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Qualidade protéica de dietas avaliadas segundo os padrões FAO 1968 e FAO 1973

The protein quality of diets evaluated according to the 1968 and 1973 FAO standards

Resumos

Foi avaliada segundo "score" químico e aminoácido limitante, a qualidade protéica de 1.310 dietas consumidas no período de 24 horas, por famílias residentes em 18 localidades do Estado de São Paulo, Brasil. Foram utilizados os padrões de referência propostos pela FAO, em 1968 e em 1973. A totalidade das dietas apresentaram "score" inferior a 80 (padrão 1968). Pelo padrão 1973, em 93,4% das dietas o "score" foi superior a 80, sendo que 33,4% delas foi acima de 100. Os dois padrões apontam os aminoácidos sulfurados como os mais freqüentes limitantes da síntese protéica; 59% das dietas têm metionina como o primeiro aminoácido limitante (padrão 1968). Em 49,1% das dietas que apresentaram aminoácido limitante pelo padrão 1973, este é representado pelos aminoácidos sulfurados. Os resultados obtidos considerando o padrão FAO 1973 sugerem que a qualidade aminoacídica das dietas estudadas é satisfatória e que, se houver uma deficiência protéica, esta, provavelmente, corre por conta da ingestão insuficiente de proteínas e/ou energia.

Dieta de proteínas; Proteína; Aminoácidos


The protein quality of 1,310 diets ingested during 24 hours families living in 18 communities in the State of S. Paulo (Brazil) was evaluated by using score levels and limiting aminoacids. The reference standards used were those proposed by the FAO in 1968 and 1973. When rated to the 1968 standard, the total number of the diets scored lower than 80, but 93.4% scored over 80 when related to the 1973 standard, and of these 33.4% were over 100. In regard to the limiting aminoacids, both standards pointed to the sulphur aminoacids as being the most frequent. In 59% of the diets, methionin was the limiter (1968 standard), and, in 49% of the diets presenting limiting aminoacids (1973 standard), the sulphur aminoacids were the limiters. Results obtained when using the 1973 FAO standard suggest that the protein quality of the studied diets was satisfactory and that a protein deficiency, if present, is a consequence of insufficient ingestion of energy food and/or protein.

Dietary proteins; Protein deficiency; Aminoacids


Qualidade protéica de dietas avaliadas segundo os padrões FAO 1968 e FAO 1973

The protein quality of diets evaluated according to the 1968 and 1973 FAO standards

Sophia Cornbluth Szarfarc; Ignez Salas Martins; Rosa Nilda Mazzilli; Maria Lucia Ferrari Cavalcanti; Yaro Ribeiro Gandra

Do Departamento de Nutrição da Faculdade de Saúde Pública da USP — Av. Dr. Arnaldo, 715 — 01255 — São Paulo, SP — Brasil

RESUMO

Foi avaliada segundo "score" químico e aminoácido limitante, a qualidade protéica de 1.310 dietas consumidas no período de 24 horas, por famílias residentes em 18 localidades do Estado de São Paulo, Brasil. Foram utilizados os padrões de referência propostos pela FAO, em 1968 e em 1973. A totalidade das dietas apresentaram "score" inferior a 80 (padrão 1968). Pelo padrão 1973, em 93,4% das dietas o "score" foi superior a 80, sendo que 33,4% delas foi acima de 100. Os dois padrões apontam os aminoácidos sulfurados como os mais freqüentes limitantes da síntese protéica; 59% das dietas têm metionina como o primeiro aminoácido limitante (padrão 1968). Em 49,1% das dietas que apresentaram aminoácido limitante pelo padrão 1973, este é representado pelos aminoácidos sulfurados. Os resultados obtidos considerando o padrão FAO 1973 sugerem que a qualidade aminoacídica das dietas estudadas é satisfatória e que, se houver uma deficiência protéica, esta, provavelmente, corre por conta da ingestão insuficiente de proteínas e/ou energia.

Unitermos: Dieta de proteínas. Proteína, deficiência. Aminoácidos.

ABSTRACT

The protein quality of 1,310 diets ingested during 24 hours families living in 18 communities in the State of S. Paulo (Brazil) was evaluated by using score levels and limiting aminoacids. The reference standards used were those proposed by the FAO in 1968 and 1973. When rated to the 1968 standard, the total number of the diets scored lower than 80, but 93.4% scored over 80 when related to the 1973 standard, and of these 33.4% were over 100. In regard to the limiting aminoacids, both standards pointed to the sulphur aminoacids as being the most frequent. In 59% of the diets, methionin was the limiter (1968 standard), and, in 49% of the diets presenting limiting aminoacids (1973 standard), the sulphur aminoacids were the limiters. Results obtained when using the 1973 FAO standard suggest that the protein quality of the studied diets was satisfactory and that a protein deficiency, if present, is a consequence of insufficient ingestion of energy food and/or protein.

