). Rio de Janeiro: Dp&A Editora.). Já no Convento do Espírito Santo, nascido sob a égide do projeto romanizador, atualmente observa-se um gerenciamento realizado por leigos. É certo que, uma vez por mês, um frade ordenado visita o cedido convento e lá celebra uma missa cuja intenção especial é a saúde, seguindo uma tradição criada pelo frei Hugolino. No entanto, é o poder público que o mantém, são leigos que abrem as portas do lugar todas as manhãs e as fecham no final da tarde. Também são leigos que atendem os visitantes, aproximem-se eles mais do “tipo ideal” do turista ou do romeiro19 19 Isso não impede que, no futuro, renove-se o interesse dos religiosos pelo Conventinho. É, inclusive, o que desejam muitos leigos: que franciscanos reabram o lugar e, talvez, reativem os atendimentos de promoção da saúde à moda proposta por frei Hugolino. Esse interesse poderá aumentar se a afluência de peregrinos não for afetada pela inexorável ação do tempo. . A Prefeitura Municipal investiu no templo, instalando equipamento novo de som. E muitos agentes locais do turismo, como os secretários municipais do Turismo e Cultura de diferentes gestões, bem como agentes do empresariado, sejam empreendedores de grande ou pequeno porte, enxergam um bom potencial no Conventinho.

Além do turismo religioso, “arte” e “história” podem ser apontados como meios de o Estado patrocinar atividades católicas. Tem crescido no Conventinho certa aura histórica. Muitas pessoas têm passado a perceber a “importância histórica” do prédio, que foi lembrada como uma das razões para reabri-lo em periódicos do município:

Preocupada com a atual situação do conventinho Frei Hugolino, que atualmente encontra-se fechado e abandonado e não poderia permanecer esquecido devido a sua grande importância para a história do município e para os milhares de pessoas de outras localidades que já visitam o local, a Prefeitura Municipal de Santo Amaro entrou em contato com a Província de São Paulo e após várias tentativas conseguiu alugar o conventinho [...] (Regional 2011REGIONAL. (2011), “Prefeitura Reabrirá o Conventinho de frei Hugolino em Santo Amaro”, Regional, 9 de setembro de 2011, p. 7.).

Um dos principais agentes da Campanha de Beatificação de frei Hugolino, um advogado residente no município, deve sua aproximação à causa do frade mais ao seu gosto pela história do que pela devoção ao religioso. Além de ser autor da petição inicial do processo de tombamento do Convento, tornou-se colunista em um periódico da cidade. Sua coluna, chamada "Paixão por Santo Amaro", dedica-se a descrever práticas que antigamente eram corriqueiras no município. Isso não exclui certo catolicismo, como, por exemplo, na coluna de 16 de dezembro de 2016. Nesse texto, o advogado descreve como era vivenciado o “Natal de antigamente” em Santo Amaro, que seria marcado pelo “[...] verdadeiro espírito do Natal” (Silva 2016SILVA, J. S. da. (2016), "Paixão Por Santo Amaro". Top Jornal, 16 de dezembro de 2016, p. 11.). Comparando essas vivências com o Advento atual, conclui que as práticas natalinas de outrora eram mais corretas e afirma: “As crianças, cada vez mais com o Papai Noel e menos com o Menino Jesus” (Ibid.). Parece que se está diante de um catolicismo que se legitima a partir da ancestralidade.

Um outro eixo da coluna é a defesa do patrimônio material do município. A edição do final de 2016 também incluía fotografia e texto sobre uma casa da cidade que o autor definiu como um “casarão solitário”, pois a centenária residência abandonada seria uma das últimas em pé que remontam a um período em que Santo Amaro era "[...] repleta de arquitetura clássica e refinada" (Ibid.). Aura similar, suficiente para solicitar, primeiro, a reabertura do prédio e, em seguida, o seu tombamento, o advogado e colunista, a exemplo de muitos de seus vizinhos, percebeu no Conventinho do Espírito Santo. Se agentes religiosos da Igreja Católica foram responsáveis por seu fechamento em duas oportunidades, permitindo, como vimos, certa profanização do espaço, uma percepção de uma nova aura sagrada emerge de leigos, atentos não apenas ao sacrário de sua capela, mas também à carga histórica daquelas paredes.

