Acessibilidade / Reportar erro

O campo de estudos sobre associações de classe de São Paulo de 1910 a 1945

The field of studies on São Paulo class associations from 1910 to 1945

Le domaine d'etudes sur des associations de classe de São Paulo, de 1910 a 1945

Resumos

Neste ensaio bibliográfico fazemos uma radiografia do conjunto de estudos brasileiros que mobilizam as associações de classe de São Paulo que atuaram no período de 1910 a 1945. O período é crucial para a compreensão de mudanças estatais e econômicas, tais como a burocratização do Estado e a industrialização da economia. Dividimos o trabalho em duas partes. Na primeira abordamos os estudos que utilizam as associações de classe como uma fonte de análise, ou seja, recursos objetivos que reforçam as teses que os autores defendem. Nesse ponto objetivamos identificar como e em que circunstâncias as associações são mobilizadas. Na segunda parte sistematizamos os estudos que tratam as associações de classe como um objeto de análise, quando elas deixam de ser uma ferramenta para examinar um objeto além delas e passam a ser elas próprias o objeto indagado. A partir daí pretendemos visualizar a definição teórica comumente trabalhada pela bibliografia. Finalizamos o ensaio com alguns apontamentos sobre os limites da conceituação atual que a bibliografia vem desenvolvendo sobre o corporativismo e apontaremos algumas direções de pesquisa.

associações de classe; corporativismo; interesses econômicos


This bibliographic essay provides an x-ray view of the set of studies carried out in Brazil on the São Paulo class associations over the 1910 to 1945 period. This period is crucial for our understanding of changes in the State and in the economy, such as state bureaucratization and economic industrialization. We have divided the paper into two different parts. The first looks at studies that take class associations as an analytical source, that is, as objective resources that reinforce the theses that the authors who study them defend. In this regard, we seek to identify how and under what circumstances associations are mobilized. In the second section, we systematize studies that treat class associations as their object of analysis, that is, not as a tool to examine something that goes beyond them but as the object to be studied in its own right. From here we move on to look at the theoretical definition that is commonly used within the literature. We end our essay with a few notes on the limits of the current conceptualization of corporatism that the bibliography we look at puts forth and suggest some directions for further research.

class associations; corporatism; economic interests


Dans cette présentation bibliographique, nous faisons une radiographie de l'ensemble d'études brésiliennes qui mobilisent les associations de classe de Sao Paulo qui ont agi dans la période de 1910 à 1945. La période est cruciale pour la compréhension des changements d'Etat et économiques, tels comme la bureaucratisation de l'Etat et l'industrialisation de l'économie. Nous divisons le travail en deux parties. Dans la première, nous abordons les études qui utilisent les associations de classe comme une source d'analyse ; c'est-à-dire, des ressources objectives qui renforcent les thèses que les auteurs défendent. A ce point, nous cherchons à identifier comment et dans quelles circonstances, les associations sont mobilisées. Dans la deuxième partie, nous systématisons les études qui s'occupent des associations de classe comme un objet d'analyse, quand elles ne sont plus un outil pour examiner un objet au-delà d'elles, et deviennent elles mêmes, l'objet exploré. A partir de là, nous avons l'intention de visualiser la définition théorique couramment travaillée par la bibliographie. Nous finissons la présentation avec quelques notes sur les limites de la conceptualisation actuelle que la bibliographie développe sur le corporatisme, et nous signalerons quelques directions de recherche.

associations de classe; corporatisme; intérêts économiques


ENSAIO BIBLIOGRÁFICO

O campo de estudos sobre associações de classe de São Paulo de 1910 a 1945

The field of studies on São Paulo class associations from 1910 to 1945

Le domaine d'etudes sur des associations de classe de São Paulo, de 1910 a 1945

Hugo Loss

RESUMO

Neste ensaio bibliográfico fazemos uma radiografia do conjunto de estudos brasileiros que mobilizam as associações de classe de São Paulo que atuaram no período de 1910 a 1945. O período é crucial para a compreensão de mudanças estatais e econômicas, tais como a burocratização do Estado e a industrialização da economia. Dividimos o trabalho em duas partes. Na primeira abordamos os estudos que utilizam as associações de classe como uma fonte de análise, ou seja, recursos objetivos que reforçam as teses que os autores defendem. Nesse ponto objetivamos identificar como e em que circunstâncias as associações são mobilizadas. Na segunda parte sistematizamos os estudos que tratam as associações de classe como um objeto de análise, quando elas deixam de ser uma ferramenta para examinar um objeto além delas e passam a ser elas próprias o objeto indagado. A partir daí pretendemos visualizar a definição teórica comumente trabalhada pela bibliografia. Finalizamos o ensaio com alguns apontamentos sobre os limites da conceituação atual que a bibliografia vem desenvolvendo sobre o corporativismo e apontaremos algumas direções de pesquisa.

Palavras-chave: associações de classe; corporativismo; interesses econômicos.

ABSTRACT

This bibliographic essay provides an x-ray view of the set of studies carried out in Brazil on the São Paulo class associations over the 1910 to 1945 period. This period is crucial for our understanding of changes in the State and in the economy, such as state bureaucratization and economic industrialization. We have divided the paper into two different parts. The first looks at studies that take class associations as an analytical source, that is, as objective resources that reinforce the theses that the authors who study them defend. In this regard, we seek to identify how and under what circumstances associations are mobilized. In the second section, we systematize studies that treat class associations as their object of analysis, that is, not as a tool to examine something that goes beyond them but as the object to be studied in its own right. From here we move on to look at the theoretical definition that is commonly used within the literature. We end our essay with a few notes on the limits of the current conceptualization of corporatism that the bibliography we look at puts forth and suggest some directions for further research.

Keywords: class associations; corporatism; economic interests.

RESUME

Dans cette présentation bibliographique, nous faisons une radiographie de l'ensemble d'études brésiliennes qui mobilisent les associations de classe de Sao Paulo qui ont agi dans la période de 1910 à 1945. La période est cruciale pour la compréhension des changements d'Etat et économiques, tels comme la bureaucratisation de l'Etat et l'industrialisation de l'économie. Nous divisons le travail en deux parties. Dans la première, nous abordons les études qui utilisent les associations de classe comme une source d'analyse ; c'est-à-dire, des ressources objectives qui renforcent les thèses que les auteurs défendent. A ce point, nous cherchons à identifier comment et dans quelles circonstances, les associations sont mobilisées. Dans la deuxième partie, nous systématisons les études qui s'occupent des associations de classe comme un objet d'analyse, quand elles ne sont plus un outil pour examiner un objet au-delà d'elles, et deviennent elles mêmes, l'objet exploré. A partir de là, nous avons l'intention de visualiser la définition théorique couramment travaillée par la bibliographie. Nous finissons la présentation avec quelques notes sur les limites de la conceptualisation actuelle que la bibliographie développe sur le corporatisme, et nous signalerons quelques directions de recherche.

Mots-cles : associations de classe; corporatisme; intérêts économiques.

INTRODUÇÃO

O propósito deste artigo é mapear o campo de estudos sobre associações de classe de São Paulo das décadas de 1910 a 1945, tentando identificar a definição de "associações de classe" (mas também o corporativismo e a ação coletiva do empresariado) comumente trabalhada pela bibliografia, explorar os limites da atual concepção e apontar para uma agenda de pesquisa.

A nossa escolha geográfica e temporal justifica-se pela importância da região e do período para o início da industrialização brasileira e para a modernização da estrutura de Estado. Embora no Brasil já houvesse uma unidade territorial desde o fim das rebeliões regenciais comandado pelo segundo Imperador, não existia, antes de 1930, uma unidade administrativa e uma identidade nacional generalizada pelo território. Antes de 1930 o Brasil era preponderantemente uma economia agro-exportadora, sua elite econômica era formada pelos grandes produtores de café. Durante a República, até então, o Estado brasileiro não tinha uma centralidade administrativa e era comandado por uma política oligárquica em que faziam frente os próprios produtores de café. Depois de 1930 iniciou-se um processo de crescimento industrial (acompanhado da derrubada da hegemonia econômica das oligarquias cafeeiras), um forte aumento da população urbana, crescentes centralização e burocratização do Estado. Assim, esse período é estratégico para identificar mudanças estatais e econômicas, algumas das quais sobrevivem até os tempos atuais.

Dividimos o artigo em três partes. Na primeira parte pretendemos identificar onde estão situados os estudos sobre as associações de classe na bibliografia de Ciências Sociais. Para isso mostraremos que tipo de literatura mobiliza as associações de classe enquanto uma ferramenta ou uma fonte de análise. Abordaremos os principais argumentos mobilizados pela literatura, contudo não nos deteremos demasiadamente no conteúdo histórico e sociológico que elas utilizam, mas sim em sua lógica argumentativa. Tal lógica permitir-nos-á identificar as principais explicações sem que seja necessário reconstituir todo o aparato argumentativo dos autores (os dados - históricos e sociais - que sustentam a argumentação). Acreditamos que seja essa uma boa saída para podermos atingir o nosso objetivo nessa parte (mapear o lugar das associações de classe na bibliografia) sem nos perdermos nas imensas ramificações da discussão acerca da industrialização e da modernização estatal.

Podemos antecipar que identificamos que a literatura sobre associações de classe de São Paulo no período escolhido está presente em dois grupos de estudos: os que visam a explicar o surgimento das indústrias paulistas (a industrialização) e os que tiveram como propósito explicar as transformações sofridas pelo aparelho de Estado. Assim, acreditamos que as associações são utilizadas pelos cientistas sociais como uma ferramenta de análise estratégica quando se pretende identificar a relação entre Estado e estrutura econômica.

Na segunda parte deixamos de lado os estudos que mobilizam as associações de classe e partimos para a bibliografia que encara as associações não mais como uma ferramenta, mas como um objeto de estudo. Entramos, portanto, em trabalhos mais específicos sobre o corporativismo brasileiro. Nosso intuito nessa parte é mapear esses trabalhos, verificando como eles abordam as associações, a definição que utilizam, quais são as questões mais presentes e quais as soluções desenvolvidas. Ao final, identificamos que existem duas questões mais trabalhadas pelos autores: como se dá a formação das associações entre as disputas dos grupos econômicos e como ocorreu a institucionalização do modelo corporativo no primeiro governo Vargas. A concepção das associações que foi mais trabalhada pela bibliografia é a de que elas refletem diretamente os interesses dos grupos econômicos. Nos trabalhos que tivemos contato, é generalizada a ideia de que as associações de classe são efeitos dos interesses de lucro econômico dos grupos das elites empresariais. Elas só existem para atender a esses interesses materiais. Os estudos eximem as associações da responsabilidade da construção dos interesses das posições econômicas.

Na parte final desenvolveremos a crítica a essa concepção atual das associações de classe e apresentaremos nossa tese alternativa. Para nós a associação de classe está envolvida em uma luta em torno do monopólio de constituir a identidade dos grupos econômicos e do monopólio da voz (representação) desses grupos. A formação de uma associação de classe pode ser vista como ocorrendo paralelamente à formação da identidade e das expressões públicas de uma elite econômica.

II. AS ASSOCIAÇÕES DE CLASSE COMO FONTE

II.1. Industrialização paulista (1910 e 1930)

Um dos conjuntos bibliográficos que comumente mobiliza as associações de classe como fonte de análise são os estudos sobre a industrialização paulista. Para entender o processo de industrialização paulista a bibliografia geralmente tem como objetivo compreender como ocorreu a formação de uma classe industrial autônoma em relação às demais elites econômicas.

Primeiramente é preciso entender que a divisão das elites econômicas que antecedeu o surgimento da indústria era composta por dois grupos principais que chamaremos aqui de burguesia cafeeira e burguesia compradora. As definições e os nomes desses grupos variam, mas basicamente podemos entendê-los como sendo o primeiro formado pelos proprietários e exportadores de café e os segundos como os importadores e comerciantes de manufaturas. Esses dois grupos, em interação, constituíam a estrutura superior da dinâmica econômica paulista do início do século XX.

Dividimos os estudos sobre industrialização em quatro conjuntos de argumentos, dos quais dois interpretam a industrialização como um efeito relacionado ao capital cafeeiro e dois entendem que gênese industrial está relacionado ao capital comprador, sendo que a relação entre os grupos pode ser de incentivo ou de combate1 1 O modelo de divisão dos argumentos que utilizamos para realizar esta seção é baseado no livro clássico de Warren Dean (1971), A industrialização de São Paulo. .