Uniterms: Dietary proteins. Protein deficiency. Aminoacids.

INTRODUÇÃO

Na avaliação da adequação de consumo protéico, o conhecimento da qualidade da proteína é imprescindível. Embora o aproveitamento biológico de uma proteína esteja condicionado a uma série de fatores, a composição aminoacídica constitui, indiscutivelmente, fator relevante para sua utilização na síntese protéica. A ausência, ou mesmo a deficiência, de um aminoácido essencial (AAE) interfere no processo de constituição da proteína de tal forma que pode levar a dieta carente a se comportar como aprotéica, embora a carência se refira a apenas um AAE. A avaliação da composição aminoacídica vem sendo feita, desde 1955, pela comparação da quantidade de AAE de um dado alimento com aquela de um padrão. Essa comparação permite detectar, ao mesmo tempo, o AAE mais deficiente-aminoácido limitante (AAL) — e a proporção com que ele se apresenta em relação ao padrão — índice Químico ou Cômputo Químico ou, ainda, "Score" Químico. Ressalta-se que esse índice constitui indicador de potencialidade protéica. O primeiro padrão proposto pela FAO, em 1955, constituiu-se de mistura teórica de AAE e de aminoácidos semi-essenciais (AASE)2. Com o desenvolvimento de pesquisas, novos conhecimentos têm levado à proposta de outros padrões que satisfazem mais no que diz respeito à qualidade aminoacídica das proteínas e seu aproveitamento. Os padrões propostos, em 1968 e em 19731,3 (Fig. 1), diferenciam-se entre si, em dois pontos fundamentais para a qualificação da proteína. O primeiro diz respeito à proporção ótima entre AAE e proteína-total. O padrão 1968 é constituído por proteína, na qual os AAE participam com 51,3%; o padrão de 1973 contém 36,0% em AAE. O segundo ponto diferencial entre os dois padrões diz respeito à forma de avaliação dos chamados AASE. No padrão 1968 os AASE são computados separadamente do seu respectivo AAE, enquanto que no de 1973 eles se apresentam somados aos seus respectivos essenciais. Assim, no padrão FAO 1973 os sulfurados totais (Stot) representam a junção de metionina mais cisteína (que, por sua vez, representa cisteína mais cistina, visto que a maioria dos organismos é capaz de inconverte-los); e os aromáticos totais (F tot) representam o conjunto de fenilalanina e tirosina que é seu respectivo AASE. Esse acoplamento foi baseado na íntima ligação existente entre cisteína/cistina e metionina e entre tirosina e fenilalanina5.


Desde que esses dois padrões apresentam diferenças marcantes nos aspectos quantitativos e qualitativos do perfil aminoacídico, é importante conhecer o significado resultante da seleção de um deles para a avaliação da qualidade protéica de dietas.

O objetivo deste trabalho foi avaliar a qualidade protéica de dietas através do "score" químico e do AAL, obtidos, segundo os padrões FAO 1968 e FAO 1973, e analisar as implicações resultantes da escolha de um e de outro padrão.

METODOLOGIA

Foram estudadas 1.310 dietas de famílias residentes em 18 localidades do Estado de São Paulo, Brasil (Tabela 1), selecionadas por amostragem casual simples. O levantamento das dietas fez-se através de inquérito alimentar, cuja metodologia foi descrita por Mazzilli6 e Miguel e Bon7.

A quantidade de cada alimento consumido pela família foi corrigida pelo respectivo fator de digestibilidade protéica9. A partir desses valores, calculou-se a ingestão protéica total, de AAE e de AASE 9, o que permitiu a determinação do "score" e do AAL, segundo os padrões FAO 1968 e 1973.

RESULTADOS E COMENTÁRIOS

Comparando-se os padrões 1968 e 1973 propostos pela FAO, verifica-se que o de 1968 é extremamente exigente. Sendo baseado na composição aminoacídica do ovo de galinha, somente uma dieta composta exclusivamente de alimentos de origem animal poderia alcançar "score" próximo de 100. Esse rigor está bem de acordo com a preocupação existente na época do estabelecimento do padrão, fundamentalmente voltada para a desnutrição protéica, que era considerada então, o problema nutricional de maior relevância. No padrão adotado pela FAO na revisão de 1973, a proporção de AAE apresenta-se bastante diminuída em relação à anterior (Fig. 1). Ao mesmo tempo que essa diminuição ocorreu, a densidade de energia fornecida pela proteína recomendada (P%) também diminuiu1,2,3, referendando a posição de prioridade adquirida pela deficiência energética, dentre os problemas nutricionais.

