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EXPERIÊNCIA DE ENFERMEIROS NO MANEJO DA HEMODIÁLISE CONTÍNUA E SUAS INFLUÊNCIAS NA SEGURANÇA DO PACIENTE

RESUMO

Objetivo:

analisar a influência da experiência profissional dos enfermeiros intensivistas no manejo da hemodiálise contínua, na segurança de sua atuação no âmbito do modelo colaborativo frente ao paciente que dela se utiliza na unidade de terapia intensiva.

Método:

pesquisa qualitativa e de cunho exploratório, pautada no paradigma sistêmico da segurança do paciente, desenvolvida na unidade de terapia intensiva de uma instituição privada do município do Rio de Janeiro, RJ, Brasil. Participaram 23 enfermeiros que atuavam há mais de três meses no cenário do estudo, no manejo direto da hemodiálise contínua. Os dados foram produzidos de junho a outubro de 2016 por meio de observação, analisados a partir da sua descrição densa, e de entrevistas semiestruturadas, submetidos à técnica de análise de conteúdo.

Resultados:

foram organizados em duas categorias: a primeira retrata a influência da experiência profissional na segurança da atuação do enfermeiro, em que se verifica que os enfermeiros inexperientes agem no manejo da hemodiálise contínua seguindo diretrizes e manuais, sem uma avaliação completa desta situação de cuidado e enfrentando dificuldades no cotidiano da assistência. A segunda categoria demonstra o impacto dessa inexperiência do enfermeiro na ocorrência de erros ativos, evidenciando-se ações que resultam na ocorrência de eventos adversos.

Conclusão:

a inserção de enfermeiros inexperientes é uma condição latente no sistema investigado que converge para a ocorrência de incidentes no manejo da hemodiálise contínua, requerendo o aprimoramento do modelo colaborativo através do acompanhamento sistemático do desempenho destes profissionais, como proposta de barreira de segurança.

DESCRITORES:
Enfermagem; Hemodiálise; Unidades de terapia intensiva; Segurança do paciente; Prática profissional

ABSTRACT

Objective:

to analyze the professional experience of intensive care nurses and its influence on their work activities in the continuous hemodialysis process and patient safety in the intensive care unit within the scope of the collaborative model.

Method:

qualitative and exploratory research, based on the systemic paradigm of patient safety, developed at the Intensive Care Unit of a private institution in the city of Rio de Janeiro, Brazil. There were 23 nurse participants who had been working for more than three months in study scenery and in direct contact with continuous hemodialysis. The data were produced from June to October of 2016 by means of observation, analyzed using thick description as well as semi-structured interviews, and then submitted to the content analysis technique.

Results:

were organized in two categories: the first one portrays the influence of the professional working experience on the safety of nurses' performance, which verified that in relation to continuous hemodialysis, inexperienced nurses follow guidelines and manuals, without a complete evaluation of this care situation and face difficulties in the performance of everyday care. The second category demonstrates the impact of the nurse´s inexperience on the occurrence of active errors, evidencing actions that result in the occurrence of adverse events.

Conclusion:

the insertion of inexperienced nurses is a latent condition in the investigated system that results in the occurrence of incidents in the continuous hemodialysis process, requiring the improvement of the collaborative model through the systematic monitoring of the performance of these professionals, such as the proposal of a safety barrier.

DESCRIPTORS:
Nursing; Hemodialysis; Intensive care units; Patient safety; Professional practice

RESUMEN

Objetivo:

analizar la influencia de la experiencia profesional de los enfermeros intensivos en el manejo de la hemodiálisis continua, en la seguridad de su actuación, en el marco del modelo colaborativo frente al paciente que de ella se utiliza en la unidad de terapia intensiva.

Método:

investigación cualitativa y de cuño exploratorio, pautada en el paradigma sistémico de la seguridad del paciente, desarrollada en la unidad de terapia intensiva de una institución privada del municipio de Río de Janeiro, Brasil. Participaron 23 enfermeros que actuaban hace más de tres meses en el escenario del estudio, en el manejo directo de la hemodiálisis continua. Los datos fueron producidos de junio a octubre de 2016 por medio de observación, analizados a partir de su descripción densa, y de entrevistas semiestructuradas, sometidos a la técnica de análisis de contenido.

