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Os custos da violência: quanto se gasta ou deixa de ganhar por causa do crime no Estado de São Paulo

A VIOLÊNCIA DISSEMINADA

Os custos da violência: quanto se gasta ou deixa de ganhar por causa do crime no Estado de São Paulo

Tulio Kahn

Assessor da Secretaria da Administração Penitenciária, Coordenador de pesquisa do Instituto Latino-Americano das Nações Unidas para a Prevenção do Delito e o Tratamento do Delinqüente

Uma combinação explosiva entre modernização e urbanização aceleradas, desigualdade social, padrões de consumo de Primeiro Mundo, liberdade política e ausência de freios morais e religiosos parecem ser os maiores responsáveis pelo fenômeno da violência crescente na América Latina, ao lado da produção de drogas e da economia estagnada em vários países. O Brasil, ao lado da Colômbia e do México, é um dos casos onde estas variáveis se apresentam de modo mais extremo e, portanto, onde a violência tem mais crescido nas últimas décadas, causando um impacto não desprezível sobre a economia do país. Neste artigo, procura-se avaliar os custos da violência tomando como base o Estado de São Paulo, onde a questão da criminalidade apresenta-se de maneira aguda.

A violência custa caro, tanto para o país como individualmente, porque "segurança" é um bem desejado por todos, mas cada vez mais escasso. Para garantir este bem, são executados todos os dias dezenas de atos de precaução e adquiridos outros tantos bens no mercado: seguros de toda espécie; cães de guarda; quinquilharias eletrônicas; travas; grades e cadeados de todo tamanho e função.

A preocupação com a segurança afeta as decisões de moradores dos grandes centros urbanos como São Paulo e Rio de maneira quase imperceptível e autômata: sem que se perceba, deixa-se de viajar para determinadas cidades, de morar em certas vizinhanças, de estacionar o carro nesta ou naquela rua, de comprar carros conversíveis ou morar em casas. Em função da violência, reordenamos parte de nossa vida e de nossos negócios.

Para o poder público, segurança converteu-se também num dos maiores itens orçamentários e em objeto de preocupação prioritária. Pesquisas de opinião pública revelam que, ao lado do desemprego, a questão da violência aparece entre as maiores inquietações da população. Cada ano a população exige mais policiais, mais viaturas e armas, novos presídios, juízes, promotores, rádios comunicadores, computadores.

O Estado vem investindo quantias significativas na área de Segurança Pública desde 1995. O efetivo da Polícia Militar aumentou em 12% desde janeiro de 1995, contando hoje com 82.021 policiais. Os pisos salariais para os soldados de 1ªe 2ª classes aumentaram em mais de 200% neste período. Por conta destes investimentos, os gastos com o pagamento do efetivo da Polícia Militar passaram de R$ 47 milhões, em abril de 1995, para R$ 91,7 milhões, em fevereiro de 1998, representando um aumento de 95%. A Polícia Civil, por sua vez, nomeou cerca de 5 mil novos policiais entre 1995 e 1998. Foram adquiridas 4.466 viaturas para aparelhar a polícia estadual, a um custo de R$ 94,9 milhões. Outros R$ 18,7 milhões foram utilizados na compra de 14.849 coletes, 22.500 revólveres, 6.000 pistolas, 5.000 cacetetes, além de capacetes, escudos, munição e espingardas. Na área da administração penitenciária, foram construídas 21 penitenciárias em regime fechado e três em regime semi-aberto, a um custo de R$ 230 milhões de reais, para retirar os presos condenados mantidos ilegalmente nas delegacias de polícia. Entretanto, apesar de todos estes investimentos, sem dúvida necessários, a criminalidade está aumentando no Estado de São Paulo.

Quando se compara o 3º trimestre de 1995 e o último trimestre de 1998, verifica-se que, com exceção do estupro — que está sujeito a bruscas variações em função da baixa notificação —, todos os crimes monitorados pelas estatísticas da Secretaria de Segurança Pública aumentaram nos últimos quatro anos. Os ritmos de crescimento variam de crime para crime: o destaque fica por conta dos roubos de carro, que cresceram nada menos do que 123%. Os homicídios culposos (13,8%) e o tráfico de entorpecentes (15,2%), por outro lado, foram os crimes que menos aumentaram entre 1995 e 1998. Todas as taxas de crescimento de crimes são maiores do que a taxa de crescimento populacional no período, que ficou em torno de 5,8%. O Índice de Criminalidade — medida-resumo que indica a média ponderada de quatro crimes selecionados, com base na população — apresentou um aumento de 63% desde 1995.

