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A influência do teste sorológico ML Flow na classificação da hanseníase

Resumos

Estudo descritivo e exploratório correlacionando o ML Flow, a baciloscopia e a classificação em paucibacilar (PB) e multibacilar (MB), envolveu 1.041 casos novos com hanseníase em 13 municípios de Minas Gerais, de outubro de 2002 a março de 2004. A concordância entre o ML Flow e a classificação pelo número de lesões cutâneas e a baciloscopia foi moderada (Kappa:0,51 e 0,48, respectivamente) e, substancial (Kappa:0,77) com a classificação final. De janeiro de 2000 a março de 2004, a proporção de casos novos MB no Estado, passou de 78,1 para 65,8%. A queda no percentual de MB foi maior nos serviços participantes da pesquisa ML Flow (73,1 para 53,3%). A diferença de PB e MB nos serviços participantes e não participantes, de janeiro a março de 2004, foi estatisticamente significativa, indicando implicação direta e benéfica no tratamento e no controle da endemia em Minas Gerais.

Hanseníase; Classificação; Sorologia; Baciloscopia


This is a descriptive, exploratory study correlating ML Flow, bacilloscopy and classification of paucibacillary (PB) and multibacillary (MB), involving 1,041 new leprosy cases in 13 municipalities of Minas Gerais State, from October 2002 to March 2004. Agreement between ML Flow and the classification of the number of skin lesions and bacilloscopy was moderate (K:0.51 and K:0.48, respectively); and substantial for final classification (K:0.77). From January 2000 to March 2004, the proportion of new MB cases in Minas Gerais decreased from 78.1 to 65.8%. The reduction in the percentage of MB cases was higher in health centers that participated in the ML Flow study (73.1% to 53.3%). The difference between PB and MB in the participating and non-participating health centers from January to March 2004 was statistically significant. Implementation of the ML Flow test influenced the classification of patients, suggesting a direct and beneficial impact on patient treatment and the control of the leprosy endemic in Minas Gerais, Brazil.

Leprosy; Classification; Serology; Bacilloscopy


ARTIGO

A influência do teste sorológico ML Flow na classificação da hanseníase

Maria Aparecida de Faria GrossiI,II; Maria Ana Araújo LeboeufII; Ana Regina Coelho de AndradeI,II; Sandra LyonI,III; Carlos Maurício de Figueiredo AntunesI; Samira Bührer-SékulaIV

IPrograma de Pós-Graduação em Ciências da Saúde: Infectologia e Medicina Tropical da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG

IISecretaria de Estado da Saúde de Minas Gerais, Belo Horizonte, Brasil

IIICentro de Referência em Dermatologia Sanitária, Hospital Eduardo de Menezes, Belo Horizonte, Brasil

IVKIT-Biomedical Research, Amsterdã, Holanda e Instituto de Patologia Tropical e Saúde Pública, Universidade Federal de Goiás, Goiânia, GO, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Dra. Maria Aparecida de Faria Grossi Rua Juiz da Costa Val 65/602, São Lucas 30240-350 Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil Tel: 55 31 3221-00 69 e-mail: cida@grossi.com.br

RESUMO

Estudo descritivo e exploratório correlacionando o ML Flow, a baciloscopia e a classificação em paucibacilar (PB) e multibacilar (MB), envolveu 1.041 casos novos com hanseníase em 13 municípios de Minas Gerais, de outubro de 2002 a março de 2004. A concordância entre o ML Flow e a classificação pelo número de lesões cutâneas e a baciloscopia foi moderada (Kappa:0,51 e 0,48, respectivamente) e, substancial (Kappa:0,77) com a classificação final. De janeiro de 2000 a março de 2004, a proporção de casos novos MB no Estado, passou de 78,1 para 65,8%. A queda no percentual de MB foi maior nos serviços participantes da pesquisa ML Flow (73,1 para 53,3%). A diferença de PB e MB nos serviços participantes e não participantes, de janeiro a março de 2004, foi estatisticamente significativa, indicando implicação direta e benéfica no tratamento e no controle da endemia em Minas Gerais.

Palavras-chaves: Hanseníase. Classificação. Sorologia. Baciloscopia.

A hanseníase é doença infecciosa, crônica de grande importância para saúde pública devido à sua magnitude e seu poder incapacitante, atingindo principalmente a faixa etária economicamente ativa3.