A primeira explicação interpreta o capital industrial como um efeito direto do desenvolvimento do café, ou seja, um desdobramento lógico da expansão cafeeira. Dois representantes dessa corrente são Carlos Manuel Peláez e Wilson Suzigan, que basicamente afirmam que a lógica de expansão do café formou uma infra-estrutura de transporte, energia, mão-de-obra e mercado comprador sem a qual seria inviável a industrialização. Peláez dedica grande parte de seu livro a criticar as teorias dos choques adversos (quase exclusivamente da autoria de Celso Furtado) (PELAEZ, 1972); todavia, o autor não apresenta nenhuma tese alternativa.

Por outro lado, Wilson Suzigan (embora dando continuidade ao trabalho de Peláez) e Warren Dean apresentam hipóteses mais trabalhadas sobre a relação de complementaridade entre a expansão do capital exportador e a expansão industrial. Como afirma Dean, "O comércio de café não gerou apenas a procura da produção industrial: custeou também grande parte das despesas gerais, econômicas e sociais necessárias a tornar proveitosa a manufatura nacional" (DEAN, 1971, p. 14). Suzigan nota que para o desenvolvimento industrial foi indispensável uma expansão prévia do capital exportador: "O investimento na indústria de transformação estava diretamente relacionado ao desempenho do setor exportador até 1913, e em menor grau até 1929. Essa relação foi interrompida a partir da década de 1930, quando o crescimento da renda interna em atividades econômicas ligadas ao mercado interno substituiu a demanda externa como principal determinante da acumulação de capital industrial" (SUZIGAN, 2000, p. 363; grifos no original). Segundo a lógica desse argumento, o próprio desenvolvimento da expansão cafeeira produziu efeitos diversos que facilitaram, direta ou indiretamente, a industrialização.

A segunda forma argumentativa que identificamos constitui-se como contrária à primeira. Esse argumento defende que indústria e agricultura de exportação são dois grupos de interesses incompatíveis, em que os interesses ligados ao capital cafeeiro excluem automaticamente a possibilidade de surgimento da indústria, pois o próprio comércio de exportação limita a canalização de maiores investimentos no desenvolvimento do mercado interno. Os modelos que utilizam esse ponto de vista tendem a privilegiar duas variáveis independentes: as influências externas (principalmente nas guerras e crises) e os incentivos do Estado, sendo que alguns estudos enfatizam mais uma ou outra.

De acordo com essa concepção, seria inviável o crescimento industrial dentro de uma economia exportadora, pois somente quando as exportações fossem limitadas poder-se-ia investir no crescimento industrial. Não obstante, tal limitação das exportações ocorreu com as duas guerras mundiais e com a depressão de 1929, em que o poder de compra e venda dos países dominantes diminuiu, desencadeando condições propícias para a industrialização e o desenvolvimento do mercado interno. Nícia Vilela Luz é uma das representantes dessa corrente, ao afirmar que "outro efeito da [I] guerra e de grande influência na posição política da indústria brasileira foi o papel cada vez maior que essa indústria começava a desempenhar na receita pública" (LUZ, 1961, p. 145). Pode-se interpretar também que a autora dá algum lugar ao papel do Estado como uma força em prol da indústria.

A teoria dos choques adversos é a que melhor exemplifica esse tipo de argumento. Celso Furtado, embora afirme que uma das causas do crescimento industrial seja a queda dos lucros ligados à importação, entende essa queda não como uma variável que teve influência direta no processo de industrialização, mas como um efeito de algo mais amplo: a redução das exportações depois da crise de 1929. Nesse sentido, Furtado afirma que "o crescimento da procura de bens de capital, reflexo da expansão da produção para o mercado interno, e a forte elevação dos preços de importação desses bens, acarretada pela depreciação cambial, criaram condições propícias à instalação no país de uma indústria de bens de capital" (FURTADO, 1980, p. 199). Dessa forma, o setor exportador (capital cafeeiro), que antes da crise de 1929 permitia a manutenção de um mercado importador (capital comprador), após a crise foi substituído pelos investimentos no mercado interno (capital industrial) de tal forma que "As atividades ligadas ao mercado interno [a indústria] não somente cresciam impulsionadas por seus maiores lucros, mas ainda recebiam novo impulso ao atrair capitais que se formavam ou desinvestiam no setor de exportação" (idem, p. 198)2 2 Embora no livro em questão Furtado indique a incompatibilidade entre os capitais exportador e industrial, em outro trabalho ele compreende a presença de dois momentos em que a relação entre as duas posições aparentemente se inverte: "é com respeito à natureza do processo de industrialização que a crise de 1929 constitui um marco de grande significação. Até então, o desenvolvimento do setor industrial fora um reflexo da expansão das exportações; a partir desse momento, a industrialização seria principalmente induzida pelas tensões estruturais provocadas pelo declínio, ou crescimento insuficiente, do setor exportador" (FURTADO, 1970, p. 131; sem grifos no original). Com isso "a substituição de importações somente se concretizou nos países que já haviam passado pela primeira fase de industrialização"; essa fase corresponde ao momento que antecedeu a crise de 1929 ( idem, p. 141). . Essas seriam explicações para a oposição entre indústria e agricultura de exportação que teriam como foco as crises e influências externas, as quais desencadeariam a industrialização como se essa fosse uma conseqüência necessária das crises.

Juntamente às teorias que privilegiam os choques externos para explicar a queda das exportações e o aumento conseqüente da produção interna, pode-se verificar que a oposição entre indústria e agricultura de exportação revela-se de modo mais direto em outro âmbito: quando olhamos para as lutas no interior do Estado, mediadas pelas associações de classe agrícola. Nesse ambiente em que se ligam as associações de classe com o Estado verifica-se um pensamento altamente anti-industrializante, o qual "tinha na verdade duas faces. A primeira era ser contra investimentos industriais que precisassem, para sobreviver, de proteção tarifária, proteção esta que acabava por se traduzir em ônus para aquelas outras classes que tinham nos importados uma parcela significativa de seu consumo [...]. A segunda face [...] reside numa questão mais abstrata, qual seja, a de um 'projeto Nação. Não se negava eventuais investimentos em atividades industriais; o que se criticava era um 'projeto industrialista'" que viesse a substituir a economia agrário-exportadora (PERISSINOTTO, 1999, p. 226).

Com efeito, observa-se que essa linha argumentativa defende que o conjunto das ações políticas dos produtores de café no aparelho de Estado visava explicitamente a atacar a indústria; embora tenha ocorrido a crise, o Estado não reverteria os investimentos para o capital industrial caso não houvesse uma luta política dentro do Estado entre as diferentes posições econômicas que determinasse para onde os investimentos seriam canalizados.

O outro conjunto de explicações direciona o foco para a relação entre o capital comprador (importadores e comerciantes de manufaturas) e os industriais. Podemos perceber por meio do estudo de Dean que, embora os produtos importados pudessem perder objetivamente seu lugar para os produtos nacionais, "os negócios de importação não constituíam obstáculo ao desenvolvimento da indústria. Pelo contrário, foram claramente a origem de um setor industrial" (DEAN, 1971, p. 26). É notável que a própria empresa importadora construiu uma infra-estrutura que favoreceu o surgimento da indústria. Esse "financiamento" infra-estrutural é bem semelhante ao que ocorreu com o capital cafeeiro: fornecendo mão-de-obra, conhecimento técnico, percepção do mercado, relações com o capital internacional, foi possível a formação de um aparato material básico para o surgimento da indústria (cf. também MARTINS, 1967).

A indústria de São Paulo no início do século XX era constituída basicamente pela montagem de matérias vindas do exterior. Dessa forma, o capital comprador e industrial estavam praticamente fundidos no mesmo grupo, de maneira que "apenas uns poucos dentre os primeiros empresários industriais não iniciaram suas carreiras como negociantes importadores" (DEAN, 1971, p. 36)3 3 A questão agora parece estar mais deslocada para uma abordagem "micro", no sentido de explorar a socialização e o dia-a-dia dos agentes que protagonizaram a industrialização, ao contrário do que ocorre nas abordagens macro-estruturais. . Tal fato desenvolve conseqüências ambíguas, como constata Marisa Leme: "os efeitos da depressão cambial [na década de 1920] para a indústria são como uma faca de dois gumes: por um lado, redundam em proteção, na medida em que dificultam as importações de produtos estrangeiros que tenham similar nacional; por outro, encarecem as matérias-primas e os maquinismos importados e indispensáveis" (LEME, 1978, p. 44).

Por outro lado, a competição direta entre importadores e a indústria nacional revela que por mais que tenha havido uma confluência entre a indústria e o capital importador, este fazia frente às indústrias emergentes, principalmente no que diz respeito às disputas em torno das políticas tarifária e cambial. São abundantes os estudos que utilizam esse enfoque; entre eles, o de Maria Antonieta Leopoldi é um dos mais proeminentes na ênfase na contradição entre industriais e importadores. A autora afirma que "as pressões industriais e as contrapressões dos importadores geraram um ressurgimento do debate entre protecionistas e livre-cambistas a partir de 1895" (LEOPOLDI, 2000, p. 104). De maneira análoga, Nícia Vilela Luz chega à mesma constatação ao analisar a política tarifária brasileira durante a crise de 1913: "o comércio importador [...] iria combater, tenazmente, o prestígio crescente da indústria nacional" (LUZ, 1961, p. 146).

Outra interpretação observa dois momentos que dividem a relação entre industriais e importadores: olhando para a relação entre as associações de classe comercial e industrial, Eli Diniz afirma que, "Efetivamente, questões como: redução dos encargos fiscais, eliminação dos impostos interestaduais, expansão e melhoria do sistema de transporte, longe de constituírem fator de controvérsia, significavam elementos de unidade entre ambos. Não obstante, ao longo das duas primeiras décadas deste século [XX], multiplicaram-se, como vimos, os confrontos em relação a certos aspectos da política econômico-financeira, como o câmbio e a pauta aduaneira. Através dessa sucessão de conflitos, os industriais foram adquirindo consciência de sua própria força até o ponto de procurarem utilizar a aliança com o setor mercantil em favor de suas finalidades exclusivas" (DINIZ, 1978, p. 237-238). Assim, como ocorreu na relação entre o capital cafeeiro e os industriais, no âmbito das ações políticas, os importadores entravam em choque direto com os industriais e utilizavam como veículos para suas reivindicações preponderantemente as associações de classe.

Podemos perceber pela análise da bibliografia que a fonte utilizada para mapear os conflitos intra-estatais (as ações políticas) entre os grupos da elite econômica de São Paulo são as associações de classe. Por meio delas os pesquisadores identificam como se relacionam as elites econômicas entre si e como elas reagem diante das questões estatais (mais ou menos protecionismo, livre-cambismo etc.). Portanto, as associações de classe são vistas como um lócus estratégico para identificar as ações das elites econômicas, o caráter e a condução dos seus interesses. Entretanto, as associações não são muito mobilizadas quando entra em jogo somente a análise estrutural da economia, a impessoalidade das forças sociais e o desenvolvimento econômico bruto. Não obstante, os conflitos são a matéria-prima das análises sobre a ação política empresarial.

II.2. State-building

Podemos acrescentar ainda outro conjunto de estudos que alista as associações de classe em seus argumentos: os que buscam identificar em que medida a estrutura do Estado modificou-se ao longo de um período. Existem duas formas de explicar as modificações do Estado: pode-se entendê-lo como uma instituição passiva, ou seja, que variou em função de forças alheias (sociais), ou como uma instituição ativa, que agiu de modo autônomo, modificando-se por meio de sua própria dinâmica. Analisando esses trabalhos, percebe-se que a dicotomia Estado-sociedade tem como questão principal a designação de qual seria o núcleo responsável pela mudança do sistema e quais seriam os componentes acessórios desse núcleo, além de que forças seriam responsáveis pela alteração da estrutura estatal (o próprio Estado ou o campo econômico)4 4 No caso específico do tema da industrialização, os autores que negam a presença do Estado (sob qualquer forma) no processo utilizam como argumento principal a intermitência e a pequena abrangência da ação do Estado no incentivo da industrialização, isto é, a dimensão do desenvolvimento industrial seria muito maior em relação à dimensão dos investimentos estatais na industrialização (embora não tenha havido uma oposição do Estado face à industrialização). Como afirma Wilson Suzigan, "seria um exagero atribuir a diversificação da produção industrial ocorrida na década de 1920 aos incentivos e [aos] subsídios governamentais" (SUZIGAN, 1986, p. 43). Seguindo o mesmo argumento, Boris Fausto afirma que "Essas medidas esparsas [do Estado na década de 1930] não podem ser confundidas, entretanto, com um plano desenvolvimentista de modificações estruturais da economia" (FAUSTO, 1983, p. 50). Assim, o Estado não possuía uma ação efetiva no desencadeamento da industrialização, embora também não o tivesse obstruído declaradamente. Essa seria, a nosso ver, a principal justificativa presente na bibliografia para excluir o Estado do modelo explicativo. .

