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As mecânicas

DOCUMENTOS CIENTÍFICOS

As mecânicas1 1 A presente tradução foi feita a partir do original italiano, publicado por Antonio Favaro no segundo volume da Edizione nazionale delle opere di Galileo Galilei, 1933 [1891], p. 155-90. Os números entre colchetes indicam a paginação dessa edição.

Galileu Galilei

[155] Das utilidades que se obtêm da ciência mecânica e de seus instrumentos

Digno de grandíssima consideração pareceu-me, antes de chegar à especulação dos instrumentos mecânicos, considerar em universal e pôr quase que diante dos olhos quais sejam as comodidades que se retiram desses mesmos instrumentos; e julguei que isso devia fazer-se tanto mais quanto (se não me engano) mais vi enganar-se a universalidade dos mecânicos no querer aplicar máquinas a muitas operações, impossíveis por sua própria natureza, de cujo êxito eles se enganaram, e outros igualmente foram defraudados da esperança que tinham concebido a partir da promessa daqueles. Enganos dos quais me parece ter compreendido que a razão é principalmente a crença, que os referidos artífices tiveram e continuam a ter, de poder com pouca força mover e levantar grandíssimos pesos, enganando, de certo modo, com suas máquinas a natureza, da qual é instinto, e mesmo constituição firmíssima, que nenhuma resistência possa ser superada por força que não seja mais potente que aquela. Crença essa que espero, com as demonstrações verdadeiras e necessárias, que teremos na continuação, tornar evidentíssimo o quanto é falsa.

[156] Entrementes, porque se acenou não ser a utilidade que das máquinas se obtém a de poder com pequena força mover, por meio da máquina, aqueles pesos que sem ela não poderiam pela mesma força ser movidos, não será fora de propósito declarar quais são as comodidades, que nos foram aportadas por tal faculdade, porque, quando não fosse de esperar alguma utilidade, vão seria todo o esforço que se empregasse na sua aquisição.

Iniciando, portanto, a partir de tais considerações, para nós impõem-se primeiramente quatro coisas a serem consideradas: a primeira é o peso, que se deve transferir de lugar para lugar; a segunda é a força ou potência, que deve movê-lo; a terceira é a distância entre um e outro término do movimento; a quarta é o tempo, no qual tal mudança deve ser feita; tempo que retorna na própria coisa com a presteza e velocidade do movimento, determinando-se que é mais veloz que outro aquele movimento que em menor tempo passa por distância igual. Ora, atribuída qualquer resistência determinada que se queira, e limitada qualquer força, e marcada qualquer distância que se queira, não há qualquer dúvida de que a força dada possa conduzir o peso dado pela distância determinada; posto que, ainda quando a força fosse pequeníssima, dividindo-se o peso em muitas partezinhas, cada uma das quais não sendo superior à força, e transferindo-se uma de cada vez, ter-se-á finalmente conduzido todo o peso ao término proposto: nem por isso ao final da operação poder-se-á dizer, com razão, que aquele grande peso foi movido e transladado por força menor que si mesmo, mas antes por força que terá muitas vezes reiterado aquele movimento e espaço, que terá sido medido por todo o peso de uma só vez. Do que parece a velocidade da força ter sido tantas vezes superior à resistência do peso, quantas vezes esse peso é superior à força, pois que naquele tempo no qual a força movente mediu muitas vezes o intervalo entre os términos do movimento, esse móvel o acaba por ter passado uma só vez; nem por isso se deve dizer ter sido superada grande resistência com pequena força, fora da constituição da natureza. Então, somente se poderia dizer ter-se superado o propósito (instituto) natural, quando a menor força transferisse a maior resistência com igual velocidade de movimento, segundo o qual essa [resistência] caminha; o que afirmamos ser absolutamente impossível de fazer-se com qualquer máquina que se queira, imaginada ou que imaginar [157] se possa. Mas porque poderia talvez acontecer que, tendo pouca força, fosse necessário mover um grande peso todo conjuntamente, sem dividi-lo em pedaços, em tal ocasião será necessário recorrer à máquina, por meio da qual se transferirá o peso proposto no espaço designado pela força dada; mas não se retirará daí que a mesma força não tenha que caminhar, medindo aquele mesmo espaço, ou outro igual a ele, tantas e tantas vezes por quantas vem a ser superada pelo referido peso, tal que ao final da ação não encontraremos ter recebido da máquina outro benefício que o de transportar o dado peso, todo junto, com a dada força ao dado término; peso que, dividido em partes, sem outra máquina, teria sido transferido pela mesma força, no mesmo tempo, pelo mesmo intervalo. E esta deve ser incluída como uma das utilidades que se obtêm do mecânico, porque, na verdade, ocorre muitas vezes que, sendo escassa a força, mas não o tempo, ocorre-nos mover grandes pesos todos unidamente. Mas quem esperasse e tentasse, por meio de máquinas, fazer o mesmo efeito sem aumentar a lentidão do móvel, esse certamente se enganaria e demonstraria não entender a natureza dos instrumentos mecânicos e as razões de seus efeitos.

Extrai-se outra utilidade dos instrumentos mecânicos, a qual depende do lugar onde deve ser feita a operação, porque não é em todos os lugares que se adaptam com igual comodidade todos os instrumentos. E assim vemos (para explicar por meio de um exemplo) que, para extrair a água de um poço, servimo-nos de uma simples corda com um recipiente adaptado para receber e conter a água, com o qual obteremos uma determinada quantidade de água em certo tempo com a nossa limitada força; e aquele que acreditasse poder com máquinas de qualquer tipo obter, com a mesma força, no mesmo tempo, maior quantidade de água, cometeria grandíssimo erro; e enganar-se-á tanto mais frequentemente e tanto mais, quanto mais for imaginando invenções variadas e multiplicadas. Apesar disso, vemos retirar a água com outros instrumentos, tais como trompas (trombe), para secar os fundos dos navios. Deve-se, entretanto, advertir que as trompas não foram introduzidas em tal ofício porque trazem uma quantidade maior de água, no mesmo tempo e com a mesma força, daquilo que se faria com um simples balde, mas somente porque, em tal lugar, o uso do balde ou de outro vaso similar não poderia fazer o efeito que se deseja, que é o de [158] manter seca a sentina do navio sem que reste a mínima quantidade de água; o que o balde não pode fazer, por não ser possível afundá-lo e emergi-lo onde não haja uma altura suficiente de água. E, assim, vemos com o mesmo instrumento enxugarem-se pequenos cantos, de onde não se pode retirar a água a não ser obliquamente, o que não faz o uso ordinário do balde, o qual se alça e abaixa-se perpendicularmente com a sua corda.

A terceira, e, por acaso, maior comodidade que as outras que nos aportam os instrumentos mecânicos, diz respeito ao movente, valendo-nos ou de alguma força inanimada, como a do curso de um rio, ou mesmo de força animada, mas de bastante menor dispêndio (spesa) que aquele que seria necessário à manutenção da pujança humana, como quando, para mover os moinhos, servimo-nos do curso de um rio ou da força de um cavalo para fazer aquele efeito para o qual não bastaria o poder de quatro ou seis homens. E por esta via poderemos ainda tirar vantagem no levantar as águas ou no fazer outras forças galhardas, as quais seriam conseguidas por homens sem outros engenhos (ordigni), porque com um simples recipiente poderiam pegar água, levantá-la e entorná-la onde seja necessário, mas porque ao cavalo, ou a outro motor similar, faltam o discurso e aqueles instrumentos que são necessários para pegar o vaso e esvaziá-lo a tempo, tornando depois a enchê-lo, e somente abundam em força, por isso é necessário que o mecânico suplemente com seus engenhos o defeito natural daquele motor, subministrando-lhe artifícios e invenções tais que, com a simples aplicação da sua força, possa conseguir o efeito desejado. E, para isso, é muitíssimo útil; não porque aquelas rodas ou outras máquinas façam que, com menor força e com maior presteza, ou por maior intervalo, transporte-se o mesmo peso, que poderia transportar, sem tais instrumentos, uma força igual mais judiciosa e bem organizada, mas sim porque a queda de um rio custa nada ou pouco e a manutenção de um cavalo ou de outro animal similar, cuja força superará aquela de oito e talvez mais homens, é de longe de menor dispêndio que aquilo que seria necessário para poder sustentar e manter os referidos homens.

Estas são, pois, as utilidades que se obtêm dos instrumentos mecânicos, e não aquelas que, com o engano em tantos princípios e para sua própria vergonha, vão sonhando os engenheiros que pouco entendem, quando querem aplicar-se a empresas impossíveis. Do que, e por [159] este pouco que se acenou, e por aquele muito que se demonstrará na continuação deste tratado, seremos assegurados, se atentamente aprendermos o quanto se há de dizer.

Definições

Aquilo que em todas as ciências demonstrativas é necessário observar, também nós devemos seguir neste tratado: que é propor as definições dos termos próprios desse assunto, e as primeiras suposições a partir das quais, como de fecundíssimas sementes, pululam e brotam consequentemente as causas e as verdadeiras demonstrações das propriedades de todos os instrumentos mecânicos, os quais servem tanto mais para o movimento das coisas graves (cose gravi); por isso, determinaremos primeiramente o que seja a gravidade (gravitá).

Chamemos, portanto, gravidade àquela propensão de mover-se naturalmente para baixo, a qual se encontra causada, nos corpos sólidos, pela maior ou menor quantidade (copia) de matéria, da qual são constituídos.

Momento é a propensão de ir para baixo, causada não tanto pela gravidade do móvel, quanto pela disposição que possuem entre si os diferentes corpos graves (corpi gravi); momento mediante o qual se verá muitas vezes um corpo menos grave contrapesar outro de maior gravidade, tal como se vê na balança romana um pequenino contrapeso levantar outro peso grandíssimo, não por excesso de gravidade, mas antes pela distância do ponto em que é sustentada a balança; distância que, em conjunção com a gravidade do peso menor, aumenta-lhe o momento e o ímpeto de ir para baixo, com o qual pode exceder o momento do outro grave maior. O momento é, portanto, aquele ímpeto de ir para baixo, composto de gravidade, posição e de outro, do que possa ser causada tal propensão.