Da interação entre o Mycobacterium leprae e o ser humano resultam diferentes manifestações clínicas, com sinais e sintomas variados, decorrentes de diversos mecanismos fisiopatológicos, diferentes níveis de contagiosidade, variações na evolução e no prognóstico, originando inúmeras classificações ao longo de sua história1.

A classificação de Madri de 1953 considera dois pólos estáveis e opostos: tuberculóide e virchowiano, e dois grupos instáveis: indeterminado e dimorfo, que, na evolução natural da doença, evoluiriam para um dos pólos. A hanseníase indeterminada é considerada a primeira manifestação clínica da doença, podendo curar ou evoluir para outra forma clínica, após período que varia de poucos meses até anos1.

A classificação proposta por Ridley e Jopling, em 1966, é a mais utilizada em pesquisas e leva em consideração a imunidade dentro de um espectro de resistência do hospedeiro e a histopatologia, sendo, portanto, difícil a sua utilização no campo, pelos serviços de saúde. São descritas as formas: tuberculóide, borderline, subdividida em borderline-tuberculóide, borderline-borderline e borderline-virchowiana; virchowiana subpolar e virchowiana1 19.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) recomendou desde 2000 e o Ministério da Saúde do Brasil adotou a partir de 2002 um método simplificado para a classificação da hanseníase, para fins de tratamento, baseado na contagem do número de lesões cutâneas. Os pacientes com até cinco lesões de pele são classificados como PB, e aqueles com mais de cinco lesões cutâneas como MB24 25. A classificação clínica dos casos de hanseníase, proposta pela OMS para fins de tratamento, comporta o risco de superestimar os casos MB12.

No Brasil, a baciloscopia do esfregaço dérmico, quando disponível, deve ser utilizada como exame complementar para a classificação dos casos em PB ou MB. A baciloscopia positiva classifica o caso como MB, independentemente do número de lesões2. O resultado negativo não exclui o diagnóstico de hanseníase3.

Devido à inviabilidade da baciloscopia em muitos programas de controle, foram desenvolvidos métodos clínicos para classificação dos pacientes10 12 18 20 23. Foram estabelecidas a sensibilidade e a especificidade do critério clínico, tendo como referência a baciloscopia20. O uso dos três sinais cardinais da hanseníase - lesão(ões) de pele com alteração de sensibilidade, acometimento de nervo(s) com espessamento neural e baciloscopia positiva - resultou numa sensibilidade de 97% com valor preditivo positivo de 98% para estabelecer o diagnóstico de hanseníase5.

A classificação é necessária para alocação dos pacientes nos dois esquemas terapêuticos existentes e não teria importância se um regime terapêutico único fosse desenvolvido para todos os pacientes. Entretanto, é importante lembrar, que os pacientes PB e MB têm cargas bacilares, riscos para desenvolverem recidivas, incapacidades e deformidades, muito diferentes. Assim, a classificação correta é um importante instrumento para assegurar qualidade no tratamento20.

No Brasil, a introdução da poliquimioterapia (PQT) para hanseníase ocorreu em 1986. A taxa de detecção de formas MB aumentou de 5,6 para 11,7/100.000 habitantes no período de 1986 a 1993. Esse aumento ocorreu em quase todos os estados brasileiros com uma tendência crescente em alocar os pacientes no regime de 24 meses para os MB, em oposição ao regime de seis meses para os PB. O percentual de MB entre os casos novos no Brasil alterou de 57 para 71,4% e de 67,7 para 94,7% em Minas Gerais. A introdução da PQT foi a única grande modificação em escala nacional no período. Essa mudança na freqüência de MB com a introdução da PQT parece refletir mais um comportamento conservador na decisão clínica na alocação dos pacientes para tratamento, do que uma real mudança no perfil epidemiológico15.

A partir de 1980, foi descrito o PGL-I como antígeno imunogênico específico do Mycobacterium leprae4, surgindo assim, os primeiros testes sorológicos, sendo o mais usado ensyme linked immunosorbent assay-ELISA, para detecção de anticorpos contra o PGL-I, sobretudo o IgM9.

O ML Flow, desenvolvido em 2003, é um teste imunocromatográfico que detecta anticorpos IgM contra o PGL-I do Mycobacterium leprae, utiliza soro ou sangue total, é de fácil execução, pode ser usado diretamente pelos profissionais de saúde não necessitando de laboratório e equipamentos6. Os reagentes são altamente estáveis e podem ser armazenados em temperatura ambiente6.