A perspectiva que interpreta o Estado como uma realidade heterônoma diante das forças econômicas é a mais recorrente na literatura. Tal explicação possui um forte viés marxista, que busca entender o Estado como uma instituição determinada pelas forças oriundas do espaço econômico. Os trabalhos que utilizam essa perspectiva procedem de maneira a mapear como se dá a luta entre os grupos econômicos "dentro" do aparelho de Estado; tais lutas giram em torno da imposição de tomadas de posição políticas que favoreçam um ou outro grupo econômico. Assim, os embates entre industriais, comerciantes e exportadores refletir-se-iam nas lutas políticas e o grupo que conseguisse predominar na estrutura econômica teria maior probabilidade de impor políticas que o favorecesse, modificando, assim, a estrutura estatal conforme os seus interesses.

Adotando esse princípio argumentativo, Sônia Draibe entende o Estado como uma realidade orquestrada pelas lutas de classe, pois "no plano das relações entre o Estado e a industrialização, é fundamental, para os nossos propósitos, explicar ainda alguns problemas e questões envolvidos na afirmação do papel dirigente do Estado, que se desdobrou no período [e que] constitui uma forma peculiar de incorporação dos interesses de classe na estrutura material do Estado" (DRAIBE, 1985, p. 45). A relação Estado-sociedade dá-se como "Uma forma de incorporação e integração objetiva dos interesses econômicos na máquina econômica do Estado, que passam, assim, por um processo de abstração e generalização. Os interesses deste ou daquele industrial, deste ou daquele agricultor - das empresas capitalistas - ganham expressão no aparelho econômico e se generalizam através de órgãos de intervenção tais como autarquias ou institutos de regulação, empresas ou comissões executivas" (idem, p. 47; grifos no original).

As abordagens de inspiração marxista tendem a utilizar mais as associações de classe para verificar como as forças econômicas materializam-se nas estruturas de Estado, à medida que lutam para impor os seus interesses. Nesse sentido, as associações são uma ferramenta para verificar como se relacionava a elite econômica entre si e diante do Estado. Como fica claro, esse uso das associações de classe corresponde exatamente à forma como elas são mobilizadas nos estudos sobre industrialização que visam a mapear as ações políticas dos empresários.

Os autores que enfatizam a ação do Estado como o promotor da industrialização seguem outro princípio argumentativo. Esses estudos entendem o Estado como uma realidade autônoma, que possui um funcionamento que, além de ser independente de lógicas externas, é dotado de um princípio criador: ele constrói a realidade social. Assim, os embates desenvolvidos no interior da máquina estatal seriam os responsáveis pelas transformações nos campos econômico e estatal.

Raymundo Faoro é um dos mais conhecidos autores que utilizam essa perspectiva analítica. Segundo Faoro o Estado financiou diretamente o desenvolvimento industrial por meio da emissão de crédito; como afirma o autor, ao analisar a crise do "encilhamento", "as ações depreciaram-se, furando a bolha de sabão do surto comercial e industrial, levantada sobre o crédito, manipulado este pelo Estado, por via de suas agências emissoras" (FAORO, 1975, p. 431), ou seja, o Estado foi responsável tanto pelos incentivos quanto pelas crises econômicas quando ele próprio incentivam modificações da sua estrutura.

Simon Schwartzman segue a mesma linha de Faoro ao interpretar o Estado como um organismo de cooptação. A cooptação é, "essencialmente, uma política de controle e manipulação das formas emergentes de participação"5 5 Dessa forma, o autor contrapõe-se à tese marxista ao opor a representação à cooptação. No caso da representação a relação Estado-sociedade ocorreria de modo que as posições do campo econômico far-se-iam representar dentro do Estado, manipulando-o; por outro lado, no caso da cooptação, o Estado absorveria essas forças sociais, submetendo-as ao seu arbítrio. (SCHWARTZMAN, 1982, p. 122). Por meio desse sistema de cooptação, "no Brasil, pelo menos desde 1937, o Estado tem sempre desempenhado um papel ativo e agressivo na implementação de algum tipo de política de desenvolvimento econômico e social, embora fustigado pela crítica liberal antiintervencionista" (idem, p. 145).

As associações de classe são mobilizadas por essa bibliografia somente em questões muito pontuais. Na maioria dos casos elas aparecem quando se procura verificar as ações de cooptação do Estado no campo econômico. O processo de institucionalização do corporativismo configura-se uma questão-chave para esse tipo de estudo que tende a interpretar o evento como uma estratégia estatal para a anexação das elites empresariais. O Estado regularia o modelo corporativo que deveria ser implantado e, com isso, ao mesmo tempo controlaria a ação do capital e manteria o seu poder autônomo.

II.3. Ações políticas e dinâmicas estruturais: o lugar das associações de classe

Separamos dois grupos de estudos que nos permitem localizar as associações de classe na bibliografia de Ciências Sociais: teses sobre industrialização e teses sobre formação e transformação do Estado. O primeiro grupo divide-se em quatro explicações, das quais duas enfatizam as dinâmicas que dizem respeito estritamente à estrutura econômica e duas observam as ações explícitas (de ataque) de cada grupo econômico em relação ao grupo dos industriais. O segundo conjunto de argumentos tem como objetivo a análise das mudanças na estrutura de Estado e divide-se em duas perspectivas: uma que interpreta o Estado como uma realidade heterônoma e outra que prefere tratar o Estado como uma estrutura autônoma.

Tanto nos estudos sobre industrialização quanto nos estudos sobre alteração da estrutura de Estado a relação Estado-sociedade está presente, sendo que no primeiro grupo tal relação apresenta-se apenas quando os autores enfatizam as ações políticas dos grupos econômicos. Nesse tipo de análise o Estado aparece como um pano de fundo, um cenário em que se desenvolvem as batalhas em torno da industrialização. Por outro lado, quando a explicação enfoca somente dinâmicas estruturais, ela consegue explicar a economia em si mesma, por meio de uma sucessão de eventos puramente econômicos, desprezando assim tanto a ação combativa dos agentes quanto a relevância do Estado como variável pertinente.

No conjunto de estudos que buscam explicar as alterações na estrutura de Estado, a variável econômica pode apresentar-se como variável independente ou dependente. O primeiro tipo de argumentação costumam utilizar as associações para mapear a ação empresarial na estrutura de Estado, no sentido de verificar como age a elite econômica, o que ela deseja, quais são as suas necessidades e, principalmente, como ela consegue inscrever seus interesses na agenda do Estado.

Por outro lado, quando as transformações econômicas são vistas como efeitos das políticas estatais, o estudo da mobilização das associações de classe concentra-se em questões mais pontuais - como a institucionalização do modelo corporativo -, com o intuito de identificar como o Estado manipula seus recursos para anexar as elites econômicas e impedir que elas ajam livremente. Entretanto, os estudos dessa matriz costumam desprezar as associações quando se voltam para as ações do Estado na sociedade: estudos que defendem a tese de que foi o Estado que promoveu a industrialização, como o de Raymundo Faoro, não se detém na ação empresarial.

Com efeito, a utilização analítica das associações é mais ampla nos trabalhos que postulam uma ação mais efetiva das elites econômicas, justamente devido à necessidade de esse tipo de pesquisa identificar os interesses e manifestações dos empresários.

Quadro 1


Quando se pretende explicar as alterações políticas e econômicas do Brasil, como a industrialização ou a centralização política da década de 1930, os pesquisadores costumam fazer grande uso das associações de classe. Por meio das associações busca-se identificar os interesses e as ideologias das posições econômicas (realizando análises dos discursos, de manifestos e das ações dos dirigentes das associações), mapear as relações desenvolvidas entre os grupos econômicos (indagando sobre o grau de influência de um grupo em relação a outro e quais os grupos mais influentes), identificar quem governa e quem se beneficia das políticas estatais (qual elite econômica ocuparia cargos mais importantes na estrutura de Estado e qual elite econômica é mais favorecida pelas políticas). Enfim, as associações de classe configuram-se um recurso de pesquisa estratégico quando se trata de verificar como se dão as relações entre o campo econômico e o Estado em períodos de mudanças estruturais, no intuito de aceder, principalmente, os interesses e necessidades das diferentes elites do capital6 6 Cf., por exemplo, a pesquisa de Paulo Costa, que visa a "pensar [sobre] as características da estrutura corporativa vigente no Brasil de [19]46-[19]64, no que tange à ação política das classes dominantes, e suas relações com o regime democrático" (COSTA, 1998, p. 50; grifos no original). .

Deixamos agora os estudos que mobilizam as associações de classe como uma ferramenta para entrarmos na segunda etapa de nosso trabalho. Nesta parte aprofundaremos o foco nos trabalhos específicos sobre as associações. Veremos como as corporações são interpretadas como um objeto de estudo. Com efeito, desenvolveremos mais as características próprias das associações de classe que as características que as cercam.

III. AS ASSOCIAÇÕES DE CLASSE COMO OBJETO

A partir do momento em que as associações de classe deixam de ser uma ferramenta para explicar a industrialização e/ou alterações estatais e passam a ser um objeto de estudo, verificamos que na bibliografia brasileira existem duas formas de estudá-las: a primeira tem por objetivo esclarecer como ocorreria a institucionalização das associações de classe formando o sistema corporativo brasileiro (institucionalização no sentido de "nacionalização" das associações). Nessa questão ganha relevo a pergunta de como estaria inscrita, nas associações, a relação entre o Estado e o sistema econômico, pois o processo de institucionalização passa pela sanção do Estado. Esse tipo de estudo caminha no sentido de explicar se o processo jurídico de regulamentação das associações foi determinado por interesses estatais ou por interesses oriundos da estrutura econômica. Esse é um tipo de pesquisa que tem como norte a seguinte pergunta: "como ocorreu a formação do complexo corporativo brasileiro sancionado pelo Estado?".

A segunda forma de proceder no estudo das associações implica verificar como surgiu a representação de interesses por meio das associações de classe; em outras palavras, quais são as condições que possibilitam a gênese de uma ou várias associações de classe.

Essas são as duas principais questões que norteiam as pesquisas sobre associações de classe. A diferença entre esses dois problemas de pesquisa decorre da periodização dos fatos em São Paulo: a institucionalização do sistema corporativo ocorreu em um momento posterior à gênese das principais associações, pois, primeiramente, elas existiam de maneira autônoma em relação ao Estado e só posteriormente foram regulamentadas pelo sistema jurídico. A formação das principais associações de São Paulo data de antes da década de 1930 (Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp) em 1928, Associação Comercial de São Paulo (ACSP) em 1894 e Sociedade Rural Brasileira (SRB) em 1919) e, segundo a bibliografia, independentemente do Estado; entretanto, a regulamentação da atividade corporativa no Brasil foi estabelecida com o Decreto n. 19 770 de 19 de março de 1931; "segundo esse decreto, as associações de classe denominadas sindicatos (âmbito local), federações (âmbito estadual) e confederações (âmbito nacional) deveriam ter a aprovação do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio para se instalarem e deveriam submeter-se ao seu controle. Por seu lado, a entidade 'oficial' de classe ganhava um lugar no interior do Estado, como 'órgão consultivo e técnico' do Estado, em questões que dissessem respeito aos seus interesses de classe" (LEOPOLDI, 2000, p. 76; grifos no original).