Define-se ser o centro de gravidade, em cada corpo grave, aquele ponto em torno do qual consistem partes de igual momento, de modo que, imaginando que tal corpo seja por tal ponto suspenso e sustentado, as partes da direita equilibrarão as partes da esquerda, as anteriores equilibrarão as posteriores, e as superiores aquelas inferiores, de modo que o grave, assim [160] sustentado, não se inclinará para parte alguma, mas colocado em qualquer sítio e disposição que se queira, desde que suspenso pelo referido centro, permanecerá firme. E este é aquele ponto que iria unir-se com o centro universal das coisas graves, ou seja, com aquele da Terra, quando pudesse descer em algum meio livre.

Do que obteremos a seguinte suposição: todo grave mover-se para baixo de modo tal que o centro de sua gravidade jamais sai fora daquela linha reta que se traça desse centro, posto no primeiro término do movimento, até o centro universal das coisas graves; o que é muito razoavelmente suposto, porque, como só esse centro vai unir-se com o centro comum, é necessário que, não sendo impedido, vá encontrá-lo pela linha curtíssima, a qual é somente a reta. Além disso, podemos secundariamente supor: todo corpo grave gravitar maximamente sobre o centro da sua gravidade e, neste, como na própria sede, recolher-se todo o ímpeto, todo o peso e, em suma, todo o momento. Suponha-se finalmente que o centro de gravidade de dois corpos igualmente graves está no meio daquela linha reta que une os dois referidos centros; ou, em verdade, dois pesos iguais, suspensos a distâncias iguais, terão o ponto de equilíbrio na união comum dessas distâncias iguais; como, por exemplo, sendo a distância CE igual à distância ED, e delas suspensos dois pesos iguais, A, B, suponhamos o ponto de equilíbrio estar no ponto E, não existindo maior razão de inclinar-se para uma que para outra parte. Mas aqui cabe advertir, como tais distâncias devem ser medidas com linhas perpendiculares, as quais do ponto da suspensão caem sobre a linha reta, que se traça dos centros de gravidade dos dois pesos até o centro comum das coisas graves. E por isso, se a distância ED fosse transportada para EF, o peso B não contrapesaria o peso A, porque, traçando-se dos centros de gravidade duas linhas retas até o centro da Terra, veremos que aquela que vem do centro do peso I está mais próxima do ponto E que a outra traçada a partir do centro do peso A. Deve-se, portanto, entender que os pesos iguais estão suspensos por distâncias iguais [161] sempre que as linhas retas, que de seus centros vão encontrar o centro comum das coisas graves, estejam igualmente distantes daquela linha reta que é traçada do término dessas distâncias, ou seja, do ponto de suspensão, até o centro da Terra.2 2 Neste ponto, Mersenne faz a Adição I, que possui o interesse histórico de remeter a Benedetti, Diversarum especulationum mathematicarum et physicarum líber (Livro das diversas especulações matemáticas e físicas), de 1585, que contém um tratado de mecânica, intitulado De mechanicis (Das mecânicas), no qual há um desenvolvimento do conceito de momento, o qual também é empregado por Galileu (cf. Mersenne, 1966 [1634], p. 29, n. 1).

Determinadas e supostas essas coisas, chegamos à explicação de um princípio comuníssimo e principalíssimo de boa parte dos instrumentos mecânicos, demonstrando como pesos desiguais pendentes de distâncias desiguais pesarão igualmente, sempre que ditas distâncias tenham proporção inversa daquela que têm os pesos. Que pesos desiguais pesem igualmente, suspensos a distâncias desiguais, as quais tenham proporção inversa daquela que se encontra terem esses pesos, não apenas demonstraremos ser verdadeiro daquele modo de que estamos certos da verdade do princípio posto acima, onde se supôs pesos iguais pesarem igualmente a distâncias iguais; mas demonstraremos ser exatamente a mesma coisa suspender pesos desiguais a distâncias de proporções inversas, que pesos iguais a distâncias iguais.

Tome-se, portanto, o sólido grave CDFE, de gravidade homogênea em todas as suas partes, e igualmente espesso em toda a sua extensão (per tutto), tal como seria uma figura de coluna ou outra similar, o qual seja suspenso dos pontos extremos C, D pela linha AB, igual à altura do sólido. Ora, dividindo essa linha AB igualmente no ponto G, e suspendendo-a por ele, não há dúvida alguma de que se fará o equilíbrio nesse ponto G, porque a linha, que se traçasse retamente desse ponto ao centro da Terra, passaria pelo centro de gravidade do sólido CF, e do entorno dessa linha consistiriam partes de momentos iguais, e seria o mesmo que se pendessem dos pontos A, B duas metades do grave CF. Suponha-se agora o grave ser cortado, segundo a linha IS, em duas partes desiguais; é evidente que a parte CS, assim como também a outra SD, não estará mais em tal situação, não existindo outra sustentação que os dois liames AC, BD. Por isso, voltando ao ponto I, ajunte-se um novo liame, o qual, ligado ao ponto H e sobreposto perpendicularmente ao corte IS, sustente em comum no estado anterior uma e outra parte do sólido; do que se segue que não [162] se tendo alteração alguma, seja de gravidade, seja de situação, nas partes do sólido com respeito à linha AB, o próprio ponto G permanecerá como centro do equilíbrio, como o era no início. Além disso, sendo que a parte do sólido CS está ligada à balança mediante os dois liames CA, IH, não há dúvida alguma de que se, cortando os ditos dois liames, acrescentarmos um só MK, dos dois igualmente distantes, encontrando-se sob ele o centro de gravidade do sólido CS, não se mudará ou modificará a situação (sito), mas salvar-se-á a mesma disposição (abitudine) da linha AH; e fazendo o mesmo para a outra parte IF, ou seja, rompidos os liames HI, BD e atado ao meio o único liame NL, é igualmente evidente que ele não varia a situação ou a disposição com respeito à balança AB, de modo que, estando as partes de todo o sólido CF na mesma relação com a balança AB que sempre tiveram, pendendo uma, CS, do ponto M, e a outra, SD, do ponto N, não há dúvida de que o equilíbrio se faz ainda do mesmo ponto G. E já começará a aparecer como, pendendo dos términos extremos da linha MN os dois graves CS, maior, e SD, menor, tornam-se de iguais momentos e geram o equilíbrio no ponto G, fazendo a distância GN maior que a GM; e somente falta, para conseguir completamente nosso intento, que demonstremos que a proporção que se encontra entre o peso CS e o peso SD é aquela que se encontra entre a distância NG e a distância GM; o que não será difícil demonstrar. Posto que, sendo a linha MH a metade da linha HA, e a NH a metade de HB, toda a linha MN será a metade da linha total AB; da qual é ainda metade BG; donde essas duas linhas MN, GB serão iguais entre si; das quais, retirando a parte comum GN, será a remanescente MG igual à remanescente NB, a qual é também igual à NH; donde essas MG, NH serão ainda iguais; e acrescentada comumente a parte GH, será a MH igual à GN. E tendo já demonstrado MG igualar-se a HN, aquela proporção, que a linha MH tiver com a linha HN, a distância NG terá para a distância GM; mas a proporção de MH para HN é aquela que KI tem para IL, e a linha dupla CI tem para a linha dupla ID e, em suma, o sólido CS tem para o sólido SD (dos quais CI, ID são alturas); portanto, conclui-se que a proporção da distância NG para a distância GM é a mesma que a da grandeza do sólido CS para a grandeza do sólido SD; a qual, como é evidente, é aquela mesma que possuem as gravidades dos mesmos sólidos.

[163] E de quanto se disse, parece-me compreender-se amplamente como os dois graves desiguais CS, SD, apesar de não terem pesos iguais, pendendo de distâncias que têm inversamente a mesma proporção, mas, além disso, como, in rei natura, aconteça o mesmo efeito que, se a distâncias iguais, se suspendessem pesos iguais; sendo que a gravidade do peso CS difunde-se de certo modo virtualmente para além da sustentação G, e a gravidade do peso SD afasta-se do mesmo, como qualquer mente especulativa pode compreender, examinando bem quanto foi dito acerca da presente figura. E, mantendo a mesma gravidade dos pesos e os mesmos términos das suspensões, ainda que se variassem as suas figuras, reduzindo-as à forma esférica, conforme as duas X, Z, ou a outras [formas], não se duvidará de que se deve conseguir o mesmo equilíbrio, sendo a figura um acidente da qualidade e impotente para alterar a gravidade, que deriva antes da quantidade. Do que concluiremos universalmente ser verdadeiro que pesos desiguais pesem igualmente, suspensos inversamente de distâncias desiguais, que tenham a mesma proporção dos pesos.

Algumas advertências acerca das coisas ditas

Tendo mostrado como os momentos de pesos desiguais são equilibrados por serem suspensos inversamente a distâncias que têm a mesma proporção, não me parece que se deve passar em silêncio outra congruência e probabilidade, pela qual se pode razoavelmente confirmar a mesma verdade.

Por isso, considere-se a balança AB, dividida em partes desiguais no ponto C, e os pesos, na mesma proporção que possuem as distâncias BC, CA, alternadamente suspensos dos pontos A, B. Já é evidente como um contrapesará o outro e, por consequência, como se moveria para baixo levantando o outro, se a um deles fosse acrescentado um mínimo momento de gravidade, de modo que, acrescentado um peso insensível ao grave B, a balança mover-seia, descendo o ponto B para E, e subindo a outra extremidade [164] A para D. E dado que, para fazer descer o peso B, é suficiente acrescentar-lhe uma mínima gravidade, por isso, sem levar em conta esse [peso] insensível, não haverá diferença entre poder um peso sustentar outro e poder movê-lo. Ora, considere-se o movimento que faz o grave B, descendo até E, e aquele que faz o outro A, subindo até D; e encontraremos, sem qualquer dúvida, que o espaço BE é tanto maior que o espaço AD, quanto a distância BC é maior que a CA, formando-se no centro C dois ângulos, DCA e ECB, iguais por serem opostos pelo vértice e, por consequência, em duas circunferências BE, AD, semelhantes, e tendo entre si a mesma proporção que os raios BC, CA, pelos quais são descritas. Portanto, a velocidade do movimento do grave B, descendente, vem a ser tanto superior à velocidade do outro móvel A, ascendente, quanto a gravidade deste excede a gravidade daquele; e tampouco se pode levantar o peso A até D, a não ser lentamente, se o outro grave B não se move para E velozmente, nem será maravilhoso (maraviglia) nem alheio à constituição natural, que a velocidade do movimento do grave B compense a maior resistência do peso A, enquanto ele se move preguiçosamente para D e o outro descende velozmente para E. Assim, ao contrário, posto o grave A no ponto D, e o outro no ponto E, não será fora de razão que aquele possa, descendo lentamente para A, levantar velozmente o outro para B, restaurando, com a sua gravidade, aquilo que pela lentidão do movimento venha a perder. E deste argumento podemos chegar à cognição de como a velocidade do movimento seja potente para acrescentar momento no móvel, segundo aquela mesma proporção com a qual essa velocidade do movimento vem aumentada.

