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CARTAS AO EDITOR LETTERS TO THE EDITOR

Caro Editor: Em relação ao artigo publicado nessa revista* * Revista de Saúde Pública , no número 5, volume 26, de outubro de 1992, institulado "A case-control study on the association of hepatitis B virus infection and hepatocellular carcinoma in Northeast Brazil", de Cotrim et cols., gostaria de apontar algumas observações que considero pertinentes.

Chama a atenção a referida pesquisa, que faz parte de Tese de Doutoramento não explicitar a metologia estatística aplicada aos dados, principalmente em se tratando de estudo caso-controle com 2 grupos controles aparentemente bem diversos.

Em nenhum momento na seção de "Métodos" há "indícios" da metodologia utilizada, ficando nos "Resultados" a aplicação não discutida ou justificada do teste de Qui-quadrado de Maentel-Haenszel, e também do cálculo de intervalo de confiança da "odds ratio".

A análise dos resultados da pesquisa, no entanto, além de demonstrar fragilidade da associação proposta entre infecção pelo vírus da hepatite B e carcinoma hepatocelular, leva-nos até a conclusões opostas às dos autores.

Na tabela 3, onde compara-se a "odds ratio" entre o grupo dos casos de hepatocarcinoma com os grupos controles ["Cancer controls" e "Healthy controls"], identificam-se enormes intervalos de confiança para a "odds ratio" estimada [p.ex. 2,9 -989,54], demonstrando perda considerável de precisão da estimativa. Se a técnica utilizada para a medida do intervalo de confiança tiver sido baseada na aproximação normal da distribuição do log da "odds ratio"1, uma das possíveis razões para tais intervalos de confiança muito largos pode ter-se devido a contagens extremamente baixas em alguma casela da Tabela 2x2. Gart & Thomas2 referem que esta metodologia de medida do intervalo de confiança para a "odds ratio" tende até a ser conservadora, ou seja, estreitar os intervalos de confiança, porém para tabelas 2x2 que contenham caselas com números muito pequenos esperar-se-á variâncias grandes.

A Tabela 3 mostra, também, que ao se comparar o grupo de casos de hepatocarcinoma com o grupo controle "Cancer controls", por faixa etária, passa-se agora a não mais observar associação entre a infecção pelo vírus da hepatite B e hepatocarcinoma. E isto se justificaria pela possibilidade da 'verdadeira' "odds ratio" [ "odds ratio" populacional e não amostral] pode ser igual à unidade nos intervalos "Age < 30", "Age 30-51", e bem próxima da unidade em seu limite inferior no intervalo "Age 51+". E isto se deve, mais uma vez, à extensão dos intervalos de confiança da "odds ratio" [0,89 - 613,02 para o primeiro grupo etário; 0,53 - 22,43 para o segundo; 1,37 - 110,31 para o terceiro].

Desta forma, pelo exposto acima, fica seriamente comprometida a análise e subseqüente discussão dos resultados da pesquisa, havendo necessidade de revisão dos mesmos.

Atenciosamente,

Dr. Antônio Carlos de A. Bandeira

Disciplina de Metodologia de Pesquisa em Saúde

Faculdade de Saúde Pública - USP

Referências Bibliográficas

1. WOOF, B. On estimating the relationship between blood group and disease. Ann. Human Genet., 19: 251-3, 1955.

2. GART, J. J. & THOMAS, D. G. Numerical results on aproximate confidence limits for the odds ratio. J. R. Stat. Soc. B.,34: 441-1,1912.

Prezado Editor: Sobre a carta do Dr. Antônio Carlos de A. Bandeira, da Faculdade de Saúde Pública - USP, encaminhando para a prestigiosa Revista de Saúde Pública, comentários sobre o artigo "A case-control study on the association of hepatitis B virus infection and hepatocellular carcinoma in Northeast Brazil", publicado no volume 26, número 5 de outubro de 1992, de nossa autoria, oferecemos algumas observações.

