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Pontuando interveniências nas relações familiares frente ao cuidado à criança com condição crônica1 1 Artigo derivado da dissertação - Compreendendo as múltiplas interações e retroações para a organização do sistema familiar no cuidado à criança com condição crônica, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), com apoio da Fundação de Amparo a Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Maranhão e da CAPES, 2013

Resumos

O estudo objetivou desvelar as condições intervenientes para o cuidado da criança com condição crônica. Utilizou-se o Pensamento Complexo como referencial teórico e a Grounded Theory como metodológico. Os dados foram coletados de janeiro a agosto de 2012, por meio de entrevista semiestruturada, em dois serviços de acompanhamento a crianças com condições crônicas e nas residências dos participantes. Participaram 16 familiares de crianças com condições crônicas, distribuídos em três grupos amostrais. A categoria "Pontuando as interveniências no cuidado à criança com condição crônica" revela que os múltiplos acontecimentos vivenciados pela família no cuidado a criança com condição crônica são determinados pelas relações e interações familiares, influenciando as formas de organização do sistema para o cuidado da criança. Destaca-se a importância do enfermeiro conhecer e compreender as múltiplas vivências familiares para que possa englobar criança, família e seus membros como unidades de cuidado.

Enfermagem; Doença crônica; Relações familiares; Criança


The study aimed to reveal intervening conditions towards the care of children with chronic condition. The Complex Thought was used as theoretical framework and the Grounded Theory as methodological. Data were collected from January to August 2012, through semi-structured interviews in two follow-up services for children with chronic conditions and in the homes of participants. Participated 16 relatives of children with chronic conditions, divided into three sample groups. The category "Scoring the intervening conditions towards care of the child with chronic condition" reveals that multiple events experienced by the family in the care of children with chronic conditions are determined by the relationships and interactions of family members and influence the forms of organization for the care of child. Highlights the importance of the nurse to know and understand the multiple family experiences in order to encompass child and their family members as care units.

Nursing; Chronic disease; Family relations; Child


El estudio objetivó revelar las condiciones intermedias para el cuidado de niños en condición crónica. Se utilizó el Pensamiento Complejo como el referencial teórico y la Grounded Theory como la referencial metodológica. La recolección de los datos se dio de enero a agosto de 2012, por medio de entrevista semiestructurada, en dos servicios de supervisión a niños con condición crónica, distribuidos en tres grupos de muestra. La categoría "Puntuando condiciones en el cuidado de los niños con condición crónica" revela que los múltiplos acontecimientos vividos por la familia en el cuidado del niño con condición crónica se determinan por las relaciones e interacciones con la familia e influencian las formas de organización del sistema para el cuidado del niño. Se destaca la importancia de que el enfermero conozca e entienda las múltiples vivencias familiares a fin de que se pueda incluir el niño, la familia e cada uno de sus miembros cómo unidades de cuidado.

Enfermería; Enfermedad crónica; Relaccioes familiares; Niño


INTRODUÇÃO

As condições crônicas constituem o grupo de doenças que necessitam de cuidados contínuos e persistem por períodos longos, de vários anos ou décadas.1Organização Mundial de Saúde. Cuidados inovadores para condições crônicas: componentes estruturais de ação: relatório mundial. Brasília (DF): Organização Mundial de Saúde; 2003. Quando presentes na infância, as condições crônicas são acompanhadas de certas particularidades, que incidem intensamente sobre a família. Nesse contexto, a dinâmica familiar é alterada, em virtude da necessidade de repetidas visitas ao serviço de saúde, de cuidados específicos, uso de medicamentos, recidivas e frequentes internações.2Araújo YB, Collet N, Moura FM, Nóbrega RD. Conhecimento da família acerca da condição crônica na infância. Texto Contexto Enferm. 2009 Jul-Set; 18(3):498-505. Dessa forma, a condição crônica caracteriza-se como fator de desorganização e desestruturação familiar, influenciando tanto as relações internas como as relações sociais desse sistema.3Silva MAS, Collet N, Silva KL, Moura FM. Cotidiano da família no enfrentamento da condição crônica na infância. Acta Paul Enferm. 2010; 23(3):359-65.

Estudos sobre a temática apontam que o sistema familiar, ao sofrer mudanças abruptas, precisa se reorganizar, pois cuidar de crianças afetadas por doenças crônicas é uma tarefa que exige significativo grau de envolvimento da família.4Sierra VM. Família: teorias e debates. São Paulo (SP): Saraiva; 2011.

Cohen E, Berry JG, Camacho X, Anderson G, Wodchis W, Guttmann A. Patterns and costs of health care use of children with medical complexity. Pediatrics. 2012 Dec; 130(6):1463-70.
- 6Moore SM, Hackworth NJ, Hamilton VE, Northam EP, Cameron FJ. Adolescents with type 1 diabetes: parental perceptions of child health and family functioning and their relationship to adolescent metabolic control. Health Qual Life Outcomes. 2013 Mar; 11(50):1-8. A reorganização familiar, por sua vez, pode moldar-se a fim de promover ou manter o bem-estar do sistema.7Silveira AO, Angelo M, Martins SR. Doença e hospitalização da criança: identificando as habilidades da família. Rev Enferm UERJ. 2008; 16(2):212-7. Para tanto, é necessário o enfrentamento efetivo da situação, adaptação às mudanças e o desenvolvimento de habilidades familiares e individuais, para lidar com pressões, incertezas, dificuldades e ansiedades que acompanham a condição crônica na infância. A reorganização familiar, portanto, exige o realinhamento das perspectivas dos seus membros, bem como mudanças das suas condutas. É um processo permeado pela valorização de sentimentos e atitudes como a afetividade, a atenção e a dedicação que facilitam as interações no sistema familiar.4Sierra VM. Família: teorias e debates. São Paulo (SP): Saraiva; 2011. - 5Cohen E, Berry JG, Camacho X, Anderson G, Wodchis W, Guttmann A. Patterns and costs of health care use of children with medical complexity. Pediatrics. 2012 Dec; 130(6):1463-70.

