Acessibilidade / Reportar erro

A classificação antropométrica como instrumento de investigação epidemiológica da desnutrição protéico-calórica

The anthropometric classification employed as a tool of epidemiologic investigation of malnutrition

Resumos

Descreve-se a aplicação de várias classificações antropométricas a duas populações de crianças. A classificação exclusiva do déficit ponderal não discrimina diferenças no estado nutricional de crianças de zona urbana e de zona rural. Classificações mais abrangentes apontam contrastes e sugerem diferentes linhas de investigação epidemiológica para o contexto urbano e rural.

Antropometria; Inquérito epidemiológico; Desnutrição


The utilization of several anthropometric classifications to assess the nutritional status of two populations of children is described. The exclusive classification based on the loss of weight doesn't distinguish diversities of the nutritional status of urban children and rural children. Other classifications show differences and suggest epidemiologic pathways to the urban and rural context.

Anthropometry; Epidemiological surveys; Nutrition disorders


ARTIGO ORIGINAL

A classificação antropométrica como instrumento de investigação epidemiológica da desnutrição protéico-calórica

The anthropometric classification employed as a tool of epidemiologic investigation of malnutrition

Carlos Augusto MonteiroI; Marina Ferreira RéaII

IDo Departamento de Nutrição da Faculdade de Saúde Pública da USP – Av. Dr. Arnaldo, 715 – São Paulo, SP – Brasil

IIBolsista da Fundação Ford

RESUMO

Descreve-se a aplicação de várias classificações antropométricas a duas populações de crianças. A classificação exclusiva do déficit ponderal não discrimina diferenças no estado nutricional de crianças de zona urbana e de zona rural. Classificações mais abrangentes apontam contrastes e sugerem diferentes linhas de investigação epidemiológica para o contexto urbano e rural.

Unitermos: Antropometria. Inquérito epidemiológico. Desnutrição.

ABSTRACT

The utilization of several anthropometric classifications to assess the nutritional status of two populations of children is described. The exclusive classification based on the loss of weight doesn't distinguish diversities of the nutritional status of urban children and rural children. Other classifications show differences and suggest epidemiologic pathways to the urban and rural context.

Uniterws: Anthropometry. Epidemiological surveys. Nutrition disorders.

1. INTRODUÇÃO

O estado nutricional no que se refere a proteínas e calorias pode ser considerado como uma gradação contínua de situações que se iniciam por estados considerados normais, se prolongam por estados leves e moderados de desnutrição até síndromes avançadas das quais as mais importantes são o kwashiorkor e o marasmo nutricional8. A denominação "desnutrição protéico-calórica" comporta quadros clínicos bastante diversos que, no entanto, possuem uma mesma etiologia básica: a carência de proteínas e calorias. A utilização desta expressão ganhou novo impulso depois de recentes constatações que vem demonstrando a raridade da deficiência protéica isolada, não acompanhada de uma simultânea deficiência calórica6,15,22.

A diversidade de sintomas clínicos que a desnutrição protéico-calórica (d.p.c.) apresenta corre por conta do tipo, da gravidade, da duração e da época em que se registra o agravo nutricional. No entanto, há uma condição que invariavelmente acompanha a d.p.c., desde os quadros mais graves até aqueles mais brandos: o retardo sistemático do crescimento e do desenvolvimento4. E é este retardo,registrado através dos parâmetros naturais do crescimento, que vai propiciar condições para avaliar a real prevalência da desnutrição, incluindo os seus casos leves e moderados que tem como principal característica uma ampla difusão por todo o mundo subdesenvolvido8. Esta ampla difusão parece justificar a opinião de alguns4 que veriam na desnutrição leve e moderada problemas sanitários para as comunidades, que superariam em importância aqueles oriundos de alguns poucos casos dramáticos de kwashiorkor e marasmo.

Muitas são as classificações antropométricas sugeridas para estabelecer o estado nutricional dos indivíduos7,9. A maior parte oferece condições para se determinar o diagnóstico da desnutrição e mesmo a intensidade do processo. Descrita inicialmente para crianças de um a quatro anos, a classificação de Goméz5 estabelece graus de desnutrição comparando o valor ponderai observado com aquele que seria de se esperar levando em conta a idade da criança. Outras classificações análogas fazem o mesmo, utilizando como medidas antropométricas a altura, o perímetro braquial, o perímetro craniano ou as dobras cutâneas, ou mesmo associando as medidas duas a duas, tal como a relação perímetro braquial-perímetro craniano proposta por Kanawati10 que não necessita levar em conta a idade da criança.