O teste pode ser utilizado como um instrumento adicional para a correta classificação de casos novos de hanseníase em PB ou MB e ser útil na identificação de contatos de pacientes de hanseníase com maior risco de desenvolver a doença no futuro6. Resultados indicam que se utilizar a sorologia como ferramenta para classificar os pacientes o número de pacientes tratados como MB reduziria.

Em estudo multicêntrico com 2.632 casos novos de hanseníase, a soropositividade ao ML Flow foi de 50,8% no Brasil, 62,9% na Nigéria e 31,9% no Nepal. A proporção de MB, segundo a contagem do número de lesões cutâneas, foi de 39,5% no Brasil, 19,4% na Nigéria e 35,6% no Nepal. A baciloscopia foi positiva em 27,1% no Brasil e em 11,6% no Nepal7. Na Nigéria a baciloscopia não é parte da rotina e observou-se uma forte tendência em classificar pacientes como MB sendo que 95.7%, dos pacientes receberam esquema terapêutico MB.

A classificação incorreta do doente implicará tratamento insuficiente para os casos MB, classificados como PB, e excessivo para os PB classificados como MB22. A correta classificação tornará o controle da hanseníase mais efetivo, evitando o tratamento excessivo e prevenindo as recidivas devido ao tratamento insuficiente6.

O diagnóstico precoce, a correta classificação do caso de hanseníase e o tratamento adequado são desafios para a eliminação dessa endemia, principalmente, quando o controle dos doentes está sendo integrado aos serviços de atenção básica22. Este estudo demonstrou como a implementação do teste influenciou na classificaçao dos pacientes em Minas Gerais, Brasil.

PACIENTES E MÉTODOS

Como parte da pesquisa multicêntrica realizada no Brasil, Nepal e Nigéria, um estudo descritivo e exploratório comparando o ML Flow, baciloscopia e a classificação da hanseníase em PB e MB, realizado pela Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais, coordenado pelo Biomedical Research Department, Royal Tropical Institute, Amsterdam e financiado pela Netherlands Leprosy Relief - Amsterdam11, foi aprovado pelos Comitês de Ética em Pesquisa da Santa Casa de Misericórdia de Belo Horizonte em 22/11/2001, sob o nº 39/01 e da Universidade Federal de Minas Gerais, em 16/02/2004, recebendo o parecer de nº 312/04. Os sujeitos da pesquisa concordaram em participar do estudo e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

População de estudo. Estudo realizado de outubro de 2002 a março de 2004, em 14 serviços de saúde de 13 municípios de Minas Gerais, sendo oito centros de saúde, quatro serviços de referência regional e dois centros de referência estadual, envolvendo 1.041 casos novos com hanseníase. Caso com baciloscopia e/ou sorologia positiva foi alocado como MB, para fins de tratamento, independentemente do número de lesões cutâneas e de nervos envolvidos

Exames laboratoriais. O teste ML Flow foi realizado como descrito por Bührer-Sékula cols6 e o resultado registrado, qualitativamente, como positivo e negativo.

A coleta de raspado dérmico para baciloscopia foi realizada em quatro sítios (lesão cutânea, lóbulos auriculares e cotovelo contra lateral à lesão, e na ausência de lesão cutânea, os dois cotovelos). As lâminas foram coradas pelo método de Ziehl-Neelsen e os esfregaços foram examinados em imersão de 100X e o índice baciloscópico foi calculado de acordo com a escala logarítimica de Ridley, de 0 a 619.

Análise dos dados. Os dados foram coletados pelos profissionais dos serviços de saúde participantes do estudo, devidamente treinados, por meio do preenchimento da Ficha do Paciente, enviada para a Secretaria de Estado da Saúde, mensalmente, junto com as fitas dos testes sorológicos, devidamente acondicionadas, para posterior segunda leitura.

Os dados foram digitados utilizando o Programa Epi-info, versão 6.0, com dupla entrada, corrigidos, validados, consistidos, voltando aos dados originais nos serviços, sempre que se fez necessário, para solucionar dúvidas, e a identificação dos pacientes foi mantida em sigilo durante todo o estudo.

A concordância entre a primeira leitura dos testes ML Flow, registrada pelos diferentes serviços de saúde participantes da pesquisa, e a segunda leitura efetuada por um único examinador de modo independente e centralizado em Belo Horizonte, foi considerada quase perfeita (kappa: 0,81) com 91% de resultados concordantes.