Contribui para a constituição da aura histórica do Conventinho o museu lá mantido. A coleção pode ser dividida em grandes eixos. Uma grande parte das peças remete diretamente a frei Hugolino e a sua trajetória. Outra está relacionada à migração alemã para a região e engloba uma variedade de antigos utensílios da agropecuária, identificando os migrantes com o colonato. O terceiro eixo está ligado à coleção de antigos aparelhos de comunicação e de escritórios, como rádios e máquinas registradoras. Há também materiais litúrgicos e imagens de santos, principalmente da Virgem Maria. Em grande medida, a figura do frei Hugolino é responsável por transformar esses materiais religiosos em objetos históricos e por habilitá-los a compor uma coleção museológica. As imagens dos santos eram suas, a história de sua família remonta também à migração alemã, suas roupas e sua cama estão expostos, suas fotografias, seus diplomas e suas frases mais famosas tomam conta das paredes.

Essa importância histórica do Conventinho parece se justificar também pelo conjunto arquitetônico testemunhar as artes de outra época. Uma das reportagens citadas acima destaca o estilo arquitetônico e o ano de construção do prédio: “Visita ao Conventinho do Espírito Santo - prédio em estilo barroco de 1904” (Pessotto 2000PESSOTTO, C. (2000), "Visão Relaxante". A Notícia On-Line, 6 de agosto de 2000.). De modo geral, os folders também o fazem. E está em curso um processo de tombamento do prédio, cujo pedido inicial foi feito por um advogado da cidade entusiasta da história local, já mencionado antes. Um dos argumentos usados para defender esse tombamento é o de que se trata de um prédio concebido segundo a arte barroca: “Construção centenária que marca o espaço urbano do município e Santo Amaro da Imperatriz desde 1904. Sua arquitetura se mantém praticamente inalterada desde a inauguração. Com um estilo barroco único na região, a construção é uma das mais antigas de pé no município [...]” (Silva 2015SILVA, J. S. da. (2015), Petição Incial do Processo de Tombamento do Conventinho do Espírito Santo. Santo Amaro Da Imperatriz, mimeografado.).

Essa aura barroca, no entanto, é motivo de controvérsias. O historiador da instituição responsável pelos tombamentos estaduais não concordou com a atribuição do estilo barroco ao nosso protagonista e decidiu pelo indeferimento da petição:

Quanto ao suposto estilo Barroco da obra, cabe ressaltar que o Barroco, enquanto estilo predominante na arquitetura brasileira, ocorre entre os séculos XVIII e XIX. O prédio pode invocar a inspiração Barroca, uma vez que no começo do século XX as técnicas construtivas poderiam tentar repetir, talvez se aproximar do Barroco, mas isso não permite serem identificadas como obra Barroca. O Barroco é um estilo de uma época, uma fase histórica. (Estado de Santa Catarina 2015ESTADO de Santa Catarina. Fundação Catarinense de Cultura. (2015), Parecer Processo de Tombamento FCC 2896/2015: Conventinho do Espírito Santo de Santo Amaro da Imperatriz. Florianópolis.).

Com sensibilidade aguçada pelo engajamento na ciência histórica e seu primado pela variável explicativa do tempo, o técnico não percebeu a mesma aura barroca na construção.