Em recente tese apresentada à Faculdade de Saúde Pública da USP, Batista1 faz uma excelente revisão do assunto e identifica, de um lado, classificações mais úteis ao diagnóstico populacional e epidemiológico e, de outro, classificações que se prestam mais ao diagnóstico individual, semiológico. O paradigma das primeiras seria a classificação de Goméz e o das últimas, as classificações que comparam o peso com a estatura, sem levar em conta a idade da criança. Nesta mesma tese, onde são examinados dados relativos às crianças menores de 5 anos da cidade de São Paulo, Batista propõe a utilização de uma classificação que procuraria revelar os estágios possíveis em que se encontrariam os processos de desnutrição, se em fase aguda, se em fase crônica. A metodologia se baseia em Seoane19, que propõe a comparação simultânea dos déficits ponderais, estaturais e pondo-estaturais.

Neste trabalho procuraremos comparar a situação de duas populações quanto ao estado nutricional através da utilização de várias classificações antropométricas. Pretendemos com isto verificar se a exclusiva aplicação de classificações inovadoras1 permitem adiantar algo mais sobre a estrutura epidemiológica da desnutrição, indo além das habituais descrições de prevalências. Para isto escolhemos duas populações, que de saída apresentam padrões de desnutrição muito semelhantes quando aquilatados pela classificação de Goméz. Ocorre que estas populações têm estruturas totalmente diversas, sugerindo que os mecanismos que levam à desnutrição nos dois locais sejam bastante diferentes. Uma das populações é a das crianças das famílias de baixa renda da cidade de São Paulo, descritas por Batista1 em sua tese, e outra é a das crianças da zona rural do Vale do Ribeira que vem sendo estudada pelos autores dentro de uma pesquisa sobre epidemiologia da d.p.c. em zona rural. Apesar de terem em comum a situação de pobreza, inúmeras características, seguramente importantes na gênese da desnutrição, separam as duas populações e o nosso objetivo reside justamente em saber se a aplicação de outras classificações antropométricas evidencia diferenças que a exclusiva aplicação da classificação de Goméz não é capaz de registrar.

2. MATERIAL E MÉTODOS

Os dados relativos à população de crianças de São Paulo (de 6 meses a 5 anos), são aqueles correspondentes a uma amostra das famílias de renda inferior a meio salário mínimo "per capita" que viviam no Município, constituindo na época (1973/1974) 7,1% do total de famílias residentes. Apesar de habitarem a cidade mais industrializada do país, apenas 38% destas famílias contavam com abastecimento de água, sendo que à rede de esgotos só estavam ligados 32% dos domicílios3.

Os dados relativos à população de menores de cinco anos do Vale do Ribeira são dados originais de pesquisa epidemiológica conduzida pelos autores (1975/1976)* * Dados inéditos. As crianças estudadas pertencem a uma amostra das famílias de assalariados e pequenos proprietários que vivem nas zonas de cultura de chá e de banana, as duas monoculturas da região responsáveis por três quartos da produção agrícola18.

Os procedimentos adotados para a tomada das medidas antropométricas foram homogêneos e próximos daqueles recomendados por Jelliffe7.

As tabelas de referência utilizadas como valores normais de peso e altura foram, para o Vale do Ribeira, as de Harvard21, e para São Paulo as de Santo André IV12. Na medida em que estas duas tabelas apresentam valores centrais muito próximos, as comparações que serão feitas não estarão prejudicadas.

As classificações utilizadas foram construídas em torno das adequações apresentadas pelos parâmetros peso, altura e idade.

A classificação de Goméz obedece aos déficits encontrados quando se compara um determinado valor ponderal com aquele esperado para o sexo e idade. Déficits de 10 a 24% caracterizam o primeiro grau da classificação (DI), de 25 a 40% o segundo (DII) e superior a 40% o terceiro grau (DIII).

A classificação de Kanawati9 para a altura é análoga, sendo que os déficits que já caracterizam a anormalidade se encontram a partir dos 7%, e com mais de 20% encontram-se os anões nutricionais.