Resultados:

fueron organizados en dos categorías: la primera retrata la influencia de la experiencia profesional en la seguridad de la actuación del enfermero, en que se verifica que los enfermeros inexpertos actúan en el manejo de la hemodiálisis continua siguiendo directrices y manuales, sin una evaluación completa de esta situación de cuidado y enfrentando dificultades en el cotidiano de la asistencia. La segunda categoría demuestra el impacto de esta inexperiencia del enfermero en la ocurrencia de errores activos, evidenciando acciones que resultan en la ocurrencia de eventos adversos.

Conclusión:

la inserción de enfermeros inexpertos es una condición latente en el sistema investigado que converge para la ocurrencia de incidentes en el manejo de la hemodiálisis continua, requiriendo el perfeccionamiento del modelo colaborativo a través del acompañamiento sistemático del desempeño de estos profesionales, como propuesta de barrera de seguridad.

DESCRIPTORES:
Enfermería; Hemodiálisis; Unidades de terapia intensiva; Seguridad del paciente; Práctica profesional

INTRODUÇÃO

O foco deste artigo é a atuação do enfermeiro no manuseio da hemodiálise contínua na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) em face à segurança do paciente. O interesse por este tema tem como partida as observações empíricas da pesquisadora, a partir da sua inserção profissional na assistência ao paciente em hemodiálise contínua na UTI no âmbito do modelo colaborativo, nas quais se percebeu que, na condição de inexperiente, o domínio e tradução da linguagem tecnológica pelo enfermeiro da UTI não se mostravam eficazes em algumas circunstâncias para a resolução das situações práticas relacionadas ao manejo da hemodiálise contínua, podendo impactar na segurança do paciente.

