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Opinião de médicos brasileiros sobre fecundação artificial do ponto de vista ético

Ethical opinions of brazilian physicians on artificial fertilization

Resumos

Foi realizado levantamento da opinião dos médicos que compareceram ao "XIV Congresso Brasileiro de Reprodução Humana", sob o ponto de vista ético, a respeito da fecundação artificial. Foram analisados os resultados, chegando-se a selecionar alguns itens comportamentais como preliminarmente aceitos. Propõe-se a realização de estudos mais profundos que objetivam abordar os vários aspectos aceitos ou não pela sociedade.

Ética médica; Inseminação artificial; Conhecimentos; médicos


An ethical opinion survey was carried out among Brazilian physicians regarding artificial insemination. The results showed no statistical difference between opinions of physicians from the various regions of the country.

Ethics medical; Insemination artificial; Knowledge; Physicians


ATUALIDADES ACTUALITIES

Opinião de médicos brasileiros sobre fecundação artificial do ponto de vista ético

Ethical opinions of brazilian physicians on artificial fertilization

Affonso Renato Meira; Antonio Mauro Martins

Departamento do Medicina Legal, Ética Médica e Medicina Social e do Trabalho da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - São Paulo, SP - Brasil

RESUMO

Foi realizado levantamento da opinião dos médicos que compareceram ao "XIV Congresso Brasileiro de Reprodução Humana", sob o ponto de vista ético, a respeito da fecundação artificial. Foram analisados os resultados, chegando-se a selecionar alguns itens comportamentais como preliminarmente aceitos. Propõe-se a realização de estudos mais profundos que objetivam abordar os vários aspectos aceitos ou não pela sociedade.

Descritores: Ética médica. Inseminação artificial. Conhecimentos, atitudes e prática médicos.

ABSTRACT

An ethical opinion survey was carried out among Brazilian physicians regarding artificial insemination. The results showed no statistical difference between opinions of physicians from the various regions of the country.

Keywords: Ethics medical. Insemination artificial. Knowledge, attitudes, practice. Physicians.

Introdução

A evolução tecnológica das ciências da saúde vem levantando algumas polêmicas do ponto de vista ético. Em certos momentos, a discussão do que deve ser feito, em razão da evolução das ciências frente aos obstáculos postos por posicionamentos mais conservadores, não resulta em uma decisão aceita com tranqüilidade pela sociedade. "Nesse entrechoque de posições precisa o homem com sua capacidade racional meditar sobre a grandeza do momento em que vive, e de maneira correta e ética se preparar para o advento de tempos nos quais a tecnologia médica, com sua rapidez aumentando em razão geométrica, trará, cada vez mais, novidades nem sempre consoantes com os valores tradicionais".4

Os avanços tecnológicos, que particularmente no campo da fecundação artificial vêm tendo uma aceleração muito acentuada, são sempre questionados e de princípio pouco aceitos.

Para conhecer esse questionamento ético em um universo de pessoas envolvidas com essa tecnologia foi inicialmente planejado obter a opinião dos médicos presentes ao "XIV Congresso Brasileiro de Reprodução Humana", realizado em São Paulo, em 1990. Não que as respostas deles obtidas pudessem informar sobre o que a respeito pensa, sente ou age a sociedade brasileira ou sequer os médios das diversas regiões do Brasil. Mas sim para comparar com dados provenientes de outros grupos populacionais e, desta forma, talvez levar adiante a intenção de apresentar uma proposta de doutrina jurídica que permita sem contestação o emprego dessa tecnologia no Brasil sem qualquer entrave ético e / ou legal.

O único documento legal em vigor no Brasil, que trata dos processos de fecundação artificial, é o Código de Ética Médica1 que permite a utilização, desde que os participantes sejam devidamente esclarecidos e ofereçam um consentimento informado.

O Conselho Federal de Medicina, desejando normatizar a técnica de reprodução assistida, baixou resolução com essa intenção em época posterior a realização deste levantamento3. De modo geral, as recomendações ai encontradas não se chocam com os resultados aqui mostrados.

O conjunto estudado foi composto por médicos das diversas regiões do país registrados no "XIV Congresso Brasileiro de Reprodução Humana".

Foram enviados no dia 4 de abril de 1991, 737 questionários, cujas respostas seriam recebidas a partir de 8 de abril até 5 de setembro de 1991. Dos questionários enviados, 718 chegaram ao seu destino (19 foram devolvidos sem resposta por razões várias). Deste total, foram respondidos 286 (39,8%).

Entre as respostas recebidas, 23 provenieram de profissionais envolvidos em aspectos de reprodução humana, entretanto não-médicos, restando portanto para serem analisados os dados obtidos de 263 questionários.