Assim, o movimento de reorganização familiar conduz a uma reavaliação dos papéis sociais desempenhados pelos familiares, haja vista que a condição crônica da criança implica mudanças no cotidiano de todos os membros, produzindo necessidades na reavaliação e redefinição de papéis, mesmo que temporariamente. Essa redefinição de papéis muda o processo de interação intrafamiliar, contribuindo para que os familiares redefinam suas próprias maneiras de agir diante da condição crônica.4Sierra VM. Família: teorias e debates. São Paulo (SP): Saraiva; 2011. Fatores externos ao sistema familiar também podem ser considerados no processo de reorganização frente à condição crônica da criança, dentre os quais pode-se destacar a relevância fundamental das redes sociais de apoio, que se caracterizam como recurso essencial no auxílio à família durante os vários momentos do processo saúde-doença-tratamento-reabilitação e podem levar a cuidados mais eficientes e eficazes.6Moore SM, Hackworth NJ, Hamilton VE, Northam EP, Cameron FJ. Adolescents with type 1 diabetes: parental perceptions of child health and family functioning and their relationship to adolescent metabolic control. Health Qual Life Outcomes. 2013 Mar; 11(50):1-8. , 8Nóbrega VM, Collet N, Silva KL, Coutinho SED. Rede de apoio social das famílias de crianças em condição crônica. Rev Eletr Enf [online]. 2010 [acesso 2013 Fev 13]; 12(3) Disponível em: http://dx.doi.org/10.5216/ree.v12i3.7566.
http://dx.doi.org/10.5216/ree.v12i3.7566...
- 9Sminoff LA. Incorporating patient and family preferences into evidence-based medicine. BMC Medical Informatics and Decision Making 2013, 13(Suppl 3):S6: 1-7.

Compreende-se, portanto, que esse é um processo que envolve continuamente ordem, desordem e organização em uma dinâmica antagônica e complementar. Essa relação faz parte da dinâmica de toda e qualquer família, em especial naquelas em que um dos filhos vivencia determinada condição crônica, pois irregularidades, desvios e imprevisibilidades são necessários para que posteriormente o sistema alcance a estabilidade e a organização.1010 Morin E. Introdução ao pensamento complexo. 5ª ed. Lisboa (PT): Instituto Piaget; 2008. De posse dessas assertivas, a condição crônica na infância caracteriza-se como uma ameaça ao funcionamento pessoal, familiar, social e implica desordem do sistema, que busca novas formas de interação para alcançar a organização. A pesquisa foi conduzida pelo seguinte problema: como acontecem, na família, os processos interativos e retroativos para cuidar da criança com condição crônica?

Desenvolver uma investigação cujo objeto relaciona-se com as dinâmicas e as formas de organização familiar para o cuidado à criança com condição crônica poderá valorizar as relações familiares e facilitar a identificação das necessidades do sistema familiar, aproximando-se da integralidade do cuidado e da família como unidade de cuidado. Objetivou-se com essa investigação desvelar as condições intervenientes para o cuidado da criança com condição crônica.

REFERENCIAL TEÓRICO

Buscou-se vislumbrar o objetivo da investigação à luz do Pensamento Complexo de Edgar Morin, por compreender que a organização do sistema familiar no cuidado à criança com condição crônica é um fenômeno composto por múltiplas dimensões e por uma complexa rede de interações, intrinsecamente ligadas às questões de ordem, desordem e organização. Esta abordagem teórica, por sua vez, implica um processo de desorganização, para posterior organização de conhecimentos e concepções previamente estabelecidos, e configura-se como um chamado para pensar o cuidado de enfermagem às famílias que vivenciam a realidade de cuidar do filho com alguma condição crônica. Dessa forma, vale destacar que a complexidade deve ser compreendida como um pensamento que une e busca as relações entre os vários aspectos da vida humana, pois os problemas só podem ser posicionados e pensados corretamente em seus contextos, e o contexto desses problemas deve ser posicionado num contexto planetário.1111 Morin E. A cabeça bem feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. 19ª ed. Rio de Janeiro (RJ): Bertrand Brasil, 2011.

Para tanto, é preciso um pensamento que compreenda a necessidade do conhecimento do todo e das partes do todo; que reconheça os fenômenos em sua multidimensionalidade, sem isolar de maneira mutiladora suas dimensões; que reconheça e trate as realidades, que são ao mesmo tempo solidárias e conflituosas; que respeite a diferença, ao mesmo tempo em que reconhece a unicidade dos fenômenos. Assim, é preciso substituir um pensamento simplificador, que isola e separa, por um pensamento complexo que une e distingue.1111 Morin E. A cabeça bem feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. 19ª ed. Rio de Janeiro (RJ): Bertrand Brasil, 2011.