Antes de prosseguir, é necessário considerar outra coisa referente às distâncias, nas quais os graves são suspensos; para isso, é de muita importância saber como se entendem as distâncias iguais e desiguais e, em suma, de que maneira devem ser medidas. Porque, seja a linha reta AB, de cujos pontos extremos pendem dois pesos iguais; tomado o ponto C no meio dessa linha, o equilíbrio se fará sobre ele; e isso por ser a distância AC igual à distância CB. Mas se, [165] elevando a linha CB e girando-a em torno do ponto C, ela for transferida para CD, de modo que a balança fique segundo as duas linhas AC, CD, os dois pesos iguais, pendentes dos términos A, D, não mais pesarão igualmente sobre o ponto C, porque a distância do peso posto em D foi feita menor daquilo que era quando se encontrava em B. De modo que, se considerarmos as linhas pelas quais os ditos graves fazem ímpeto, e desceriam quando se movessem livremente, não há dúvida alguma de que elas seriam as linhas AG, DF, BH: faz, portanto, momento e ímpeto o peso pendente do ponto C segundo a linha DF, mas, quando pendia do ponto B, fazia ímpeto na linha BH; e porque essa linha DF fica mais próxima ao apoio C do que dele fica a linha BH, por isso devemos entender que os pesos pendentes dos pontos A, D, não estão a distâncias iguais do ponto C, mas sim, antes, quando estavam dispostos segundo a linha reta ACB. E deve-se finalmente advertir que as distâncias sejam medidas com linhas, que caiam em ângulos retos sobre aquelas nas quais os graves estão pendentes, e sobre as quais se moveriam quando descessem livremente.

Da balança romana e da alavanca

Ter entendido com demonstração certa um dos primeiros princípios, do qual, como de fonte fecundíssima, derivam muitos dos instrumentos mecânicos, será razão de poder sem dificuldade alguma chegar à cognição de sua natureza.

Primeiramente, falando da balança romana (stadera),3 3 Trata-se do instrumento que os latinos chamam statera e os gregos phalanx, que constitui fundamentalmente uma balança de braços desiguais. instrumento usadíssimo, com o qual se pesam várias mercadorias, sustentando-as, ainda que pesadíssimas, com o peso de um pequenino contrapeso, que vulgarmente chamamos romano,4 4 Os latinos o designam significativamente aequipondium, para marcar que ele é o peso que equaliza. provaremos que, em tal operação, nada mais se faz do que reduzir a ato prático aquele tanto que acima especulamos. Porque, se consideramos a balança AB, cuja sustentação, também dita trutina,5 5 Designação toscana para o que os latinos, segundo Mersenne (1966 [1634]), chamam agina, spartum e ansa. Trata-se da cabeça de sustentação da balança romana, onde se encontra seu fulcro, de modo que ao invés de apoiar-se no fulcro, a balança é sustentada por ele. esteja no ponto C, fora do qual, à pequena distância CA, penda o peso grave D, e na outra maior CB, que se chama fiel (ago) da balança, corra para frente e para trás o romano E, ainda que de pequeno peso em comparação ao grave D, poderse-á ainda assim afastar-se tanto [166] da sustentação C, que aquela proporção que se encontra entre os dois graves D, E, encontra-se também entre as distâncias EC, CA; então, far-se-á o equilíbrio, encontrando-se pesos desiguais alternadamente pendentes de distâncias que lhes são proporcionais.

Tampouco este instrumento é diferente daquele outro, que se chama vulgarmente alavanca, com a qual se movem grandíssimas pedras e outros pesos com pouca força, cuja aplicação se dá segundo a figura aqui apresentada, na qual a alavanca será representada pela barra de madeira ou de outra matéria forte, BCD; e seja A o peso grave que se deve levantar, e marque-se como E um firme apoio ou sustentação, sobre o qual se apóie e se mova a alavanca. E colocando por debaixo do peso A uma extremidade da alavanca, como se vê no ponto B, fazendo a força na outra extremidade D, poderá, ainda que seja pouca, levantar o peso A, sempre que aquela proporção que tem a distância BC para a distância CD seja aquela que tenha a força posta em D para a resistência que faz o grave A sobre o ponto B. Pelo que fica claro que, quanto mais se aproximar o apoio E da extremidade B, aumentando a proporção da distância DC para a distância CB, tanto poderá ser diminuída a força em D para levantar o peso A.

E aqui se deve notar (o que também, por sua vez, será advertido acerca de todos os outros instrumentos mecânicos) que a utilidade, que se obtém de tal instrumento, não é aquela da qual se persuadem os mecânicos vulgares, isto é, que se acaba por superar e, de certo modo, enganar a natureza, vencendo com pequena força uma resistência grandíssima com a intervenção da alavanca, porque demonstraremos que se teria obtido o mesmo efeito, sem a ajuda do comprimento da alavanca, com a mesma força, no mesmo tempo. Posto que, retomando a mesma alavanca BCD, da qual seja C o apoio, e ponha-se, por exemplo, a distância CD como quíntupla da distância CB, e movida a alavanca até que chegue à situação ICG, quando a força tiver percorrido o espaço DI, o peso terá sido movido de B até G; e porque a distância DC foi posta ser quíntupla da outra CB, é evidente, pelas coisas demonstradas, poder ser o peso, posto em B, cinco vezes maior que a força movente, posta [167] em D. Mas se, ao contrário, pusermos a mente no caminho que faz a força de D até I, enquanto que o peso vem movido de B até G, conheceremos igualmente que a viagem DI é o quíntuplo do espaço BG; além do que, se tomarmos a distância CL igual à distância CB, posta a mesma força que se tinha posto em D, no ponto L, e no ponto B a quinta parte somente do peso que antes havia sido posto, não há dúvida alguma de que, tornada a força em L igual a esse peso em B, e sendo iguais as distâncias LC, CB, poderá a referida força, movida pelo espaço LM, transferir o peso igual a si por outro intervalo igual BG; e que, reiterando cinco vezes essa mesma ação, transferirá todas as partes do peso ao mesmo término G. Mas replicar o espaço ML, por certo não é, nada mais nada menos, que medir uma só vez o intervalo DI, quíntuplo desse LM; portanto, transferir o peso de B até G não exige força menor, ou menor tempo, ou mais breve viagem, se aquela [força] é posta em D, daquilo que seria necessário quando a mesma fosse aplicada em L. E, em suma, a comodidade, que se adquire do benefício do comprimento da alavanca CD, não é outra que poder mover todo junto aquele corpo grave, o qual, pela mesma força, dentro do mesmo tempo, com o movimento igual, não se teria podido conduzir a não ser aos pedaços, sem o benefício da alavanca.6 6 Neste ponto, encontra-se a Adição II de Mersenne que apresenta outros dois tipos de alavanca, desenvolvidos pelo protetor de Galileu, Guidobaldo del Monte, em seu conhecido Mechanicorum líber de 1577 (cf. Mersenne, 1966 [1634], p. 36-8).

Do eixo da roda e do cabrestante (argano)7 7 Mersenne põe outro título: "Do torno, da roda, da grua, do guindaste e dos outros instrumentos semelhantes". (Mersenne, 1966 [1634], p. 38). Seu título dá uma boa idéia de todos os desdobramentos instrumentais deste capítulo.

Os dois instrumentos, de cuja natureza trataremos presentemente, dependem imediatamente da alavanca, não sendo antes outra coisa que uma alavanca perpétua. Pois, se supusermos a alavanca BAC, sustentada no ponto A, e o peso G, pendente do ponto B, sendo a força posta em C, é evidente que, transferindo a alavanca para a situação DAE, o peso G se elevará segundo a distância BD, mas não muito mais se poderia continuar a elevá-lo, de modo que, querendo levantá-lo ainda mais, seria necessário, firmando-o nessa situação com alguma outra sustentação, recolocar a alavanca na [168] situação prévia BAC e, tendo pendurado de novo o peso, levantá-lo outra vez por uma altura semelhante BD; e, desse modo, reiterando o mesmo muitas vezes, acabar-se-ia com movimento interrompido por fazer a elevação do peso; o que não seria muito cômodo por diversos aspectos. Assim, enfrentou-se essa dificuldade encontrando um modo de unir conjuntamente quase que infinitas alavancas, perpetuando a operação sem interrupção alguma; o que se faz formando uma roda em torno do centro A, segundo o raio AC, e um eixo em torno do mesmo centro, do qual seja raio a linha BA, e tudo isso de madeira forte ou de outra matéria firme e sólida; sustentando depois toda a máquina com um eixo (perno) plantado no centro A, que passe de um para o outro lado, de modo que seja retido por duas sustentações firmes. E enrolada no eixo a corda DBG, da qual penda o peso G, e aplicando outra corda ao redor da roda maior, à qual seja apenso o outro grave I, é evidente que, tendo o comprimento CA para o outro AB aquela mesma proporção que o peso G tem para o peso I, este I poderá sustentar o grave G, e movê-lo com qualquer pequeno momento a mais. E porque, girando o eixo juntamente com a roda, as cordas, que sustentam os pesos, encontrar-se-ão sempre pendentes e tangentes à extrema circunferência dessa roda e eixo, de modo que sempre manterão uma similar situação e disposição com relação às distâncias BA, AC, acabar-se-á por perpetuar o movimento, descendendo o peso I e constrangendo a subir o outro G. Aqui se deve notar a necessidade de que a corda circunde a roda, para que o peso I penda segundo a linha tangente à circunferência da roda; porque, quando se suspendesse o mesmo peso de modo que pendesse do ponto F, cortando a dita roda, tal como se vê [na figura], pela linha FNM, não mais se faria o movimento, sendo diminuído o momento do peso M, o qual não pesaria mais do que se pendesse do ponto N; porque a distância da sua suspensão ao centro A vem determinada pela linha AN, que cai perpendicularmente sobre a corda FM, e não mais pelo raio da roda AF, o qual cai [formando] ângulos desiguais sobre a linha FM. Fazendo-se, portanto, força na circunferência da roda por [meio de um] corpo grave e inanimado, o qual não tenha outro ímpeto que o de ir para baixo, é necessário que seja suspenso de uma linha, que seja tangente à roda, e não que a corte. Mas se na mesma circunferência fosse aplicada força animada, a qual tivesse momento [169] que fizesse ímpeto para todos os lados, poderia produzir o efeito, quando colocada em qualquer lugar que se queira da circunferência; e assim, posta em F, levantaria o peso G girando a roda, não puxando segundo a linha FM, para baixo, mas transversalmente, segundo a tangente FL, a qual fará ângulo reto com aquela linha que se traça do centro A até o ponto do contato; porque, sendo dessa forma medida a distância do centro A à força posta em F segundo a linha AF, perpendicular à FL, pela qual se faz o ímpeto, não se chegará a ter alterada em parte alguma a forma do uso da alavanca. E note-se que o mesmo se teria podido fazer ainda com uma força inanimada, desde que se tivesse encontrado modo de fazer que seu momento produzisse ímpeto no ponto F, tracionando segundo a linha tangente FL; o que se faria com o acréscimo, embaixo da linha FL, de uma roldana móvel, fazendo passar sobre ela a corda que está enrolada em volta da roda, como se vê pela linha FLX, suspendendo-lhe na extremidade o peso X, igual ao outro I, o qual, exercendo a sua força segundo a linha FL, acabará por conservar do centro A uma distância sempre igual ao raio da roda. E de quanto se afirmou, obteremos como conclusão que, neste instrumento, a força tem para o peso sempre a mesma proporção que o raio do eixo tem para o raio da roda.