Diante disso, realizou-se a análise da produção de conhecimento acerca desta temática, de modo a problematizar tais observações. Esta análise revela dois grandes eixos em que se organizam os estudos: o primeiro deles relacionado à avaliação do emprego da hemodiálise contínua, abarcando: custo-efetividade; impacto na mortalidade dos pacientes; sua eficácia em relação aos métodos intermitentes; modalidades de aplicação da hemodiálise contínua.11. Alenezi F, Alhazzani W, Ma J, Alanazi S, Salib M, Attia M, et al. Continuous venovenous hemofiltration versus continuous venovenous hemodiafiltration in critically ill patients: a retrospective cohort study from a Canadian tertiary centre. Can Respir J [Internet]. 2014 May-Jun [cited 2016 May 31];21(3):176-80. Available from: Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4128463/pdf/crj-21-176.pdf
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/article...
-44. Cabrera AR, Adame JLN, Almaráz JEL. Terapias continuas de reemplazo renal en pacientes críticos con lesión renal aguda. An Med Asoc Med Hosp ABC[Internet]. 2015 Abr-Jun [cited 2018 Mar 12]; 60(2):110-7. Available from: Available from: http://www.medigraphic.com/pdfs/abc/bc-2015/bc152f.pdf
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O segundo eixo, que se articula ao interesse deste artigo, tratou da organização da assistência na hemodiálise contínua na UTI. Nesta medida, ganha realce a atuação do enfermeiro, cuja discussão situa-se: em torno da necessidade de conhecimento especializado e de sua capacitação/treinamento para a condução da hemodiálise contínua; dos cuidados de enfermagem: com o paciente, a máquina e o circuito de hemodiálise, e voltados à prevenção de complicações; e o uso de protocolos clínicos.55. Ricci Z,Benelli S, Barbarigo F, Cocozza G, Pettinelli N, Di Luca E, et al. Nursing procedures during continuous renal replacement therapies: a national survey. Heart Lung Vessel[Internet]. 2015 [cited 2016 May 31]; 7(3):224-30. Available from: Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4593015/pdf/hlv-07-224.pdf
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/article...
-88. Golestaneh L, Richter B, Amato-Hayes M. Logistics of renal replacement therapy: relevant issues for critical care nurses. Am J Crit Care [Internet]. 2012 Mar [cited 2016 May 31]; 21(2):126-30. Available from: Available from: http://ajcc.aacnjournals.org/content/21/2/126.short
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Essas pesquisas apontam que há um questionamento sobre qual o modelo a ser adotado em relação ao profissional responsável pelo manejo da hemodiálise contínua em UTI, isto é, se conduzido exclusivamente pelo enfermeiro nefrologista, se pelo enfermeiro intensivista, ou um modelo compartilhado/colaborativo com a participação de ambos. Neste sentido, uma das correntes de investigações problematiza o preparo do enfermeiro intensivista para o manejo da hemodiálise contínua, não havendo consenso acerca desta prática.55. Ricci Z,Benelli S, Barbarigo F, Cocozza G, Pettinelli N, Di Luca E, et al. Nursing procedures during continuous renal replacement therapies: a national survey. Heart Lung Vessel[Internet]. 2015 [cited 2016 May 31]; 7(3):224-30. Available from: Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4593015/pdf/hlv-07-224.pdf
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/article...
,77. D’ávila M. La enfermera de UCI: pieza clave para el éxito de las técnicas depurativas continuas. Enferm Intensiva [Internet]. 2012 Jan-Mar [cited 2016 Mar 12]; 23(1):1-3. Available from: Available from: https://dx.doi.org/10.1016/j.enfi.2011.12.002
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-88. Golestaneh L, Richter B, Amato-Hayes M. Logistics of renal replacement therapy: relevant issues for critical care nurses. Am J Crit Care [Internet]. 2012 Mar [cited 2016 May 31]; 21(2):126-30. Available from: Available from: http://ajcc.aacnjournals.org/content/21/2/126.short
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Ademais, grande parte das publicações que tratava desta temática era de cunho teórico, descrevendo as modalidades de hemodiálise e os cuidados de enfermagem neste processo,44. Cabrera AR, Adame JLN, Almaráz JEL. Terapias continuas de reemplazo renal en pacientes críticos con lesión renal aguda. An Med Asoc Med Hosp ABC[Internet]. 2015 Abr-Jun [cited 2018 Mar 12]; 60(2):110-7. Available from: Available from: http://www.medigraphic.com/pdfs/abc/bc-2015/bc152f.pdf
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,99. Richardson A, Whatmore J. Nursing essential principles: continuous renal replacement therapy. Nurs Crit Care [Internet]. 2015 Jan [cited 2018 Jan 31]; 20(1):8-15. Available from: Available from: https://dx.doi.org/10.1111/nicc.12120
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com poucas investigações de campo centradas na prática do enfermeiro no manejo da hemodiálise contínua articulada à segurança do paciente, especialmente nacionais.

O modelo colaborativo é aquele que conta com a participação do enfermeiro nefrologista e do enfermeiro da UTI, proporcionando intercâmbio de conhecimentos. Neste modelo, a atuação do enfermeiro da UTI abarca o pedido dos materiais que serão utilizados em tal procedimento, a montagem, instalação e manutenção do equipamento de hemodiálise contínua, a análise dos exames laboratoriais necessários para alterações nos parâmetros clínicos pré-estabelecidos pelo nefrologista, assim como, a interpretação das informações geradas pelo equipamento e a identificação e intervenção sobre eventuais problemas com o seu funcionamento. Ao enfermeiro nefrologista cabe o gerenciamento deste processo, fornecendo auxílio para a resolução dos problemas.99. Richardson A, Whatmore J. Nursing essential principles: continuous renal replacement therapy. Nurs Crit Care [Internet]. 2015 Jan [cited 2018 Jan 31]; 20(1):8-15. Available from: Available from: https://dx.doi.org/10.1111/nicc.12120
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-1010. Romero-García M, Cueva-Arizab L, Delgado-Hit P. Actualización en técnicas continuas de reemplazo renal. Enferm Intensiva [Internet]. 2013 Jul-Sep [cited 2017 Mar 31]; 24(3):113-9. Available from: Available from: https://dx.doi.org/10.1016/j.enfi.2013.01.004
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Ao estabelecer o contraponto dos resultados da análise da produção do conhecimento com as observações preliminares da pesquisadora acerca da inserção do enfermeiro intensivista na assistência no âmbito deste modelo colaborativo, reforça-se a necessidade de investigações que discutam tal inserção, particularmente os nexos da experiência do enfermeiro na sua atuação frente ao cuidado do paciente em hemodiálise contínua com a segurança do paciente.