Qual é o preço que a sociedade paga por este crescimento dos índices de criminalidade? Estes investimentos têm se revelado compensadores para a sociedade? Haveria outras formas de investir estes mesmos recursos mais eficazmente? Foi para responder estas perguntas que se criaram diferentes fórmulas e metodologias para estimar os custos da violência. Não há consenso sobre a melhor fórmula, o que se deve incluir ou deixar de fora dos cálculos, qual o peso de cada fator. Os custos podem ser classificados em preventivos e curativos, diretos e indiretos, perdas materiais e perdas humanas, tangíveis e intangíveis, econômicos e financeiros, custos para a sociedade ou para o cidadão, de curto ou de longo prazo, perdas pelo que se gasta ou pelo que se deixa de ganhar e assim por diante.

A variedade de métodos só não é maior do que a de fontes utilizadas: estatísticas oficiais de criminalidade, pesquisas de vitimização, orçamentos governamentais, tabelas de seguradoras, pesquisas de opinião pública, estimativas feitas por especialistas nos setores público e privado e toda uma série de meios formais e informais que possam servir como base para o cálculo.

Antes que alguém comece a levar demasiado a sério os cálculos aqui apresentados, é preciso dizer que, por trás da aparente sofisticação metodológica das estimativas dos custos do crime, existe uma boa dose de "adivinhação". Trata-se, todavia, de adivinhação bem informada e assume-se aqui ser melhor trabalhar com elas do que com nada. Trata-se de ter alguma estimativa, por precária que seja, para auxiliar no processo decisório na esfera da segurança pública, uma orientação que ajude na hora de optar por alternativas, como investir na repressão ou prevenção do crime.1 1 . Para tomar um exemplo concreto: o governo, através das Secretarias da Administração Penitenciária e do Trabalho, iniciou em 1997 um programa de prestação de serviços à comunidade, para aqueles que foram condenados a cumprir penas alternativas. Nesta modalidade de pena um prestador custa ao Estado cerca de 50 reais mensais e trabalha gratuitamente 8 horas semanais. Se estivesse cumprindo pena em regime fechado, custaria R$ 620 mensais aos cofres públicos.

Já existem algumas tentativas de mensuração de custos da violência feitas no Brasil. Uma pesquisa feita pelo BID estimou que a violência custa 84 bilhões de dólares ao Brasil ou 10,5% do PIB nacional. O economista Ib Teixeira, da Fundação Getúlio Vargas, calcula em 60 bilhões o valor gasto ou perdido, ou 8% do PIB. Somente no Município do Rio de Janeiro, segundo o Iser, a violência custou aos cidadãos cerca de 2 milhões de dólares, ou 5% do PIB municipal de 1995. O problema é que estas estimativas não são comparáveis porque usam metodologias, unidades geográficas e anos diferentes. Nenhuma é necessariamente certa ou errada.

Para esta pesquisa, optou-se por dividir os gastos em três diferentes categorias:

- gastos feitos pelo cidadão indiretamente, através de impostos e que são alocados direta ou indiretamente no combate ao crime;

- gastos feitos diretamente pelos indivíduos ou empresas para a compra do bem "segurança" ou perda de patrimônio direta em função do crime;

- valores que deixam de ser produzidos ou ganhos pela sociedade em razão do medo da violência/outros custos intangíveis.2 2 . A explicação detalhada das fontes e cálculos não cabe no limite deste artigo, mas pode ser obtida no Ilanud, onde a pesquisa foi desenvolvida.

GASTOS FEITOS PELO CIDADÃO INDIRETAMENTE ATRAVÉS DE IMPOSTOS E QUE SÃO ALOCADOS NO COMBATE AO CRIME

Os gastos dos órgãos diretamente relacionados com o combate da criminalidade, como Secretarias de Segurança Pública e Administração Penitenciária, foram retirados do orçamento estadual de 1998. Do orçamento da Secretaria da Segurança Pública, foram deduzidos apenas os valores relativos ao Corpo de Bombeiros, cujas atividades não dizem respeito ao controle do crime (exceto no caso de incêndios provocados intencionalmente). Para outros órgãos públicos que só dedicam parte de seu orçamento ao problema do crime, cálculos diferentes foram necessários. Assim, por exemplo, o valor das internações dos menores infratores não equivale aos gastos integrais da Secretaria de Assistência e Bem-Estar, mas é o resultado da multiplicação de 3.485 internos em junho de 1998, ao custo unitário de R$ 918,00 por mês.