A classificação de Macias11 abdica da consideração do parâmetro idade e compara o valor ponderal observado, com aquele que seria esperado em função exclusiva da altura. A desnutrição leve é considerada a partir de 10% de déficit (dI), a moderada a partir de 20% (dII) e a grave a partir de 30% (dIII).

Finalmente a classificação que se propõe a estabelecer também os estágios do processo de desnutrição, originalmente descrita por Seoane19, utiliza simultaneamente as adequações peso-altura e altura-idade, e será aplicada conforme as modificações sugeridas por Batista1. Os estágios que a classificação considera são: a desnutrição pregressa, que compromete exclusivamente a altura, a desnutrição vigente de curta duração, que prejudica apenas a relação peso-altura, e a desnutrição vigente de longa duração, que compromete simultâneamente as duas adequações.

3. RESULTADOS

3. 1. Classificação de Goméz

Como referido anteriormente, as duas populações estudadas apresentam-se bastante semelhantes quando observadas sob a óptica da classificação que leva em conta exclusivamente os déficits ponderais. A Tabela 1 mostra que, utilizando a classificação de Goméz como aferidor epidemiológico de prevalência da desnutrição, não é possível observar diferenças entre as crianças pobres da cidade de São Paulo, e as crianças da zona rural do Vale do Ribeira. Nas duas localizadas em questão o problema da d.p.c. pode ser considerado bastante importante, já que cerca da metade das crianças menores de cinco anos apresentam algum grau de desnutrição. Sabendo da múltipla inter-relação de fatores etiológicos envolvida na gênese da desnutrição, e verificando as importantes diferenças estruturais apresentadas pelas populações urbanas de São Paulo e rurais do Vale do Ribeira, pretendemos que a aplicação de outras classificações antropométricas permitam caracterizar melhor a desnutrição encontrada nas duas localidades.

3.2. Classificação de Kanawati para a altura

De acordo com a classificação original proposta por Kanawati9, mais de um terço das crianças do Vale do Ribeira teriam consideráveis deficiências estaturais, sendo que algumas delas poderiam ser consideradas verdadeiros anões nutricionais, com perda de mais de 20% de sua altura.

Para propiciar a comparabilidade dos resultados, a Tabela 2 segue a sugestão de Batista1 e divide as crianças segundo apresentem ou não comprometimento de altura entendido aqui como déficits superiores a 8%, o que certamente deve deixar de incluir agravos nutricionais menos importantes que a classificação original registraria. Esta comparação nos brinda com uma primeira diferença: apesar da equivalência de déficits ponderais, há no Vale do Ribeira duas vezes mais crianças apresentando déficits estaturais. Nas famílias de baixa renda, de São Paulo, são encontradas 13,9% de crianças com baixa estatura, ao passo que no Vale do Ribeira são encontradas 27,8%. Como sabemos que déficits de altura assim importantes apenas sobrevêm a períodos suficientemente longos de desnutrição, podemos concluir que estes últimos são mais freqüentes no Vale do Ribeira, e mais escassos na cidade de São Paulo.

3.3. Classificação de Macias para a relação peso-altura

Utilizando-se da relação peso-altura a classificação de Macias discrimina importantes diferenças entre as duas populações de crianças aqui consideradas. Como se depreende da Tabela 3, ela identifica nas famílias de baixa renda de São Paulo 27,9% de desnutridos, enquanto que no Vale do Ribeira apenas 11,6%.

Como sabemos que a relação peso-altura traduz apenas inadequações nutricionais atuais, podemos afirmar que, assim como o Vale do Ribeira caracteriza-se por mostrar processos desnutricionais de longa duração, São Paulo caracteriza-se por apresentar processos agudos o suficiente para redundarem em franca espoliação, mesmo de organismos até então preservados da desnutrição.

3.4. Classificação simultânea da relação peso-altura e da relação altura-idade

A síntese das duas classificações só se torna possível com sua aplicação simultânea, quando então podem ser estudados os casos mistos, isto é, aqueles que apresentam inadequações nas duas classificações ao mesmo tempo.