Isto porque, a experiência na enfermagem gera a expertise, associação entre o conhecimento teórico e o da prática que distingue a atuação do enfermeiro.1111. Benner P. From novice to expert: excellent and power in clinical nursing practice. California (US): Addison Wesley; 1984. Desta feita, a inserção dos profissionais frente ao cuidado do paciente em face do seu nível de experiência é uma condição que pode resultar em falhas durante a prestação da assistência.

Esta preocupação, com a influência da experiência no manejo da tecnologia de hemodiálise contínua, se alinha com a Política Nacional de Gestão de Tecnologias em Saúde, particularmente no que concerne a avaliação das tecnologias no domínio operacional, que analisa as variáveis que incidem na performance da tecnologia e de quem a utiliza.1212. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos. Departamento de Ciência e Tecnologia. Diretrizes metodológicas: elaboração de estudos para avaliação de equipamentos médicos-assistenciais [Internet]. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2014 [cited 2016 Mar 31]. Available from: Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/diretrizes_metodologicas_elaboracao_estudos.pdf
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Neste sentido, tal política considera que a experiência com a tecnologia é uma característica humana que interfere na sua usabilidade, merecendo, pois, ser foco de investigações que forneçam informações sobre os riscos do uso dos equipamentos relacionados com esta característica.

Então, objetiva-se analisar a influência da experiência profissional dos enfermeiros intensivistas no manejo da hemodiálise contínua, na segurança de sua atuação no âmbito do modelo colaborativo frente ao paciente que dela se utiliza na unidade de terapia intensiva.

MÉTODO

Pesquisa qualitativa e de cunho exploratório, cujo suporte teórico utilizado é o do paradigma sistêmico da segurança do paciente. Este é pautado na compreensão de que a ocorrência de eventos adversos está ligada às deficiências no sistema de prestação dos cuidados de saúde. Neste entendimento, o sistema possui vulnerabilidades semelhantes aos buracos de um queijo suíço, que podem se alinhar e causar o evento adverso. Os múltiplos fatores (diversos buracos) seriam a fonte do problema, os quais se relacionam com problemas na prática, produtos, processos.1313. Reason J. Human errors: models and management. BMJ [Internet]. 2000 Mar [cited 2016 May 31]; 320(7237):768-70. Available from: Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC1117770/pdf/768.pdf
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-1414. Reason J. Human error. London: Cambridge University Press; 2003.

Portanto, os erros cometidos pelos profissionais da saúde - erros ativos, esperados neste sistema, não são causas, mas consequências de características referentes a estrutura e processo, que só se tornam evidentes quando os eventos ocorrem - as falhas latentes, tais como: sobrecarga de trabalho, comunicação deficiente, formação insuficiente, etc.1313. Reason J. Human errors: models and management. BMJ [Internet]. 2000 Mar [cited 2016 May 31]; 320(7237):768-70. Available from: Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC1117770/pdf/768.pdf
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-1414. Reason J. Human error. London: Cambridge University Press; 2003.

