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Editorial N.24

O número 24 de Sexualidade, Saúde e Sociedade encerra o oitavo ano de publicação da Revista e representa de modo exemplar seus principais objetivos e focos de interesse.

Antes de mais nada, ressaltamos que, publicando as reflexões de pesquisadores/as atuando na Argentina, Brasil, Colômbia e México, este número aprofunda o diálogo que a Revista tem buscado promover entre comunidades acadêmicas situadas em diferentes países latino-americanos. Além disso, com contribuições da antropologia, da sociologia, da saúde coletiva/preventiva, da história e da filosofia da ciência, promove-se o diálogo entre diversas perspectivas disciplinares da grande área das ciências humanas e sociais, com seus respectivos aportes metodológicos.

Em relação às temáticas privilegiadas pela revista, um primeiro conjunto dos artigos ora reunidos analisa as maneiras como convenções de gênero e sexualidade são produzidas, reafirmadas ou contestadas em diferentes partes do continente e em diferentes momentos da sua história. Através de pesquisa etnográfica em salões de cabeleireiro, nos quais é por vezes tênue a fronteira entre cuidados corporais e trabalho sexual, em duas regiões da Colômbia, o artigo de Jeanny Lucero Posso e Ange La Furcia ressalta o rendimento analítico da incorporação de marcadores de classe, raça e etnia, além de gênero e sexualidade, para a compreensão das trajetórias laborais de mulheres trans, bem como os modos através dos quais constroem suas identidades de gênero em uma densa rede relacional envolvendo múltiplos atores. É também sobre a dinâmica e historicamente mutável interseção entre classe, sexualidade, gênero e raça que se constituem as identidades de lugares, tema explorado por Andressa de Freitas Ribeiro ao acompanhar a história do Beco dos Artistas, conhecido lugar de frequência “GLS”, em Salvador (Bahia).

Outro conjunto significativo de artigos publicados neste número aborda os modos de regulação da sexualidade e das expressões de gênero, outro interesse central da Revista. Em foco, estão sobretudo os discursos médicos e sexológicos. O artigo de Barbara G. Pires aborda as polêmicas políticas de “verificação e confirmação de sexo/gênero” conduzidas por comitês e federações esportivas para a determinação da elegibilidade do sexo de atletas. Tal regulação recai principalmente sobre mulheres, suspeitas de apresentar nível considerado “anormal” de hormônios masculinos, tornando-se ainda mais invasiva e coercitiva em relação a atletas intersexuais. É também para as regulações das expressões de gênero que se volta o artigo de Fernanda Carvajal Edwards que trata da história da “mudança de sexo”, como então se concebia o processo transexualizador, de Márcia Alejandra, ocorrido nos anos 1970, na transição para período ditatorial chileno. Para tornar possíveis as cirurgias de transgenitalização naquele momento, a autora destaca sobretudo a importância da divulgação midiática dos discursos da Sociedad Chilena de Sexología Antropológica.

Também voltado à análise das regulações, neste caso mais orientadas para a sexualidade do que para as expressões de gênero, este número traz o artigo de Fabrizzio Mc Manus e Agustín Mercado-Reys, que analisam as imagens veiculadas em campanhas contra HIV-AIDS no México entre 1985 e 2005. No centro de suas preocupações estão as relações entre discurso médico/processos de medicalização e mídia, bem como seus efeitos durante as duas primeiras décadas da epidemia no sentido de invisibilizar e estigmatizar pessoas HIV-positivas. Além dos discursos da medicina e de sua veiculação pela mídia, outro âmbito importante no que concerne à regulação da sexualidade é aqui explorado pelo artigo de Thais Gaya e Wilza Villela sobre “educação em sexualidade” e os desafios políticos e práticos que apresenta para a escola. O tema é de extrema relevância no momento em que, em diferentes países latino-americanos, posições conservadoras em relação à chamada “ideologia de gênero” disseminam pânicos morais e impõem obstáculos consideráveis para a promoção da equidade de gênero e para o combate à discriminação motivada por preconceito baseado em orientação sexual e identidade de gênero. Através de uma leitura que procura cotejar o que estabelecem os documentos normativos sobre educação no Brasil e as diferentes concepções sobre sexualidade e moralidade mobilizadas por profissionais que atuam na educação infantil e no ensino fundamental, as autoras mostram como os valores pessoais dos/as professores/as e as diretrizes e as orientações das políticas voltadas para o tema nem sempre são conciliáveis.

Finalmente, temos neste número dois artigos que se dedicam a questões que envolvem mais diretamente os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres: aborto e violência obstétrica. Baseada em investigação que vem sendo conduzida na cidade argentina de La Plata, o artigo de Belén Castrillo problematiza a noção de “violência obstétrica”, cuja definição se constrói em um campo de disputas envolvendo associações da sociedade civil e agentes do Estado. De cunho mais ensaístico, o artigo de Josefina Brown traz significativa contribuição para a compreensão dos sentidos ou dos significados sociais atribuídos ao aborto. Brown nos oferece novas pistas para compreender as renovadas dificuldades de se fazer avançar o direito ao aborto na região, deslocando a discussão, geralmente centrada no poder da igreja católica e denominações evangélicas, para as novas configurações ideológicas ancoradas no avanço de perspectivas neoliberais e consequente aprofundamento de processos de individualização e responsabilização.

No âmbito dos estudos das relações entre gênero, sexualidade e saúde, os artigos publicados neste número trazem, em seu conjunto, tanto novas e instigantes pistas para abordagem de conhecidos problemas, como é o caso do aborto, quanto chamam a atenção para problemas ainda marcados por relativa invisibilidade, como é o caso das políticas de verificação de sexo/gênero no universo esportivo ou das disputas em torno da violência obstétrica.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2016
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