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Editorial

Editorial

Scientiæ udia inicia a publicação do quarto volume com este número dedicado, em seus três artigos, à história do que se costuma chamar de ciências da vida. Eles tratam sucessivamente da biologia evolutiva, da medicina antiga e das concepções de saúde, apresentando cortes historiográficos diferentes, aliados a diversas estratégias e perspectivas analíticas. Os dois primeiros tratam de seu assunto sob um recorte historiográfico amplo que perpassa, no plano temporal, alguns séculos e espacialmente de amplas regiões da Europa, enquanto o terceiro texto delimita o objeto com um corte temporal menor, aproximadamente de um século, localizado espacialmente na Inglaterra, em uma perspectiva que engloba dimensões sociológicas.

No artigo inicial, Gustavo Caponi apresenta um panorama, do século xviii ao xx, da questão central da história natural, a saber, da relação entre o ser vivo e seu ambiente, organizando-a segundo o marco da teoria da evolução de Charles Darwin, para mostrar desse modo uma ampla mudança de atitude, provocada pela introdução da idéia darwiniana de adaptação, que concebe a relação entre o ser vivo e o ambiente como conflituosa, como de luta pela sobrevivência; concepção esta claramente diferente daquela da economia natural, segundo a qual cada ser vivo tem uma função a cumprir no conjunto que caracteriza seu entorno, em uma relação de harmonia entre os seres vivos e o ambiente. A introdução do conceito de adaptação supõe, assim, um novo entendimento da relação entre ser vivo e ambiente e promove, no trabalho de campo dos naturalistas, uma profunda transformação nos hábitos científicos de investigação. No segundo artigo, Regina Andrés Rebollo também fornece um amplo panorama, desta feita, da transmissão na Antiguidade do chamado corpus hipocrático. Sua exposição conduz do conjunto de textos médicos gregos dos séculos v e iv a.C., que constituem o conhecimento médico da Grécia clássica, ao maior comentador e continuador do corpus, o médico latino Galeno, no século ii de nossa era. História, neste caso, de escolas e tradições, na qual é preciso encontrar os elos que formam a corrente da transmissão. Nesse amplo recorte de seis séculos que compreende a Antiguidade, são apresentadas, então, as reconstruções dos mapas das transmissões dos textos hipocráticos, fornecendo pistas dos elos que ligam as escolas médicas às tradições interpretativas das concepções médico-doutrinais. No artigo final, Claire Crignon de Oliveira discute a máxima dos neo-platônicos de Cambridge – ser sóbrio e racional –, revelando os usos ambíguos a que esteve sujeita quando aplicada à discussão da saúde corporal e mental na Inglaterra do início do século xviii. Constitui-se, nesse ambiente, uma visão segundo a qual as doenças são desordens ou desequilíbrios fisiológicos ou patológicos causados, em grande medida, pela imoderação e pelos excessos. Com efeito, qualquer excesso, mesmo aquele do uso da razão em reflexões continuadas, profundas e extenuantes, é visto, pelo médico inglês George Cheyne, como podendo conduzir a desequilíbrios e ser, assim, causa de doença, no caso do excesso de uso da razão, distúrbio mental.

Scientiæ udia publica, como documento científico, a tradução de Marcos Rodrigues da Silva do famoso texto do bispo George Berkeley, mantendo o título latino, De motu, com o qual é comumente conhecido e referido. Berkeley (que é contemporâneo de George Cheyne) dedica-se, em seu texto, a discutir as teorias mecânicas de seu tempo, principalmente as concepções de força de Galileu, de Newton e de Leibniz. A perspectiva adotada por Berkeley quanto à matematização da natureza faz do De motu um clássico da posição nominalista/instrumentalista e um dos elos na tradição que se estende do cardeal Roberto Bellarmino até o físico francês Pierre Duhem, com ramificações no anti-realismo contemporâneo. No ensaio introdutório, Marcos Rodrigues da Silva apresenta, de início, um variado e rico leque de questões suscitadas pelo texto de Berkeley, detendo-se justamente na questão do significado cognitivo da ciência, ou seja, no fulcro da oposição instrumento/explicação, com o intuito de pôr a posição nominalista do filósofo numa perspectiva que lhe confere uma relativa atualidade no debate contemporâneo entre realistas e anti-realistas.

Encerra o primeiro número de 2006 de Scientiæ udia a resenha de Renato Rodrigues Kinouchi que discute com bom humor e fina ironia algumas confusões do texto de David Koepsell, que são típicas da cultura hodierna conformada pelo desenvolvimento das tecnologias digitais que sustentam a Internet, na qual se gera o espaço virtual de comunicação e de informação, o chamado ciberespaço. Dentre as confusões conceituais feitas por Koepsell, uma é grave, principalmente para quem se propõe discutir a ontologia do ciberespaço. Sem atinar para a importância do rigor na elaboração de distinções conceituais, o autor promove uma confusão, na qual uma suposta oposição realismo/idealismo obscurece as oposições realismo/nominalismo e idealismo/materialismo, de modo que o autor perde o fio da meada e fica à mercê do minotauro virtual cibernético, incompreendido em sua natureza ontológica. De resto, pode-se apreciar, na resenha, a breve e elucidativa apresentação dos aspectos legais envolvidos nas patentes e nos direitos de propriedade intelectual (DPI).

Pablo Rubén Mariconda

editor responsável

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Maio 2010
  • Data do Fascículo
    Mar 2006
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