Uma das condições veiculadas por estudos que influenciam na atuação e podem impactar na segurança é a experiência.1515. Aued GK, Bernardino E, Peres AM, Lacerda MR, Dallaire C, Ribas EN. Clinical competences of nursing assistants: a strategy for people management. Rev Bras Enferm [Internet]. 2016 Jan-Feb [cited 2018 Jan 31]; 69(1):130-7. Available from: Available from: https://dx.doi.org/10.1590/0034-7167.2016690119i
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-1616. Silva RC, Ferreira MA, Apostolidis, T. Intensive care nurses' practice related to experience and shift worked. Intensive Crit Care Nurs [Internet]. 2016 Jun [cited 2017 Jan 31]; 34:43-50. Available from: Available from: https://dx.doi.org/10.1016/j.iccn.2015.12.006
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Logo, a inexperiência profissional pode se configurar numa falha latente, o que justifica a escolha de tal referencial para análise das influências da experiência na segurança da atuação no manejo da hemodiálise contínua na UTI, com vistas à elaboração de barreiras defensivas deste sistema.

A pesquisa foi desenvolvida na UTI de uma instituição privada do município do Rio de Janeiro, que realiza hemodiálise contínua conduzida pelo enfermeiro no modelo colaborativo em pacientes críticos portadores de distúrbios renais. Esta UTI possui 26 leitos, que são divididos em três subunidades, assistidos pela mesma equipe multidisciplinar e coordenados por uma chefia. Em média ocorrem 76 sessões de hemodiálise contínua por mês, aproximadamente duas por dia, por meio do equipamento PrismaFlex.

No modelo colaborativo de hemodiálise contínua desta UTI participam: os enfermeiros assistenciais da UTI, responsáveis pela condução do processo de hemodiálise, desde a montagem até a sua retirada do paciente; enfermeiros da diálise, que são lotados nesta UTI e possuem experiência teórica e prática na condução da hemodiálise, sendo responsáveis pelo gerenciamento do processo nesta unidade e pelo esclarecimento de dúvidas e resolução de problemas. Tais enfermeiros não exercem esta função como exclusiva, realizando também outras atividades de cuidado ao paciente. Integra ainda a equipe médica, que responde pela indicação da hemodiálise contínua e prescrição dos parâmetros clínicos da sua realização.

Os participantes da investigação foram os enfermeiros atuantes na UTI supracitada, selecionados com base nos seguintes critérios: atuar no manejo direto da hemodiálise contínua e ter mais de três meses de atuação na unidade, visto que neste período os enfermeiros ainda atuam sob supervisão de outro enfermeiro, pois é considerada a fase de treinamento. Excluíram-se os enfermeiros desta unidade chefes de serviço, os responsáveis pelo gerenciamento da hemodiálise contínua e os afastados no período da pesquisa por férias ou licença.

O número possível de enfermeiros atuantes nas três subunidades era de 49, que se revezavam numa escala de 12 horas de trabalho e 60 horas de descanso. Para a captação destes potenciais participantes houve a inserção da pesquisadora em campo para um período exploratório de adaptação à realidade, familiarização aos participantes e explicação sobre a pesquisa. Buscou-se captar participantes dos diferentes turnos de trabalho e nível de experiência, em vista do objetivo proposto.

A primeira fase de produção dos dados foi a de observação, cuja intenção era levantar as características genéricas da prática de manuseio da hemodiálise contínua, para o aprofundamento destas durante as entrevistas, servindo de subsídio para a análise do seu conteúdo e possibilitando o contraponto entre o discurso e a prática. Logo, não se buscou avaliar a prática de cada enfermeiro individualmente, mas apreender com base na atuação de um grupo de enfermeiros presentes no setor nos dias em que havia sessão de hemodiálise a dinâmica do cotidiano de cuidado durante o manejo da hemodiálise, para compreender os sentidos das ações de cuidado dos profissionais e aprofundar o processo de análise.

Em tal observação, empregou-se os princípios da observação etnográfica1717. Fernandes FMB, Moreira MR. Considerações metodológicas sobre as possibilidades de aplicação da técnica de observação participante na Saúde Coletiva. Physis [Internet]. 2013 Abr-Jun [cited 2017 May 31]; 23(2): 511-29. Available from: Available from: http://www.scielo.br/pdf/physis/v23n2/v23n2a10.pdf
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para o treinamento teórico do pesquisador, de aproximação e afastamento ao fenômeno, de modo a evitar vieses de interpretação pautados nos juízos prévios da pesquisadora, em face da sua experiência de atuação no manejo da hemodiálise no setor de estudo. Nesta primeira fase da observação, para assegurar a qualidade, os registros eram trazidos para a discussão com outro pesquisador com experiência na aplicação desta técnica.