Os níveis mais elevados de "score", quando se adota o padrão 1973, justificam-se pelo fato de que a proteína de referência apresenta menor concentração de AAE, em relação ao de 1968. No entanto, mesmo pelo de 1973, nenhum alimento natural de origem vegetal fornece os AAE, em proporção à da proteína de referência.

As Tabelas 2 e 3 e a Fig. 2 apresentam a dieta das famílias das diferentes localidades, avaliadas segundo o "score" calculado pelos padrões FAO 1968 e 1973.


O conhecimento dos alimentos que compõem a dieta é fundamental para elucidação dos resultados apresentados. O estudo do consumo alimentar das 18 localidades do Estado de São Paulo revelou que, na maioria delas, o arroz e o feijão constituem os alimentos básicos. Em Icapara e Pontal do Ribeira, o peixe e a farinha de mandioca compõem a dieta básica, enquanto em Iguape e Cananéia, comunidades pesqueiras como as duas anteriores, são alimentos habituais o peixe juntamente com o arroz e o feijão.

É evidente a importância do hábito alimentar na determinação do "score", porque ele justifica os resultados observados. Nas localidades, onde o peixe é a fonte principal de proteína, nota-se maior freqüência de valores 100 e + do "score" pelo Padrão 1973 e menor proporção de "score" baixo, quando se utiliza o padrão 1968. Já naquelas localidades onde a dieta básica é constituída por uma mistura de arroz e feijão, os valores de "score" estão na dependência da proporção com que esses dois alimentos são consumidos.

Os parâmetros de análise, FAO 1968 e 1973, levam a valores de "score" bastante diferentes, Neste estudo, enquanto 100% das dietas se apresentam com "score" menor do que 80, segundo o padrão 1968, 93,4% das dietas apresentam "score" maior do que 80 pelo padrão 1973, sendo 33,4% delas acima de 100.

Geralmente, os métodos de avaliação da qualidade protéica são aplicados restritamente a proteínas isoladas e/ou dietas padronizadas. No entanto, a população por nós estudada ingere proteína resultante da combinação de diversos alimentos, em diferentes proporções e em diferentes momentos do dia (refeições). Por essa razão, neste estudo, foi feita uma adaptação metodológica para o cálculo do "score", no qual foram considerados conjuntamente os alimentos ingeridos pela família.

O relacionamento do "score" com o aproveitamento biológico da proteína respalda a utilização desse instrumento de avaliação. Kaba e Pellett4 referem elevada correlação entre "score" e NPUstd, enquanto Tagle e Donoso 8 propõem equação que permite calcular o NPUop, conhecidos ''score" e P%.

Da escolha acertada do padrão de referência dependerá a avaliação correta da qualidade protéica. Existem evidências de que o padrão 1973 é o que permite correlação mais elevada entre retenção biológica da proteína e o valor do "score"4. Adotando-se esse padrão, os resultados encontrados sugerem ser satisfatória a qualidade da proteína que está sendo consumida nas comunidades estudadas. Se deficiência protéica houver, provavelmente será causada por ingestão quantitativamente insuficiente de proteína e/ou de energia.

As Tabelas 4 e 5 e a Fig. 3 apresentam os AAL das dietas consumidas pela população estudada. Pelo padrão de 1968, Icapara e Pontal do Ribeira se distinguem das outras localidades: a proporção com que a metionina aparece como limitante é bem menor do que nas outras localidades. Por outro lado, o triptofano é o AAL de maior significado na dieta dessas populações. Esses dados são conseqüência do hábito alimentar prevalente nessas localidades, onde o peixe, rico em metionina e pobre em triptofano, constitui a principal fonte protéica. Em Cananéia e Iguape, onde a proteína provém de peixe mais arroz e feijão, não se observa tal fato; a metionina, à semelhança do que ocorre nas outras localidades, é o principal limitante da síntese protéica. Pelo padrão 1973, os sulfurados se impõem como os AAL de maior incidência nas dietas de todas as populações estudadas. Até em Icapara e Pontal do Ribeira, isso ocorre uma vez que a metionina é o maior participante dos sulfurados na proteína do peixe (72%).