Não é muito diferente do instrumento explicado, quanto à forma, o outro instrumento, que chamaremos cabrestante (argano); pelo contrário, em nada difere a não ser no modo de aplicá-lo, sendo que o eixo na roda é movido e está colocado perpendicular ao horizonte, e o cabrestante trabalha com o seu movente paralelo ao mesmo horizonte. De modo que, se imaginarmos sobre o círculo DAE ser colocado um eixo em forma de coluna, que gira em torno do centro B, e em torno do eixo for enrolada a corda DH, fixada ao peso que se quer puxar, se no eixo for inserida a barra FEBD, que na sua extremidade F tenha aplicada a força de um homem, ou ainda, de um cavalo, ou de outro animal que nasceu com a aptidão de puxar, o qual, movendo-se em círculo, caminha sobre a circunferência do círculo FGC, chega-se a ter formado e fabricado o cabrestante. Assim, ao girar a barra FBD [170], girará também o eixo ou cepo do cabrestante EAD, e o grave H será obrigado a avançar pela corda que se enrolará em torno do eixo. E porque o ponto de sustentação, em torno do qual se faz o movimento, é o centro B, e desse se afasta o movente segundo a linha BF, e o resistente pelo intervalo BD, acaba-se por formar a alavanca FBD, em virtude da qual a força adquire momento igual à resistência, sempre que tenha para essa a proporção que se encontra ter a linha BD para a BF, isto é, o raio do eixo para o raio do círculo, em cuja circunferência se move a força. Tanto neste, como no outro instrumento, nota-se aquilo que várias vezes se afirmou: a saber, a utilidade que dessas máquinas se obtém não é aquela na qual o vulgo acredita comumente, enganando-se, acerca dos mecânicos, isto é, que se possa, defraudando a natureza, com máquinas superar a sua resistência, ainda que grande, com pequena força; sendo que deixaremos evidente como a mesma força posta em F, no mesmo tempo, fazendo o mesmo movimento, conduzirá o mesmo peso, na mesma distância, sem máquina alguma. Assim é que, posto, por exemplo, que a resistência do grave seja dez vezes maior que a força posta em F, será necessário, para mover dita resistência, que a linha FB seja o décuplo da BD e, por consequência, que a circunferência do círculo FGC seja também ela o décuplo da circunferência EAD. E porque, quando a força se tiver movido uma volta por toda a circunferência do círculo FGC, o eixo EAD, em torno do qual se enrola a corda que puxa o peso, terá igualmente dado uma só volta, é manifesto que o peso H não se terá movido mais do que a décima parte daquilo que terá caminhado o movente. Se, portanto, a força, para fazer mover uma resistência maior que si mesma por um dado espaço, por meio desta máquina, tem necessidade de mover-se dez vezes tanto, não há dúvida alguma que, dividindo aquele peso em dez partes, cada uma dessas teria sido igual à força e, por consequência, esta teria podido transportar uma por vez por tanto intervalo quanto ela mesmo se moverá, de modo que fazendo dez viagens, cada uma igual à circunferência AED, não teria caminhado mais do que movendo-se uma só vez pela circunferência FGC, e teria conduzido o mesmo peso H pela mesma distância. A comodidade, [171] portanto, que se obtém destas máquinas é a de conduzir todo o peso unido, mas não com menos esforço, ou com maior presteza, ou por maior intervalo, que aquilo que a mesma força pudesse fazer, conduzindo-o por partes.

Das talhas

Os instrumentos, cuja natureza se pode reduzir à balança, tomada como seu princípio e fundamento, são aqueles já expostos e outros muito pouco diferentes deles. Ora, para entender aquilo que se vai dizer acerca da natureza das talhas, é necessário que especulemos outro modo de usar a alavanca, o qual nos ajudará muito na investigação da força das talhas e no entendimento de outros efeitos mecânicos.

O uso da alavanca exposto acima punha em uma de suas extremidades o peso e, na outra, a força, e o apoio vinha colocado em algum lugar entre as extremidades. Mas podemos servir-nos da alavanca ainda de outro modo, pondo, como se vê na presente figura, o apoio na extremidade A, a força na outra extremidade C, e o peso D pendente em algum ponto do meio, como se vê no ponto B. Desse modo, é claro que, se o peso pendesse de um ponto igualmente distante dos dois extremos A, C, tal como do ponto F, o esforço de sustentá-lo seria igualmente dividido entre os dois pontos A, C, de modo que a metade do peso seria sentido pela força C, sendo a outra metade sustentada pelo apoio A; mas, se o grave for suspenso de outro lugar, como de B, mostraremos que a força em C é suficiente para sustentar o peso posto em B, sempre que tenha para ele aquela proporção que a distância AB tem para a distância AC. Para a demonstração disso, imaginemos a linha BA ser prolongada retamente até G, e seja a distância BA igual à AG, e tome-se o peso E, pendente em G, igual a esse D. É evidente como, dada a igualdade dos pesos E, D e das distâncias GA, AB, o momento do peso E igualará o momento do peso D e será suficiente [172] para sustentá-lo. Portanto, qualquer força que tenha momento igual àquele do peso E, e que puder sustentá-lo, será ainda suficiente para sustentar o peso D. Mas para sustentar o peso E, é suficiente que se ponha no ponto C uma força tal que seu momento para o peso E tenha aquela proporção que a distância GA tem para a distância AC; será, portanto, a mesma força potente ainda para sustentar o peso D, cujo momento iguala aquele do peso E. Mas a proporção, que tem a linha GA para a linha AC, também tem AB para com a mesma, tendo-se posto GA igual à AB; e porque E, D são iguais, cada um deles terá a mesma proporção com a força posta em C; portanto, conclui-se que a força em C iguala o momento do peso D, sempre que com ele tenha aquela proporção que a distância BA tem para a distância CA. E no mover o peso com a alavanca usada deste modo, compreende-se que, tal como nos outros instrumentos, neste também, quanto se ganha de força, tanto se perde de velocidade. Posto que a força C, levantando a alavanca e transferindo-a para AI, o peso vem movido pelo intervalo BH, o qual é tanto menor que o espaço CI percorrido pela força, quanto a distância AB é menor que a distância AC, isto é, quanto essa força é menor que o peso.

Expostos esses princípios, passemos à especulação das talhas, cuja estrutura e composição exporemos conjuntamente com seus usos. E considere-se primeiramente a polia ABC, feita de metal ou madeira dura, que gira em torno de seu pequeno eixo, que passa pelo seu centro D, e em torno da polia seja posta a corda EABCF, em uma ponta da qual pende o peso E, e na outra suponha-se a força F. Afirmo que o peso é sustentado por uma força igual a si mesmo, e que a polia superior ABC não aporta benefício algum quanto a mover ou sustentar o referido peso com a força posta em F. Porque, se imaginarmos do centro D, que é o lugar do apoio, serem traçadas duas linhas até a circunferência da polia nos ponto A, C, nos quais as cordas pendentes tocam a circunferência, teremos uma balança de braços iguais, sendo iguais os raios DA, DC, os quais determinam as distâncias das duas suspensões ao centro e apoio D; donde, é evidente que o peso pendente de A não pode ser sustentado pelo peso menor pendente de C, mas antes por peso igual, porque tal é a [173] natureza dos pesos iguais, pendentes de distâncias iguais; e ainda que, ao mover-se para baixo, a força F venha a girar em torno da polia ABC, nem por isso muda a disposição e a relação (l'abitudine e rispetto) que o peso e a força têm para as duas distâncias AD, DC; ao contrário, a polia circundada transforma-se em uma balança semelhante à AC, mas perpetuada. Do que podemos compreender o quanto puerilmente se enganou Aristóteles, o qual estimou que, ao fazer maior a polia ABC, podia-se com menos esforço levantar o peso, considerando como ao acréscimo de tal polia, acrescia-se a distância DC, mas não considerou que outro tanto crescia a outra distância do peso, isto é, o outro raio DA. O benefício, portanto, que se pode obter de tal instrumento, é nulo quanto à diminuição do esforço. E se alguém perguntasse de onde vem que, em muitas ocasiões de levantar peso, a arte se sirva desse meio, como se vê, por exemplo, no tirar a água dos poços, deve-se responder que isso se faz porque dessa maneira o modo de exercer e aplicar a força torna-se mais cômodo, porque, tendo que puxar para baixo, a própria gravidade de nossos braços e dos outros membros ajuda-nos, enquanto que, se fosse necessário puxar para cima com uma simples corda o mesmo peso, unicamente com o vigor dos membros e dos músculos e, como se diz, com a força dos braços, além do peso externo devemos levantar o peso dos próprios braços, no que se precisa de esforço maior. Conclua-se, portanto, que esta polia superior não aporta facilidade alguma à força simplesmente considerada, mas somente ao modo de aplicá-la.