As questões e as respostas foram as seguintes:

Comentários

A análise do universo de médicos que estiveram presentes no "XIV Congresso Brasileiro de Reprodução Humana e que responderam ao questionário enviado, comparando grupos em relação a sexo e ao tempo de formado não mostrou diferença significativa entre os resultados encontrados 5,6. Outra comparação entre médicos e bacharéis em direito também não mostrou diferenças importantes7.

Observou-se no presente levantamento que as técnicas de inseminação, mesmo realizadas com sêmem de doador, foram aceitas praticamente por 4 entre 5 correspondentes. Esta relação diminui quando se trata da fecundação humana extracorpórea. De qualquer maneira, 2 entre 3 médicos aceitam integralmente todas elas. Quando se trata da complementação com implantação de ovo ou embrião em útero de mulher que não forneceu óvulo (útero de aluguel), essa relação atinge quase a metade, 53,9% concordam e 44,5% discordam.

No que se refere a quem deve escolher o doador, não se encontrou concordância, cabendo à maioria (de - 44,5%) optar pelo médico, e os participantes escolherem o doador e/ou doadora do sêmem e do óvulo, respetivamente.

Quanto à remuneração dos doadores ela é negada por quase todos. No que diz respeito à mulher que permite que em seu útero seja implantado ovo ou embrião proveniente de outrem para ser nidado, existe só um percentual de 49,6 que negam esse pagamento.

Mais de 60% dos respondentes afirmam que os deveres e responsabilidades legais devem caber ao pai e a mães socialmente acreditados, o que se contrapõe ao estabelecido nos capítulos pertinentes do Código Penal Brasileiro2.

Finalmente, quanto ao destino a ser dado aos embriões, não utilizados, não existe uma opinião marcante. A maioria de 25,8% opta pelo congelamento por período definido.

Do acima exposto, pode-se concluir pela necessidade de realização de estudos mais profundos que objetivem abordar os vários aspectos aceitos ou não pela sociedade. Preliminarmente, podem ser considerados como aceitos:

1 - A realização da fecundação artificial, inclusive com sêmem de doador e/ou óvulo de doadora;

2 - A não remuneração do doador de sêmem ou da doadora de óvulo, a qualquer título;

3 - A não remuneração da mulher que permite que em seu útero seja implantado ovo ou embrião proveniente de outrem para ser nidado.

4 - A responsabilidade e deveres legais do pai e da mãe socialmente acreditados.

No levantamento feito com bacharéis de direito7, os itens acima referidos foram também considerados válidos, o que sugere que a opinião ética dos médicos e dos bacharéis de direito a respeito da fecundação artificial sofre uma acentuada pressão dos valores culturais da sociedade brasileira e não é redundante em suas posições e valores como grupo de profissionais.

Recebido para publicação em 31.8.92

Reapresentado em 21.7.93

Aprovado para publicação em 30.9.93

Separatas/Reprints: A. R. Meira - Rua Arruda Alvim, 107 -Ap 132-05410-020-São Paulo, SP-Brasil

Edição subvencionada pela FAPESP. Processo Medicina 93/0208-5

  • 1
    BRASIL, Leis, Decretos, etc. Código de ética médica; Conselho Federal de Medicina - Resolução CFM no 1246/88. Rio de Janeiro, Idéia e Produção, 1988.
  • 2. BRASIL, Leis, Decretos, etc. Código penal. 23a ed., Săo Paulo, Saraiva, 1985.
  • 3
    CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA- Resolução 1358/ 92. Brasília, 1992.
  • 4. MEIRA, A.R. Ética e reproduçăo. [Conferęncia proferida no I Congresso Panamericano de Reproduçăo Humana/XII Congresso Brasileiro de Reproduçăo Humana, Natal, 1988].
  • 5. MEIRA, A.R. & MARTINS, A.M. Levantamento da opiniăo de vista ético, de médicos e de médicas presentes no "XIV Congresso de Reproduçăo Humana a respeito da Fecundaçăo Artificial. Reproduçăo, 7: 2-6, 1992.
  • 6. MEIRA, A.R. & MARTINS, A.M. Opiniăo sob o ponto de vista ético, de médicos formados em épocas diferentes a respeito da Fecundaçăo Artificial. Rev. Ginec. Obstet. 3: 64-71, 1992.
  • 7. MEIRA, A.R.; MARTINS, A.M.; CUNHA, M.S. Comparaçăo da opiniăo sobre o ponto de vista ético de médicos e bacharéis em direito a respeito da fecundaçăo artificial. [Apresentado ao 4o Congresso Latino-Americano de Esterelidade e Fertilidade, Săo Paulo, 1993].

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Out 2003
  • Data do Fascículo
    Out 1993

Histórico

  • Revisado
    21 Jul 1993
  • Recebido
    31 Ago 1992
  • Aceito
    30 Set 1993
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