Foi estudada a concordância entre o teste ML Flow, a classificação pelo número de lesões cutâneas, a baciloscopia e a classificação final, aquela que o paciente foi tratado pelo serviço de saúde, levando em consideração a clínica, o número de nervos acometidos, a baciloscopia e o resultado do ML Flow.

Utilizou-se o Índice de Kappa para avaliar a concordância e os critérios de Landis & Koch13 para interpretação desse índice, sendo assim definidos: concordância pobre: para índice menor que 0,00; muito leve: entre 0,00 até 0,20; leve: de 0,21 até 0,40; moderada: de 0,41 a 0,60; substancial: de 0,61 a 0,80 e, quase perfeita: de 0,81 a 1,00.

RESULTADOS

A soropositividade do teste ML Flow foi verificada em 50,8% dos casos novos, a baciloscopia foi positiva em 27,1%, enquanto 39,5% dos pacientes testados apresentavam seis ou mais lesões cutâneas (Tabela 1).

Observou-se concordância moderada entre o ML Flow e a classificação pela contagem do número de lesões cutâneas e a baciloscopia (Kappa 0,51 e 0,48, respectivamente) e, substancial entre o ML Flow e a classificação final, aquela recebida pelo paciente para tratamento (Kappa 0,77), Comparando a classificação pela contagem do número de lesões cutâneas com o resultado do teste ML Flow, 188 (29,8%) pacientes classificados como PB apresentaram sorologia positiva, enquanto 70 (17%) pacientes classificados como MB apresentaram sorologia negativa (Tabela 1).

Relacionando a classificação final com o teste ML Flow 107 (17,1%), pacientes tratados como MB apresentavam ML Flow negativo, enquanto 11 (2,6%) dos pacientes tratados como PB apresentavam ML Flow positivo (Tabela 1).

Observou-se queda no percentual de MB no total dos casos novos diagnosticados em Minas Gerais, passando de 78,1%, em 2000, para 65,8%, em março de 2004. A queda no percentual de MB nos serviços participantes da pesquisa ML Flow foi de 73,1 para 53,3%, e nos serviços não participantes, foi de 80,6 para 72,2%, no mesmo período (Figura 1).


A queda no percentual de MB foi maior entre os serviços participantes da pesquisa, e a diferença entre os PB e MB diagnosticados de janeiro a março de 2004, nos serviços participantes e não participantes, foi estatisticamente significativa, com o c2 = 23,8, p < 0,001 (Figura 1).

DISCUSSÃO

A diferença da soropositividade do teste ML Flow (50,8%) neste estudo, em relação ao descrito por outros autores, no mesmo estado, Lyon cols (57%)14, Castorina-Silva8, (70%) ou em outros países, Nigéria (62,9%), Nepal (35,6%)7, poderia ser explicada pelas características epidemiológicas e clínicas dos pacientes, bem como, pelo tipo de serviço de atendimento.

A positividade da baciloscopia variou de 10,6 a 46,2% nos 14 serviços participantes do estudo (dados não apresentados), sendo que a média de 27,1% mostrou-se inferior ao descrito pelos autores em centro de referência no mesmo estado, Lyon cols (35,9%)14, Castorina-Silva (40%)8 e muito superior ao encontrado no Nepal (11,6%)7, achados freqüentemente citados na literatura1 5 12 16 20 21. Alto percentual foi também referido por Gallo cols (77,9%)10, o que pode ser explicado por se tratar de centro de referência nacional. A baciloscopia, embora seja técnica relativamente simples e de fácil execução, está relacionada a inúmeras dificuldades operacionais e a baixa confiabilidade5 20, contrastando com a alta reprodutibilidade e confiabilidade observadas com o ML Flow, além do fato de o exame sorológico refletir uma resposta de todo o organismo à presença de bacilos. Fato confirmado pela variação na positividade do ML Flow que acompanhou a variação da baciloscopia. Foi positivo em 95,7% dos pacientes com baciloscopia positiva, detectando anticorpos específicos do Mycobacterium leprae em mais de um terço dos casos novos de hanseníase com baciloscopia negativa.

Nos casos estudados, o percentual de soropositividade foi quase duas vezes maior do que o da positividade da baciloscopia sugerindo ser baixa a sensibilidade da baciloscopia, fato referido por diversos autores1 5 12 16 20 21. A utilização da sorologia pelos serviços de saúde poderia auxiliar na correta classificação e tratamento adequado dos verdadeiros MB, colaborando na eliminação da fonte de infecção e na prevenção de recidiva, caso esse grupo com baciloscopia negativa receba tratamento insuficiente.