Mas se nos servirmos de uma máquina similar de outra maneira, como exporemos agora, poderemos levantar o peso com diminuição da força. Pois, seja a polia BDC, que gira em torno do centro E, colocada na sua caixa ou armadura BLC, da qual seja suspenso o grave G; e passe-se ao redor da polia a corda ABDCF, da qual a extremidade A seja fixada a algum sustento estável, e na outra F seja colocada a força, a qual, movendo-se em direção a H, levantará a máquina BLC e, consequentemente, o peso G; e, nessa operação, digo que a força F é a metade do peso por ela sustentado. Porque se, vindo dito peso em linha reta [paralela às] duas cordas AB, FC, é evidente que o [174] esforço é igualmente dividido entre a força F e o apoio A. E ao examinar mais detalhadamente a natureza desse instrumento, traçandose o diâmetro da polia BEC, veremos fazer-se uma alavanca, de cujo meio, ou antes, embaixo do ponto E, pende o grave, e o apoio vem a estar na extremidade B, e a força na outra extremidade C; donde, por aquilo que acima se demonstrou, a força terá para o peso a mesma proporção que a distância EB tem para a distância BC; por isso, será a metade desse peso. E ainda que, quando se alça a força em direção a H, a polia vá girando, nem por isso muda aquela relação e constituição que têm entre si o apoio B e o centro E, do qual pende o peso, e o término C, no qual opera a força; mas, na circunvolução, os términos B, C variam em número, mas não em propriedade, sucedendo-se continuamente outros e outros em seus lugares; assim, a alavanca BC vem a perpetuar-se. E aqui, tal como se fez nos outros instrumentos, e sempre se fará nos seguintes, não passaremos sem considerar que a viagem que realiza a força acaba sendo o dobro do movimento do peso. Porque, quando o peso for movido até que a linha BC chegue com seus pontos B, C aos pontos A, F, é necessário que as duas cordas iguais AB, FC estejam estendidas em uma só linha FH; e que, por consequência, quando o peso tenha subido pelo intervalo BA, a força se tenha movido o dobro, isto é, de F até H.

Considerando depois que a força posta em F, para levantar o peso, deve mover-se para cima, o que, para os moventes inanimados, por serem o mais das vezes graves, é de todo impossível, e para os animados, se não impossível, [é] pelo menos mais laborioso do que fazer a força para baixo; por isso, como socorro para esse incômodo, encontrou-se como remédio acrescentar outra polia superior: como se vê na figura a seguir, onde a corda CEFG foi passada em torno da polia superior FG suspensa pelo gancho L, de modo que, passando a corda em H, e para este lugar transferindo a força E, [esta] será capaz de mover o peso X [para cima], puxando para baixo. Mas não é por isso que ela deve ser menor do que era em E; porque os momentos das forças E, H, pendentes a iguais distâncias FD, DG da polia superior, permanecem sempre iguais; tampouco essa polia superior, como já se demonstrou, traz diminuição alguma ao esforço. Além disso, como já foi necessário, para [175] a adição da polia superior, introduzir o apêndículo L, do qual venha sustentada, tornar-se-á de alguma comodidade eliminar o outro A, ao qual estava conectado um extremo da corda, transferindo-o a um aro, ou anel, preso à parte inferior da caixa ou armadura da polia superior, como se vê feito em M. Ora, finalmente toda essa máquina, composta de polias superiores e inferiores, é aquela que os gregos chamam trochlea, e nós na Toscana denominamos talha (taglia).

Até aqui explicamos como se pode, por meio das talhas, duplicar a força. Resta-nos, com a maior brevidade que seja possível, demonstrar o modo de fazê-la crescer segundo qualquer multiplicidade que se queira: e, primeiro, falaremos da multiplicidade segundo os números pares e depois segundo os ímpares. E para mostrar como é possível aumentar a força em proporção quádrupla, proporemos a seguinte especulação, como lema para as coisas que seguem.

Sejam as duas alavancas AB, CD, com os apoios nas extremidades A, C; e dos meios, E, F, de cada uma delas, penda o grave G, sustentado por duas forças de momentos iguais, postas em B, D. Afirmo que o momento de cada uma delas iguala o momento da quarta parte do peso G. Porque, como as duas forças B, D sustentam igualmente, é evidente que a força D não se contrapõe a não ser à metade do peso G; mas quando a força D sustenta, com o auxílio da alavanca DC, a metade do peso G pendente de F, essa força D tem, como já se demonstrou, para o peso assim sustentado por ela aquela proporção que tem a distância FC para a distância CD; a qual está em proporção subdupla; portanto, o momento D é metade do momento da metade do peso G, por ele sustentado; do que se segue que ele é a quarta parte do momento de todo o peso. E do mesmo modo demonstrar-se-á o mesmo para o momento B. E é bem razoável que, sendo o peso G sustentado igualmente pelos quatro pontos A, B, C, D, cada um desses sinta a quarta parte do esforço.

[176] Passemos agora a aplicar esta consideração às talhas; e suponha-se o peso X pendente das duas polias inferiores AB, DE, com a corda, que sustenta toda a máquina no ponto K, circundando estas [polias] e a polia superior GH, como se vê pela linha IDEHGAB. Afirmo agora que, posta a força em M, [ela] poderá sustentar o peso X, quando seja igual à quarta parte dele. Porque, se imaginarmos os dois diâmetros DE, AB, e o peso pendente dos pontos médios F, C, teremos duas alavancas similares às já expostas, cujos apoios correspondem aos pontos D, A; donde, a força posta em B, ou antes, em M, poderá sustentar o peso X, sendo a quarta parte deste. E se de novo adicionarmos outra polia superior, fazendo passar a corda por MON, transferindo a força M para N, [esta] poderá sustentar o mesmo peso pesando para baixo, sem que a polia superior aumente nem diminua a força, como já se afirmou. E notaremos, do mesmo modo, como, para fazer ascender o peso, devem passar as quatro cordas BM, EH, DI, AG; assim, o movente terá que caminhar tanto quanto o comprimento dessas cordas e, contudo, o peso não se moverá senão o tanto de comprimento de somente uma dessas [cordas]: o que seja dito como advertência e confirmação daquilo que muitas vezes já se disse, a saber, que com a mesma proporção que se diminui o esforço do movente aumenta-se, em contrapartida, a extensão de sua viagem.

Mas se quisermos aumentar a força em proporção sêxtupla, será necessário que ajuntemos uma outra polia à talha inferior e, para que isso se entenda melhor, levaremos adiante a presente especulação. Suponha-se, portanto, as três alavancas AB, CD, EF, e dos meios delas, G, H, I, pendendo do modo comum o peso K, e nas extremidades B, D, F três potências iguais que sustentam o peso K, de modo que cada uma dessas [potências] acabará por sustentar a terça parte do peso. E porque a potência em B, sustentando com a alavanca BA o peso pendente em G, vem a ser a metade desse peso, e já se disse que ela sustenta um terço do peso K, [177] portanto, o momento da força B é igual à metade da terça parte do peso K, isto é, à sexta parte desse. E o mesmo se demonstrará para as outras forças D, F; do que podemos facilmente compreender como, pondo na talha inferior três polias, e na superior duas ou três outras, podemos multiplicar a força segundo o número seis. E querendo aumentála segundo qualquer outro número par, multiplicam-se as polias da talha de baixo segundo a metade daquele número, conforme o qual se há de multiplicar a força, circundando as talhas com a corda, de modo que uma das extremidades se prenda à talha superior e na outra seja colocada a força, como se compreende com evidência na figura que segue.

Passando agora à apresentação do modo de multiplicar a força segundo os números ímpares e começando com a proporção tripla, desenvolveremos primeiro a presente especulação, pois da sua compreensão depende o conhecimento de todo o presente assunto. Seja, assim, a alavanca AB, cujo apoio é A; e do meio dela, isto é, do ponto C, penda o grave D, o qual seja sustentado por duas forças iguais, uma das quais seja aplicada no ponto C, e a outra na extremidade B. Afirmo que cada uma dessas potências tem momento igual à terça parte do peso D. Isso porque a força em C sustém um peso igual a si própria, sendo colocada na mesma linha da qual pende e pesa o corpo D, mas a força em B sustenta do peso D uma parte dupla de si mesma, sendo a sua distância ao apoio A, ou seja, à linha BA, o dobro da distância AC, da qual está suspenso o grave; mas porque se supôs serem iguais entre si as duas forças em C, B, então a parte do peso D, que é sustentada pela força B, é o dobro da parte sustentada pela força C. Se, portanto, do grave D se tomam duas partes, uma dupla da outra, [178] a maior é sustentada pela força B, e a menor pela força C: mas esta menor é a terça parte do peso D; portanto, o momento da força C é igual ao momento da terça parte do peso D, o qual, por consequência, virá a ser igual à força B, já que nós a supusemos igual à outra força C. Do que fica evidente [que alcançamos] nosso intento, que era o de demonstrar que cada uma das duas potências C, B iguala-se à terça parte do peso D.

Tendo demonstrado isso, passemos às talhas, e descrevendo a polia inferior ACB, que gira em torno do centro G, e da qual pende o peso H, adicionemos a outra superior EF, passando em torno de ambas a corda DFEACBI, da qual a ponta D esteja presa à talha inferior e à outra [ponta] I esteja aplicada a força a qual afirmo que, sustentando ou movendo o peso H, não sentirá a não ser a terça parte da gravidade daquele. Isso porque, considerando a estrutura de tal máquina, veremos que o diâmetro AB tem o papel de uma alavanca, em cujo término B vem aplicada a força I, no outro A está posto o apoio, no meio G está posto o grave H, e no mesmo lugar aplicada outra força D, de modo que o peso esteja preso pelas três cordas IB, FD, EA, as quais com igual esforço sustentam o peso. Ora, por aquilo que já se especulou, sendo as duas forças iguais D, B aplicadas uma ao meio da alavanca AB, e a outra ao término extremo B, é evidente que cada uma delas não sente mais do que a terça parte do peso H; portanto, a potência I, tendo momento igual à terça parte do peso H, poderá sustentá-lo e movê-lo. Entretanto, a viagem da força I será o triplo do caminho que fará o peso, devendo a referida força estender-se segundo o comprimento das três cordas IB, FD, EA, das quais uma só medirá a viagem do peso.