Além da “arte”, “cultura” é outra noção por meio das quais essa difusão do catolicismo se dá. O pedido de tombamento foi proposto na Fundação Catarinense de Cultura. Diante da negativa do órgão, coube à Câmara de Patrimônio Cultural do Conselho Estadual de Cultura defender uma revisão do processo. No contrato de locação do Conventinho está dito que o imóvel serve para o “Setor da cultura”. É como se a prefeitura fizesse o mesmo movimento proposto por Geertz (2008GEERTZ, C. (2008), A Interpretação Das Culturas. Rio de Janeiro: Ltc.) e observasse religião como cultura. As práticas de imposição de mãos do frade assim se tornam “cultura” (Carneiro da Cunha 2004CARNEIRO DA CUNHA, M. (2004), "“Cultura” e Cultura: Conhecimentos Tradicionais e Direitos Intelectuais". In: CARNEIRO DA CUNHA, M.. Cultura com Aspas e Outros Ensaios (pp. 311-373). São Paulo: Cosac Naify.) e sua “preservação” pode ser objeto de políticas públicas. No “Museu do Frei Hugolino”, que fica no antigo Convento e cuja manutenção foi exigência estabelecida pelos frades no contrato de aluguel, as cadeiras utilizadas por frei Hugolino em suas cerimônias de transmissão de energias dividem espaço, como assinalei acima, com itens de cultura dos colonos alemães que ocuparam a região, bem como com máquinas de escrever e outros objetos antigos.

Essa relação entre museus e objetos religiosos remete à questão da profanização dos artefatos rituais. Um modo que torna possível a guarda de um objeto religioso em museu é a artificação, complexos desenvolvimentos que transformam certa atividade em arte. A arquitetura, prática que deu origem ao nosso protagonista, passou por esse processo e se tornou uma arte. Shapiro e Heinich (2013SHAPIRO, R., e HEINICH, N. (2013), "Quando Há Artificação?". Revista Sociedade e Estado, 28(1): 14-28.: 23) destacam a religião como um universo profícuo para se observar processos de artificação. Asseveram as sociólogas que, acompanhando essa transformação bem de perto, à moda dos etnógrafos, é possível perceber nele uma estilização dos objetos religiosos (e um convento pode se tornar barroco, rococó, etc.) e a dessacralização dos mesmos. Essa dessacralização, no entanto, é frágil e, não raro, alguns objetos voltam a emanar certa aura ritual. Em sua pesquisa em museu a céu aberto no qual há uma coleção de “arte funerária” da virada do século XIX para o XX, Brulon (2013BRULON, B. (2013), "Da Artificação do Sagrado nos Museus: Entre o Teatro e a Sacralidade". Anais do Museu Paulista, 21(2): 155-175.: 158-159) percebeu que os visitantes reservavam certa reverência diante de crucifixos das lápides.

Se com a arte funerária não acontece essa dessacralização dos objetos religiosos ao se tornarem peças de museu, muito menos isso se passa quando se trata de uma pessoa candidata à santidade, como frei Hugolino. No museu do Conventinho, as peças, expostas como patrimônio histórico, são objetos de devoção de visitantes e funcionários do prédio. Pessoas colocam pedidos na camisa do frade, um dos objetos que estão acessíveis ao público. Há uma caixa de intenções e celebrações eucarísticas na capela. E funcionários são requisitados a repetirem os gestos de Hugolino: “As pessoas pedem para eu rezar. Como eu trabalho aqui, as pessoas pedem”, contou um(a) funcionário(a) da Secretaria do Turismo e Cultura. Já um(a) vigilante contou um pedido isolado. Certo dia, um professor de Física do Ensino Superior disse que havia uma energia muito boa na sala onde está exposta a cama do frade. Ele se sentou na cadeira representando a situação da imposição e pediu para que o(a) vigilante fizesse uma oração. “Eu nunca tinha feito nada disso”, relatou o(a) funcionário(a) público(a), e continuou: “Aí ele disse que era para falar qualquer coisa. Aí eu disse umas palavras”.

Essas práticas não apenas refletem a posição privilegiada do catolicismo no espaço público - posição explicitada também ao marcar, como visto, a própria percepção do que seja religioso -, mas mostram os vazamentos das práticas católicas, marcadas por atravessamentos que refletem, em parte, a diversidade religiosa. As presenças e ausências, em suas mais diversas formas, testemunham potências que ajudam a dar forma ao mundo e também legitimidades, que moldam a visibilidade dessas potências. Ouvi dizer que um(a) funcionário(a) acabou fazendo curso de Reiki, técnica oriental com a qual a prática de frei Hugolino é recorrentemente identificada, para melhor atender os visitantes. Mas essa informação me foi passada confidencialmente. O catolicismo pode aparecer em folders, etc. e parecer Reiki, mas o Reiki pode ser apenas sub-reptício.