A concordância entre o ML Flow e a classificação final foi substancial, pois o resultado do ML Flow alterou a classificação final. Esta concordância foi apenas moderada com a classificação clínica sugerida pela OMS.

A proporção de MB (39,5%) utilizando o critério da contagem do número de lesões cutâneas, proposto pela Organização Mundial de Saúde e em vigor no Brasil, foi maior do que o encontrado no Nepal (35,6%)7, ao citado por Castorina-Silva, 2008 (35%)8, muito superior ao observado na Nigéria (19,4%)7 e na Etiópia (20%)16 e inferior ao citado por Lyon cols (43,7%)14, e por Gallo cols (73,4%)10, reforçando a provável diferença entre as características clínicas dos pacientes atendidos em serviços de referência.

Comparando a classificação pela contagem do número de lesões cutâneas com o resultado do ML Flow, 188 (29,8%) pacientes que apresentaram sorologia positiva seriam classificados como PB, e o tratamento recebido talvez fosse insuficiente, enquanto 70 (17%) pacientes com sorologia negativa seriam classificados como MB, poderiam receber tratamento excessivo se, somente este critério para classificação fosse utilizado (Tabela 1).

Quanto à classificação final, observou-se que 60% dos pacientes foram tratados como MB. Comparando a classificação final com o ML Flow, 107 (17,1%) pacientes tratados como MB apresentavam ML Flow negativo, enquanto 11 (2,6%) dos pacientes tratados como PB apresentavam ML Flow positivo (Tabela 1). Estes dados parecem sugerir maior valorização dos critérios clínicos pelos profissionais de saúde.

Existe uma forte tendência dos profissionais de saúde classificar os pacientes como MB, a exemplo do que foi observado na Nigéria onde 95,7% deles foram tratados como MB, enquanto, apenas 19,4% dos pacientes tinham 6 ou mais lesões cutâneas7. Esta tendência parece estar relacionada à ausência de exames laboratoriais como a baciloscopia e histopatologia que dão segurança ao profissional na tomada de decisão. Isto aponta para um provável benefício da inclusão do teste ML Flow como auxiliar na classificação dos casos de hanseníase, sobretudo, para as equipes do Programa de Saúde da Família, com menor experiência com a doença. Tal fato sugere grande impacto na prevenção do tratamento excessivo ou insuficiente com a utilização do teste ML Flow, com redução de casos tratados como MB.

A redução observada na proporção dos MB entre os casos novos de hanseníase, nos serviços participantes da pesquisa, repercutiu no percentual de MB do total de casos detectados em Minas Gerais (Figura 1). A utilização do teste ML Flow como instrumento adicional na classificação modificou, durante o período da pesquisa, a classificação dos casos novos de hanseníase em Minas Gerais, reduzindo o número de pacientes tratados como MB, resultando, assim, na diminuição do uso de medicamentos e no número de atendimentos, ou seja, uma implicação direta e benéfica no tratamento e no controle da endemia.

Os resultados deste estudo indicam que o uso do ML Flow, como instrumento auxiliar na classificação e alocação dos pacientes para o tratamento da hanseníase, poderia facilitar o trabalho dos profissionais dos serviços de atenção básica, em especial, aqueles que ainda não têm muita experiência com a doença e não dispõem de laboratório, colaborando, assim, para o aumento da cobertura das ações de controle de hanseníase.

AGRADECIMENTOS

Somos gratos aos pacientes, profissionais e serviços participantes da pesquisa, à Secretaria de Estado da Saúde de Minas Gerais, ao Professor Dr. Manoel Otávio da Costa Rocha, coordenador do Programa de Pós-graduação em Ciências da Saúde: Infectologia e Medicina Tropical da Universidade Federal de Minas Gerais, ao Biomedical Research Department, Royal Tropical Institute de Amsterdam pela confiança em nossos serviços para a realização deste estudo em Minas Gerais e à Netherlands Leprosy Relief - NLR de Amsterdam pelo apoio financeiro.

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  • Endereço para correspondência:

    Dra. Maria Aparecida de Faria Grossi
    Rua Juiz da Costa Val 65/602, São Lucas
    30240-350 Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil
    Tel: 55 31 3221-00 69
    e-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      17 Jul 2009
    • Data do Fascículo
      2008
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