METODOLOGIA

Trata-se de estudo exploratório com abordagem qualitativa, guiado pelos pressupostos da Grounded Theory ou Teoria Fundamentada nos Dados (TFD). A TFD remete a uma teoria derivada de dados, sistematicamente reunidos e analisados por meio de processo de pesquisa. Logo, a teoria derivada dos dados tende a se parecer mais com a realidade do que a teoria que deriva apenas da reunião de conceitos, com base na experiência ou em simples especulações. Promove, ainda, maior discernimento e melhor entendimento sobre o fenômeno investigado.12 12 Strauss A, Corbin J. Pesquisa qualitativa: técnicas e procedimentos para o desenvolvimento da Teoria Fundamentada. 2ª ed. Porto Alegre (RS): Artmed; 2008.

A coleta dos dados foi realizada com familiares de crianças com condições crônicas entre os meses de janeiro a agosto de 2012. Configuraram-se como cenários de pesquisa três serviços localizados em São Luís-MA: Clínica Escola Santa Edwiges da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE); Hospital Universitário Unidade Materno Infantil (HUUMI-UFMA); e as residências dos participantes.

A técnica utilizada para a coleta de dados foi a entrevista semiestruturada, guiada pelo questionamento: O que acontece ou aconteceu na sua família desde a descoberta da condição do seu filho(a)? Para a seleção dos participantes do estudo buscou-se pessoas, locais ou fatos, que permitissem a descoberta de variações entre conceitos, tornando densas categorias em termos de suas propriedades e de suas dimensões.1212 Strauss A, Corbin J. Pesquisa qualitativa: técnicas e procedimentos para o desenvolvimento da Teoria Fundamentada. 2ª ed. Porto Alegre (RS): Artmed; 2008. Assim, participaram do estudo 12 mães e quatro familiares cuidadores de crianças com condições crônicas, divididos em três grupos amostrais. O primeiro grupo amostral foi constituído por sete mães cuidadoras de filhos com condição crônica, que respeitaram ao critério de inclusão de ser cuidadora da criança há, no mínimo, um ano. O segundo grupo amostral foi composto por cinco mães cuidadoras de crianças com condições crônicas, com maior poder aquisitivo em relação às participantes do primeiro grupo. Os critérios de inclusão definidos para o segundo grupo foram: ser mãe cuidadora da criança com qualquer tipo de condição crônica há, no mínimo, um ano; ter renda familiar de cinco a 15 salários mínimos/mês, pela hipótese de que a situação financeira influenciaria positivamente na organização do sistema familiar. Finalmente, compuseram o terceiro grupo amostral, membros de duas famílias cuidadoras de crianças com alguma condição crônica de saúde. Os entrevistados da primeira família foram o pai e a avó materna da criança e da segunda família a avó e uma tia materna. Ressalta-se que a abordagem dos familiares cuidadores se deu diante da proximidade de cuidados dos mesmos com a criança. Todas as entrevistas foram registradas em gravador digital e transcritas logo após sua realização. Vale destacar que, para a definição da amostra, levou-se em consideração a saturação teórica, como determinado na TFD.

Levando-se em consideração os pressupostos da TFD, a análise dos dados foi iniciada utilizando os procedimentos da codificação, que compreende três fases: codificação aberta, codificação axial e codificação seletiva. Na codificação aberta os dados brutos provenientes das entrevistas foram analisados linha a linha, o que permitiu a construção dos códigos preliminares. Estes códigos, após rigoroso processo de análise comparativa, foram agrupados segundo similaridades e diferenças, originando os conceitos, que novamente foram reorganizados e agrupados possibilitando o desenvolvimento de termos com maiores níveis de abstração, dando origem as categorias do estudo. Uma vez desenvolvidas as categorias, as mesmas foram exaustivamente comparadas entre si com o objetivo de alcançar explicações mais claras e completas sobre o fenômeno investigado. Esse procedimento caracterizou a etapa da codificação axial, que busca desenvolver sistematicamente as categorias e relacioná-las. Construídas as categorias, o passo seguinte teve como objetivo refiná-las e integrá-las até o desenvolvimento da categoria central, caracterizando a fase da codificação seletiva.

Dessa forma, o processo analítico definido pela TFD possibilitou a construção de um esquema organizacional utilizado para classificar e desenvolver as conexões emergentes entre categorias e subcategorias, esquema esse denominado de paradigma e que possui alguns componentes básicos, sendo eles: fenômeno, contexto, condições causais, condições intervenientes e estratégias.1212 Strauss A, Corbin J. Pesquisa qualitativa: técnicas e procedimentos para o desenvolvimento da Teoria Fundamentada. 2ª ed. Porto Alegre (RS): Artmed; 2008.

Visando atender aos critérios éticos, foram seguidas as recomendações determinadas na Resolução n. 196/96, do Conselho Nacional de Saúde, que versa sobre pesquisas envolvendo seres humanos. Dessa forma, o estudo foi avaliado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Presidente Dutra (HUPD)/UFMA, sob parecer n. 192/10. Para a realização da coleta de dados foi solicitada aos participantes a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido em duas vias. O anonimato dos participantes foi garantido, sendo a identidade dos mesmos substituídos por nomes de flores.