Percebe-se de pronto que o Dr. Antônio Carlos Bandeira devota uma atenção especial aos aspectos de precisão dos resultados, o que é louvável, embora conclua a sua carta inferindo sobre a validade do estudo, baseando-se somente nas limitações numéricas que deram origem "a extensão dos intervalos de confiança" (IC), leia-se, a amplitude do IC. É necessário observar que os resultados da análise inferencial não fazem com que fique "seriamente comprometida a análise", isto é, em um estudo epidemiológico há significância (estatística) e significado dos parâmetros estimados. Por outro lado, a "discussão dos resultados" deve trazer elementos que confiram significado às observações, tanto quanto possível acompanhados do argumento estatístico de "significância". Foi comum no passado evitar-se publicar resultados sem "significância" como se não tivessem significado.

Quanto a "não explicitar a metodologia estatística" nos causa estranheza. Optamos por oferecer o resultado do teste de Qui-quadrado de Maentel-Haenszel (MH) e do IC correspondentes à Razão de Produtos Cruzados (RPC) como alternativas de avaliação da precisão da medida de efeito. Os leitores se dividem na preferência por uma ou outra abordagem. Quanto aos métodos para essas análises estatísticas e suas aplicações, não se trata de justificar nem discutir porque são de domínio dos que têm acesso às boas referências bibliográficas. Na avaliação da significância estatística da medida sabemos que os valores do MH e do IC refletem as limitações de tamanho dos grupos e subgrupos estudados.

Quanto à "fragilidade da associação" há um equívoco. Os valores da medida de efeito estimada RPC são suficientemente altos para indicar uma expressiva magnitude da associação entre infecção pelo vírus B da hepatite (VBH) e carcinoma hepatocelular (CH), comparando-se os casos de CH com pacientes com outros cânceres ("odds ratio" de 15,0) e com controles sadios ("odds ratio" de 33,0), sugerindo que a infecção pelo VBH participa da carcinogênese, resultado semelhante ao observado em outras áreas e com metodologias epidemiológicas diversas. Os "enormes intervalos de confiança" traduzem que a inferência para a população dos valores da RPC estimada admite variação considerável. Ao não incluir o valor nulo o IC indica excesso de risco, mesmo na condição extrema do limite inferior do intervalo.

Quanto a metodologia "conservadora" do cálculo do IC há outro equívoco. A opção conservadora nesse caso resulta em IC de maior amplitude ao contrário de "estreitar os intervalos de confiança".

Como exemplo, pode-se fazer os cálculos do IC para 95% e para 99% de confiança (opção mais conservadora) mantendo-se fixos os outros valores, e observar o que acontece com a amplitude do IC.

Por fim, o cálculo da RPC por grupos de idade e sexo, avaliando-se a presença de confunfimento da associação por essas variáveis e de interação entre essas e o fator de exposição, fragmenta o tamanho dos grupos, é verdade, resultando em medidas de efeito estatisticamente não significantes. Entretanto, o significado dos valores da RPC por faixa etária permite a identificação de grupos de maior risco de doença. É importante notar que os valores de "odds ratio" são maiores nas faixas extremas de idade e em indivíduos do sexo masculino. Os valores da RPC não indicam "fragilidade da associação". Por outro lado, quando o IC inclui o valor nulo a inferência populacional fica comprometida.

Certamente o leitor avaliará a validade do estudo e o significado dos resultados, além do item precisão, e concordará conosco que mesmo considerando o desenho caso-controle e suas limitações nesse caso foi possível demonstrar a forte associação entre a infecção por VBH e CH, tornando-se adepto, se não o é ainda, das ações de prevenção contra hepatite B.

Profa Dra. Helma Cotrim

Dep. de Medicina Interna

Faculdade de Medicina UFBA

Prof. Dr. Eduardo Mota

Dep. Medicina Preventiva

Faculdade de Medicina UFBA

  • *
    Revista de Saúde Pública
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      03 Nov 2003
    • Data do Fascículo
      Ago 1993
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