Assim, nota-se que existe uma diferença temporal entre o nascimento das associações e o estreitamento das suas relações com o aparelho estatal. Dessa forma, enquanto a questão da institucionalização pode ser mais bem trabalhada a partir de 1931, a questão genética das associações deve ser explorada nos momentos que antecederam a regulamentação das associações pelo Estado (antes de 1931); a própria separação temporal entre os dois eventos justifica a separação entre as duas questões de pesquisa. A cada um desses problemas de pesquisa corresponde um sistema explicativo específico. Descreveremos cada um desses problemas (questão da institucionalização e questão genética) separadamente, sendo que em primeiro lugar sistematizaremos os estudos que exploram a questão da institucionalização.

III.1. A questão da institucionalização

Os momentos estratégicos comumente explorados pelos pesquisadores são os decretos n. 19 770 de 1931 e n. 26 694 de 12 de julho de 19347 7 Parte da bibliografia ainda expande o foco para o Decreto n. 1 402, de 5 de julho de 1939, que aumentava a regulamentação estatal sobre as corporações (retomando o tom do Decreto de 1931 e diferenciando-se do de 1934, que dava maior autonomia às associações devido às características do sistema bipartite), para os artigos 138 e 140 da Constituição Federal de 10 de novembro de 1937, para o Decreto n. 2 381 de 9 de julho de 1940 e para o Decreto n. 5 452 de 1° de maio de 1943. Contudo, para nossos fins podemos restringir a análise aos decretos de 1931 e de 1934, que foram as principais ações estatais no sentido de regulamentar a ação corporativa. . Como já foi dito, o Decreto n. 19 770 foi o primeiro passo para a regulamentação do corporativismo no sentido de legitimá-lo juridicamente; o Decreto n. 26 694 permitiu a pluralidade sindical possibilitando a coexistência de associações civis (como o CIESP e ACSP) e estatais (como a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP), instaurando o que é chamado de sistema corporativo bipartite (COSTA, 1998, p. 54-62). Outro ponto de análise estratégico parece ser as discussões acerca das questões tarifárias e cambiais a partir de 1931 (com ênfase na polêmica entre Roberto Simonsen e Eugênio Gudin sobre a política aduaneira (cf. SIMONSEN & GUDIN, 2010)).

Esses eventos estão presentes em todos os estudos sobre associações de classe, configurando aspectos centrais a serem discutidos pelos pesquisadores. O primeiro momento facilita a compreensão de como ocorreu a entrada das elites econômicas no aparelho de Estado pela via das associações. Tal entrada teria como sinal a lei de 1931. A lei de 1934 explicitaria como foi estabelecida a relação entre a burocracia estatal e as elites empresariais depois da entrada destas na estrutura estatal por meio das associações de classe. As disputas pelo estabelecimento das políticas tarifárias e cambiais constituem são momentos que possibilitam ao pesquisador verificar como e em que intensidade as posições econômicas conseguiram inscrever seus interesses no aparelho de Estado.

Há uma divisão entre as explicações dos eventos que indicamos (leis de 1931 e de 1934 e disputas tarifárias e cambiais) no que diz respeito ao significado do papel das associações. Existem duas formas de entender as associações sob a luz da questão de sua nacionalização: a primeira entende as associações como um mecanismo criado pelos grupos das elites econômicas e inserido por elas no aparelho de Estado; esse mecanismo possibilitaria à sociedade civil inscrever seus interesses na estrutura estatal e, dessa forma, permitiria que elas modificassem a estrutura do Estado enquanto atendem os seus interesses. A segunda maneira interpreta as associações de classe como instrumentos manipulados pelo Estado no sentido de ampliar a centralização administrativa enquanto cooptaria as lideranças locais.

Assim, embora haja um consenso de que as associações são estruturas híbridas, situadas a meio caminho do Estado e da sociedade, existe um dissenso quanto à medida de sua hibridez: o processo de institucionalização do sistema corporativo foi mais um efeito das forças econômicas ou refletem mais as estratégias de concentração do poder do Estado? Apresentaremos o argumento de quatro dos principais autores que estudaram as associações de classe de São Paulo no período em questão (1910-1945), mostrando como os argumentos variam de uma perspectiva mais societal para uma perspectiva mais "estatal".

No extremo mais societal, Leopoldi, ao explorar o desenvolvimento das leis sindicais da década de 1930, afirma que, "ainda que a historiografia faça referência à reação dos industriais à legislação de 19398 8 A autora faz menção aqui ao Decreto-Lei n. 1 402 de 5 de julho de 1930, que procurou regular a organização sindical, tendo sido alterado pelo Decreto n. 2 381 de 9 de julho de 1940. , perdura em muitas análises a idéia de que o Estado impôs ao setor o modelo corporativo de organização, e de que os empresários terminaram por aceitar a sindicalização em troca de outros benefícios econômicos"; no entanto, "nossa intenção [...] é relativizar a tese da imposição/submissão e acentuar a continuidade que existe no processo de organização do setor industrial, a despeito das mudanças legais e políticas ocorridas depois de 1930. Nesse sentido entendemos que a estrutura corporativista que se forma no governo Vargas não é radicalmente diversa da do regime anterior" (LEOPOLDI, 2000, p. 75-76; grifo no original). Todavia, a autora não defende a tese radical de que os industriais impuseram ao Estado a sua vontade de modo unilateral, pois "a questão deve ser vista [...] como um processo de negociação tensa, em que há mediação de forças, e não como um processo de submissão" de qualquer das partes. Finalizando, a autora afirma que seu "argumento se baseia na observação da crescente reação do setor industrial às sucessivas leis regulando a estrutura sindical" (ibidem). Assim, entendemos que a autora joga o foco da pesquisa sobre o papel das forças econômicas na implantação de um sistema corporativo, por meio da ação das associações de classe, embora reconheça que tal relação não é de soma zero.

Um argumento um pouco diferente do de Leopoldi é o defendido por Eli Diniz. Esta autora tem como objetivo explicar a relação Estado-sociedade sem pender para um ou outro lado da dicotomia. A saída encontrada pela autora é verificar como o Estado criou vias de acesso para cooptar a sociedade civil e como, à medida que cooptava, o Estado perdia sua forma original. Isso ocorria porque os grupos que eram absorvidos pelo Estado promoviam "ruídos" em suas estruturas à medida que adentravam no aparelho estatal; dessa forma, a "interpenetração [entre Estado e sociedade] se acentuaria com a proliferação de órgãos técnicos e consultivos e a expansão crescente da máquina burocrática. Assim é que o outro lado da cooptação que permitiria ao Estado estender e aprofundar o controle sobre a participação política dos grupos privados seria sua permeabilidade à ótica dos interesses de tais grupos" (DINIZ, 1978, p. 288). Segundo a autora, o Estado foi motivado a nacionalizar as associações de classe para atender a necessidades da sua dominação. Ao permitir o ingresso das associações em sua burocracia, os grupos estatais podiam controlar o sistema de representação de interesses; "Isto porque o estilo corporativo favorece a despolitização do processo de formulação e negociação de alternativas, na medida em que valoriza a representação direta dos interesses em detrimento de mediação política, ao mesmo tempo em que só legitima a negociação entre os grupos diretamente interessados numa dada medida. Apenas teriam direito à participação no processo decisório os grupos que, ou por competência específica, ou por serem diretamente afetados pela decisão, fossem definidos como atores legítimos" (idem, p. 295). Portanto, apesar de enfatizar um pouco o papel das forças sociais, percebe-se que, diferentemente de Leopoldi, Diniz defende a tese de que foi o Estado o responsável pela constituição do sistema corporativo, embora as elites econômicas conseguissem inscrever seus interesses no Estado e modificar sua estrutura depois de institucionalizado o sistema que regularizava as corporações.

Seguindo o exemplo de Diniz, Boschi almeja o mesmo objetivo que a autora, que consiste em "abandonar a ênfase atribuída a qualquer dos pólos da dicotomia Estado-sociedade civil para investigar as formas como as interações entre um grupo social determinado e segmentos da administração pública e as elites políticas contribuíram para o estabelecimento de determinados formatos institucionais" (BOSCHI, 1979, p. 18-19). Assim como Diniz, o autor interpreta o período em que as elites econômicas entram no Estado como um momento de submissão delas às políticas de desenvolvimento do Estado (lembremos que as elites industriais reivindicavam a presença do Estado no processo de industrialização). Como afirma Boschi, "os empresários industriais gradualmente passaram para uma posição de favorecer práticas antiliberais e um estilo corporativo de relações com o Estado, o que, por sua vez, levaria à subordinação de sua estrutura de representação de interesses" (idem, p. 73). Portanto, o sistema corporativo, entre outras coisas, serviu para que o Estado conseguisse anexar as forças sociais, facilitando a centralização do poder.

Por fim, Vanda Maria Ribeiro Costa é a autora que mais dá centralidade ao Estado no processo de institucionalização do corporativismo. Para Costa, o Estado utilizou o processo de regularização do corporativismo para conter as elites locais sob seu arbítrio. Isso ocorreu porque apenas por meio do Estado as associações conseguiriam deter o monopólio da representação de interesses, pois o Estado só aceitaria reivindicações encaminhadas por associações de classe que se enquadrassem no sistema corporativo que seria definido pelos grupos estatais; em particular, o Estado só atendia as demandas encaminhadas pelas associações devidamente regulamentadas, fato que permitiu a ampliação da regulação estatal sobre as elites econômicas paulistas. Portanto "esta forma de solucionar o problema, isto é, através da intervenção do Estado, iria gerar sua antítese: a competição entre as entidades patronais da indústria pela intervenção e proteção do Estado sob a forma de reconhecimento jurídico" e, com isso, "os paulistas começam a montar, sem o saber, a armadilha que os aprisionará ao Estado" (COSTA, 1999, p. 86).

Por mais que as associações legitimadas pelo Estado (Fiesp, por exemplo) tivessem a legalidade jurídica, elas não teriam legitimidade diante das elites econômicas. Desse fato decorreu o sistema bipartite, em que coexistiram associações civis e estatais, como ocorreu no caso das associações industriais paulistas em que "FIESP e CIESP se unem numa relação simbiótica enquanto a primeira se capacita na produção de bens coletivos através de sua cooperação com o Estado, a segunda garante a legitimidade da entidade sindical na esfera do mercado" (idem, p. 187).

Embora a autora defenda a tese de que "a estrutura corporativa não foi uma estrutura 'criada' e 'imposta', mas resultou daquelas interações sociais9 9 Essas interações dizem respeito às relações entre a burocracia do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio - nesse caso, a autora analisa os escritos de Oliveira Vianna -, a elite empresarial e o governo central. que produziram bons resultados" (idem, p. 90) e que a "adesão ao projeto oficial variou em função do grau de autonomia e força dos diversos grupos de interesse" (idem, p. 59), percebe-se que para a autora o Estado ocupa uma posição mais central (construindo "armadilhas" para capturar as elites econômicas) do que as forças sociais no processo de institucionalização do corporativismo.

Os estudos sobre a institucionalização das associações de classe variam entre uma perspectiva mais societal - enfocando a força do capital e o seu potencial criador - e uma perspectiva centrada no Estado. Nesta última prevalecem as estratégias dos grupos estatais para centralização ou ampliação do seu poder enquanto realizam a incorporação das elites econômicas, alterando, por seus próprios esforços, sua estrutura interna no sentido de permitir a entrada de elementos sociais que antes lhe eram estranhos.

A lógica argumentativa dos autores obedece a um principio funcionalista. A nacionalização das associações de classe pode ser explicada como um processo que funcionou ou a favor do Estado e da sua centralização, ou que permitiu às posições do campo econômico inscreverem seus interesses no Estado e mudarem sua estrutura interna. Ambas as teses são "funcionalistas", pois buscam explicar as associações por meio da função que elas desempenham em um sistema de dominação: ora para ampliar o poder das estruturas econômicas, ora para facilitar a preponderância estatal.