Para estimar os custos no Ministério Público, averiguou-se que, somente na capital, existem 256 promotores de Justiça com atribuições criminais e tomou-se como salário-base, no início de carreira, o valor de R$1.800, tanto para promotores quanto para procuradores. O valor é sabidamente subestimado, pois não leva em conta os promotores no interior, os gastos administrativos e os acréscimos salariais. O mesmo é válido para a Procuradoria do Estado: somente parte do trabalho do órgão é despendido no trato de questões criminais. Na capital

atuam 105 procuradores na área criminal, além de 65 espalhados pelo interior. Somente foram considerados os gastos com salários, minimizando os custos efetivos do Ministério Público e da Procuradoria. Na ausência de informações precisas, ao calcular os custos da violência, é preferível pecar por falta do que por excesso.

Na Guarda Municipal de São Paulo, segundo o serviço de relações públicas do Comando da Guarda Civil, trabalham 4.500 policiais, com vencimentos brutos, na categoria-base, em torno de R$ 600 mensais. O custo aqui é novamente subestimado, pois só leva em conta os gastos com salários e no Município de São Paulo.

Além dos salários dos operadores do direito — policiais, carcereiros, juízes, promotores e procuradores —, é preciso considerar o pagamento de seguros e indenizações públicas às vítimas da violência. Desde 1998, as famílias dos policiais que morrem em serviço recebem como indenização, em média, R$ 50.600. Em 1997, morreram em serviço 40 policiais militares e três policiais civis e é sobre esta base que foram computados os gastos com seguro apresentados na Tabela 2. Desde junho de 1996, quando este tipo de seguro foi criado, 151 famílias receberam o equivalente a 7 milhões e 200 mil reais em indenizações da Cosesp, Companhia de Seguros do Estado.

O INSS, por sua vez, pagou em São Paulo 449.933 pensões por invalidez e 908.880 pensões por morte em 1996, mas não foi possível avaliar quantos dos mortos por homicídio e inválidos no Estado receberam tais pensões, de modo que optou-se por não incluir os gastos do INSS no cômputo (A epidemia da violência, 1998). Como a maior parte dos mortos pela violência é composta por jovens, subempregados e não raramente desempregados, é possível que boa parte das famílias não receba indenizações do INSS.

Finalmente, quanto aos gastos ambulatoriais com as vítimas da violência (93% dos homicídios em São Paulo são cometidos por armas de fogo), estimou-se que São Paulo responde por 46,4% dos gastos nacionais no quesito "internações hospitalares por violência na rede pública", tomando como base a proporção de gastos no Estado com atendimento específico em urgência e emergência.

Para completar o quadro, faltaria acrescentar ainda os gastos em São Paulo da Polícia Federal, mas não foi possível obter tais informações. Entretanto, o efetivo da polícia federal é pequeno se comparado ao das polícias estaduais, de modo que o resultado final não está demasiado distante da realidade.

Os gastos neste primeiro grupo de custos, que foram chamados de indiretos, são sabidamente subestimados, mas, mesmo assim, perfazem 4 bilhões e 200 milhões de reais, com o orçamento da Secretaria de Segurança Pública, como era previsível, representando o maior dispêndio proporcional nesta categoria.

GASTOS FEITOS DIRETAMENTE PELOS INDIVÍDUOS OU EMPRESAS PARA A COMPRA DO BEM "SEGURANÇA" OU PERDA DE PATRIMÔNIO DIRETA EM FUNÇÃO DO CRIME

Os valores estimados para este segundo grupo de itens somam 4 bilhões e 757 milhões de reais anuais entre gastos e perdas diretas da população. São quantias em dinheiro ou bens que mudaram de mãos, no caso dos crimes consumados, passando do setor legal para o ilegal da sociedade. Quantias, no caso, da prevenção, que os indivíduos certamente prefeririam estar investindo de outra maneira, como lazer, ao invés de usá-las para se precaver de perigos em potencial. Deste grupo, o item de maior peso é o investimento em vigilância privada, um dos únicos setores do país para o qual não existe crise. Em seguida, aparecem os gastos relativos a veículos: somados, os custos com roubos, furtos, seguros, equipamentos de proteção de veículos representam um rombo considerável no orçamento dos indivíduos.