Do parafuso

Entre todos os outros instrumentos mecânicos descobertos pelo engenho humano para diferentes comodidades, parece-me, quanto à invenção e à utilidade, que o parafuso tem o primeiro lugar, por ser aquela [máquina] que se adapta com justeza não só ao movimento, mas ao fixar e apertar com força grandíssima, [179] e é de tal maneira fabricada que, ocupando pouquíssimo lugar, faz aqueles efeitos, que outros instrumentos não fariam, a não ser como grandes máquinas. Sendo, portanto, o parafuso uma belíssima e utilíssima invenção, meritoriamente exige de nós quanta fadiga seja necessária para explicarmos, quanto mais claramente se possa, sua origem e natureza. Para isso, iniciaremos com uma especulação, a qual, ainda que à primeira vista possa parecer um tanto afastada da consideração de tal instrumento, não é nada menos que sua base e seu fundamento.

Não há dúvida alguma de que a constituição da natureza no tocante aos movimentos das coisas graves é tal que qualquer corpo, que retenha em si gravidade, tem a propensão de mover-se, se for liberado, em direção ao centro [da Terra]; e não somente pela linha reta perpendicular, mas ainda, quando não possa fazer de outro modo, por qualquer outra linha, a qual, tendo alguma inclinação em direção ao centro, vá pouco a pouco abaixando-se. E assim vemos, por exemplo, a água não só cair perpendicularmente para baixo de algum lugar alto, mas ainda escorrer ao redor da superfície da Terra sobre linhas, ainda que pouquíssimo inclinadas, tal como se percebe no curso dos rios, nos quais, ainda que seja pequena a inclinação do leito, as águas vão livremente declinando para baixo; efeito que, tal como se percebe em todos os corpos fluidos, aparece também nos corpos duros, desde que sua figura e os outros impedimentos acidentais e externos não o impossibilitem. Desse modo, se temos uma superfície muito bem tersa e polida, como seria aquela de um espelho, e uma bola perfeitamente redonda e lisa, ou de mármore, ou de vidro, ou de matéria similarmente apta a ser polida, esta, colocada sobre a dita superfície, começará a mover-se, desde que aquela tenha um pouco de inclinação, ainda que mínima, e somente parará sobre aquela superfície que seja exatissimamente nivelada, e equidistante do plano do horizonte, tal como seria, por exemplo, a superfície de um lago ou de um charco congelado, sobre a qual o corpo esférico estaria parado, mas com a disposição de ser movido por qualquer força pequeníssima. Porque, tendo entendido como, se tal plano se inclinasse somente quanto é [a espessura de] um cabelo, a dita bola aí se moveria espontaneamente em direção à parte em declive e, ao contrário, teria resistência, nem se poderia mover sem alguma [180] violência, em direção à parte em aclive ou ascendente; fica necessariamente claro que na superfície exatamente equilibrada a bola permanece como que indiferente e dúbia entre o movimento e o repouso, de modo que qualquer mínima força é suficiente para movê-la, assim como, ao contrário, qualquer mínima resistência, tal como apenas aquela do ar que a circunda, é suficiente para mantê-la parada.8 8 Este parágrafo e o seguinte compõem a parte central da conceituação que Galileu dá ao princípio das velocidades virtuais e, significativamente, já se encontra pronto o esquema de argumentação inercial que Galileu utilizará mais tarde no Diálogo sobre os dois máximos sistemas do mundo (cf. Galilei, 2001 [1632], p. 171-4). Para uma discussão geral da posição de Galileu quanto à conservação do movimento, ver Mariconda & Vasconcelos, 2006, p. 148-58.

Do que podemos tomar, como axioma indubitável, a seguinte conclusão: que os corpos graves, removidos todos os impedimentos externos e adventícios, podem ser movidos no plano do horizonte por qualquer mínima força. Mas quando o mesmo grave tiver que ser impelido sobre um plano ascendente, já que começa ele a opôr-se a tal subida (tendo inclinação ao movimento contrário), demandar-se-á maior violência, e maior ainda quanto maior elevação tenha o dito plano. Como, por exemplo, estando o móvel G colocado sobre a linha AB, paralela ao horizonte, estará nela, como se disse, indiferente ao movimento ou ao repouso, de modo que por mínima força possa ser movido; mas se tivermos os planos elevados AC, AD, AE, sobre esses [o móvel] não será impelido a não ser por violência, a qual se demandará maior para movê-lo sobre a linha AD do que pela linha AC, e maior ainda sobre a AE que sobre a AD; o que ocorre por ter ele maior ímpeto de ir para baixo pela linha EA do que pela DA, e pela DA do que pela CA. De modo que podemos igualmente concluir que os corpos graves possuem maior resistência a serem movidos sobre planos diferentemente elevados, segundo um seja mais ou menos elevado que o outro e, finalmente, ser grandíssima a resistência do mesmo grave a ser alçado pela perpendicular AF. Mas qual seja a proporção que deve ter a força para o peso, para puxá-lo sobre planos inclinados diferentes, será necessário que seja expressa exatamente, antes que prossigamos, para que possamos entender perfeitamente tudo aquilo que resta a dizer.

Faça-se, portanto, cair as perpendiculares dos pontos C, D, E sobre a linha horizontal AB, as quais sejam CH, DI, EK, demonstrar-se-á que o mesmo peso é movido sobre o plano inclinado AC por uma força menor [181] que na perpendicular AF (onde é alçado por força igual a si mesmo), segundo a proporção em que a perpendicular CH é menor que a [linha] AC; e sobre o plano AD, a força tem para o peso a mesma proporção que a linha perpendicular ID para a linha DA; e finalmente, no plano AE, a força observa com relação ao peso a proporção entre KE e EA.

A presente especulação foi antes tentada por Pappus de Alexandria no 8º livro das suas Coleções matemáticas;9 9 Reproduzo aqui o texto de Pappus, que se encontra na seção 10 do Livro VIII das Coleções matemáticas e que consiste, na verdade, do enunciado de um problema mecânico: "tendo sido dado um peso [que é] transportado por uma potência dada por um plano paralelo ao horizonte e, sendo dado outro plano inclinado, que forma um ângulo dado com o plano subjacente, encontrar a potência por meio da qual o peso será conduzido sobre o plano inclinado" (Pappus, 1982, p. 833). Como se vê na passagem, Galileu questiona a suposição inicial de que seja preciso força para mover o peso pelo plano horizontal. mas, a meu ver, [ele] não tocou o escopo e enganou-se na suposição, que faz, de que o peso deve ser movido no plano horizontal por uma força dada; o que é falso, não se requerendo força sensível (removidos os impedimentos acidentais, que não são considerados pelo teórico) para mover o dado peso na horizontal, de modo que em vão prossegue depois, buscando qual seja a força para que o peso seja movido sobre o plano inclinado. Melhor, portanto, será procurar, dada a força que move o peso para cima na perpendicular (a qual iguala a gravidade daquele), qual deve ser a força que o mova no plano inclinado; o que tentaremos conseguir com abordagem diferente daquela de Pappus.

Imagine-se, então, o círculo AIC e, nele, o diâmetro ABC e o centro B, e dois pesos de momentos iguais nas extremidades A, C, de modo que, sendo a linha AC uma alavanca ou balança móvel em torno do centro B, o peso C será sustentado pelo peso A. Mas se imaginarmos o braço da balança BC estar inclinado para baixo segundo a linha BF, de tal modo, entretanto, que as duas linhas AB, BF fiquem firmemente unidas no ponto B, então o momento do peso C não será mais igual ao momento do peso A, por ter sido diminuída a distância do ponto F à linha da direção que vai do apoio B, segundo a [linha] BI, ao centro da Terra. Mas se traçarmos do ponto F uma perpendicular à [linha] BC, como é a FK, o momento do peso em F será como se pendesse da linha KB; e quanto a distância KB é diminuída da distância BA, tanto o momento do peso F é retirado do momento do peso A. E assim analogamente, inclinando mais o peso, como seria segundo a linha BL, [182] o seu momento vai decrescendo, e será como se pendesse da distância BM, segundo a linha ML, podendo, no ponto L, ser sustentado por um peso posto em A, que lhe será tanto menor quanto a distância BA é maior que a distância BM. Vê-se, portanto, como, no inclinar para baixo pela circunferência CFLI o peso posto na extremidade da linha BC, vem a diminuir cada vez mais o seu momento e ímpeto de mover-se para baixo, por estar sustentado mais e mais pelas linhas BF, BL. Mas considerar este grave descendente, e sustentado pelos raios BF, BL ora menos e ora mais, e constrito a mover-se pela circunferência CFL, não é diferente daquilo que seria imaginar a mesma circunferência CFLI ser uma superfície assim dobrada, colocada sob o mesmo móvel, de modo que, apoiando-se sobre ela, ficasse constrito a descer por ela, porque se de um ou de outro modo o móvel delineia o mesmo percurso, nada importará se ele está suspenso desde o centro B e sustentado pelo raio do círculo, ou antes se, retirada tal sustentação, ele se apóia e caminha sobre a circunferência CFLI. Assim, indubitavelmente podemos afirmar que, vindo o grave para baixo a partir de C pela circunferência CFLI, no primeiro ponto C, o seu momento de descida é total e íntegro, porque não está em parte alguma sustentado pela circunferência, e não está, nesse primeiro ponto C, em disposição de movimento diferente daquela que, livre, faria na [linha] perpendicular e tangente DCE. Mas se o móvel for colocado no ponto F, então, na via circular colocada sob ele, parte de sua gravidade é sustentada, e o seu momento de mover-se para baixo fica diminuído com aquela proporção, com a qual a linha BK é superada pela BC; mas, quando o móvel está em F, no primeiro ponto de tal movimento é como se estivesse no plano elevado segundo a linha tangente GFH, posto que a inclinação da circunferência no ponto F não difere da inclinação da tangente FG a não ser pelo ângulo imperceptível de contato. E, do mesmo modo, encontraremos que, no ponto L, diminui o momento do mesmo móvel, assim como a linha BM é diminuída da BC, de modo que no plano tangente ao círculo no ponto L, o qual seria segundo a linha NLO, o momento de ir para baixo diminui no móvel com a mesma proporção. Se, portanto, sobre o plano HG, o [183] momento do móvel é diminuído do seu ímpeto total, que tem na perpendicular DCE, segundo a proporção entre a linha KB e a linha BC ou BF; sendo, pela semelhança dos triângulos KBF, KFH, a mesma a razão entre as linhas KF, FH que entre as ditas KB, BF, concluiremos que o momento íntegro e absoluto do móvel na perpendicular ao horizonte tem para aquele sobre o plano inclinado HF a mesma proporção que a linha HF tem para a linha FK, isto é, que a extensão do plano inclinado tem para a perpendicular que dele se traçar até a horizontal. Desse modo, passando para uma figura bastante diferente, tal como a presente figura, o momento de ir para baixo, que tem o móvel sobre o plano inclinado FH, está para o seu momento total, com o qual [ele] gravita na perpendicular FK à horizontal, na mesma proporção que essa linha KF [tem] para a FH. E se assim é, fica manifesto que, assim como a força que sustém o peso na perpendicular FK deve ser igual a ele, assim também, para sustentá-lo no plano inclinado FH, bastará que seja tanto menor, quanto dessa perpendicular FK falta para a linha FH. E porque, como já se advertiu outras vezes, à força, para mover o peso, basta que insensivelmente supere aquela que o sustém, por isso, concluiremos esta proposição universal: sobre o plano inclinado, a força tem para o peso a mesma proporção que a perpendicular do término do plano até a horizontal tem para o comprimento desse plano.