Devemos deter-nos no fato de que nenhuma das explicações acerca da institucionalização corporativa identifica as associações como desvinculadas dos interesses econômicos. Isso cabe até mesmo às explicações como a de Costa, focada mais na ação do Estado: o Estado teria como ponto de ataque as associações justamente porque elas personificam e manifestam os interesses do campo econômico; em caso contrário, todo o investimento estatal para regulamentação do corporativismo seria em vão, pois ele não conseguiria anular a ação das elites locais. Nesse sentido, ocorre uma derivação direta dos interesses e das necessidades das posições do campo econômico para os interesses das associações de classe. As associações são produto dos interesses das elites econômicas. Esse é o fio condutor que dá unidade aos estudos sobre associações de classe. A fórmula utilizada para explicar a gênese das associações guarda essa característica essencial que reverbera para os estudos sobre a institucionalização do sistema corporativo.

III.2. A questão genética

Como já dissemos, a gênese das associações precedeu a sua regulamentação pelo Estado; a partir disso, a grande maioria das pesquisas entende a formação das associações de classe como derivada de efeitos puramente econômicos.

O momento estratégico usualmente escolhido pelos pesquisadores para considerar a gênese das associações é o da formação do Ciesp como uma entidade autônoma da ACSP10 10 O Ciesp foi fundado em 1928 por uma dissidência da elite dirigente da ACSP quando industriais e importadores decidiram lançar candidatura própria. A primeira diretoria do Ciesp era composta pelos seguintes industriais: Jorge Street, Roberto Simonsen, Horácio Lafer, José Ermílio de Moraes, Antônio Devissate, Carlos Von Bullow, Alfredo Weiszflog, Conde Pissoti Gamba, Basilio Jafet e Conde Francisco Matarazzo (primeiro Presidente). . A separação das duas foi motivada pelo surgimento de tomadas de posição divergentes entre os comerciantes e os industriais no que diz respeito às questões tarifárias e cambiais, motivadas pela ascensão crescente do capital industrial no campo econômico. Assim, o estudo da formação do Ciesp está ligado ao estudo da formação de uma elite propriamente industrial no campo econômico, sendo essa associação uma conseqüência da expansão industrial: por esse motivo, os dois processos (industrialização e surgimento do Ciesp) são amplamente relacionados pela literatura.

Notamos que existe um consenso entre as teses que exploram a gênese das associações de classe; as diferenças teóricas e de enfoque são mínimas. Todas as teses que identificamos são de abordagem materialista, mas em umas pesa mais uma mistura de teoria da escolha racional com a teoria da ação coletiva, enquanto outras prezam a abordagem estruturalista. O pensamento materialista é o eixo comum que unifica todos os trabalhos que buscam explicar a gênese das associações de classe, embora existam diferentes formas de sua apropriação.

III.2.1 Escolha racional e lógica da ação coletiva

A autora que mais se detém na questão da fundação das associações de classe é Vanda Maria Ribeiro Costa. Utilizando a teoria da ação coletiva e a teoria da escolha racional para pensar o surgimento do Ciesp, Costa defende a tese de que, "basicamente, a iniciativa de criação do Ciesp obedeceu à lógica de evitar o mal maior. As perdas que lhes seriam impostas pela nova política tarifária não lhes deixaria alternativas que não a de se juntarem contra o poder de fogo dos setores do capital já organizados. Os industriais se viram obrigados a se agrupar, explicitar seus interesses, tentar legitimá-los frente aos outros setores e frente ao próprio Estado" (COSTA, 1999, p. 98-99). Assim, para a autora a associação de classe é fundada quando os agentes tomam consciência de que, caso não se associem, todos podem ser altamente prejudicados. Como já dissemos, o contexto em que ocorre a formação do Ciesp é de uma cisão dentro da ACSP (que representava também os interesses industriais até 1928), devido a desacordos sobre os rumos que deveriam tomar as políticas tarifárias11 11 Os comerciantes solicitavam baixas tarifas de importação, para poderem importar com maior facilidade, ao passo que os industriais defendiam tarifas de importação altas, para agredir a concorrência que os produtos importados impunham à produção de manufatura nacional. : "a decisão de se organizar [foi] uma reação às expectativas pessimistas que contrariavam os seus interesses, e sobre os quais não podiam ter menor interferência" (idem, p. 97).

No caso de Costa podemos perceber claramente em seu argumento as três dimensões teóricas de que tratamos anteriormente: teoria materialista, lógica da ação coletiva e escolha racional. Essas teorias aparecem de maneira explícita quando ela afirma que "a novidade das teorias da ação coletiva era mostrar que, ao contrário do que supunha o pluralismo clássico, um interesse comum não basta para produzir a ação conjunta. A novidade da lógica dual é introduzir o conflito como impulso à ação conjunta" (idem, p. 91). Assim a ação coletiva ocorre quando os atores racionalmente calculam os ganhos e as perdas de associarem-se: quando os ganhos da associação entre os atores são maiores, eles formam um grupo coeso para lutar pelos seus interesses comuns. Assim, tudo explica-se porque "indivíduos racionais, movidos por interesses comuns, agregam-se voluntária e espontaneamente para resolver um problema comum" (idem, p. 184). A escolha racional aparece como um princípio que caracteriza a ação, ou seja, os agentes são programados para agir de modo racional, independentemente da situação em que estejam inseridos. A racionalidade assume a forma de um cálculo em que são medidos os custos e os benefícios de uma ação qualquer, nesse caso, uma ação coletiva motivada por um interesse material: preservar ou melhorar a condição de uma elite econômica. O materialismo expressa-se na motivação dos agentes e no objeto de cálculo: os agentes são animados pelos seus interesses materiais, a partir dos quais eles formulam cálculos que, no caso que estudamos, tiveram como desenlace uma ação coletiva que se cristalizou na forma de associação de classe.

Segundo o raciocínio que abordamos, a formação da associação de classe parte de um interesse material, que é realizado por meio da deliberação e do cálculo. Esses cálculos pretendem equacionar os custos e os benefícios de associar-se, tendo como norte sempre aumentar ou manter o volume de capital econômico. Portanto, essa perspectiva entende as associações como sendo o produto de estratégias racionais de "investimentos econômicos" como quaisquer outros, sendo que sua especificidade é a de ser um investimento coletivo e coletivamente direcionado.

III.2.2. Materialismo estruturalista

Embora ambas as abordagens sigam um pensamento materialista, ao contrário da teoria da escolha racional a teoria estruturalista não identifica nos cálculos racionais dos indivíduos a responsabilidade pela formação das associações de classe, mas seria a associação o produto das dinâmicas "naturais" da estrutura econômica. Assim, independentemente das iniciativas dos agentes, as associações nasceriam como respostas mais ou menos necessárias às demandas específicas enfrentadas pelos grupos econômicos na estrutura material.

A ampliação e o crescimento da indústria induziria naturalmente a formação de uma associação de classe. A própria associação teria responsabilidade por defender os interesses do grupo nascente. Todas as palavras e conceitos pronunciados pela associação de classe (por meio de manifestos, protestos, acordos, votações, panfletos, ideologias etc.) são produto dos desafios e necessidades enfrentadas pelas posições econômicas para preservar ou melhorar sua situação dentro do campo econômico. Conforme afirma Leopoldi, "nos anos 1920, a indústria paulista alcançara um certo grau de desenvolvimento e começava a procurar uma arena específica de representação de interesses na qual pudesse tratar da questão tarifária e da regulamentação do trabalho nas fábricas. Começaram a surgir divergências entre industriais e importadores no interior da ACSP em torno da questão tarifária" (LEOPOLDI, 2000, p. 71). Ou seja: conforme a industrialização avança torna-se necessária a criação de uma instância de defesa conceitual, a qual servirá às necessidades da indústria para que esta possa assegurar sua existência no campo econômico.

Nesse sentido, a associação de classe é responsável pela defesa dos interesses econômicos do grupo, pois todas as suas atitudes respondem às necessidades de sua preservação. A associação é vista pela bibliografia como um meio de atender aos interesses materiais de uma posição econômica específica. Com efeito, a força que possibilita a gênese da associação de classe é justamente esse interesse material da elite econômica. As dinâmicas do mercado e as estratégias de lucro têm como desenlace a formação de associações de classe e estas devem obedecer, utilizando seus meios específicos, aos interesses responsáveis por sua gênese.

Segundo essa perspectiva, as associações são estruturas que nascem a partir dos interesses e das necessidades materiais; toda tomada de posição das associações são derivadas das demandas presentes nas posições do campo econômico, sendo a única particularidade das associações a capacidade de traduzir esses interesses em forma de palavras. Assim, o conjunto conceitual (deliberações, desejos, ações etc.) defendido pelas associações estaria previamente inscrito na estrutura material, cabendo a elas o papel de organizá-los e encaminhá-los às estruturas burocráticas do Estado. O interesse econômico precede a construção conceitual desenvolvida pelas associações. Dessa forma, percebemos como a teoria materialista manifesta-se no trabalho desses autores: ao subordinar a estrutura simbólica (ou conceitual) às demandas e necessidades das elites que compõem a estrutura material; das necessidades materiais da posição econômica emergiria a estrutura de conhecimento econômico.

Nesse sentido, pode-se entender o Ciesp, por exemplo, como um órgão fundado com o objetivo de defender os conceitos e as idéias imanentes às necessidades materiais da indústria: protecionismo e fim do livre-cambismo. Por essas idéias encontrarem oposição em relação às idéias da burguesia compradora, o desenlace lógico da situação foi o deslocamento do Ciesp em relação à ACSP, associações respectivamente industrial e comerciária que eram indistintas em um momento anterior. Dessa forma, a formação da elite industrial teve como conseqüência a construção de uma nova ordem simbólica agregada a ela e oposta à estrutura conceitual ligada à burguesia compradora; a dissociação infra-estrutural promoveu a ruptura no âmbito das associações de classe.

Quadro 2


IV. ALCANCE DAS TESES SOBRE ASSOCIAÇÕES DE CLASSE: SÃO PAULO 1910-1945

O pensamento que anima as teses sobre associações de classe de São Paulo entre 1910-1945 possui como axioma a relação de determinação direta das tomadas de posição da elite corporativa pelas necessidades materiais das posições econômicas. Por meio desse pensamento define-se o que são as associações de classe. Nesse sentido, a explicação do processo de gênese de uma associação de classe utiliza uma fórmula que se desdobra da própria definição desse objeto: as associações são um produto das demandas geradas pelas relações em que estão envolvidas as elites econômicas. Além de estar presente na elaboração da "fórmula genética" das associações, o pensamento em questão desdobra-se para os estudos sobre a institucionalização do modelo corporativo: mesmo que a nacionalização das associações tenha sido direcionada pelo Estado, respondendo assim às necessidades da dominação estatal, percebe-se que o pressuposto de que as associações refletem e são produtos das necessidades do capital permanece intacto.

Nesta seção pretendemos explorar o alcance dessa tese; primeiramente apontaremos alguns de seus problemas e posteriormente lançaremos algumas hipóteses de trabalho.

IV.1. Naturalização douta das associações de classe

Afirmar que tomadas de posição (tais como defesa do ou combate ao protecionismo e/ou ao nacionalismo) ou organizações sociais (em nosso caso específico: uma associação de classe) são produtos de necessidades (para a existência social ou biológica do grupo) contribui para naturalizar as próprias organizações que se busca estudar. Essa "naturalização douta" é um efeito decorrente da maneira como são manuseados dois recursos analíticos: a sincronia e a diacronia; abordaremos detidamente cada um deles a seguir.

Lévi-Strauss desenvolve seu pensamento por meio de uma crítica às mais diversas formas materialistas. Boa parte da Etnologia na primeira metade do século XX interpretava o sistema simbólico primitivo como se ele fosse efeito das necessidades fisiológicas dos nativos. Afirma o autor que tal era "o mesmo erro cometido por Malinowski quando pretendia que o interesse dos primitivos pelas plantas e animais totêmicos era-lhes inspirado unicamente pelos reclamos de seu estômago" (LEVI-STRAUSS, 1989, p. 17). Segundo Lévi-Strauss, primeiro é necessário conhecer algo para depois interpretar esse algo como uma necessidade. Ou seja, a ordem simbólica antecede a necessidade, pois ela fornece o sistema de referências no qual a necessidade é apenas um conceito a mais; "concluir-se-ia, de bom grado, que as espécies animais e vegetais não são conhecidas porque são úteis; elas são consideradas úteis ou interessantes porque são primeiro conhecidas" (ibidem). Portanto, a necessidade só existe a partir do momento em que existe um meio de saciá-la, a "satisfação" e a "necessidade" são construídas concomitantemente sem que uma preceda ou gere a outra.