Poderiam ser agregados ainda a este grupo os custos dos seguintes itens:

- custos e honorários advocatícios;

- perdas com os "crimes de colarinho branco";

- horas de trabalho perdidas (convalescência física e psicológica, registro de queixa policial, testemunho em processos criminais, etc.);

- quebra de produtividade de funcionários vítimas de violência;

- tratamento médico e psicológico das vítimas na rede privada;

- investimento em equipamentos para segurança própria, empresarial ou residencial, como armas, grades, câmeras, alarmes, etc.

Infelizmente, com relação a estes itens, só se dispõe de alguns elementos para base de cálculo, de modo que não foram incluídos neste levantamento. Entre estes elementos, valeria mencionar aquele referente aos custos advocatícios. O site da OAB, na Internet, divulga uma pesquisa feita em escritórios de advocacia, com alguns preços mínimos. Na fase do Inquérito Policial: diligências R$ 300; acompanhamento R$ 500; instauração R$ 700. Na fase da Ação Penal: defesa R$ 1.000; defesa em júri R$ 2.000; habeas corpus R$ 500, etc. Os custos com advogados aparecem geralmente nos casos de crimes cometidos entre pessoas que se conhecem, ou nos de crimes financeiros ou de "colarinho branco", raramente aparecendo nos casos dos crimes de rua, como roubos e assaltos. Note-se também que não foram incluídas aqui — e todos os cálculos de custos da violência o fazem — as perdas para a sociedade com os crimes de "colarinho branco", como corrupção, falências fraudulentas, prevaricação e golpes na praça em geral. As pesquisas sobre custos da violência geralmente preocupam-se apenas com os crimes violentos, ou de rua, deixando de lado aqueles não violentos cometidos pela classe média. Um só destes escândalos financeiros, porém, provocados por criminosos de classe média, pode implicar prejuízos equivalentes a milhares de roubos e furtos, cometidos por ladrões pobres.

Com relação à quebra de produtividade no trabalho das vítimas da violência, segundo a Brasiliano e Associados, o rendimento cai de 20% a 35% nos dias posteriores ao crime. É preciso computar também as horas de trabalho perdidas pela vítima com a convalescência física e psicológica, registro de queixa policial, testemunho em processos criminais e outras atividades envolvidas na fase judicial.

Finalmente, com relação aos investimentos em equipamentos de segurança residencial feitos pela população, sabe-se, através de pesquisas de vitimização feitas na capital, que 8% das residências têm arma de fogo em casa; 27% possuem fechaduras especiais para portas; 31% dispõem de cão de guarda; 32% têm janelas e portas gradeadas; e 36% apresentam grades altas (Ilanud, 1998). Este tipo de investimento se faz uma só vez, sendo difícil calcular o custo em base anual. Especificamente em relação aos automóveis, 28% dos carros da capital têm alarme, 23% possuem trava de direção ou câmbio e 27% dispõem de algum mecanismo de corte de combustível ou corrente elétrica (Ilanud, 1998). Tendo em vista que a frota no Estado era de 7.937.980 veículos, em 1997, isto significa que foram comprados, para a proteção da frota atual, cerca de 2.222.634 alarmes, 2.143.254 corta correntes ou combustível e 1.825.735 travas. Os valores mencionados na Tabela 3, referentes aos equipamentos de segurança para carros, foram estimados com base no incremento anual da frota.

VALORES QUE DEIXAM DE SER PRODUZIDOS OU GANHOS PELA SOCIEDADE EM RAZÃO DO MEDO DA VIOLÊNCIA/OUTROS CUSTOS INTANGÍVEIS

Este último grupo de custos é o mais difícil de ser estimado, seja pela precariedade de dados, seja pela subjetividade de algumas categorias. Em termos relativos, sabe-se que a maior perda é representada pelas mortes prematuras e incapacitações permanentes. Em geral, as vítimas da violência são jovens, enquanto a expectativa de vida no Estado é de 65 anos para os homens e 73 para as mulheres. São milhares de anos de vida potencialmente produtiva, de 11.000 pessoas mortas todos os anos, que deixam de ser aproveitados. O Iser avalia que tais custos econômicos por morte prematura e incapacidade representam de 83% a 91% dos custos da violência. Este e outros custos não estão sendo computados aqui, pois representam perdas potenciais.

Apenas para dar uma dimensão do quanto se perde com mortes prematuras no Estado, pode-se fazer um cálculo aproximado, levando em conta que 93% das vítimas são homens. Para efeitos de cálculo, foi considerado que estas pessoas ganhavam pelo menos um salário mínimo mensal (R$ 1.440 por ano) e que continuariam a ganhar o mesmo pelo resto de suas vidas, chega-se a uma perda por mortes prematuras no valor de R$ 508.089.600 reais para os homens e de R$ 46.327.680 reais para as mulheres, totalizando R$ 554.417.280 reais, somente com as pessoas mortas por homicídio num único ano.