Os registros foram feitos em diário de campo, a partir da utilização de um roteiro de observação que possibilitava a descrição das cenas de atuação do enfermeiro durante a instalação, funcionamento e pós-utilização da hemodiálise contínua. Foram feitas 130 horas de observação, registradas com o detalhamento das pessoas envolvidas, o conteúdo das suas falas, o curso das ações, local e momento das situações, na forma literal ou de narrativas. Os dados foram coletados no período dos meses de junho a outubro do ano de 2016.

A segunda fase de produção dos dados foi a das entrevistas, para se conhecer a interpretação dos pesquisados sobre o fenômeno. Assim, todos aqueles que foram observados passaram pelas entrevistas. As entrevistas foram do tipo semiestruturadas, realizadas no setor da pesquisa, com dispositivo digital, conforme disponibilidade dos participantes, com duração média de 20 a 30 minutos. O roteiro foi construído com base nos dados da fase de observação e na literatura de suporte,55. Ricci Z,Benelli S, Barbarigo F, Cocozza G, Pettinelli N, Di Luca E, et al. Nursing procedures during continuous renal replacement therapies: a national survey. Heart Lung Vessel[Internet]. 2015 [cited 2016 May 31]; 7(3):224-30. Available from: Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4593015/pdf/hlv-07-224.pdf
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,88. Golestaneh L, Richter B, Amato-Hayes M. Logistics of renal replacement therapy: relevant issues for critical care nurses. Am J Crit Care [Internet]. 2012 Mar [cited 2016 May 31]; 21(2):126-30. Available from: Available from: http://ajcc.aacnjournals.org/content/21/2/126.short
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-99. Richardson A, Whatmore J. Nursing essential principles: continuous renal replacement therapy. Nurs Crit Care [Internet]. 2015 Jan [cited 2018 Jan 31]; 20(1):8-15. Available from: Available from: https://dx.doi.org/10.1111/nicc.12120
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abordando: atuação, dificuldades/problemas enfrentados, treinamento/qualificação, modo de inserção na assistência, incidentes de segurança.

A análise dos dados de observação foi feita a partir desta descrição densa das cenas das ações de cuidado no manejo da hemodiálise contínua, permitindo a sua interpretação pelo pesquisador. Aos dados de entrevista empregou-se a técnica de análise de conteúdo.1818. Vaismoradi M, Turunen H, Bondas T. Content analysis and thematic analysis: implications for conducting a qualitative descriptive study. Nurs Health Sci [Internet]. 2013 Sep [cited 2016 May 31]; 15(3):398-405. Available from: Available from: https://dx.doi.org/10.1111/nhs.12048
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Em face disso, cumpriu-se a seguinte sistemática: após a fase de leitura flutuante para obter impressões sobre o corpus de análise, utilizou-se de planilhas para a verificação do surgimento de temas, com base na marcação neste corpus das unidades de registro temático (URs) e da sua quantificação.

Desta feita, depois da sua identificação, as URs foram aglutinadas em temas com base no sentido que veiculavam e, em seguida, estes foram registrados separadamente numa planilha com um código, título, número de UR e entrevistas em que haviam sido identificadas. Os temas mapeados foram analisados quando ao seu conteúdo manifesto e latente, sendo as inferências realizadas à luz do referencial1313. Reason J. Human errors: models and management. BMJ [Internet]. 2000 Mar [cited 2016 May 31]; 320(7237):768-70. Available from: Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC1117770/pdf/768.pdf
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-1414. Reason J. Human error. London: Cambridge University Press; 2003. aplicado na pesquisa. Houve a aproximação destes temas levando-se em conta seu significado, o objetivo da pesquisa e sua relevância numérica, o que gerou a organização das categorias, registradas numa segunda planilha com o número de UR em torno dos temas e a sua porcentagem.