Retornando agora ao nosso primeiro propósito, que era o de investigar a natureza do parafuso, consideremos o triângulo ACB, do qual a linha AB seja a horizontal, a BC perpendicular a esse horizonte e a AC, o plano inclinado, sobre o qual o móvel D será puxado por força tanto dele menor, quanto essa linha BC é mais curta que a CA. Mas para elevar o mesmo peso sobre o mesmo plano AC, tanto faz [184] que, estando parado o triângulo CAB, o peso D seja movido em direção a C, quanto seria se, não se removendo o mesmo peso da perpendicular AE, o triângulo fosse levado adiante em direção a H; porque, quando estivesse na situação FHG, encontrar-se-ia que o móvel teria subido a altura AI. Ora, finalmente, a forma e a essência primária do parafuso não é outra coisa que um triângulo similar ACB, o qual impulsionado para diante, entra por baixo do grave que se deve alçar, e o levanta (como se diz) na cabeça. E tal foi a sua primeira origem: pois, considerando, tal como faria o seu primeiro inventor, como o triângulo ABC, indo adiante, eleva o peso D, podia-se fabricar um instrumento similar ao dito triângulo, de algum material bem sólido, o qual, impelido para adiante, elevasse o peso proposto; mas considerando a seguir melhor como uma tal máquina poderia ser reduzida a uma forma mais pequenina e cômoda, tomado o mesmo triângulo, [o primeiro inventor] circundou-o, envolvendo-o em torno do cilindro ABCD, de maneira que a altura do dito triângulo, isto é, a linha CB, constituía a altura do cilindro, e o plano ascendente gerava sobre o dito cilindro a linha helicoidal desenhada pela linha AEFGH, que vulgarmente chamamos de verme do parafuso; e, nessa variante, gera-se o instrumento que os gregos chamam cóclea, e nós parafuso, o qual girando vem com seu verme entrando sob o peso, e com facilidade o eleva. E tendo já demonstrado como, sobre o plano inclinado, a força tem para o peso a mesma proporção que a altura perpendicular do dito plano para o seu comprimento, assim compreenderemos que a força se multiplica no parafuso ABCD segundo a proporção com que o comprimento de todo o verme AEFGH excede a altura CB. Disso chegamos ao conhecimento de como, fazendo-se o parafuso com suas hélices mais espessas, resulta tanto mais forte, tal como aquela que vem gerada por um plano menos inclinado, cujo comprimento relaciona-se com maior proporção com a própria altura perpendicular. Mas não deixaremos de advertir como, querendo encontrar a força de um parafuso proposto, não será necessário que se meçam o comprimento de todo o seu verme e a altura de todo o seu cilindro, mas bastará que [185] examinemos quantas vezes a distância entre só dois términos contíguos entra em uma só volta do mesmo verme, como seria, por exemplo, quantas vezes a distância AF está contida no comprimento da volta AEF, porque essa é a mesma proporção que a altura CB toda tem para o verme todo.

Quando se tenha compreendido tudo aquilo que até aqui afirmamos acerca da natureza deste instrumento, não tenho dúvida alguma de que todas as outras circunstâncias poderão sem esforço ser compreendidas, tal como seria, por exemplo, que ao invés de fazer subir o peso sobre o parafuso, acomoda-se-lhe a sua porca (madrevite) com a hélice escavada, na qual, entrando o macho, isto é, o verme do parafuso, e depois dando voltas, eleva e levanta a porca juntamente com o peso que sobre ela fosse colocado. Finalmente, não se deve deixar em silêncio aquela consideração, a qual se disse, ao início, ser necessária de existir em todos os instrumentos mecânicos, a saber, que quanto se ganha em força por meio deles, outro tanto se perde no tempo e na velocidade; o que, eventualmente, poderia não parecer a alguém tão verdadeiro e evidente na presente especulação; ao contrário, parece que se multiplica a força sem que o motor se mova por uma viagem mais longa que o móvel. Posto que, se tomarmos, no triângulo ABC, a linha AB como sendo o plano do horizonte, AC o plano inclinado, cuja altura seja medida pela perpendicular CB, um móvel posto sobre o plano AC, e ligada a ele a corda EDF, e posta em F uma força ou um peso, o qual tenha para a gravidade do peso E a mesma proporção que a linha BC tem com a linha CA; por aquilo que se demonstrou, o peso F cairá para baixo puxando sobre o plano inclinado o móvel E, nem medirá um espaço maior dito grave F, ao cair, que aquele que mede o móvel E sobre a linha AC. Mas aqui se deve, entretanto, advertir que, embora o móvel E tenha percorrido toda a linha AC no mesmo tempo em que o outro grave F se abaixou por igual intervalo, ainda assim o grave E não se terá afastado do centro comum das coisas graves mais do que a perpendicular CB; mas, por isso, o grave F, [186] descendo perpendicularmente, ter-se-á abaixado por espaço igual a toda a linha AC. E porque os corpos graves não oferecem resistência aos movimentos transversais, a não ser o quanto neles vem a afastar-se do centro da Terra, por isso, não se tendo o móvel E, em todo o movimento AC, levantado mais do que a linha CB, mas o outro F abaixado perpendicularmente todo o comprimento AC, por isso, podemos justificadamente dizer que a viagem da força F mantém com a viagem da força E aquela mesma proporção que a linha AC tem para a linha CB, ou seja, que o peso E tem para o peso F. Importa muito, portanto, considerar por quais linhas se fazem os movimentos e, principalmente, nos graves inanimados, nos quais os momentos possuem seu vigor total e inteira resistência nas linhas perpendiculares ao horizonte; e nas outras, transversalmente elevadas ou inclinadas, servem somente aquele maior ou menor vigor, ímpeto ou resistência, segundo mais ou menos as ditas inclinações se aproximam da elevação perpendicular.10 10 Neste ponto, Mersenne acrescenta três comentários: as Adições III, IV e V (cf. Mersenne, 1966 [1634], p. 58-62). Nestas adições, Mersenne reintroduz a discussão de Galileu sobre Pappus (cf. nota 9), que ele havia omitido (Adição IV), no contexto de uma discussão sobre a inércia, isto é, sobre a indiferença da bola, no plano horizontal, ao repouso e ao movimento. A Adição V proporciona um comentário técnico (cf. seção 2.1).

Da cóclea de Arquimedes para elevar a água

Não me parece que devamos silenciar neste lugar sobre a invenção de Arquimedes para alçar a água com o parafuso; invenção que não só é maravilhosa, como também miraculosa, pois encontraremos que a água sobe no parafuso descendo continuamente. Mas antes de outra coisa, exponhamos o uso do parafuso no fazer subir a água.

E considere-se, na seguinte figura, que, em torno da coluna MIKH, está enrolada a linha ILOPQRSH, a qual seja um canal, pelo qual a água possa escorrer; se colocarmos a extremidade I na água, fazendo com que o parafuso esteja inclinado, como mostra o desenho, e o fizermos girar em torno dos dois eixos (perni) T, V, a água escorrerá pelo canal, até que finalmente verterá da boca H para fora. Afirmo agora que a água, ao ser conduzida do ponto I ao ponto H, vem sempre descendo, ainda que o ponto H seja mais alto que o ponto I. Que é assim, mostraremos do seguinte modo. Descreveremos o triângulo ACB, o qual seja aquele a partir do qual se gera o parafuso IH, de maneira que o canal do parafuso seja representado pela linha AC, cuja subida e elevação [187] vem determinada pelo ângulo CAB, isto é, que se o ângulo for a terça ou a quarta parte de um ângulo reto, a elevação do canal AC será feita segundo a terça ou quarta parte de um ângulo reto. E é evidente que a subida desse canal AC será eliminada abaixando-se o ponto C até o ponto B, porque agora o canal AC não terá elevação alguma; e trazendo o ponto C para um pouco abaixo de B, a água naturalmente escorrerá para baixo pelo canal AC, do ponto A em direção ao C. Concluamos, então, que, sendo o ângulo A um terço de um reto, a subida do canal AC será eliminada abaixando-o pela parte C na terça parte de um ângulo reto.

Entendidas essas coisas, rodemos o triângulo em torno da coluna, produzindo o parafuso BAEFGHID, o qual, quando colocado reto, a ângulos retos, com a extremidade B na água, sendo girado, não levará a água para cima, estando o canal, em torno da coluna, elevado, como se vê pela parte BA. Mas ainda que a coluna esteja em pé a ângulos retos, não é por isso que a subida pelo parafuso torcido em torno da coluna seja de elevação maior que um terço de ângulo reto, sendo gerada pela elevação do canal AC. Portanto, se inclinarmos a coluna por um terço de ângulo reto, e um pouco mais, como se vê [em] IKHM, o trânsito e movimento pelo canal não será mais elevado, mas inclinado, como se vê no canal IL; portanto, a água se moverá do ponto I ao ponto L descendo; e girando-se o parafuso, suas outras partes estarão sucessivamente dispostas e apresentar-se-ão à água na mesma disposição que a parte IL; assim, a água irá sucessivamente descendo; e, ainda assim, terá finalmente sido elevada do ponto I ao ponto H: o quão maravilhoso isso seja, deixo julgar por aqueles que o tenham entendido. E do quanto se disse, chega-se ao conhecimento de por que o parafuso, para alçar a água, deve estar um pouco mais inclinado que a quantidade do ângulo do triângulo, com o qual se descreveu esse parafuso.11 11 Neste ponto, Mersenne insere a Adição VI (Mersenne, 1966 [1634], p. 63-4), que trata dos sifões e bombas e da importância do meio água, seja como fonte de energia, seja cientificamente para a pesagem dos pesos específicos dos materiais.

