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Adapting Cities to Climate Change: understanding and Addressing the Development Challenges

RESENHA

Rafael D'Almeida Martins

Doutorando em Ambiente & Sociedade. Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Campinas/SP - Brasil. rafael@cepps.org.br

BICKNELL, Jane; DODMAN, David; SATTERTHWAITE, David (Orgs.) Adapting Cities to Climate Change: Understanding and Addressing the Development Challenges. London: Earthscan, 2009. ISBN: 978-1-84407-745-8

A mudança do clima e o aquecimento global passaram em curto espaço de tempo para o centro do debate público como o maior desafio do séc. XXI. Apesar de parte considerável dos cientistas dedicados ao tema vir expressando sua preocupação com mudanças ambientais globais há várias décadas, tem sido difícil para governos em seus diferentes níveis encarar o assunto com a devida seriedade dado a complexidade do problema e o caráter abstrato e incerto de muitas dessas mudanças.

Nessa discussão, as cidades aparecem como elemento fundamental, não somente como residência de mais da metade da população mundial desde 2008, segundo estimativas recentes, mas também como motores da economia mundial globalizada e grandes emissores de gases de efeito estufa por conta das indústrias e infra-estruturas que elas concentram. Assim, é praticamente impossível pensar e formular qualquer resposta mitigadora ou ação adaptativa sem enfrentar a discussão sobre cidades e urbanização.

Surpreendentemente, apesar do acima colocado, não existe uma literatura abundante e consolidada sobre o tema. Estudos enfocando centros urbanos em países em desenvolvimento, que atualmente concentram as maiores taxas de crescimento econômico e populacional, são ainda mais escassos. É buscando preencher essa lacuna que o livro "Adapting Cities to Climate Change: Understanding and Addressing the Development Challenges", organizado por Jane Bicknell, David Dodman e David Sattherthwaite - todos pesquisadores do International Institute for Environment and Development (IIED) com sede em Londres, na Inglaterra - aparece como uma contribuição importante para aqueles interessados em pensar as cidades à luz do desafio que está colocado pela mudança climática.

O livro, contendo 16 capítulos distribuídos em quatro partes, aborda temas que passam pela discussão de risco, vulnerabilidade e adaptação envolvendo diversos setores e políticas em áreas urbanas, apresentando um rico conjunto de estudos de casos de países da África, América Latina e Ásia. Na primeira parte, que corresponde à introdução, Satterthwaite et al. (p. 3 - 47) contextualizam a discussão em termos da vulnerabilidade que muitos desses centros urbanos apresentam, os riscos a que eles e suas populações estão expostos e o potencial e limites que governos locais têm para adaptar-se.

Risco e vulnerabilidade de cidades

A segunda parte do livro inicia-se com McGrananan, Balk & Anderson (p. 51 - 76) fazendo uma avaliação do número de pessoas que estariam sob risco por conta da elevação do nível do mar e outros perigos induzidos pela mudança climática em zonas costeiras de baixa altitude e como essa população se distribui mundialmente por grupos de países e regiões. Baseando-se numa expressiva e complexa coletânea de diferentes bases de dados, os autores sobrepuseram camadas de dados geográficos para calcular a população e área territorial de cada país, analisando, posteriormente, por país, região e agrupamento econômico. Apesar de essas zonas corresponderem a somente 2% do total da área territorial mundial, elas aglomeram 10% da população e 13% do total da população vivendo em centros urbanos que estão potencialmente expostas aos riscos da mudança climática.

Awuor, Orindi & Adwera (p. 77 - 91) discutem a vulnerabilidade de Mombasa em relação à mudança do clima. Trata-se da segunda maior cidade do Quênia e a principal cidade portuária do Leste da África, sendo também porta de entrada e saída de produtos de Uganda, Ruanda, Burundi, Congo e Tanzânia, países esses com acesso restrito ao mar. Além do baixo grau de desenvolvimento econômico e altos níveis de pobreza que determinam sua baixa capacidade adaptativa, grande parte da vulnerabilidade em relação à mudança climática da cidade decorre de sua baixa altitude e alta temperatura e umidade. Com as previsões de aumento na intensidade e freqüência das inundações, seca e ventos fortes, esperam-se danos à infra-estrutura e prejuízos de diferentes ordens. Os autores chamam a atenção para necessidade de aumentar a sensibilização em torno do tema promovendo a participação de diversos atores, de forma a envolver a mudança climática e seus impactos na governança local da cidade.