A grande atribuição de uma associação de classe é poder falar em nome da elite econômica, de representar e dizer as suas vontades. A associação, tendo o monopólio da palavra, pode conduzir os interesses. Uma associação de classe pode não nascer porque ela é materialmente necessária, mas ela existe na medida em que lhe é agregada a idéia de necessidade. Essa idéia está submetida e contida nos processos sociais que desencadearam a gênese das associações e de maneira alguma antecede esses processos.

Segundo essa concepção, poder-se-ia interpretar que o engano da bibliografia que estuda o surgimento do Ciesp, por exemplo, consistiria em defender que essa associação surgiu para suprir necessidades de desenvolvimento da indústria. A ampliação da indústria gerava demandas que deveriam ser supridas: um interesse na defesa política do protecionismo, por exemplo. Primeiramente, ao afirmar que o Ciesp surgiu como resposta às necessidades imanentes do campo econômico a tese trata essa ordem social como algo indispensável que estaria em completa sintonia com as demandas e interesses da indústria (e que essas demandas precederam e reclamaram pela formação de uma associação de classe). Além disso, tal abordagem esquece que esta é exatamente a explicação que o Ciesp atribui a si mesmo (atender aos interesses e demandas dos industriais). Com isso, a bibliografia estaria ratificando a justificativa dada pelo Ciesp para a sua própria existência e reiterando a sua legitimidade diante da elite econômica. Assim, os estudos contribuem para a naturalização do objeto, pois entendem-no como uma resposta às necessidades e aos interesses materiais, que seriam realidades irrefutáveis. A naturalização também se dá quando os autores aderem às narrativas que a associação conta sobre si mesma, as quais disfarçam sua justificativa sob uma objetivação parcial, em que o próprio processo genético das associações desenvolve, sobre elas, a idéia de que são necessárias para outros.

A maneira como a diacronia é utilizada pelas pesquisas atuais tende a ser defeituosa pois opera-se sob a falácia da teleologia. Ao explicar o surgimento de uma associação, as teses tomam o evento a ser explicado como uma espécie de objetivo para onde caminharia toda a história do período estudado. A conjuntura social "acabada" (em nosso caso: um campo econômico composto de associações de classe) influenciaria o olhar do pesquisador enquanto ele remonta a conjuntura histórica precedente, no sentido de induzir o pesquisador a construir um modelo de explicação historiográfica dotado de características e eventos que enfatizem os aspectos centrais da conjuntura que fora montada posteriormente. Com isso, a pesquisa elimina completamente o universo de possíveis (eventos que estariam latentes ou que poderiam acontecer) e deixa de lado os usos práticos das referências temporais, dando destaque à possibilidade realizada, como se esta fosse a única possível.

Quadro 3


Operar sob a falácia da teleologia implica a construção de um modelo de sucessão de fatos e eventos, por um lado, e interesses e necessidades do grupo, por outro lado, dotado de uma coerência interna que só é inteligível se levadas em conta as características do futuro. Cria-se, assim, a impressão de que a compreensão da lógica da estrutura social passada é refém do seu futuro. Recriar um passado maculado pelas naturalizações do futuro implica eliminar da análise possibilidades de realização de interesses e necessidades interpretadas como factíveis pelos agentes da época (possibilidades que foram esquecidas ou "proibidas" depois que uma alternativa específica generalizou-se) e, conseqüentemente, reifica o objeto, ao admitir uma única possibilidade (a mais provável, a mais encaixada etc.) escondendo as demais. Portanto, à própria naturalização da associação está ligada a naturalização de um passado que justifica um futuro cristalizado como se este fosse inevitável, essencial ou uma necessidade inviolável.

A única medida do passado é o próprio futuro; conseqüentemente todo modelo de reconstrução retrospectiva estará, de alguma forma, determinado pelas contingências cristalizadas caso se parta destas próprias estruturas reificadas para proceder a análise. Dessa forma, de acordo com a síntese de Gilles Deleuze (interpretando Henri Bergson), "Quando perguntamos 'por que alguma coisa em vez de nada?' ou 'por que ordem em vez de desordem?', ou 'por que isto em vez daquilo (aquilo que era igualmente possível)?', caímos em um mesmo vício: tomamos o mais pelo menos, fazemos como se o não-ser preexistisse ao ser, a desordem à ordem, o possível à existência, como se o ser viesse preencher um vazio, como se a ordem viesse organizar uma desordem prévia, como se o real viesse realizar uma possibilidade primeira. O ser, a ordem ou o existente são a própria verdade; porém, no falso problema, há uma ilusão fundamental, um 'movimento retrógrado do verdadeiro', graças ao qual supõe-se que o ser, a ordem e o existente precedam a si próprios ou precedam ao ato criador que os constitui, pois, nesse movimento, eles retroprojetam uma imagem de si mesmos em uma possibilidade, em uma desordem, em um não-ser supostamente primordiais" (DELEUZE, 1999, p. 11).

Adaptando as palavras de Deleuze para o nosso objeto, podemos dizer que, por um lado, a "desordem", o "não-ser" o "possível" e o "menos" corresponderiam à configuração do campo econômico e do Estado no período que antecedeu formação das associações de classe. Por outro lado, a "ordem", o "ser", a "existência" e o "mais" corresponderiam à configuração da sociedade com as associações de classe formadas: a falha estaria justamente em olhar para o momento passado buscando encontrar um espaço para encaixar o futuro, construindo um passado dotado de interesses e necessidades materiais no qual o futuro encaixe-se perfeitamente como um resultado de uma equação.

Assim, o problema então formulado já conteria uma resposta: "como era a conjuntura que precedeu a formação das associações de classe?". Resposta: "uma conjuntura que já continha a associação de classe de forma latente ou como única possibilidade realizável". Portanto, a associação passa a ser a resposta para a pergunta que se formula acerca das próprias associações. As próprias características de sua estrutura "acabada" dir-nos-á os elementos que nos permitem checar as condições sociais de sua gênese. Assim, uma pesquisa que realiza uma construção retrospectiva formula, como diria Deleuze, novamente interpretando Bergson12 12 Podemos expandir ainda a crítica bergsoniana (ao conhecimento historiográfico) em dois pontos: (i) ao remontar o passado o analista "transforma" um estado presente em um estado passado; para os agentes da época indagada, eles viviam no presente e tinham uma concepção específica de passado, o olhar do pesquisador trata os fatos da época estudada como fatos passados e não como um presente relativo, assim o olhar do estudioso não traduziria a real situação dos pesquisados pois o que é presente para os pesquisados é compreendido como passado para o pesquisador, o que altera a natureza da relação entre eles. Torna-se impossível explicar algo por meio da remontagem de um fato passado em uma situação em que aquele fato era compreendido como presente (aliás, para Bergson, é falaciosa a própria "espacialização do tempo" - passado, presente, futuro, antes, depois, durante etc. -, pois ele concebe o tempo como uno e o tempo e o espaço como não pertencentes à mesma natureza). (ii) A remontagem do passado confere dinâmica ao que era compreendido como estático ou estagnação ao que era entendido como dinâmico; o analista atribui uma progressão própria aos eventos que muitas vezes difere dos movimentos realmente vividos pelos agentes estudados. Assim como o físico ao adiantar, atrasar ou estipular um espectro temporal para realizar suas experiências deixa a dever à compreensão da dinâmica temporal real, o historiador apressa ou retarda os eventos de modo que, muitas vezes, distancia-se da impressão temporal vivida pelos agentes (BERGSON, 2006, p. 82). , um falso problema, por ser esse um problema de pesquisa que já contém resposta. "Com efeito, cometemos o erro de acreditar que o verdadeiro e o falso concernem somente às soluções, que eles começam apenas com as soluções. Esse preconceito é social (pois a sociedade, e a linguagem que dela transmite as palavras de ordem, 'dão'-nos problemas totalmente feitos, como que saídos de 'cartões administrativos da cidade', e nos obrigam a 'resolvê-los', deixando-nos uma delgada margem de liberdade). Mais ainda, o preconceito é infantil e escolar, pois o professor é quem 'dá' os problemas, cabendo ao aluno a tarefa de descobrir-lhes a solução. Desse modo, somo mantidos numa espécie de escravidão. A verdadeira liberdade está em um poder de decisão, de constituição dos próprios problemas" (idem, p. 8-9).

A bibliografia atual que explica as associações de classe constrói um modelo teleológico que interliga, de maneira lógica e elucidativa, necessidades e interesses econômicos às associação de classe. A reconstrução do passado consiste, basicamente, em erigir um sistema causal atribuindo interesses e postulando necessidades materiais (cada grupo possui um conjunto de interesses e necessidades) que são compreendidas somente a partir do momento em que se conhece os seus efeitos. Portanto, além de construírem um modelo explicativo que deve a sua lógica à relação e sucessão de interesses e necessidades materiais, as teses atuais aplicam uma "fórmula pronta" a qualquer questão: basta identificar (ou postular teleologicamente) interesses e relacioná-los diacronicamente. Assim, as teorias atuais mais do que reproduzirem um truísmo elaboram uma falsa questão, pois é uma questão que além de já ter uma resposta pronta, possui uma fórmula única para resolvê-la.

IV.2. Por uma definição das associações de classe

O ponto comum dessas duas falhas presentes nas explicações sobre as associações de classe consiste no fato de que os pesquisadores atribuem um sentido único à ação dos pesquisados independentemente dos constrangimentos sob os quais eles estavam submetidos. De uma finalidade restrita, mirada pelos agentes como uma doxa, desdobrar-se-iam todas as ações e seus efeitos na realidade. A atribuição de um interesse exclusivo aos agentes como se esse fosse o verdadeiro sentido de suas ações em qualquer circunstância contribui para a criação de um modelo explicativo que se distancia da realidade prática, ao trabalhar com uma variável única e que serve de causa para todas as conseqüências.

Ao atribuir exclusivamente um interesse material à prática dos agentes, os pesquisadores acabam por encobrir o verdadeiro significado da ação no momento em que ela se realiza, pois o significado das ações varia conforme a ordem social na qual estão inseridos seus protagonistas. A estrutura social coage os agentes a redirecionarem seus investimentos: o mesmo agente pode tomar atitudes amplamente contraditórias dependendo do ambiente social em que está inserido (na família, no trabalho ou entre os amigos, por exemplo). Um modelo explicativo unicausal "faz passar despercebido a 'confusão das esferas', como dizem os lógicos, que resulta da aplicação, altamente econômica, mas necessariamente aproximativa, dos mesmos esquemas a universos lógicos diferentes" (BOURDIEU, 2009, p. 143).

Podemos reduzir esse problema observando quais são os constrangimentos sociais nos quais estão envolvidos os agentes. Para identificar isso é preciso perceber o que está em jogo na ordem social em que atuam os indivíduos estudados, o que é produzido neste campo e em torno do que gira a disputa entre os envolvidos, para assim "reconhecer na prática uma lógica que não é a da lógica para evitar lhe pedir mais lógica do que ela pode oferecer e de se condenar assim ou a lhe extorquir incoerências, ou lhe impor uma coerência forçada" (idem, p. 142).

De acordo com nossa hipótese, a particularidade do campo das associações de classe é que este é um local cuja dinâmica consiste em generalizar uma "representação" específica. Usamos "representação" em dois sentidos: como visão de mundo (formas de classificar-se e classificar os outros) e como delegação bem-sucedida de tarefas ("x" representa "y" na medida em que "x" age em função das vontades de "y"), de modo que esses dois processos são completamente intercambiáveis.

Uma visão de mundo é uma forma de interpretar e orientar-se na realidade, uma forma de reconhecer e conhecer o que está à sua volta; em suma, uma forma de classificação. Nossa hipótese é que as associações de classe são organismos capazes de desenvolver essas formas de classificação, são produtores de crença. Assim, uma associação de classe revela-se mais como um ambiente em que se produz uma ordem conceitual e menos uma que reflete conceitos previamente estabelecidos. Nesse sentido, toda associação de classe pode ser definida internamente como um organismo que constrói, por meio de uma linguagem particular, um conjunto conceitual (por meio do qual se definem e interpretam uma parte do mundo) que fornece definições a um grupo específico, funcionando ao mesmo tempo de modo imperioso e prestativo.