[188] Da força da percussão12 12 É preciso fazer aqui um comentário óbvio: assim como As mecânicas terminam com um capítulo sobre a força de percussão, assim também os Discorsi de 1638 terminam com a Sexta Jornada, publicada postumamente, na qual os interlocutores discutem a força da percussão. Galileu pensava que por meio de investigações detalhadas da percussão se pudesse chegar a uma melhor determinação da noção de força. De qualquer modo, existe aqui um vínculo temático entre as primeiras investigações mecânicas de Galileu, desenvolvidas entre 1587 e 1610, e sua exposição final em 1638.

A investigação de qual seja a causa da força da percussão é, por muitas razões, enormemente necessária. Primeiro, porque nela aparece muito mais do maravilhoso do que se percebe em qualquer outro instrumento mecânico, posto que, percutindo-se sobre um prego que se deve pregar em uma madeira duríssima, ou antes, sobre um pau que deve penetrar terreno bem fixo, vê-se, só em virtude da percussão, empurrar adiante um e outro; quando sem ela, simplesmente colocando o martelo sobre o prego, não só não se moverá, mas mesmo quando lhe fosse apoiado um peso muitas e muitas vezes maior que o peso do próprio martelo: efeito verdadeiramente maravilhoso e tanto mais digno de especulação, quanto, de meu conhecimento, nenhum daqueles, que até aqui filosofaram sobre isso, disse coisa que atinja o escopo; o que podemos tomar como sinal certíssimo e argumento da obscuridade e dificuldade de tal especulação. Porque, para Aristóteles ou outros que quisessem reduzir a razão deste efeito admirável ao comprimento do manúbrio ou cabo do martelo, parece-me que, sem outro longo argumento, é possível pôr a descoberto a improcedência de seus pensamentos a partir do efeito daqueles instrumentos, que, não tendo cabo, percutem ou com o cair do alto para baixo, ou por serem transversalmente impulsionados com velocidade. É preciso, portanto, recorrer a outro princípio, se quisermos encontrar a verdade desse fato, do qual, ainda que a razão seja, por sua natureza, um tanto abstrusa e a explicação seja difícil, ainda assim iremos tentando, com a maior lucidez possível, torná-la clara e sensível, mostrando finalmente que o princípio e a origem desse efeito não deriva de outra fonte que daquela mesma de onde decorrem as razões de outros efeitos mecânicos.

E isso será feito pondo diante dos olhos aquilo que se viu acontecer em toda [189] outra operação mecânica, isto é, que a força, a resistência e o espaço, pelo qual se faz o movimento, vão alternadamente seguindo-se com tal proporção, e respondendo com tal lei, que a resistência igual à força será movida por essa força por igual espaço e com igual velocidade daquela com a qual essa [força] se move. Igualmente, a força que seja a metade menor que uma resistência poderá movê-la, desde que se mova essa [resistência] com dupla velocidade ou, queremos dizer, por distância que é o dobro maior que aquela que será transposta pela resistência movida. E, em suma, viu-se em todos os outros instrumentos que se pode mover qualquer grande resistência por meio de uma dada força pequena, desde que o espaço, pelo qual se move essa força, tenha aquela mesma proporção com o espaço pelo qual se moverá a resistência, que se encontra existir entre essa grande resistência e a pequena força, e isso acontece segundo a constituição necessária da natureza. Donde, invertendo o argumento e argumentando pela conversa, qual seria a maravilha, se aquela potência, que moveria por grande intervalo uma pequenina resistência, movesse uma cem vezes maior pela centésima parte do referido intervalo? Nenhuma por certo; antes, quando fosse de outro modo, nem mesmo seria absurdo, mas impossível.

Consideremos, portanto, qual seria a resistência a ser movida do martelo naquele ponto em que vai percutir e quanto, ao não percutir, seria atirado adiante pela força recebida; e, além disso, qual seria a resistência a mover-se daquilo que percute e quanto vem movido por tal percussão; e constatado como essa grande resistência avança para cada percussão, tanto menos daquilo que avançaria o martelo lançado pelo ímpeto de quem o move, quanto maior é dita grande resistência que aquela do martelo, cessa em nós a maravilha do efeito, o qual não se separa em nada dos termos das constituições naturais e daquilo que foi dito. Acrescente-se, para maior entendimento, um exemplo em termos particulares. E um martelo, o qual, tendo quatro de resistência, vem movido com tal força que, liberando-se dela naquele ponto em que se faz a percussão, seguiria, não encontrando obstáculo, dez passos; e venha em dito término posta uma grande trave, cuja resistência ao movimento é como quatro mil, ou seja, mil vezes [190] maior que aquela do martelo (mas nem por isso é imóvel, de modo que sem proporção supere aquela do martelo): por isso, feita na trave a percussão, ela será levada adiante, mas pela milésima parte dos dez passos, nos quais se teria movido o martelo. E, assim, refletindo com método converso sobre aquilo que se especulou sobre os outros efeitos mecânicos, poderemos investigar a razão da força de percussão.

Sei que aqui nascerão para alguns dificuldades e objeções, as quais, entretanto, com pouco esforço serão afastadas; e nós as recolocaremos voluntariamente entre os problemas mecânicos que se acrescentarão ao fim deste discurso.13 13 Neste ponto, Mersenne insere seu extenso comentário final, composto pelas Adições VII, VIII, IX e X (cf. Mersenne, 1966 [1634], p. 67-78). Todos os comentários de Mersenne são analisados na seção 2 da introdução.

Traduzido do original em italiano por Pablo Rubén Mariconda e Julio Celso Ribeiro de Vasconcelos

Notas

  • 1
    A presente tradução foi feita a partir do original italiano, publicado por Antonio Favaro no segundo volume da
    Edizione nazionale delle opere di Galileo Galilei, 1933 [1891], p. 155-90. Os números entre colchetes indicam a paginação dessa edição.
  • 2
    Neste ponto, Mersenne faz a Adição I, que possui o interesse histórico de remeter a Benedetti,
    Diversarum especulationum mathematicarum et physicarum líber (Livro das diversas especulações matemáticas e físicas), de 1585, que contém um tratado de mecânica, intitulado
    De mechanicis (Das mecânicas), no qual há um desenvolvimento do conceito de momento, o qual também é empregado por Galileu (cf. Mersenne, 1966 [1634], p. 29, n. 1).
  • 3
    Trata-se do instrumento que os latinos chamam
    statera e os gregos
    phalanx, que constitui fundamentalmente uma balança de braços desiguais.
  • 4
    Os latinos o designam significativamente
    aequipondium, para marcar que ele é o peso que equaliza.
  • 5
    Designação toscana para o que os latinos, segundo Mersenne (1966 [1634]), chamam
    agina, spartum e
    ansa. Trata-se da cabeça de sustentação da balança romana, onde se encontra seu fulcro, de modo que ao invés de apoiar-se no fulcro, a balança é sustentada por ele.
  • 6
    Neste ponto, encontra-se a Adição II de Mersenne que apresenta outros dois tipos de alavanca, desenvolvidos pelo protetor de Galileu, Guidobaldo del Monte, em seu conhecido
    Mechanicorum líber de 1577 (cf. Mersenne, 1966 [1634], p. 36-8).
  • 7
    Mersenne põe outro título: "Do torno, da roda, da grua, do guindaste e dos outros instrumentos semelhantes". (Mersenne, 1966 [1634], p. 38). Seu título dá uma boa idéia de todos os desdobramentos instrumentais deste capítulo.
  • 8
    Este parágrafo e o seguinte compõem a parte central da conceituação que Galileu dá ao princípio das velocidades virtuais e, significativamente, já se encontra pronto o esquema de argumentação inercial que Galileu utilizará mais tarde no
    Diálogo sobre os dois máximos sistemas do mundo (cf. Galilei, 2001 [1632], p. 171-4). Para uma discussão geral da posição de Galileu quanto à conservação do movimento, ver Mariconda & Vasconcelos, 2006, p. 148-58.
  • 9
    Reproduzo aqui o texto de Pappus, que se encontra na seção 10 do Livro VIII das
    Coleções matemáticas e que consiste, na verdade, do enunciado de um problema mecânico: "tendo sido dado um peso [que é] transportado por uma potência dada por um plano paralelo ao horizonte e, sendo dado outro plano inclinado, que forma um ângulo dado com o plano subjacente, encontrar a potência por meio da qual o peso será conduzido sobre o plano inclinado" (Pappus, 1982, p. 833). Como se vê na passagem, Galileu questiona a suposição inicial de que seja preciso força para mover o peso pelo plano horizontal.
  • 10
    Neste ponto, Mersenne acrescenta três comentários: as Adições III, IV e V (cf. Mersenne, 1966 [1634], p. 58-62). Nestas adições, Mersenne reintroduz a discussão de Galileu sobre Pappus (cf. nota 9), que ele havia omitido (Adição IV), no contexto de uma discussão sobre a inércia, isto é, sobre a indiferença da bola, no plano horizontal, ao repouso e ao movimento. A Adição V proporciona um comentário técnico (cf. seção 2.1).
  • 11
    Neste ponto, Mersenne insere a Adição VI (Mersenne, 1966 [1634], p. 63-4), que trata dos sifões e bombas e da importância do meio água, seja como fonte de energia, seja cientificamente para a pesagem dos pesos específicos dos materiais.
  • 12
    É preciso fazer aqui um comentário óbvio: assim como
    As mecânicas terminam com um capítulo sobre a força de percussão, assim também os
    Discorsi de 1638 terminam com a Sexta Jornada, publicada postumamente, na qual os interlocutores discutem a força da percussão. Galileu pensava que por meio de investigações detalhadas da percussão se pudesse chegar a uma melhor determinação da noção de força. De qualquer modo, existe aqui um vínculo temático entre as primeiras investigações mecânicas de Galileu, desenvolvidas entre 1587 e 1610, e sua exposição final em 1638.
  • 13
    Neste ponto, Mersenne insere seu extenso comentário final, composto pelas Adições VII, VIII, IX e X (cf. Mersenne, 1966 [1634], p. 67-78). Todos os comentários de Mersenne são analisados na seção 2 da introdução.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Set 2009
    • Data do Fascículo
      Dez 2008
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