As práticas de frei Hugolino também sugerem trocas com outras matrizes religiosas. Em outro trabalho, tentei traçar aproximações para com o espiritismo e seus passes, bem como com a Nova Era e seus múltiplos atravessamentos (Almeida 2015ALMEIDA, J. F. (2015), "Trabalhos Manuais: Catolicismo e Nova Era nas Práticas de Cura do Frei Hugolino em Santo Amaro Da Imperatriz, SC, Br". Anais da XI Reunión de Antropología del Mercosur. Montevideo: Udelar.). Outra hipótese que deve ser aventada é a importância de certa noção romântica nas práticas de cura do frade. Fundamentalmente, contudo, é preciso dizer que o catolicismo de frei Hugolino vai além da ortodoxia da Igreja Católica e traz de contrabando para o seio dessa religiosidade práticas ligadas a outras matrizes (Steil 2004______. (2004), "Renovação Carismática Católica: Porta de Entrada ou de Saída do Catolicismo? Uma Etnografia do Grupo São José, Porto Alegre (RS)". Religião e Sociedade, 24(1): 11-36.). Como se trata de um religioso, parece possível dizer que o sincretismo não é uma exclusividade das margens, sendo também presente no centro.

Se o fundamento original da construção do nosso protagonista era difundir um catolicismo romanizado e puro, ele não atingiu seu objetivo. Por vezes, testemunhou um Estado que também sacraliza elementos católicos, às vezes percebendo neles auras artísticas ou culturais, uma religião que às vezes profana seus templos e práticas católicas que se aproximam do Reiki, do espiritismo e do que mais a vida propor (Ingold 2015______. (2015), Estar Vivo - Ensaios Sobre Movimento, Conhecimento e Descrição. Petrópolis, RJ: Vozes.).

Ainda que tenham crescido a aura histórica e a noção de ponto turístico, ainda que a modernidade tenha tentado crescer, entre outras coisas, o que mais cresceu no Conventinho foi a aura de frei Hugolino. “[Frei Hugolino] Está entre nós”, garantiu um(a) funcionário(a). Não é à toa que hoje o imóvel é conhecido como Conventinho do Frei Hugolino. O frade cresceu tanto que engloba todo o espaço.

Notas finais

Este trabalho apresentou uma trajetória do Conventinho do Frei Hugolino, um convento do início do século XX que testemunha as transformações da presença da religião no espaço público brasileiro. O objetivo deste texto foi apresentar os processos que atravessaram aquelas paredes e tetos e deixaram suas marcas de modo que o prédio centenário pode contar essas histórias cruzadas. O Convento que começou masculino, foi feminino, casa de leigos, lugar de atenção a enfermos e centro de peregrinação, hoje é repartição pública e novamente centro de peregrinação, lugar de atenção a enfermos e espaço de frei Hugolino.

Esse Conventinho passa, portanto, por constantes traduções (Latour 2012______. (2012), Reagregando o Social. Salvador; Bauru, SP: Edufba; Edusc.). Entre essas traduções, coube aqui ressaltar as conversões, algumas mal sucedidas, do nosso protagonista em arte, cultura e história. Como visto, essas traduções, não raro, envolvem-se no chamado turismo religioso. E evidenciam certa posição privilegiada do catolicismo na esfera pública. Aos agentes públicos do turismo, responsáveis em parte por essas traduções, não lhes parece uma afronta à laicidade do Estado a defesa do Conventinho, parte da cultura, testemunha da história, prédio com valor artístico.

O processo de tombamento do Conventinho, contudo, deixa entrever a complexidade do Estado, que tampouco é algo monolítico. Se o valor histórico ou artístico da construção pode permitir sua conservação por frações do poder público, outras esferas podem não atuar no mesmo sentido. Inclusive, razões técnico-científicas podem ser acionadas para inviabilizar tombamentos, como no caso do historiador cuja definição de estilo artístico valoriza determinantemente o seu enquadramento histórico. E assim um parecer consegue destituir o caráter barroco do Convento, caráter apregoado por folders que clamam por turistas.