Esta sistemática permitiu avaliar a adição de elementos novos em relação aos existentes e sua suficiência quanto aos objetivos. Assim, utilizou-se o critério da saturação teórica1919. Minayo MCS. Amostragem e saturação em pesquisa qualitativa: consensos e controvérsias. Rev Pesq Qual [Internet]. 2017 Abr [cited 2018 Jan 31]; 5(7):1-12. Available from: Available from: https://editora.sepq.org.br/index.php/rpq/article/view/82/59
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para decidir sobre a ampliação do número de participantes ou finalização da produção dos dados, de forma a assegurar a validade interna da pesquisa.

No mapeamento dos temas em relação às entrevistas detectou-se na 18ª entrevista a sua repetição, sendo realizadas mais cinco para se obter o equilíbrio dos participantes em relação às características profissionais. Com 23 participantes finalizou-se a produção dos dados, pois constatou-se o adensamento para o atendimento dos objetivos.

Os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido dando o aceite à pesquisa e foram identificados pelo código C=enfermeiro, seguido de número arábico da ordem sequencial de captação.

RESULTADOS

O perfil pessoal e profissional dos investigados caracteriza-se por: 82% de mulheres, com idade entre 30-40 anos (43%); 65% dos participantes não são especialistas em UTI; 39% têm até cinco anos de formado e 38% de 05-10 anos; 56% atuam no setor há cinco anos.

Experiência profissional: falhas latentes e reflexos na atuação do enfermeiro

Os dados apontam que a experiência diferencia os enfermeiros quanto à sua atuação, tema abordado em 49 URs. A experiência dos enfermeiros da UTI no contato com este tipo de clientela leva a aquisição de conhecimentos práticos que os conduzem na resolução das situações cotidianas relacionadas ao manejo da tecnologia de hemodiálise contínua. Por sua vez, a inexperiência dos profissionais para tal manejo pode incidir na segurança desta atuação, como indicam os enfermeiros experientes C1 e C19.

[...] Ainda talvez, por um pouco mais de imaturidade, de tomar a iniciativa no que faz nessa intercorrência com o paciente, fica muito limitado a uma prescrição: ‘O potássio deu baixo, o quê que eu faço? Faço a reposição rápida ou reponho na bolsa? Tem um sangramento, a pressão está aumentando, lavo ou não lavo?’ Ainda existe isso, mas eles só vão ter essa maturidade com o tempo mesmo, não tem jeito, de um dia para o outro dizer:’ Lava o cateter! Mas espera aí, posso lavar, até que ponto eu lavo? [...] ‘Esse manejo de como lavar, como isso, como aquilo, ainda é um pouco receoso para os novos, precisa de uma segunda pessoa para estar ajudando (C1 - mais de dez anos de formada; mais de dez anos no setor; não especialista em UTI).

Acho que coagulação do filtro, às vezes quando a gente tem um know how maior, a gente consegue perceber que o filtro vai coagular, algumas pessoas acabam deixando isso um pouco como falho, então às vezes se ela alarmar a primeira vez, tenta lavar logo para ver como é que vai ficar a pressão do filtro (C19 - mais de dez anos de formada; mais de dez anos no setor; não especialista em UTI).

Nota-se nos depoimentos dos enfermeiros C1 e C19, com mais de dez anos atuando no setor, que a experiência ou know how dá sustentação ao reconhecimento das demandas e realização das intervenções. A experiência prática gera então o reconhecimento da expertise do enfermeiro para atuação no manejo da tecnologia de hemodiálise, agregando valor à sua qualificação e tornando aqueles que a dispõe referência para os mais novos na superação das dificuldades inerentes a esta fase, como se observa entre os enfermeiros que atuam até cinco anos no setor e não são especialistas.

Eu acho a qualificação dos enfermeiros ótima. Em relação aos meus colegas eu acho muito boa. Eu espero estar chegando ao conhecimento deles, porque eles conhecem muito, a maioria tem muito tempo, então já está acostumada com a Prisma, então eu acho ótimo (C7 - até cinco anos de formada; até cinco anos no setor; não especialista em UTI).