Entre outros custos intangíveis por vezes computados em estudos sobre custos da violência valeria a pena mencionar:

- turismo nacional e internacional desviado para outros locais menos violento;

- oportunidades empresariais perdidas (fábricas e lojas instaladas em outros locais);

- perda de qualidade de vida (estresse, medo);

- mudanças de estilo de vida (habitantes da cidade saem menos de casa, consomem menos em bares, cinemas, restaurantes, etc. Alunos que deixam de freqüentar cursos noturnos e empregados que não querem trabalhar em turnos noturnos).

Estes valores são os mais difíceis de se estimar, pois são quase sempre hipotéticos. Apresentam-se aqui apenas alguns indícios e variáveis que deveriam ser levados em conta caso uma pesquisa completa conseguisse estimá-los. Em relação ao turismo, o economista Ib Teixeira, da FGV do Rio, calcula que o Brasil deixou de ganhar 20 bilhões de dólares entre 1988 e 1998, ou cerca de 2 bilhões de dólares por ano. Uma vez que se estima que cada 1.000 dólares gastos por turistas no país gera de dois a três empregos, o problema do desemprego no Brasil praticamente desapareceria nas regiões turísticas se este fluxo de visitantes fosse canalizado para cá.

Sobre os aspectos subjetivos da violência e seus efeitos comportamentais, é desnecessário apontar o quanto nossa rotina é alterada. Somente a título de exemplificação, a pesquisa de vitimização do Ilanud levantou que, na capital, 45% dos habitantes costumam evitar certas ruas, locais ou pessoas por questão de segurança; 49% sentem-se um pouco ou muito inseguros ao andar na vizinhança depois que fica escuro; 35% consideram muito provável ou provável ser vítima de tentativa de arrombamento nos próximos 12 meses. Com relação à mudança de hábitos, 52% da população da capital costuma pedir a vizinho ou vigia para olhar a casa quando sai (Ilanud, 1998).

CONCLUSÕES

É preciso ficar atento para o fato de que estes gastos também implicam uma redução da criminalidade e que, porque eles são feitos, um grande número de crimes deixa de ocorrer. Nem todas estas rubricas — especialmente os gastos com polícia — podem ser consideradas "custos", se for pensado no seu papel preventivo. Se os gastos feitos em segurança ajudam a prevenir crimes que de outro modo ocorreriam, trata-se na verdade de um bom investimento; se não ajudam, ou não tanto quanto deveriam, a questão muda de figura. Assim, como no caso dos carros ou cargas roubadas são descontados os recuperados, um cálculo ideal deveria levar em conta — e subtrair dos gastos — estes crimes prevenidos. O problema é que este cálculo é impossível de ser feito, superestimando de certo modo os custos da violência. Deve-se considerar também que, na maioria dos casos, dinheiro e bens roubados mudam de mãos, mas não desaparecem simplesmente da economia: o dinheiro gasto em salários de policiais e vigilantes, por exemplo, entra de novo na economia quando estes consomem outros bens.

O PIB nominal do Estado de São Paulo foi de 241,58 bilhões de dólares, ou 292, 31 bilhões de reais, em valores de 1997, segundo a Fundação Seade. Os custos da violência aqui levantados, em caráter provisório, atingem a cifra de 8 bilhões e 96 milhões de reais, ou cerca de 3% do PIB estadual. É difícil julgar se esta é uma proporção elevada ou não em comparação com outros Estados ou países, mesmo porque não existe comparabilidade metodológica deste estudo com os demais. Porém, é sem dúvida um gasto elevado quando comparado com o que é investido em outros setores: representa, por exemplo, 2,7 vezes o gasto feito com a Secretaria da Saúde e 21,7 vezes o gasto com a Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social em 1998.