Essa construção conceitual desenvolve-se em duas direções: uma com relação ao campo econômico (e aos grupos que o estruturam) e outra com relação ao espaço social. As elites das associações de classe podem ser definidas pela capacidade que têm de generalizar uma representação específica da elite econômica sobre ela mesma e ao mesmo tempo de dizer "aos outros" o que pensa e deseja essa posição econômica.

A associação de classe está envolta em uma luta a respeito do monopólio de construir a identidade dos grupos econômicos e do monopólio da voz destes grupos no espaço social. "Apropriar-se das 'palavras da tribo' significa se apropriar do poder de atuar sobre o grupo ao se apropriar do poder que o grupo exerce sobre si mesmo por meio de linguagem oficial: com efeito, o princípio da eficácia mágica dessa linguagem performativa que faz existir aquilo que ela enuncia, que institui magicamente aquilo que ela diz nas constatações constituintes, não reside, como alguns crêem, na própria linguagem, mas no grupo que a autoriza e que se autoriza, que a reconhece e que nela se reconhece" (BOURDIEU, 2009, p. 185; sem grifos no original).

A formação de uma associação de classe ocorre paralelamente à formação da identidade e das expressões públicas de uma elite econômica na medida em que ela é uma instância capaz de reivindicar para si o monopólio legítimo de dizer para uma posição econômica e para o todo quem ela é e o que ela quer.

Pelo que pudemos extrair da bibliografia, tudo indica que a construção das associações de classe teve início com projetos de divulgação de leis federais e estaduais. As lideranças associativas lançavam panfletos por meio dos quais visavam a informar os seus pares sobre os eventos políticos que lhes diziam respeito, juntamente com as informações divulgadas estava uma interpretação e uma orientação de conduta. Sobre esse assunto, Costa destaca: "Em primeiro lugar, o fato de que as informações são cuidadosamente selecionadas. Em segundo lugar, são divulgadas como regras de conduta a serem adotadas. Em terceiro lugar, as informações traduzem o interesse que o CIESP tem em qual deve ser o interesse 'real' dos industriais. Esse investimento político-pedagógico exigirá do CIESP um grande esforço exegético em relação a legislação que lhe permitisse firmar interpretações da lei, orientando a conduta dos industriais de acordo com o seu interesse 'real'. Qualquer inovação legal que afetasse a atividade industrial, qualquer oportunidade de apoio ou incentivo do Estado era prontamente divulgada, prontificando-se o Centro 'gratuitamente e sem incomodo para os interessados' a encaminhar todo o processo necessário para o encaminhamento dessas oportunidades [...]. O CIESP tentava organizar a atividade industrial, inventando funções para si próprio, revestindo-as de caráter público e constituindo-se como ator coletivo" (COSTA, 1999, p. 104)

A lógica associativa delega a si a função de resolver demandas por ela mesma formalizadas, que ela própria inscreve na agenda empresarial. A representação, no sentido de delegação de tarefas, ocorre na medida em que os representantes conseguem, por meio de sua palavra, criar a própria necessidade de sua existência, a própria crença na sua representação. Formaliza-se uma conjuntura em que as associações tornam-se indispensáveis. A lógica associativa não permite que enxerguemos nela um fim em si, pois ela autonomeia-se como um meio, de maneira análoga ao que se passa com a lógica de Estado: a sua finalidade reside em perpetuar a idéia de que eles são meios para a realização de fins alheios e essa construção conceitual turva o olhar dos observadores.

Essa crença que emana da lógica associativa é, por excelência, a sua característica distintiva no espaço social; ela não foi abordada diretamente pela bibliografia brasileira que trata do tema. A maioria dos estudos identifica nas tomadas de posição das associações de classe um reflexo das vontades e necessidades dos grupos, passando a ser completamente legítimo tomar os interesses das elites econômicas pelos interesses proclamados pelas associações (tais como realizam os estudos que tomam as associações como uma ferramenta de pesquisa). Como vimos, ao tratar o objeto sob essa platitude, a Sociologia Política acaba mais contribuindo para a reificação do efeito simbólico produzido pelas associações do que objetivando as condições sociais de produção desse efeito. Nesses termos, a Sociologia Política estaria contaminada pela definição que o objeto produz no espaço social (a representação), definição que essa própria ciência deveria desmistificar. O engano da definição de corporativismo que a bibliografia produz deriva justamente desse efeito simbólico que as associações de classe produzem no espaço social: elas justificam-se sob o pretexto de defenderem os interesses do todo. Elas reivindicam para si o monopólio de representar os interesses e saciar as necessidades materiais e o sucesso dessa empreitada pode ser observado inclusive nas tomadas de posição científicas.

Portanto, uma agenda de pesquisa que poderia ser levada adiante deveria contemplar um estudo da produção da identidade empresarial realizada pelas associações de classe. Esse tipo de estudo poderia facilitar o entendimento de como são elaborados os interesses das elites empresariais em vez de vinculá-los diretamente à dinâmica econômica.

V. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo do nosso trabalho foi explorar o conjunto de estudos sobre associações de classe no Brasil. Limitamos nosso trabalho à compilação dos estudos que buscaram explicar São Paulo de 1910 a 1945. Nossa revisão bibliográfica teve dois objetivos específicos. O primeiro consistiu em indicar como e em que condições a bibliografia mobiliza as associações. No segundo quisemos identificar quais são as definições teóricas de corporativismo predominantemente trabalhadas pela bibliografia.

Identificamos que os estudiosos lançam mão das associações de classe quando lhes é conveniente explicar a relação entre o Estado e o campo econômico brasileiro. As corporações são mobilizadas por esses estudos pois elas possibilitam a identificação dos interesses das elites econômicas, ao materializarem-nos em suas ações políticas no interior do aparelho de Estado.

Seguindo essa definição, percebemos que os estudos que tratam especificamente das associações de classe normalmente as definem dessa mesma forma. As associações são manifestações dos interesses materiais dos grupos econômicos que representam. Elas próprias são respostas às necessidades econômicas das elites empresariais.

Em seguida percebemos que essa definição contém alguns limites. As próprias associações podem ser responsáveis pela formulação dos interesses dos grupos econômicos. Assim, as associações não seriam mais vistas como efeitos de interesses que estão aquém de sua formação, mas elas próprias são formuladoras dos interesses. Nesse sentido, torna-se necessário acompanhar o processo de arquitetação dos interesses dos grupos econômicos pelas elites corporativas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BAER, W. 1975.A industrialização e o desenvolvimento econômico do Brasil. 2ª ed. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas.

BERGSON, H. 2006. Duração e simultaneidade: a propósito da teoria de Einstein. São Paulo: M. Fontes.

BOURDIEU, P. 1996. As regras da arte: gênese e estrutura do campo literário. São Paulo: Companhia das Letras.

_____. 2007. A distinção: crítica social do julgamento. São Paulo: USP.

_____. 2009. O senso prático. Petrópolis: Vozes.

BOURDIEU, P. & WACQUANT, L. 1992. An Invitation to Reflexive Sociology. Chicago: University of Chicago.

CANO, W. 1977. Raízes da concentração industrial em São Paulo. São Paulo: Difel.

COSTA, V. M. R. 1991. Origens do corporativismo brasileiro. In: BOSCHI, R. R. (org.). Corporativismo e desigualdade: a construção do espaço público no Brasil. Rio de Janeiro: Rio Fundo.

_____. 1999. A armadilha do Leviatã: a construção do corporativismo no Brasil. Rio de Janeiro: UERJ.

DEAN, W. 1971. A industrialização de São Paulo. São Paulo: USP.

DELEUZE, G. 1999. Bergsonismo. São Paulo: ed. 34.

DINIZ, E. & BOSCHI, R. R. 1991. O corporativismo na construção do espaço público. In: BOSCHI, R. R. (org.). Corporativismo e desigualdade: a construção do espaço público no Brasil. Rio de Janeiro: Rio Fundo.

_____. 2004. Empresários, interesses e mercado: dilemas do desenvolvimento no Brasil. Belo Horizonte: UFMG.

DRAIBE, S. 1985. Rumos e metamorfoses: um estudo sobre a constituição do Estado e as alternativas da industrialização no Brasil (1930-1960). São Paulo: Paz e Terra.

DURKHEIM, E. 1989. As formas elementares de vida religiosa. São Paulo: Paulus.

FAORO, R. 1975. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. 2ª ed. Porto Alegre: Globo.

FAUSTO, B. 1983. A Revolução de 30. São Paulo: Brasiliense.

FOUCAULT, M. 1999. As palavras e as coisas. São Paulo: M. Fontes.

FURTADO, C. 1970. Formação econômica da América Latina. 2ª ed. Rio de Janeiro: LIA.

_____. 1980. Formação econômica do Brasil. São Paulo: Nacional.

GOMES, A. C. 1979. Burguesia e trabalho: política e legislação social no Brasil, 1917-1937. Rio de Janeiro: Campus.

_____. 1994. Novas elites burocráticas. In: _____. (org.). Engenheiros e economistas: novas elites burocráticas. V. 1. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas.

LATOUR, B. 1994. Jamais fomos modernos: ensaio de Antropologia Simétrica. Rio de Janeiro: ed. 34.

LEME,M. S. 1978. A ideologia dos industriais brasileiros: 1919- 1945. Petrópolis: Vozes.

LEOPOLDI, M. A. 2000. Política e interesses na industrialização brasileira: as associações industriais, a política econômica e o Estado. São Paulo: Paz e Terra.

LEVI-STRAUSS, C. 1989. O pensamento selvagem. Campinas: Papirus.

LOVE, J. 1982. A locomotiva: São Paulo na federação brasileira: 1889-1937. São Paulo: Paz e Terra.

LUCAKS, G. 2003. História e consciência de classe: estudos de dialética marxista. São Paulo: M. Fontes.

LUZ, N. V. 1961. Luta pela industrialização do Brasil. São Paulo: Difel.

MARTINS, L. 1967. Formação do empresariado industrial no Brasil. Revista do Instituto de Ciências Sociais, v. 4, n. 1, jan.-dez.

_____. 1982. A revolução de 1930 e seu significado político. In: Revolução de 30: seminário internacional. Brasília: UNB. Disponível em: http://virtualbib.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/6765/148.pdf?sequence=1. Acesso em: 2.ago.2010.

MARX, K. 1983. Contribuição à crítica da Economia Política. São Paulo: M. Fontes.

PELAEZ, C. M. 1972. História da industrialização brasileira. Rio de Janeiro: APEC.

PERISSINOTTO, R. M. 1999. Estado e capital cafeeiro em São Paulo: 1899-1930. Campinas: UNICAMP.

REIS, E. P. 1991. Poder privado e construção de Estado sob a Primeira República. In: BOSCHI, R. R. (org.). Corporativismo e desigualdade: a construção do espaço público no Brasil. Rio de Janeiro: Rio Fundo.

SCHMITTER, P. C. 1971. Interest, Conflict and Political Change in Brazil. Stanford: Stanford University.

SCHWARTZMAN, S. 1982. Bases do autoritarismo brasileiro. 2ª ed. Rio de Janeiro: Campus.

SIMONSEN, R. C. & GUDIN, E. 2010. A controvérsia do planejamento na economia brasileira. 3ª ed. Rio de Janeiro: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Disponível em: http://www.ipea.gov.br/sites/000/2/livros/2010/Simonsen_Vol.2.pdf. Acesso em: 13.set.2010.

SUZIGAN, W. 2000. Indústria brasileira: origem e desenvolvimento. São Paulo: Hucitec.

WEBER, M. 1964. Economía y sociedad: esbozo de Sociología Comprensiva. 2ª ed. Ciudad de México: Fondo de Cultura Económica.

_____. 1989. Política como vocação. In: _____. Ciência e política: duas vocações. São Paulo: Cultrix.

_____. 2001. A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo: Centauro.

Recebido em 5 de julho de 2010.

Aprovado em 31 de julho de 2010.

Hugo Loss (hugo.loss@gmail.com) é Bacharel em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e pesquisador do Núcleo de Pesquisas em Sociologia Política Brasileira (NUSP) da mesma instituição.