Quando chegam, esses turistas, não raro, procuram práticas de promoção da saúde e, a par e passo, experienciam como bons devotos a capela contígua e as peças do museu que remetem ao frei Hugolino. A imposição de mãos lembra o passe espírita e também o Reiki do outro lado do mundo. O catolicismo, cujos agentes são diversos e atuam por vezes em sentidos contrários, não apenas apresenta uma posição privilegiada no espaço público, mas também se apresenta em seu caráter compósito nesse espaço, capaz de vazar em outras práticas religiosas.

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  • ______. (2001), "Religião e Cultura Popular". In: V. V. Valla (org.), Catolicismo e Cultura (pp. 9-40). Rio de Janeiro: Dp&A Editora.
  • ______. (2004), "Renovação Carismática Católica: Porta de Entrada ou de Saída do Catolicismo? Uma Etnografia do Grupo São José, Porto Alegre (RS)". Religião e Sociedade, 24(1): 11-36.
  • STEIL, C. A., e CARNEIRO, S. De S. (2008), "Peregrinação, Turismo e Nova Era: Caminhos de Santiago de Compostela no Brasil".Religião e Sociedade , 28(1): 105-124.
  • WILLEKE, V. (1977), Franciscanos na História do Brasil. Petrópolis, RJ: Vozes .
  • GRISA, P. A. (1987), "A História De Frei Hugolino Back". O Estado, 24 de maio de 1987.
  • LOURENÇO, M. (1987), "Mãos que Aliviam a Dor". Diário Catarinense, 14 de fevereiro de 1987.
  • OLIVEIRA, A. (2012), "Caminhos do Frei Renovados". Notícias do Dia, 23 de maio de 2012, p. 23.
  • PESSOTTO, C. (2000), "Visão Relaxante". A Notícia On-Line, 6 de agosto de 2000.
  • REGIONAL. (2011), “Prefeitura Reabrirá o Conventinho de frei Hugolino em Santo Amaro”, Regional, 9 de setembro de 2011, p. 7.
  • SILVA, J. S. da. (2016), "Paixão Por Santo Amaro". Top Jornal, 16 de dezembro de 2016, p. 11.
  • 1
    Agradeço aos pareceristas, cujos comentários propiciaram um aprimoramento das ideias aqui apresentadas.
  • 2
    O Convento do Espírito Santo localiza-se no centro da cidade, a duas quadras da Igreja Santo Amaro, sede paroquial. Santo Amaro dista 40km de Florianópolis, capital do estado.
  • 3
    Os períodos de trabalho de campo em Santo Amaro da Imperatriz (SC) compreenderam a primeira dezena do mês de agosto de 2015 e a primeira quinzena de janeiro de 2017, além de contatos mais curtos nesse ínterim. Também há um constante contato telefônico e por redes sociais com agentes interessados na divulgação da obra de frei Hugolino e do Conventinho.
  • 4
    Utilizei entrevistas semi-estruturadas, as quais, conforme classificação de Tim May (2004MAY, T. (2004), "Entrevistas". In: MAY, T.. (Ed.), Pesquisa Social: Questões, Métodos e Processos. Porto Alegre: Artmed, 3° ed.: 148–149), mesmo sendo guiadas por roteiro, sempre podem tomar outros rumos. Basicamente, conversei com os frequentadores do Conventinho e com outras pessoas que os frequentadores me indicavam. As entrevistas foram realizadas nas dependências do Conventinho ou nas residências dos entrevistados. A maioria delas não foi gravada.
  • 5
    Os documentos coletados incluem reportagens sobre o Convento e sobre o trabalho de frei Hugolino (que em alguma medida se confunde com a história do Conventinho), documentação disponível em portais da internet de órgãos públicos municipais e estaduais e, principalmente, documentos publicados por Toni Jochen, historiador que dedicou parte de suas pesquisas a investigar a atuação da Igreja Católica na região de Santo Amaro, tendo escrito o principal livro sobre a paróquia cuja sede é nessa cidade (Jochen 2005). Essa publicação inclui extensa pesquisa em Livros de Crônicas, em arquivos e acervos de ordens religiosas, de instituições públicas e de particulares.