RESULTADO E DISCUSSÃO

A categoria "Pontuando as interveniências no cuidado à criança com condição crônica" caracterizou-se como condição interveniente do modelo teórico "Lidando com a ordem e a desordem do sistema familiar para cuidar da criança com condição crônica", e revelou que os múltiplos acontecimentos vivenciados pela família, frente ao cuidado da criança com condição crônica, são determinados pelas relações e interações dos membros do sistema familiar diante da nova realidade e influenciam diretamente as formas de organização desse sistema para o cuidado à criança. São, portanto, de importante identificação e compreensão, pois têm a capacidade de aumentar ou diminuir a ordem ou a desordem vivida pelo sistema familiar. Ressalta-se, que na TFD, as condições intervenientes dizem respeito aos fatores que alteram o impacto das condições e que causam influências (condições causais) sobre o fenômeno. Duas subcategorias compuseram a categoria em questão: "Estabelecendo as redes de interação entre os membros do sistema familiar e a criança com condição crônica" e "Apontando os múltiplos efeitos das ações e interações do sistema familiar frente ao cuidado da criança com condição crônica".

Estabelecendo as redes de interação entre os membros do sistema familiar e a criança com condição crônica

A primeira subcategoria revela as interações estabelecidas entre os membros da família e a criança com condição crônica. Destaca a participação paterna na vida e no cuidado do filho, os comportamentos adotados pelos familiares no cuidado à criança e os níveis diferenciados de vínculos estabelecidos entre familiares e criança. A participação paterna no cuidado à criança com condição crônica fez-se bastante presente entre algumas das famílias entrevistadas. Em alguns casos, o pai foi caracterizado como importante elemento na vida e no cuidado da criança, participando de várias formas do cotidiano dos filhos, fosse suprindo as necessidades da criança, assumindo os cuidados ou fazendo-se presente no dia a dia do filho. Nesse contexto, um ponto que merece destaque é a afetividade e os fortes vínculos presentes nas relações entre os pais e seus filhos:

o meu marido sempre está ajudando, ele sempre arranja um jeito. E o nosso filho só dorme quando ele chega, ele cochila, mas não dorme, fica esperando o pai dele chegar do serviço. Eles são muito apegados, quando ele [marido] está em casa nosso filho passa o dia todinho em cima dele. [...] ele faz tudo para estar em casa, se ele está trabalhando e a gente precisa resolver alguma coisa para o nosso filho, ele dá um jeito de conseguir uma folga (Rosa).

meu marido é muito presente e eles são muito ligados. Ele ajuda a cuidar dela o tempo todo, a cuidar mesmo, fazer mingau, trocar fralda, ele levanta de madrugada, até hoje é ele quem levanta cedo e faz o mingau dela (Acácia).

As interações estabelecidas entre pai e filho caracterizam-se como importante fator para o desenvolvimento da criança e indicam que os pais tem potencial para serem competentes e envolvidos nesse cuidado, além de demonstrarem o desejo de participação procurando ativamente um maior envolvimento no cuidado dos filhos.1313 Crepaldi MA, Andreani G, Hammes PS, Ristof CD, Abreu SR. A participação do pai nos cuidados da criança, segundo a concepção de mães. Psico em Estudo. 2006 Set-Dez; 11(3):579-87. Assim, a figura paterna tem mostrado-se cada vez mais presente na vida das crianças, oferecendo participação nos cuidados e fortalecendo os vínculos já existentes.1414 Silva FM, Correa I. Doença crônica na infância: vivência do familiar na hospitalização da criança. Rev Min Enferm. 2006 Jan-Mar; 10(1):18-23. Tais atitudes podem ser explicadas pela própria representação social do papel de pai, que sofreu intensas mudanças com o passar do tempo. Antes, o pai exercia um papel de autoridade, sendo ele o membro provedor da família. Entretanto, devido à entrada da mulher no mercado de trabalho, essa configuração tem se modificado, determinando novos arranjos familiares. Sob essa perspectiva, a figura paterna encontra-se em reconstrução e nesse processo o pai expõe sua face afetiva, estando mais presente na vida dos filhos. A paternidade, portanto, tem adquirido novos valores, ressaltando o papel do pai na busca da qualidade de vida e da recuperação da saúde da criança.1515 Dupas G, Silva AC, Nunes MDR, Ferreira NMLA. Câncer na infância: conhecendo a experiência do pai. Rev Min Enferm. 2012 Jul-Set; 16(3):348-54.

Nesse contexto, um estudo1313 Crepaldi MA, Andreani G, Hammes PS, Ristof CD, Abreu SR. A participação do pai nos cuidados da criança, segundo a concepção de mães. Psico em Estudo. 2006 Set-Dez; 11(3):579-87. sobre a concepção de mães no tocante a participação paterna nos cuidados da criança, demonstrou que 56% dos pais foram considerados participantes no cuidado dos filhos, enquanto 37% eram pouco participantes e apenas 7% pareciam não participar dos cuidados com a criança. Nesse estudo foi abordada a forma como os pais participavam desses cuidados e os resultados revelaram que, na maioria dos casos, os pais envolveram-se em várias atividades de cuidado com os filhos, como passeios, brincadeiras e cuidados básicos, com ou sem a presença da mãe, como o banho, e a alimentação.1313 Crepaldi MA, Andreani G, Hammes PS, Ristof CD, Abreu SR. A participação do pai nos cuidados da criança, segundo a concepção de mães. Psico em Estudo. 2006 Set-Dez; 11(3):579-87. Outras investigações apresentaram resultados que vão ao encontro dos acima apresentados, demonstrando que os pais mostram-se bastante envolvidos em atividades fora do ambiente doméstico, como passeios e acompanhamentos médicos, assim como em atividades diárias como banho, administração de medicamentos e cuidados com o sono e repouso da criança.1616 Marques FRB, Barreto MS, Teston EF, Marcon SS. A presença das avós no cotidiano das famílias de recém-nascidos de risco. Rev Ciência Cuid Saúde. 2011 Jul-Set; 10(3):593-600. No que tange à participação paterna na vida e no cuidado da criança com condição crônica, é importante salientar que o mesmo não pode ser visto como coadjuvante nos cuidados com o filho, mas ser vislumbrado como membro importante no desenvolvimento da criança, pois influencia e é influenciado em sua interação direta com o filho.1313 Crepaldi MA, Andreani G, Hammes PS, Ristof CD, Abreu SR. A participação do pai nos cuidados da criança, segundo a concepção de mães. Psico em Estudo. 2006 Set-Dez; 11(3):579-87.