  • BAER, W. 1975.A industrialização e o desenvolvimento econômico do Brasil. 2Ş ed. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas.
  • BERGSON, H. 2006. Duração e simultaneidade: a propósito da teoria de Einstein São Paulo: M. Fontes.
  • BOURDIEU, P. 1996. As regras da arte: gênese e estrutura do campo literário. São Paulo: Companhia das Letras.
  • _____ 2007. A distinção: crítica social do julgamento. São Paulo: USP.
  • _____ 2009. O senso prático Petrópolis: Vozes.
  • BOURDIEU, P. & WACQUANT, L. 1992. An Invitation to Reflexive Sociology. Chicago: University of Chicago.
  • CANO, W. 1977. Raízes da concentração industrial em São Paulo. São Paulo: Difel.
  • COSTA, V. M. R. 1991. Origens do corporativismo brasileiro. In: BOSCHI, R. R. (org.). Corporativismo e desigualdade: a construção do espaço público no Brasil. Rio de Janeiro: Rio Fundo.
  • _____ 1999. A armadilha do Leviatã: a construção do corporativismo no Brasil. Rio de Janeiro: UERJ.
  • DEAN, W. 1971. A industrialização de São Paulo. São Paulo: USP.
  • DELEUZE, G. 1999. Bergsonismo. São Paulo: ed. 34.
  • DINIZ, E. & BOSCHI, R. R. 1991. O corporativismo na construção do espaço público. In: BOSCHI, R. R. (org.). Corporativismo e desigualdade: a construção do espaço público no Brasil. Rio de Janeiro: Rio Fundo.
  • _____ 2004. Empresários, interesses e mercado: dilemas do desenvolvimento no Brasil. Belo Horizonte: UFMG.
  • DRAIBE, S. 1985. Rumos e metamorfoses: um estudo sobre a constituição do Estado e as alternativas da industrialização no Brasil (1930-1960). São Paulo: Paz e Terra.
  • DURKHEIM, E. 1989. As formas elementares de vida religiosa. São Paulo: Paulus.
  • FAORO, R. 1975. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. 2Ş ed. Porto Alegre: Globo.
  • FAUSTO, B. 1983. A Revolução de 30 São Paulo: Brasiliense.
  • FOUCAULT, M. 1999. As palavras e as coisas. São Paulo: M. Fontes.
  • FURTADO, C. 1970. Formação econômica da América Latina 2Ş ed. Rio de Janeiro: LIA.
  • _____ 1980. Formação econômica do Brasil. São Paulo: Nacional.
  • GOMES, A. C. 1979. Burguesia e trabalho: política e legislação social no Brasil, 1917-1937. Rio de Janeiro: Campus.
  • _____ 1994. Novas elites burocráticas. In: _____. (org.). Engenheiros e economistas: novas elites burocráticas. V. 1. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas.
  • LATOUR, B. 1994. Jamais fomos modernos: ensaio de Antropologia Simétrica. Rio de Janeiro: ed. 34.
  • LEME,M. S. 1978. A ideologia dos industriais brasileiros: 1919- 1945. Petrópolis: Vozes.
  • LEOPOLDI, M. A. 2000. Política e interesses na industrialização brasileira: as associações industriais, a política econômica e o Estado. São Paulo: Paz e Terra.
  • LEVI-STRAUSS, C. 1989. O pensamento selvagem. Campinas: Papirus.
  • LOVE, J. 1982. A locomotiva: São Paulo na federação brasileira: 1889-1937. São Paulo: Paz e Terra.
  • LUCAKS, G. 2003. História e consciência de classe: estudos de dialética marxista. São Paulo: M. Fontes.
  • LUZ, N. V. 1961. Luta pela industrialização do Brasil. São Paulo: Difel.
  • MARTINS, L. 1967. Formação do empresariado industrial no Brasil. Revista do Instituto de Ciências Sociais, v. 4, n. 1, jan.-dez.
  • _____ 1982. A revolução de 1930 e seu significado político. In: Revolução de 30: seminário internacional. Brasília: UNB. Disponível em: http://virtualbib.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/6765/148.pdf?sequence=1 Acesso em: 2.ago.2010.
  • MARX, K. 1983. Contribuição à crítica da Economia Política. São Paulo: M. Fontes.
  • PELAEZ, C. M. 1972. História da industrialização brasileira. Rio de Janeiro: APEC.
  • PERISSINOTTO, R. M. 1999. Estado e capital cafeeiro em São Paulo: 1899-1930. Campinas: UNICAMP.
  • REIS, E. P. 1991. Poder privado e construção de Estado sob a Primeira República. In: BOSCHI, R. R. (org.). Corporativismo e desigualdade: a construção do espaço público no Brasil. Rio de Janeiro: Rio Fundo.
  • SCHMITTER, P. C. 1971. Interest, Conflict and Political Change in Brazil. Stanford: Stanford University.
  • SCHWARTZMAN, S. 1982. Bases do autoritarismo brasileiro. 2Ş ed. Rio de Janeiro: Campus.
  • SIMONSEN, R. C. & GUDIN, E. 2010. A controvérsia do planejamento na economia brasileira 3Ş ed. Rio de Janeiro: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Disponível em: http://www.ipea.gov.br/sites/000/2/livros/2010/Simonsen_Vol.2.pdf Acesso em: 13.set.2010.
  • SUZIGAN, W. 2000. Indústria brasileira: origem e desenvolvimento. São Paulo: Hucitec.
  • WEBER, M. 1964. Economía y sociedad: esbozo de Sociología Comprensiva. 2Ş ed. Ciudad de México: Fondo de Cultura Económica.
  • _____ 1989. Política como vocação. In: _____. Ciência e política: duas vocações. São Paulo: Cultrix.
  • _____ 2001. A ética protestante e o espírito do capitalismo São Paulo: Centauro.
  • 1
    O modelo de divisão dos argumentos que utilizamos para realizar esta seção é baseado no livro clássico de Warren Dean (1971),
    A industrialização de São Paulo.
  • 2
    Embora no livro em questão Furtado indique a incompatibilidade entre os capitais exportador e industrial, em outro trabalho ele compreende a presença de dois momentos em que a relação entre as duas posições aparentemente se inverte: "é com respeito à natureza do processo de industrialização que a crise de 1929 constitui um marco de grande significação. Até então, o desenvolvimento do setor industrial fora um
    reflexo da expansão das exportações; a partir desse momento, a industrialização seria principalmente induzida pelas tensões estruturais provocadas pelo declínio, ou crescimento insuficiente, do setor exportador" (FURTADO, 1970, p. 131; sem grifos no original). Com isso "a substituição de importações somente se concretizou nos países que já haviam passado pela primeira fase de industrialização"; essa fase corresponde ao momento que antecedeu a crise de 1929 (
    idem, p. 141).
  • 3
    A questão agora parece estar mais deslocada para uma abordagem "micro", no sentido de explorar a socialização e o dia-a-dia dos agentes que protagonizaram a industrialização, ao contrário do que ocorre nas abordagens macro-estruturais.
  • 4
    No caso específico do tema da industrialização, os autores que negam a presença do Estado (sob qualquer forma) no processo utilizam como argumento principal a intermitência e a pequena abrangência da ação do Estado no incentivo da industrialização, isto é, a dimensão do desenvolvimento industrial seria muito maior em relação à dimensão dos investimentos estatais na industrialização (embora não tenha havido uma oposição do Estado face à industrialização). Como afirma Wilson Suzigan, "seria um exagero atribuir a diversificação da produção industrial ocorrida na década de 1920 aos incentivos e [aos] subsídios governamentais" (SUZIGAN, 1986, p. 43). Seguindo o mesmo argumento, Boris Fausto afirma que "Essas medidas esparsas [do Estado na década de 1930] não podem ser confundidas, entretanto, com um plano desenvolvimentista de modificações estruturais da economia" (FAUSTO, 1983, p. 50). Assim, o Estado não possuía uma ação efetiva no desencadeamento da industrialização, embora também não o tivesse obstruído declaradamente. Essa seria, a nosso ver, a principal justificativa presente na bibliografia para excluir o Estado do modelo explicativo.
  • 5
    Dessa forma, o autor contrapõe-se à tese marxista ao opor a
    representação à
    cooptação. No caso da representação a relação Estado-sociedade ocorreria de modo que as posições do campo econômico far-se-iam representar dentro do Estado, manipulando-o; por outro lado, no caso da cooptação, o Estado absorveria essas forças sociais, submetendo-as ao seu arbítrio.
  • 6
    Cf., por exemplo, a pesquisa de Paulo Costa, que visa a "pensar [sobre] as características da estrutura corporativa vigente no Brasil de [19]46-[19]64, no que tange à
    ação política das classes dominantes, e suas relações com o regime democrático" (COSTA, 1998, p. 50; grifos no original).
  • 7
    Parte da bibliografia ainda expande o foco para o Decreto n. 1 402, de 5 de julho de 1939, que aumentava a regulamentação estatal sobre as corporações (retomando o tom do Decreto de 1931 e diferenciando-se do de 1934, que dava maior autonomia às associações devido às características do sistema bipartite), para os artigos 138 e 140 da Constituição Federal de 10 de novembro de 1937, para o Decreto n. 2 381 de 9 de julho de 1940 e para o Decreto n. 5 452 de 1° de maio de 1943. Contudo, para nossos fins podemos restringir a análise aos decretos de 1931 e de 1934, que foram as principais ações estatais no sentido de regulamentar a ação corporativa.
  • 8
    A autora faz menção aqui ao Decreto-Lei n. 1 402 de 5 de julho de 1930, que procurou regular a organização sindical, tendo sido alterado pelo Decreto n. 2 381 de 9 de julho de 1940.
  • 9
    Essas interações dizem respeito às relações entre a burocracia do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio - nesse caso, a autora analisa os escritos de Oliveira Vianna -, a elite empresarial e o governo central.
  • 10
    O Ciesp foi fundado em 1928 por uma dissidência da elite dirigente da ACSP quando industriais e importadores decidiram lançar candidatura própria. A primeira diretoria do Ciesp era composta pelos seguintes industriais: Jorge Street, Roberto Simonsen, Horácio Lafer, José Ermílio de Moraes, Antônio Devissate, Carlos Von Bullow, Alfredo Weiszflog, Conde Pissoti Gamba, Basilio Jafet e Conde Francisco Matarazzo (primeiro Presidente).
  • 11
    Os comerciantes solicitavam baixas tarifas de importação, para poderem importar com maior facilidade, ao passo que os industriais defendiam tarifas de importação altas, para agredir a concorrência que os produtos importados impunham à produção de manufatura nacional.
  • 12
    Podemos expandir ainda a crítica bergsoniana (ao conhecimento historiográfico) em dois pontos: (i) ao remontar o passado o analista "transforma" um estado presente em um estado passado; para os agentes da época indagada, eles viviam no presente e tinham uma concepção específica de passado, o olhar do pesquisador trata os fatos da época estudada como fatos passados e não como um presente relativo, assim o olhar do estudioso não traduziria a real situação dos pesquisados pois o que é presente para os pesquisados é compreendido como passado para o pesquisador, o que altera a natureza da relação entre eles. Torna-se impossível explicar algo por meio da remontagem de um fato passado em uma situação em que aquele fato era compreendido como presente (aliás, para Bergson, é falaciosa a própria "espacialização do tempo" - passado, presente, futuro, antes, depois, durante etc. -, pois ele concebe o tempo como uno e o tempo e o espaço como não pertencentes à mesma natureza). (ii) A remontagem do passado confere dinâmica ao que era compreendido como estático ou estagnação ao que era entendido como dinâmico; o analista atribui uma progressão própria aos eventos que muitas vezes difere dos movimentos realmente vividos pelos agentes estudados. Assim como o físico ao adiantar, atrasar ou estipular um espectro temporal para realizar suas experiências deixa a dever à compreensão da dinâmica temporal real, o historiador apressa ou retarda os eventos de modo que, muitas vezes, distancia-se da impressão temporal vivida pelos agentes (BERGSON, 2006, p. 82).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      29 Nov 2010
    • Data do Fascículo
      Out 2010

    Histórico

    • Aceito
      31 Jul 2010
    • Recebido
      05 Jul 2010
    Universidade Federal do Paraná Rua General Carneiro, 460 - sala 904, 80060-150 Curitiba PR - Brasil, Tel./Fax: (55 41) 3360-5320 - Curitiba - PR - Brazil
    E-mail: editoriarsp@gmail.com