Assim como em outros serviços prestados pelo Estado na área da educação e da saúde, também na área da segurança acaba ocorrendo uma espécie de "dupla-tributação" para aqueles que não querem depender somente dos serviços públicos. Tributação dupla porque, apesar de pagar através de impostos o custeio de escolas, hospitais e segurança pública, o cidadão que desejar ensino de boa qualidade, atendimento médico adequado ou melhor segurança terá que pagar caro no mercado por estes produtos. Do mesmo modo como, em função da perda de qualidade, o ensino e a saúde públicos foram privatizados no país, a deterioração na qualidade do serviço de segurança pública está levando à privatização do setor. Escolas, hospitais e policiamento públicos serão, cada vez mais, serviços prestados a quem não pode pagar pelos serviços privados. Esta tendência deve ser ainda mais acelerada na área de segurança, pois, diferentemente das demais, freqüentemente são as mesmas pessoas que atuam na segurança pública e na privada: como trabalham com base em escalas, os policiais — treinados com recursos públicos — são aproveitados pelas empresas de segurança privada, boa parte das quais, diga-se de passagem, são de propriedade de policiais de altas patentes nas polícias Civil e Militar.

Este custo da violência até agora tem sido "repartido" pelo Estado (cuja fonte são os impostos pagos pela sociedade), pelas vítimas da violência e por aquelas empresas ou indivíduos que pretendem diminuir seus riscos de vitimização. Existem, por outro lado, dois ramos industriais específicos que têm parcela indireta de responsabilidade pelos elevados custos da violência, mas que não contribuem de maneira proporcional para custeá-los: a indústria de armas e a de bebidas alcoólicas. Obviamente, não é a arma ou a bebida que causam isoladamente a violência, assim como não é o cigarro o único responsável pelo câncer em fumantes. Não há como negar, todavia, o impacto da disponibilidade de armas e do consumo de álcool sobre a criminalidade e seus custos, assim como não se pode mais negligenciar os efeitos indiretos do fumo sobre a incidência de câncer ou problemas cardíacos na população. Pesquisa realizada pelas Nações Unidas, em 1995, mostrou que no Brasil as armas de fogo são utilizadas em nada menos que 88% dos homicídios, colocando-nos como o país com maior proporção de homicídios por armas de fogo em todo o mundo. Os homicídios por armas de fogo transformaram-se, em outras palavras, num problema de saúde pública. No Rio de Janeiro, os médicos plantonistas já recebem treinamento oferecido aos médicos que cuidam de vítimas de guerras, em virtude da quantidade e da qualidade dos ferimentos. Nos Estados Unidos, a indústria do fumo reconheceu sua parcela de culpa por uma série de doenças e está entrando em acordo com o governo para pagar parte dos gastos na área de saúde que o Estado tem por causa do cigarro. Como contrapartida, não seriam aceitas ações individuais por danos contra as indústrias ligadas ao fumo. Acordos semelhantes estão sendo estudados em algumas comunidades com relação aos fabricantes de armas. O princípio invocado é o mesmo: o ônus com o tratamento das vítimas da violência não deve caber apenas ao Estado ou às vítimas. Se o álcool e as armas de fogo têm parcela de responsabilidade pela violência e mesmo lucram com ela — como é o caso da indústria armamentícia —, eles deveriam arcar de alguma forma com os seus custos.

A título de conclusão deste artigo, reafirma-se a precariedade dos dados aqui apresentados, lembrando que a cifra de 3% do PIB é uma estimativa conservadora para o custo da violência em São Paulo, uma vez que deixa de computar diversos itens importantes. E é acima de tudo uma estimativa que não leva em conta um valor incalculável, de um bem que não tem preço: o valor da vida das vítimas da violência e suas famílias; da dor e do sofrimento humano que a violência representa.

NOTAS

E-mail do autor: tkahn@usp.br

Diversas pessoas ajudaram a compilar os dados para este artigo, entre elas, principalmente, Cristina Barbosa, Flávia Piovesan, José Alves dos Reis, Rafael Rabinovici, Renato Sérgio de Lima e Tatiana Bicudo. Nenhum deles tem qualquer responsabilidade pela forma como os dados foram interpretados.

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  • 1
    . Para tomar um exemplo concreto: o governo, através das Secretarias da Administração Penitenciária e do Trabalho, iniciou em 1997 um programa de prestação de serviços à comunidade, para aqueles que foram condenados a cumprir penas alternativas. Nesta modalidade de pena um prestador custa ao Estado cerca de 50 reais mensais e trabalha gratuitamente 8 horas semanais. Se estivesse cumprindo pena em regime fechado, custaria R$ 620 mensais aos cofres públicos.
  • 2
    . A explicação detalhada das fontes e cálculos não cabe no limite deste artigo, mas pode ser obtida no Ilanud, onde a pesquisa foi desenvolvida.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      03 Dez 2004
    • Data do Fascículo
      Dez 1999
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