Na mesma linha, Alam & Rabbani (p. 93 - 110) e Dossou & Dossou (p. 111 - 127) discutem, respectivamente, Dhaka em Bangladesh e Cotonou no Benin a partir dos efeitos da mudança climática em diferentes setores de cidades importantes economicamente que já sofrem com sérios problemas ambientais e socioeconômicos. Os autores relatam que as cidades vêm tomando medidas de adaptação, construindo barreiras e implementando mecanismos de proteção. Todavia, questionam se elas serão suficientes em um contexto de aumento do nível dos mares e eventos climáticos extremos mais freqüentes e intensos. Destaca-se dos capítulos a dificuldade de planejar essas ações e financiar a adaptação em países que enfrentam tantos outros desafios relativos ao seu desenvolvimento.

Definir a vulnerabilidade das chamadas cidades globais, que se caracterizam por serem centros importantes de inovação tecnológica, motores da economia global e com população na casa de 10 milhões ou mais de habitantes, é ainda mais complexo. Esse é o desafio que de Sherbinin, Schiller & Pulsipher (p. 129 - 157) tentam superar no capítulo "The Vulnerability of Global Cities to Climate Hazards" analisando três estudos de caso: Mumbai, Índia; Rio de Janeiro, Brasil e Xangai na China. Usando cenários de mudança climática e elevação do nível do mar, combinados com informações coletadas sobre características físicas e socioeconômicas, os autores apresentam um quadro múltiplo e sinérgico dos vários fatores que contribuem com a vulnerabilidade dessas cidades.

Kovats & Akhtar (p. 159 - 173) discutem os perigos ambientais para saúde humana em cidades da Ásia. Os efeitos da mudança climática para saúde envolvem desastres ocasionados por eventos climáticos extremos, ondas de calor, poluição do ar, doenças transmitidas por mosquitos cuja reprodução é sensível ao aumento de temperatura (como malária e dengue) ou a qualidade e disponibilidade da água. Apesar da melhoria recente de vários indicadores socioeconômicos e de saúde, a persistência da desigualdade social e pobreza nesses países fazem um contingente populacional expressivo habitar áreas de risco de cidades que fornecem a devida infra-estrutura, principalmente nos setores de habitação e saúde. Na mesma linha, Barlett (p. 175 - 199) trata desses perigos para as crianças em situação de pobreza nos centro urbanos de países em desenvolvimento, uma vez que elas apresentam uma série de características que as tornam ainda mais vulneráveis. Apesar de outros grupos sociais também apresentarem vulnerabilidade específica (como pobres, velhos e mulheres, por exemplo), o autor chama atenção para o enorme número de crianças e jovens nesses países e as possíveis implicações no longo-prazo.

No debate sobre os riscos no século XXI em um contexto de mudança climática, as enchentes aparecem como um dos temas centrais. Baseando-se em estudos de caso em cidades de Gana, Uganda, Nigéria e Quênia, Douglas et al. (p. 201 - 223) mostram diversas estratégias autônomas de adaptação que essas populações vêm adotando para lidar com o problema a partir de uma metodologia participativa de análise da vulnerabilidade desenvolvida pela ONG internacional ActionAid. Na América Latina, dada a condição geográfica de muitos países, muitas cidades desenvolveram-se em áreas de várzeas ou próximas a encostas de montanhas. Atualmente, 75% da população latino-americana residem em áreas urbanas, proporção essa superior as vistas na Ásia e na África. Em um contexto de rápido desenvolvimento urbano e expansão desordenada, os mais pobres foram segregados em áreas de maior risco, em assentamentos informais e, muitas vezes, ilegais. Com esse pano de fundo, Hardoy & Pandiella (p. 225 - 250) apresentam caminhos para nortear a pesquisa sobre vulnerabilidade e adaptação na região. Por meio de seis aspectos ilustrados com dados e estudos de caso, os autores ressaltam a necessidade de incorporar a adaptação em políticas de desenvolvimento, dando mais atenção à gestão do risco, uma vez que muitos desses riscos ligados à mudança climática nas próximas décadas não são novos, apenas serão mais freqüentes e intensos. Assim, as melhores opções de adaptação são aquelas que deveriam ser tomadas na ausência da mudança climática por conta de sua contribuição para redução do risco e desenvolvimento sustentável.