Conforme foi referido, uma diferença fundamental entre os padrões da FAO que utilizamos diz respeito à forma de avaliação dos AASE. Neste aspecto, observamos que a fenilalanina (padrão 1968) e os aromáticos totais (padrão 1973) são inexpressivos como AAL. Todavia, o mesmo não acontece em relação à metionina (padrão 1968) e aos sulfurados totais (padrão 1973) (Fig. 3). Eles constituem, qualquer que seja o padrão de avaliação, o principal embargo à síntese protéica. A metionina é o AAL de 59% das dietas, avaliadas pelo padrão 1968 e 49,1% das dietas com inadequação aminoacídica pelo padrão 1973, têm nos sulfurados o seu limitante.

Sabe-se que a síntese de cisteína se efetua a partir da metionina5 porém, o inverso não ocorre, assim a deficiência de metionina somente poderá ser compensada pela ingestão da própria metionina.

Dadas as diferentes proporções com que os AAE participam da proteína de referência (Fig. 1), uma mesma dieta poderá apresentar diferentes AAL em função do padrão adotado. Este aspecto deve ser levado em conta, porquanto, a predição correta do AAL é ponto fundamental para o estabelecimento e eficácia de programas de suplementação protéica. Nesse mesmo sentido, é oportuno referir que Kaba e Pellett4 observaram vantagens em utilizar o padrão 1973, que se mostrou o mais apto a predizer, corretamente, tanto o primeiro como o segundo aminoácidos limitantes. Se, de um lado, o estudo mencionado4 afirma a validade de utilização do padrão FAO 1973 para estimar a qualidade protéica, por outro lado, conduz a indagações geradas por sua metodologia: a correção da deficiência de sulfurados totais por suplementação exclusiva de metionina. Cabe, portanto, indagar: Quais as necessidades reais de metionina? Qual o papel da cisteína na economia da metionina? Agirá a cisteína como agente de poupança de metionina para a síntese protéica?

Enquanto se mantiverem essas dúvidas, é prudente utilizar para suplementação de aminoácidos sulfurados, exclusivamente alimentos fontes de metionina.

CONCLUSÕES

Do estudo da qualidade protéica de dietas consumidas em 18 localidades do Estado de São Paulo, Brasil, avaliada segundo dois padrões propostos pela FAO, concluimos que:

— Pelo padrão FAO 1968, 100% das dietas apresentam valor de "score" menor do que 80; pelo padrão FAO 1973, 93,4% das dietas têm "score" acima de 80 e 33,4% acima de 100.

— O hábito alimentar interfere de modo significativo na qualidade protéica. Nas localidades onde alimentos de origem animal fazem parte da dieta básica, os valores de "score" são notadamente mais elevados, qualquer que seja o padrão adotado.

— A elevada proporção de dietas que se apresentam em níveis satisfatórios pelo padrão 1973 sugere que a proteína ingerida é potencialmente adequada para a síntese protéica.

— A metionina (padrão 1968) e os aminoácidos sulfurados (padrão 1973) são os mais freqüentes aminoácidos limitantes da síntese protéica nas comunidades estudadas.

Recebido para publicação em 13/08/1979

Aprovado para publicação em 07/01/1980

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  • 2. FAO. Necesidades en proteinas, Roma, 1958. (Estudios de Nutrición, 16).
  • 3. GRUPO MIXTO FAO/OMS DE EXPERTOS EN NECESIDADES DE PROTEÍNAS, Ginebra, 1963. Informe. Ginebra, Organización Mundial de la Salud, 1966. (OMS Ser. Inf. técn., 301/FAO: Reuniones sobre Nutrición, 37)
  • 4. KABA, H. & PELLETT, P. L. Prediction of true limiting amino acids using available protein scoring systems. Ecol. Food Nutr., 4:109-16, 1975.
  • 5. KARLSON, P. Introduction to modern biochemistry. 2nd ed. New York, Academic Press, 1965.
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  • 7. MIGUEL, M. & BON, A. M. X. Resultados do inquérito alimentar realizado nas cidades de Apiaí, Ribeira e Barra do Chapéu (S. Paulo, Brasil). Rev. Saúde públ., S. Paulo, 8:75-86, 1974.
  • 8. TAGLE, M. A. & DONOSO, G. Effect of protein level utilization of casein and gluten by weanling rats. J. Nutr., 93: 579-83, 1967.
  • 9
    UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO. Faculdade de Saúde Pública. Departamento de Nutrição. Tabela de composição química de aminoácidos essenciais e proteína total: compilado. São Paulo, 1977. (mimeografado).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    31 Jan 2006
  • Data do Fascículo
    Jun 1980

Histórico

  • Recebido
    13 Ago 1979
  • Aceito
    07 Jan 1980
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