Entretanto, a participação paterna no cuidado a criança com condição crônica é bastante heterogênea e se diferencia em práticas e atitudes nas diferentes famílias. Em um dos relatos, os filhos foram totalmente abandonados pelos pais desde muito pequenos. As falas abaixo ilustram essa realidade:

meu filho tinha quatro meses e desde essa época ele nunca mais procurou o menino, não participa da vida dele, não procura saber do tratamento, nada (Verbena).

ele só pediu para eu mandar umas fotos dela [filha], daí eu mandei, ele chorou e tudo, mas foi só isso. Às vezes ele procura saber notícias, mas não liga para mim, liga para uma tia minha que também mora em São Paulo e ela dá informação da criança para ele (Tulipa).

Apesar da configuração atual da paternidade estar passando por um processo de transição, em que o pai apóia e participa intensamente no cuidado do filho com condição crônica, ainda é possível identificar que o oposto também acontece, os pais distanciam-se não apenas dos cuidados com a criança, como também da própria convivência com o filho.1515 Dupas G, Silva AC, Nunes MDR, Ferreira NMLA. Câncer na infância: conhecendo a experiência do pai. Rev Min Enferm. 2012 Jul-Set; 16(3):348-54.

Em contrapartida, os familiares (avós, tios, tias) que participam do cuidado à criança com condição crônica, revelam constante preocupação com o tratamento, com as condições de saúde e bem-estar da criança. Essa participação é revelada pela proximidade e vínculo entre os familiares e a criança, e expressa pela oferta constante de amor e carinho e a atuação dos membros nas demandas de cuidado como identificado abaixo:

eles [familiares] perguntam para mim do que o meu filho [cita o nome] está precisando no momento, como que está a vida dele, como foi a consulta dele, o que deu no exame dele, eles me acompanham também. Tem hora nos hospitais que eles me acompanham, eles ligam para saber o que o médico disse, vão buscar ele [criança] lá em casa para passar o fim de semana, fazem a diversão dele, levam ele para passear (Margarida).

a gente vai para o médico juntos, para os tratamentos dele, e eles [família] brincam com ele, nas atividades dele, nas medicações ajudam em tudo. Carinho e amor, eles dão até demais (Hortência).

a gente toma conta, assume, se tem intercorrência a gente está lá, está presente nesse dia a dia dele, se percebe alguma coisa diferente, a gente conversa e ajuda em todos os sentidos (Orquídea).

No entanto, as famílias identificam níveis diferenciados de vínculos entre seus membros e a criança. Houve aqueles mais participativos e apegados à criança, enquanto outros se mantinham distantes e com vínculos frágeis como apontados nas falas a seguir:

algumas pessoas se preocupam com ele, mas tem outras que não. As pessoas mais próximas, como a tia, a avó também são muito preocupadas, o pai dele, a madrinha dele também, o padrinho, são muito preocupados com ele (Papoula).

o pai dela tem mais dois filhos e eu percebo que a filha dele, a mais velha, é um pouco afastada (Crisântemo).

Em consonância com os dados apresentados, um estudo que avaliou a participação dos familiares no cuidado à criança com condição crônica destacou, além da figura materna, as avós, os pais, os tios e irmãos como colaboradores nos cuidados da criança, tanto em atividades básicas de cuidado como alimentação, higiene, repouso e passeios, como com atividades determinadas pela condição como visitas ao médico e administração de medicamentos.1616 Marques FRB, Barreto MS, Teston EF, Marcon SS. A presença das avós no cotidiano das famílias de recém-nascidos de risco. Rev Ciência Cuid Saúde. 2011 Jul-Set; 10(3):593-600.Entretanto, o cuidado à criança com condição crônica, exige mais do que o atendimento de suas necessidades fisiológicas. É necessário o toque, o carinho, o afago, o afeto como atitudes positivas para o desenvolvimento infantil. Esse movimento afetivo e interativo, por sua vez, tende a acontecer mais facilmente quando há vínculo entre a criança e os membros da família.1717 Sunelaitis RC, Arruda DC, Marcon SS. A repercussão de um diagnóstico de síndrome de down no cotidiano familiar: perspectiva da mãe. Rev Acta Paul Enferm. 2007; 20(3):264-71.