Estudos de caso em adaptação

A terceira parte do livro traz três capítulos que enfocam iniciativas na direção da adaptação à mudança climática. Nos dois primeiros, Roberts (p. 253 - 270) e Mukheibir & Ziervogel (p. 271 - 289) trazem, respectivamente, as experiências de Durban e Cidade do Cabo, duas das mais importantes cidades da África do Sul. Por meio de narrativas, os autores descrevem as trajetórias das cidades na construção de planos municipais de adaptação e ressaltam os elementos que foram essenciais na construção de uma estratégia inter-setorial a partir do local. Apesar de recentes e ainda em fase de implementação, alguns fatores foram fundamentais nessas experiências. Destaca-se a presença de um empreendedor político, a disponibilidade de recursos financeiros e humanos e a sensibilização e comprometimento das diferentes áreas da administração municipal. Todavia, a realidade de governos locais varia consideravelmente e muitos carecem de vontade política, recursos e capacidade técnica e institucional para tratar dessas questões colocando obstáculos e barreiras no aprofundamento e expansão dessas iniciativas. Muller (p. 291 - 307) defende a incorporação dos esforços de adaptação nas estratégias de desenvolvimento das cidades de países mais pobres. Tomando como ponto de partida a análise do setor hídrico e a governança da água na região Subsaariana da África, o autor ressalta que uma gestão eficiente deste recurso pode mitigar o risco de desastres naturais em geral, além de trazer avanços na área de saúde pública em uma das regiões mais vulneráveis do mundo. Apesar de o setor hídrico ter tradição em trabalhar com cenários climáticos baseados em séries históricas, a incerteza que cerca os impactos da mudança climática e a ausência de dados por parte dos cientistas, principalmente nos países em desenvolvimento, poderá induzir tomadas de decisão que não levem em conta a variabilidade do clima no futuro, diminuindo a resiliência do setor.

Uma agenda de pesquisa

A última parte do livro busca pautar uma agenda de pesquisa. Revi (p. 311 - 338) contextualiza essa discussão em termos das cidades da Índia, um dos países mais vulneráveis segundo dados recentes, e também grande emissor de gases de efeito estufa. Baseando-se na análise do processo de desenvolvimento e na dinâmica demográfica indiana, o autor alerta para a complexidade do problema, que parece estar além da capacidade das instituições públicas e do emergente setor privado do país, e propõe a abertura de um debate nacional para desenvolver um quadro urbano de adaptação às alterações climáticas que incorpore diversos setores e níveis de governo. Ayers (p. 339 - 358) explora os mecanismos de financiamento internacional para apoiar medidas de adaptação em áreas urbanas. Baseando-se em diversas estimativas do custo anual dessas intervenções em países pobres e de renda média, mostra-se que os mecanismos que estão colocados no marco da Convenção - Quadro das Nações Unidas Sobre Mudança do Clima (UNFCCC em inglês) estão longe do mínimo que se calcula necessário. Como alternativa, a autora propõe uma complementaridade entre os fundos de adaptação e assistência oficial para o desenvolvimento (ODA em inglês), uma vez que existe uma sobreposição entre vários objetivos da agenda de adaptação e do desenvolvimento. Assim, esses recursos poderão servir para combater as causas subjacentes da vulnerabilidade que muitas vezes estão associadas com baixas capacidades institucionais.

No último capítulo, Satterthwaite, Dodman & Bicknell (p. 359 - 383) alertam para urgência do tema da adaptação em centros urbanos do mundo em desenvolvimento. Baseando-se nos capítulos do livro, os autores destacam seis elementos que chamam a atenção. São eles:

1. O grande número de pessoas em situação de risco em áreas urbanas;

2. A necessidade de maior atenção para evitar desastres climáticos extremos;

3. As variações no risco e vulnerabilidade da população de qualquer centro urbano;

4. Ações de adaptação devem ser empreendidas a partir do nível local e envolver as pessoas que estão sob risco;

5. A importância de atores fundamentais: governos locais e organizações de base comunitária;

6. Muitos capítulos descrevem ações e antecedentes que mostram algum movimento no sentido da adaptação.

Os desafios que estão colocados são muitos. De forma a avançar na compreensão da interface entre cidades e adaptação à mudança climática, são necessários mais pesquisas, que utilizem novos métodos e ferramentas de análise para apoiar o entendimento desses fenômenos na escala do bairro, da comunidade, da cidade, fornecendo conhecimento para auxiliar decisões sobre qual adaptação é necessária.

A geografia tem uma enorme contribuição a dar nesses estudos, dada sua longa tradição de estudar dois componentes fundamentais do risco: o perigo (hazard) e a vulnerabilidade. Assim, o livro é também um convite para que os geógrafos considerem a mudança do clima na análise e compreensão do ambiente urbano.

Resenha recebida para publicação em 12/01/2010 e aceita para publicação em 17/02/2010

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Abr 2011
  • Data do Fascículo
    Abr 2010
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