Da Tabela 4 podemos extrair as seguintes informações:

a) A proporção total de crianças desnutridas continua bastante semelhante nos dois lugares: 36,3% para a cidade de São Paulo, 35,0% para o Vale do Ribeira.

b) A proporção de casos mistos é pequena, e não distingue as duas situações: 5,5% para São Paulo, 4,5% para o Vale do Ribeira.

c) As quantidades de casos "puros" de desnutrição pregressa e de casos "puros" de desnutrição vigente, é que realmente colocam a cidade de São Paulo e o Vale do Ribeira em situações francamente opostas. Se quase um quarto das crianças do Vale do Ribeira padecem de deficiências que lhe comprometem seriamente a estatura, quase um quarto das crianças de São Paulo sofrem da espoliação aguda de processos consuptivos que lhes atingem os tecidos sem prejuízo imediato do seu arcabouço ósseo.

4. DISCUSSÃO

O objetivo central deste trabalho era o de verificar se as classificações antropométricas, recentemente propostas 1,7,9,11, se prestavam a contribuir para a elucidação da d.p.c., indo além da contribuição meramente descritiva da classificação de Goméz. As duas populações escolhidas para o exercício de aplicação das classificações apresentaram-se bastante semelhantes quando seus desnutridos foram classificados segundo o seu déficit ponderal. A aplicação sucessiva de classificações que pretendem uma maior especificação do déficit ponderal trouxe à baila diferenças notáveis no comprometimento particularizado do organismo. Assim, o grande responsável pelo déficit ponderal das crianças do Vale do Ribeira situa-se em um rebaixamento sistemático de suas alturas. Entretanto, o mesmo déficit ponderal não pode ser atribuído em São Paulo, apenas a déficits estaturais já que os mesmos não são tão freqüentemente observados. Em São Paulo, o mais freqüente é o encontro de crianças que não conseguem preencher sua estatura com o peso devido, na medida em que ostentam pesos bem menores do que aqueles que seriam esperados para o crescimento atingido.

Estas constatações implicam em diferenças radicais quanto aos processos que levam à desnutrição nos dois locais. De acordo com os resultados, os agravos nutricionais no Vale do Ribeira devem atingir as crianças de maneira lenta e contínua, atrasando de modo uniforme o seu crescimento. A lentidão e a constância do processo permitem que os organismos sujeitos à desnutrição de certa maneira se "adaptem" à situação, retardando o crescimento a fim de adequá-lo aos insumos existentes, mantendo assim uma certa condição de homeostase.

Para entendermos os resultados relativos à cidade de São Paulo, temos que admitir processos radicalmente diferentes que devem incluir agravos nutricionais intensos, consuptivos, porém passageiros, que não cheguem a comprometer o crescimento, que neste caso espelharia mais os longos períodos de acalmia do que os curtos períodos espoliativos.

A confirmação destas interpretações poderia ser feita contrapondo-se as reais estruturas epidemiológicas das duas localidades. Entretanto, estamos longe de poder traçar com precisão os encadeamentos causais que determinam a d.p.c. no Vale do Ribeira e em São Paulo, inclusive porque a desnutrição como fenômeno pluridimensional mostra-se sempre bastante resistente aos procedimentos analíticos usuais da metodologia epidemiológica.

Na investigação que ora realizamos no Vale do Ribeira, pudemos evidenciar certas características que talvez possam explicar parte dos resultados antropométricos ali encontrados. Bastante freqüente é o hábito de amamentar as crianças por longos períodos, não sendo raro encontrar crianças de 2 anos ainda amamentadas13. Após os 6 meses usual é a introdução definitiva da alimentação do adulto que no local se apóia basicamente no consumo de duas refeições de arroz, feijão e farinha de mandioca, complementados quase sempre pela proteína do peixe, da carne seca ou de ovos. O leite em pó integral é consumido por parte das crianças pequenas que não são amamentadas, sendo seu uso raro após a idade de 2 anos 14. Assim, excetuando-se os primeiros meses e, mais firmemente após o primeiro ano, a alimentação da criança depende basicamente da alimentação dos adultos. Por ser zona de monocultura de exportação, a grande maioria das famílias não produz, mas compra quase a totalidade dos alimentos consumidos. Os baixos salários pagos na região e a exiguidade das pequenas propriedades16 fazem com que assalariados e pequenos proprietários tenham baixo poder aquisitivo. A precariedade da situação financeira da família é bem um espelho do atraso da região, considerada a menos desenvolvida do Estado16. Assim acostumadas, as famílias não tem como fazer a não ser reduzir os gastos com a alimentação, parte preponderante dos orçamentos familiares. A criança devido a sua menor capacidade reivindicativa e a sua menor complacência gástrica, que não lhe permite satisfazer suas necessidades calóricas com apenas duas refeições diárias, é sem dúvida das mais prejudicadas com a restrição alimentar, habituando-se desde cedo a comer um pouco menos do que seria necessário para o seu perfeito crescimento. Assim, a situação de pobreza crônica do Vale determinaria para suas crianças um sub-consumo alimentar, que se instalaria tão logo cessassem os efeitos benéficos da amamentação, e ao qual se seguiria um crescimento defeituoso, caracterizado por uma redução homogênea dos seus parâmetros peso e altura.