Nesse sentido, as interações desenvolvidas entre os membros da família, tornam-se importantes instrumentos para o desenvolvimento dos vínculos, o que gera efeitos e sensações positivas na vida dos envolvidos e consequentemente no sistema familiar. Dessa forma, a vivência da condição crônica da criança, de forma conjunta pelos familiares, contribui para a compreensão, a colaboração, o amor e o cuidado mútuos.1414 Silva FM, Correa I. Doença crônica na infância: vivência do familiar na hospitalização da criança. Rev Min Enferm. 2006 Jan-Mar; 10(1):18-23. Esse movimento se caracteriza como um processo de retroação negativa, em que os desvios são reduzidos e o sistema estabilizado,1111 Morin E. A cabeça bem feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. 19ª ed. Rio de Janeiro (RJ): Bertrand Brasil, 2011. ou seja, o desenvolvimento de vínculos torna-se positivo para as relações familiares, o que leva ao desenvolvimento de ações positivas de cuidado com a criança, contribuindo assim, para o equilíbrio do sistema familiar.

Sob essa perspectiva, o enfermeiro tem importante papel a desempenhar junto às famílias que convivem com a realidade da condição crônica da criança. Cabe a esse profissional auxiliar a família a identificar suas forças e potencialidades, bem como suas fragilidades e necessidades. Dessa forma, ao reconhecer a importância da família frente ao cuidado da criança com condição crônica, precisa caminhar junto com elas, apoiando-as e instrumentalizando-as, para que possa cuidar da criança da melhor maneira possível.1717 Sunelaitis RC, Arruda DC, Marcon SS. A repercussão de um diagnóstico de síndrome de down no cotidiano familiar: perspectiva da mãe. Rev Acta Paul Enferm. 2007; 20(3):264-71.

Apontando os múltiplos efeitos das ações e interações do sistema familiar frente ao cuidado da criança com condição crônica

Esta segunda subcategoria destaca o movimento retroativo de fortalecimento dos vínculos familiares, o enfraquecimento/rompimento de vínculos familiares e como os familiares reagem frente a estes.

O efeito mais perceptível das ações e interações familiares frente ao cuidado da criança com condição crônica foi o fortalecimento dos vínculos entres os membros da família. Esse movimento retroativo, de aprofundamento dos laços familiares, mostrou-se de grande importância para o sistema familiar, por ter influenciado positivamente as relações de cuidado com a criança, bem como as relações estabelecidas entre os próprios familiares:

depois que ele nasceu houve mudanças na minha família, no sentido dela ficar mais unida. Hoje a minha família é bem mais unida, tanto da minha parte quanto da dele [marido]. Coisas que não aconteciam antes agora acontecem, como aquela preocupação de ligar para saber como meu filho está, se ele está bem. Quando ele não está bem a família toda sofre, fica aquela aflição, todo mundo liga toda hora querendo saber como ele está. E eu nunca tinha aproximado a família do meu esposo com a minha família, e hoje, a gente já fez até uma viagem todo mundo junto, a família dele foi visitar a minha, e isso foi muito bom porque a gente se uniu mesmo, e a cada dia que passa a gente se une mais (Hortência).

o que aconteceu na família foi que intensificou a ajuda de todo mundo, a união ficou mais consolidada por ele. A gente já tinha um vínculo bom e ele veio para fortalecer ainda mais esse vínculo. Esse fortalecimento da família aconteceu desde a descoberta da cardiopatia dele e se mantém até hoje (Orquídea).

Quando as famílias se veem frente à condição crônica da criança, alguns aspectos importantes podem ser observados, como o ato das famílias em pensar sobre a realidade vivida. Esse movimento permite-lhes refletir sobre os valores e as relações estabelecidas entre seus membros, e o despertar para esta reflexão leva as famílias a delinearem novos modos de viver. Nesse sentido, elas repensam aspectos relativos aos sentimentos e comportamentos, processo que, por sua vez, possibilita o fortalecimento dos vínculos familiares, por meio de mudanças nos relacionamentos com a criança e com os demais membros do sistema.1818 Althoff CR, Renck LI, Sakae SVSS. Famílias de crianças que necessitam de cuidados especiais: o impacto sobre a vida familiar. Fam Saúde Desenv. 2005 Set-Dez; 7(3):221-9.

Sob essa perspectiva, compreende-se que a situação da condição crônica não envolve apenas a criança, mas todo o sistema familiar, podendo configurar-se como unificadora da família. Os familiares, diante da condição crônica da criança, parecem preocupar-se uns com os outros, buscando uma articulação para promover o apoio mútuo. Assim, novos vínculos familiares podem ser construídos e aqueles já existentes podem ser intensificados. Outro aspecto importante foi que os familiares, mesmo distantes, se fazem presentes, usando diversas formas de comunicação para estarem mais próximos da criança e dos outros membros do sistema.1919 Vestena-Zilmer JG, Schawartz E, Burille A, Linck CL, Lange C, Eslabão A. Vínculos dos clientes oncológicos e familiares: uma dimensão a ser conhecida. Enfermería Global. 2012 Enero; 11(1):45-52.

Esta realidade faz consonância com outros estudos1616 Marques FRB, Barreto MS, Teston EF, Marcon SS. A presença das avós no cotidiano das famílias de recém-nascidos de risco. Rev Ciência Cuid Saúde. 2011 Jul-Set; 10(3):593-600. sobre a reorganização familiar de crianças com condições crônicas, que demonstraram laços familiares mais fortes após o diagnóstico revelados pelo apoio, preocupação, atenção e busca constante de informações.2020 Sanches KO, Ferreira NMLA. Reorganização do sistema familiar na condição do câncer. Ciência Cuid Saúde. 2011 Jul-Set; 10(3):523-32. Nesses casos, o fortalecimento dos laços familiares foi visto como positivo, pois possibilitou amenizar o sofrimento e valorizar as relações já existentes, percebendo-as como duradouras e sinceras.

