Acessibilidade / Reportar erro

Editorial

Editorial

A publicação deste número encerra o quarto volume de Scientiæ udia, com contri-buições variadas que percorrem um arco que possui uma mesma tensão temática. Da especificidade epistemológica e metodológica do estudo de caso, que permite às ciências so-ciais a prática de um regime de experiência não-saturada, passamos à interpretação construtivista da estatística bayesiana, que permite a especificação de hipóteses estatísticas precisas, apontando para aplicações nas ciências sociais em um regime de experiência saturada, movendo-nos em seguida para o núcleo das ciências naturais, seja para descobrir, na matéria, o nexo de necessidade da realidade, seja para pôr à mostra as dificuldades de Faraday com o conceito de matéria nas pesquisas eletromagnéticas da primeira metade do século xix.

Scientiæ udia se inicia com o artigo de Claude Imbert que se insere no âmbito da epistemologia das ciências sociais, mostrando como estas diferem das ciências naturais, nas quais o regime da experiência opera por saturação evidencial e, quando se estende ao social, por uma espécie de casuística metodológica. A autora põe a descoberto o galileanismo que está na base da imposição da fenomenologia naturalista matematizada às ciências sociais e que, em suas várias formas, pratica a redução do caso à casuística jurisprudencial da razão. Desvela o galileanismo civil como forma de aplicação do naturalismo matemático aos assuntos huma-nos, aplicação feita exemplarmente, na primeira modernidade, por Galileu e Pascal. Aponta para a importância do estudo de caso em um regime de experiência não-saturada, no qual a interpretação descobre de um só golpe a normatividade de um caso exemplar e a universalida-de atualizada em uma singularidade. No segundo artigo, Julio Michael Stern, tendo como pano de fundo a dificuldade de confrontação com a experiência das hipóteses estatísticas, apresenta uma nova interpretação da estatística bayesiana, que se incorpora, por meio do teste completo de significância bayesiana, ao construtivismo cognitivo, que é, então, comparado com as sis-tematizações alternativas fornecidas pela teoria da decisão e pelo falsificacionismo popperiano. O autor compara, desse modo, três “cenários epistemológicos” para a estatística: a interpreta-ção construtivista, a interpretação ortodoxa baseada na teoria da decisão, de amplo uso na eco-nomia, e a interpretação freqüêncial de inspiração popperiana, procurando mostrar a superio-ridade da interpretação construtivista. No terceiro artigo, Michel Paty completa a trilogia dedicada à análise histórico-conceitual de idéias fundamentais da ciência. Tendo tratado em Scientiæ udia (v. 2, n. 1) da causalidade física e (v. 2, n. 4) do determinismo, o autor se debruça agora sobre a idéia de necessidade para examinar a dificuldade de sua aplicação a um conhecimento simbólico que depende da subjetividade e que só tem acesso indireto à realidade. O autor defende que, apesar das limitações inerentes aos sistemas teóricos e conceituais, a necessidade é o motor do movimento da ciência em direção a uma adaptação das condições de possibilidade do conhecimento ao mundo imanente, de modo que as formas simbólicas do conhecimento científico seriam dirigidas por uma espécie de necessidade material subterrânea.

No documento científico, Scientiæ udia publica a tradução de um texto denominado Matéria, escrito por Michael Faraday em fevereiro de 1844, no qual o célebre experimentador, responsável pela descoberta da indução eletromagnética, é levado a pôr em questão a eficácia da ação a distância para a explicação de efeitos elétricos e magnéticos. Na introdução ao docu-mento, Sonia Maria Dion mostra como Faraday, em virtude da incorporação do “dinamismo leibniziano”, inscrito na matéria, nos átomos de Boscovich, afasta-se do modelo corpuscularista dos newtonianos, plenamente dominante na primeira metade do século xix, e que era estendi-do à eletricidade e ao magnetismo. Embora aceite a ação a distância de Newton para as grandes distâncias astronômicas, Faraday nega sua eficácia para as pequenas distâncias atômicas em que ocorrem os fenômenos elétricos e magnéticos, desenvolvendo, no texto aqui publicado, o início de sua interpretação alternativa de que a matéria é o centro de irradiação de certas pro-priedades elétricas e magnéticas.

Encerra o quarto volume de Scientiæ udia a resenha de Claudemir Roque Tossato que põe em tela as distorções produzidas pela contextualização histórico-social que explora acon-tecimentos dramáticos da biografia de cientistas famosos, elaborando reconstruções que ig-noram o desenvolvimento conceitual interno das concepções científicas. A resenha mostra que a biografia de Johannes Kepler, na qual o processo de bruxaria contra sua mãe ocupa um lugar central, está condicionada por uma leitura parcial da literatura relevante sobre a obra científica do astrônomo alemão, voltando a veicular interpretações controversas, ultrapassa-das pela crítica histórica e filosófica.

Pablo Rubén Mariconda

editor responsável

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Maio 2010
  • Data do Fascículo
    Dez 2006
Universidade de São Paulo, Departamento de Filosofia Rua Santa Rosa Júnior, 83/102, 05579-010 - São Paulo - SP Brasil, Tel./FAX: (11) 3726-4435 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: secretaria@scientiaestudia.org.br