Quanto à cidade de São Paulo, a complexidade dos problemas sócio-econômicos é infinitamente maior, já que em oposição ao Vale do Ribeira, São Paulo é considerado o centro hegemônico do processo de acumulação do país2. Um aspecto diferencia fundamentalmente as famílias de baixa renda de São Paulo daquelas do Vale do Ribeira: a nenhuma qualificação profissional cios trabalhadores daquelas famílias de São Paulo, aos quais são oferecidos apenas empregos caracterizados por baixos salários e especialmente por uma alta rotatividade2. Desta maneira o equilíbrio dos orçamentos familiares torna-se extremamente difícil, sucedendo-se épocas melhores e épocas piores de difícil previsibilidade. A alimentação da criança em São Paulo é bastante individualizada, sendo infreqüente a amamentação3. A introdução do leite integral se faz logo aos primeiros meses3, graças a doações dos Centros de Saúde e ao esforço financeiro feito pelos pais. O prosseguimento da alimentação láctea da criança é bastante difundido, apenas sendo interrompido na falta total de condições para a sua aquisição.

O leite de vaca em São Paulo foi um dos poucos alimentos que teve aumentado o seu consumo pela classe trabalhadora, nos anos de 1962 a 1969, ao mesmo tempo em que se registrava queda no consumo de quase todos alimentos básicos que respeitaram mais a queda do poder aquisitivo ocorrida na mesma época20. A particularização da alimentação da criança livra-a da quotidiana concorrência com os adultos, observada no Vale do Ribeira, no entanto, sujeita-a a grandes agravos quando de crises financeiras intra-familiares. Ao lado deste aspecto, encontramos em São Paulo uma enorme prevalência de doenças diarréicas17, como soe acontecer com grandes centros urbanos que não contam com saneamento adequado. Episódios diarréicos freqüentemente duram poucos dias, causam grande perda de peso, sem entretanto comprometer o crescimento se forem seguidos de períodos de recuperação e, talvez, aliados às contingências alimentares anteriormente descritas, possam explicar parte das características específicas assumidas pela desnutrição na cidade de São Paulo, que parece ser fruto mais de deficiências agudas do que processos lentos e duradouros que seriam característicos apenas do Vale do Ribeira.

5. CONCLUSÕES

– A classificação de Goméz pode e deve ser usada como aferidor da magnitude da d.p.c. em uma dada localidade, no entanto, seus números podem esconder realidades nutricionais bastante diversas.

– As classificações que utilizam a relação peso - altura e altura - idade permitem estabelecer diferenças não identificadas pela classificação de Goméz no que se refere aos estágios específicos que a d.p.c. pode assumir.

– A interpretação dos resultados registrados pelas classificações anteriormente mencionadas podem sugerir linhas de investigação epidemiológica que poderão se orientar no sentido de elucidar as variáveis implicadas em determinados processos específicos de desnutrição.

– As assertivas em relação à epidemiologia da d.p.c. na cidade de São Paulo e no Vale do Ribeira devem ser entendidas, aqui, mais como pontos de referência para futuras investigações, do que como pontos de vista acabados de quadros interpretativos do problema.

Recebido para publicação em 06/12/1976

Aprovado para publicação em 17/12/1976

Parte da pesquisa "desnutrição protéico-calórica: epidemiologia e tentativa de racionalização de atividades a nível local" financiada pela FAPESP, Processo 75/0249