Ressalta-se que o papel do enfermeiro consiste em reconhecer as relações estabelecidas pela família, bem como apoiá-la no desenvolvimento de novas relações familiares. Se por um lado faz-se necessário estimular e promover novos vínculos entre a família e a criança, para o bem estar de todos os membros do sistema, por outro é preciso compreender que esse movimento não pode ser imposto, mas sim, estimulado, conquistado e promovido.1717 Sunelaitis RC, Arruda DC, Marcon SS. A repercussão de um diagnóstico de síndrome de down no cotidiano familiar: perspectiva da mãe. Rev Acta Paul Enferm. 2007; 20(3):264-71.

Em contrapartida, o enfraquecimento e, até mesmo, o rompimento de vínculos familiares pôde ser observado com efeito negativo nas relações afetivas de algumas das famílias entrevistadas, como demonstrado nas falas abaixo:

aí ele [marido] começou a sair, me deixava sozinha, então optei por me separar. Achei que seria melhor, eu me preocupava só com o meu filho e deixava ele. Agora ele está querendo voltar de novo, só que eu não quero mais (Papoula).

para que meu filho não se abatesse, porque a gente percebeu que quanto mais ele evoluía mais ele percebia [atitudes de preconceito dos familiares], a gente resolveu se afastar. Então a gente não vai muito na casa dos familiares que a gente acha que podem falar o que não deve para ele. A gente acabou se afastou um pouquinho e vive assim, mais a gente mesmo, dentro de casa (Açucena).

A condição crônica da criança é permeada por incertezas, traz importantes repercussões para a vida familiar e pode causar impactos significativos sobre os relacionamentos familiares, pois, as alterações que acontecem no contexto da família, estendem-se desde a desestruturação do sistema, causada pela separação dos pais, até a confusão de papéis ou rupturas na dinâmica familiar, levando, muitas vezes, ao enfraquecimento ou rompimento dos vínculos familiares. Outro fator que pode favorecer a perda ou enfraquecimento dos laços familiares são as atitudes não cooperativas dos membros. Dessa forma, compreende-se que a condição crônica da criança pode intensificar as dificuldades relacionais.2121 Nóbrega VM. Imposições e conflitos no cotidiano das famílias de crianças com doença crônica. Esc Anna Nery. 2012 Out-Dez; 16(4):781-8.

Essa dimensão aproxima-se da compreensão do princípio recursivo, proposto pelo Pensamento Complexo,11 11 Morin E. A cabeça bem feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. 19ª ed. Rio de Janeiro (RJ): Bertrand Brasil, 2011.pois as alterações da dinâmica familiar e a não cooperação entre os membros da família configuram-se como fatores que influenciam as dificuldades relacionais, que por sua vez continuarão influenciando os dois primeiros, em um processo recursivo que irá determinar as formas de auto-organização das famílias e envolve, continuamente, ordem, desordem e organização em uma dinâmica antagônica e complementar.1212 Strauss A, Corbin J. Pesquisa qualitativa: técnicas e procedimentos para o desenvolvimento da Teoria Fundamentada. 2ª ed. Porto Alegre (RS): Artmed; 2008. Esses movimentos fazem parte da dinâmica de todo e qualquer sistema familiar, entretanto, podem ser exacerbados nas famílias onde um dos filhos é portador de determinada condição crônica, contribuindo na manutenção de dificuldades relacionais e interacionais.

O processo de enfraquecimento ou rompimento de vínculos, por sua vez, influencia, inevitavelmente, algumas reações dos familiares, que podem ser mais intensas ou mais contidas, como explicitado nas falas a seguir:

quando a gente se separou, minha família ficou totalmente desestruturada, ficou todo mundo triste [...]. Depois da separação, eu e meu ex-marido tivemos uma briga, porque depois que a gente se separou ele estava com ciúmes de mim, aí ele me agrediu, eu com meu filho no colo. Minha mãe foi lá e ele ainda agrediu minha mãe e depois disso ele foi preso. Depois, meu avô ficou sentido pelo meu lado e foi lá tirar satisfação com ele e ele ainda queria matar meu avô. Desde que isso aconteceu, minha família não queria nem deixar que o menino fosse na casa dele [ex-marido], porque o pai não queria o menino mesmo (Verbena).

a respeito da separação ninguém da minha família se manifestou, nem pelo lado positivo, nem pelo lado negativo e também era um assunto que eu não procurava trazer para dentro de casa. Eu disse que cada um tinha decidido ir para o seu lado e a gente não pediu opiniões, a gente foi tomando a decisão e foi se afastando (Amarílis).

A família pode ser vislumbrada como um conjunto organizado de pessoas que vivem em constante interação, sendo que cada um de seus membros exerce um papel específico que é determinado pelas relações estabelecidas entre os próprios familiares. Por isso, qualquer alteração ou mudança em um dos membros da família repercute em todos os demais, assim, o comprometimento da saúde da criança pode levar à crise do sistema, desorganizando toda a estrutura familiar.1111 Morin E. A cabeça bem feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. 19ª ed. Rio de Janeiro (RJ): Bertrand Brasil, 2011.