  • 6
    Talvez por suas dimensões não tão grandes, o Convento protagonista deste texto é, em Santo Amaro, chamado de Conventinho, terminologia que se utilizará neste texto.
  • 7
    Para uma história dos franciscanos, ver Willeke (1977WILLEKE, V. (1977), Franciscanos na História do Brasil. Petrópolis, RJ: Vozes .).
  • 8
    Padroado é o regime que facultou aos reis de Portugal e Espanha a administração da Igreja Católica em seus domínios. No Brasil, esse regime persistiu até a Proclamação da República e a consequente separação entre Estado e religião (cf. Azzi 1983).
  • 9
    “Esse processo de ‘romanização’ da Igreja brasileira é um dos temas dominantes na historiografia recente.” (Fernandes 1984FERNANDES, R. C. (1984), "'Religiões Populares': Uma Visão Parcial da Literatura Recente". BIB - Boletim Informativo e Bibliográfico de Ciências Sociais, 18(2): 3-26., n. 5).
  • 10
    Diz-se da reforma da Igreja Católica empreendida a partir dos ditames do Concílio de Trento, ocorrido no século XVI (Santirocchi 2010SANTIROCCHI, Í. D. (2010), "Uma Questão De Revisão De Conceitos: Romanização - Ultramontanismo - Reforma". Temporalidades, 2(2): 24-33.: 26).
  • 11
    É a doutrina que prega a superioridade papal sobre reis, ainda que seu sentido mude no transcorrer da história (Santirocchi 2010: 24–25).
  • 12
    As referências escritas em português antigo tiveram suas ortografias atualizadas.
  • 13
    O Conventinho foi disponibilizado para as Irmãs Carmelitas que atuavam em São Leopoldo (RS), as quais não puderam lá se instalar, porque foram requisitadas a auxiliar a atuação da fraternidade em outro país (Ibid.: 500).
  • 14
    O fato de o Convetinho ter sido mantido anos fechado e ter sido, em seguida, vendido pode apontar para certo desconhecimento de auras sagradas no prédio por parte de parcelas dos agentes franciscanos da Província da Imaculada Conceição.
  • 15
    O termo “pentecostalismo” aqui se refere a presença da ênfase no Espírito Santo no âmbito do catolicismo, ainda que, em geral, o termo seja utilizado para designar certas práticas do cristianismo evangélico.
  • 16
    O acesso ao contrato se deu no site de transparência da prefeitura. Disponível em: http://www.santoamaro.sc.gov.br/. Acesso em: 07 jan. 2017.
  • 17
    Há uma série de aproximações possíveis entre a trajetória de frei Hugolino e frei Galvão, que motiva uma consolidada rota de turismo religioso. Em alguma medida, os agentes públicos de Santo Amaro têm como modelo a rota do franciscano paulista, que também conjuga catolicismo e promoção de saúde. Cabe destacar, contudo, que o número de peregrinos e romeiros é bem menor em Santo Amaro do que em Guaratinguetá (SP) ou no Mosteiro da Luz, mosteiro construído na capital paulista pelo primeiro santo nascido no Brasil.
  • 18
    Além do mais, algumas etnografias mostram que, nos momentos rituais, esse controle é diminuto (p. e. Steil 1996STEIL, C. A. (1996), O Sertão Das Romarias: Um Estudo Antropológico sobre o Santuário de Bom Jardim da Lapa. Petrópolis, RJ: Vozes.).
  • 19
    Isso não impede que, no futuro, renove-se o interesse dos religiosos pelo Conventinho. É, inclusive, o que desejam muitos leigos: que franciscanos reabram o lugar e, talvez, reativem os atendimentos de promoção da saúde à moda proposta por frei Hugolino. Esse interesse poderá aumentar se a afluência de peregrinos não for afetada pela inexorável ação do tempo.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Dec 2018

Histórico

  • Recebido
    14 Jun 2018
  • Aceito
    31 Dez 2018
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