  • 1. BATISTA, M.F. Prevalência e estágios da desnutrição protéico-calórica na cidade de São Paulo. São Paulo, 1976. [Tese de doutoramento Faculdade de Saúde Pública da USP].
  • 2. CAMARGO, C.P.F. São Paulo 1975: crescimento e pobreza. São Paulo, Loyola, 1976.
  • 3. CAMPINO, A.C.C. et al. O estado nutricional de pré-escolares no município: alguns resultados sócio-econômicos, aspectos dietéticos, clínicos, antropométricos e laboratoriais. Bol. inf. ABIA/SAPRO, (20): 47-60, 1975.
  • 4
    COMITE MIXTO FAO/OMS DE EXPERTOS EN NUTRICIÓN, Ginebra, 1970. Desnutrición proteico-calórica; oitavo informe. Ginebra, 1971. (OMS – Ser. Inf. tecn., 477).
  • 5. GOMÉZ, F. et al. Mortality in second and third degree malnutrition. J. trop. Pediatr., 2:77-83, 1956.
  • 6. GOPALAN, C. et al. Effect of caloric supplementation on growth of undernourished children. Amer. J. clin. Nutr., 26:563-6, 1973.
  • 7. JELLIFFE, D.B. Evaluación del estado de nutrición de la comunidad. Ginebra, Organizacion Mundial de la Salud, 1968. (OMS Série de monografias, 53)
  • 8. JELLIFFE, D.B. La nutrición infantil en las zonas tropicales y sub-tropicales. Ginebra, Organizacion Mundial de la Salud, 1970. (OMS Série de monografias, 29).
  • 9. KANAWATI, A.A. Assessment of nutritional status in the community. In: McLAREN, D.S., ed. Nutrition in the community. London, John Wiley, 1976. p. 57-74.
  • 10. KANAWATI, A.A. et al. Assessment of marginal malnutrition. Nature, 228: 573-5, 1970
  • 11. MACIAS, J.A. Método para la evaluación del crecimiento de hombres y mujeres desde el nacimiento hasta los 20 años, para uso de nivel nacional y internacional. Arch. lat.-amer. Nutr., 22:531-46, 1972.
  • 12. MARQUES, R.M. et al. Crecimiento de niños brasileños: peso y altura en relación con la edad y el sexo y la influencia de factores socioeconomicos. Washington, D.C., Organizacion Panamericana de la Salud, 1975. (OPAS Publ. cient., 309).
  • 13. MONTEIRO, C.A. et al. Desnutrição proteico-calórica em zona rural. I A proteção conferida pela amamentação. Ciênc. Cult., 28 (supl. 7): 513-4, 1976.
  • 14. MONTEIRO, C.A. et al. Desnutrição proteico-calórica em zona rural. II A introdução do leite comercial como fator de desmame precoce. Ciênc. Cult., 28 (supl. 7): 513, 1976.
  • 15. NARASINGA RAO, B.S. et al. apud SWAMINATHAN, M.C. Nutrition in India. In: McLAREN. D.S. ed. Nutrition in the community. London, John Wiley, 1976. p. 321-44.
  • 16. PETRONE, P. A baixada do Ribeira: estudo de geografia humana. São Paulo, Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP, 1966. (Boletim, 283).
  • 17. PUFFER, R. R. et al. Características de la mortalidad en la niñez. Washington, Organizacion Panamericana de la Salud, 1973. (OPAS Publ. cient., 262).
  • 18
    SÃO PAULO (estado). Secretaria de Economia e Planejamento. Conheça o seu município: região do Vale do Ribeira. São Paulo. 1974. v. 1.
  • 19. SEOANE, N. et al. Nutritional anthropometry in the identification of malnutrition in childhood. J. trop. Pediat. environm. Child Hlth, 17:98-103, 1971.
  • 20. SINGER, P. Demanda por alimentos na área metropolitana de Salvador. São Paulo, CEBRAP, 1976. (Cadernos CEBRAP, 23).
  • 21. STUART, H.C. et al. Physical growth and development. In: NELSON, W., ed., Texbook of pediatrcs. 7th ed. Philadelphia, Saunders. 1969. p. 42-3.
  • 22. VALVERDE, V. et al. Revisión del aporte calórico y proteínico de las dietas de poblaciones de bajo nivel socioeconomico en Centroamérica: existe un problema de proteínas? Arch. lat. amer. Nutr., 25:327-50, 1975.
  • *
    Dados inéditos.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      02 Maio 2006
    • Data do Fascículo
      Set 1977

    Histórico

    • Aceito
      17 Dez 1976
    • Recebido
      06 Dez 1976
    Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo Avenida Dr. Arnaldo, 715, 01246-904 São Paulo SP Brazil, Tel./Fax: +55 11 3061-7985 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: revsp@usp.br