Quando a crise se instala, a resposta da família aos conflitos repercutirá positiva ou negativamente na qualidade de vida e bem-estar tanto do sistema como de cada um dos familiares. Portanto, compreender a realidade vivenciada pela família frente à condição crônica da criança é fundamental para estimular seu fortalecimento frente a momentos adversos.21 21 Nóbrega VM. Imposições e conflitos no cotidiano das famílias de crianças com doença crônica. Esc Anna Nery. 2012 Out-Dez; 16(4):781-8.Para tanto, é necessário que o sistema familiar seja vislumbrado em sua multidimensionalidade, para que haja o conhecimento do todo (sistema familiar) e das partes (membros do sistema familiar) do todo, evitando que suas dimensões sejam isoladas de maneira mutiladora.

CONCLUSÃO

A organização do sistema familiar para o cuidado à criança com condição crônica conforma-se sob a influência de determinadas situações, que levarão a família a vivenciar um movimento constante entre a ordem e a desordem, e exigirá do sistema o saber lidar com essa dialógica. As situações que se configuraram como intervenientes foram aquelas que fizeram aumentar ou diminuir a organização do sistema familiar para a continuidade do cuidado à criança com condição crônica. Alguns pontos puderam ser destacados como condições intervenientes para o cuidado familiar da criança com condição crônica, dentre os quais, as interações, os vínculos e os comportamentos adotados pelos membros no sistema familiar.

Os resultados da investigação reafirmam que vínculos fortes e intensos transformam o clima emocional do sistema familiar, reduz as tensões, diminui riscos de rupturas e há valorização dos afetos resultando em maior organização desse sistema com contribuição positiva para o cuidado à criança com condição crônica.

Ressalta-se que as interações e os vínculos familiares foram condições estratégicas para o fortalecimento do sistema familiar, ao mesmo tempo em que possibilitou processos colaborativos, tão importantes para o cuidado permanente e contínuo exigido pela condição crônica. Nesse contexto social e interativo a família cumpre seu papel cuidador enriquecido pelo cuidado paterno.

Entretanto, a organização do sistema familiar frente ao cuidado da criança com condição crônica constitui-se de movimentos opostos. De um lado, as interações e os vínculos produzindo na família suporte afetivo e emocional para o cuidado e, do outro, o rompimento de vínculos familiares ocasionados por interações conflituosas entre os membros do sistema. São condições significativamente dificultadoras para a saúde emocional da unidade familiar, com reflexos negativos para o processo de cuidado no enfrentamento das dificuldades, na definição de papéis, na comunicação e na afetividade entre seus membros. Portanto, estas condições são intervenientes, pois refletem nas mudanças adaptativas do sistema familiar e determinam a organização interna desse sistema para atender as demandas de cuidado da criança com condição crônica, assim como as necessidades individuais dos seus membros. Ambas as condições promovem influências, que intensificam ou moderam os acontecimentos, as interações e os vínculos e, consequentemente, produzem retroações para a ordem e para a desordem do sistema familiar.

As interveniências no cuidado à criança com condição crônica foram produto de um rigoroso processo de análise, enriquecido pelos movimentos de dedução, indução, objetividade, sensibilidade e criatividade dos pesquisadores. Expressa aspetos peculiares da experiência da família sobre a condição da criança, as dificuldades vividas, os sentimentos desvelados, as formas de apoio e de enfrentamento para a manutenção e continuidade do cuidado, as atitudes de cuidado, além das relações, interações e retroações estabelecidas pelos membros da família no processo de cuidar.

Frente a essas colocações, pode-se destacar a importância de o enfermeiro estar aberto a ouvir e comunicar-se de forma sensível com a família cuidadora da criança com condição crônica, no sentido de conhecer e compreender suas múltiplas vivências, dificuldades, conflitos, uniões, relações, interações e retroações, para que, dessa forma, possa englobar a criança, a família e seus membros como unidades de cuidado, abordando-os em suas multidimensionalidades. Envolver a família e as relações existentes no sistema familiar poderá fortalecer vínculos, produzir e manter abertos canais de comunicação para o gerenciamento do cuidado. Afora as contribuições para a atuação do enfermeiro, destaca-se a abertura de novos caminhos para futuras pesquisas sobre o cuidado à criança com condição crônica, pois os resultados aqui apresentados poderão complementar e/ou ser complementados por novas perspectivas e achados sobre o cuidado familiar à criança com condição crônica de saúde.

A aproximação com o sistema familiar e com a condição crônica da criança, sob a ótica da complexidade, permitiu compreender as múltiplas dimensões que envolvem o cuidado e redimensionou a necessidade de um olhar mais abrangente para os acontecimentos, as relações, as interações e as retroações produzidas na família para a manutenção e a continuidade do cuidado. Para tanto, profissionais, individualmente ou em equipe, deverão direcionar sua atenção tanto para a família como para o sistema familiar, compreendido como produto das relações e interações dos seus membros.

Para finalizar, destaca-se que a articulação entre o Pensamento Complexo e a TFD permitiu a emergência de aspectos diversos sobre a realidade dessas famílias, tornando a compreensão da organização do sistema familiar uma experiência rica e engrandecedora para o cuidado de enfermagem e de saúde.

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    Artigo derivado da dissertação - Compreendendo as múltiplas interações e retroações para a organização do sistema familiar no cuidado à criança com condição crônica, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), com apoio da Fundação de Amparo a Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Maranhão e da CAPES, 2013

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2015

Histórico

  • Recebido
    17 Jun 2013
  • Aceito
    17 Mar 2013
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