Os meus colegas, por sua vez, muitos já têm muito tempo de casa e também mexem na Prisma com mais facilidade e conseguem resolver aquele problema (C11 - até cinco anos de formada; até cinco anos no setor; não especialista em UTI).

A atuação dos enfermeiros experientes é retratada no dia em que o C7 estava prestando assistência a um paciente em hemodiálise contínua. Às 8:45 horas o equipamento soa o alarme que alerta para o peso na bomba pré-sangue (PBS). C7 vai ao leito, observa o alarme e aperta o comando no equipamento para silenciar o alarme. Em seguida observa as conexões, afasta as bolsas de solução dialisante e aperta o botão de continuar. Pouco tempo depois o equipamento voltou a emitir o mesmo alarme. Ele então sai do leito e pede auxílio a outro enfermeiro, que foi ao leito, analisou a balança e identificou que estava com os ganchos mais elevados. Após adequá-los, ele diz: “Só pode ser isso, porque já verificamos tudo e está tudo certinho!”

A máquina indicou o funcionamento adequado. C7 se direciona ao enfermeiro que lhe ajudou: Eu tentei resolver, olhei tudo, mas não consegui identificar o que ela estava dizendo, porque no PBS não tinha nada para fazer, aí eu não sabia o que fazer (C7 trecho de diário de campo, de 8-14 horas).

A inserção de um enfermeiro inexperiente no manejo da tecnologia de hemodiálise contínua leva ao contato com a novidade, que produz a vivência dos sentimentos de medo e insegurança. Tais sentimentos se originam da responsabilidade do enfermeiro pela condução desta terapia, pelo conhecimento necessário à sua atuação, pela condição crítica do paciente e pelo risco de incidentes que podem trazer prejuízos à sua saúde.

Os colegas que chegam e são novos no setor, a gente percebe que eles têm mais dificuldades, principalmente com os alarmes, até por medo, insegurança, os alarmes assustam muito, acho que a principal coisa que mais percebo, que quando o alarme toca é um alvoroço, eles se assustam com o alarme e a responsabilidade de ficar com o paciente com a Prisma, mas depois até percebo que conseguem resolver o problema e chamam os colegas que tem mais prática quando não conseguem (C23 - mais de dez anos de formada; mais de dez anos no setor; não especialista em UTI).

Dificuldades no início da utilização da Prisma, pois não tinha contato, nem conhecimento técnico com essa terapia. Foi muito difícil, tudo era muito novo, as expectativas eram enormes, um misto de insegurança e medo (C17 - de 05-10 anos de formada; até cinco anos no setor; não especialista em UTI).

Portanto, os enfermeiros inexperientes vivenciam um período em que enfrentam dificuldades que trazem limitações à sua atuação diante das demandas do cuidado ao paciente em uso da tecnologia de hemodiálise contínua, como é o caso das experiências prévias narradas por C7 e C3.

Eu nunca tinha escutado, ouvido falar na Prisma, em diálise contínua então muito menos, nunca tinha falado na graduação, então quando eu tive que mexer, a minha experiência foi traumatizante, mesmo porque o paciente estava super instável, eu estava treinando na época e o paciente que eu estava na hora o cuff estorou e tinha que ser cirúrgico, então teve que devolver rápido (o sangue), teve que devolver tudo, então foi meio caos, então tudo no mesmo dia, então eu fui aprendendo meio que, “vai”, depois que foi tudo com mais calma (C7 - até cinco anos de formada; até cinco anos no setor; não especialista em UTI).

Eu acho que [...] no início, para mim não foi só montar, porque montar eu era até tranquila, o problema era quando inicia a diálise, ter aquela noção que a ultrafiltração está associada à noradrenalina, dormonid também interfere de certa forma, os sedativos também interferem na hemodiálise, o resultado que estava no potássio, eu nem sempre ter que seguir fidedignamente, porque também tenho que ver as outras coisas que estão sendo infundidas. Quando eu tenho que mexer no cloreto de cálcio? Quando eu tenho que colocar o bicarbonato, quando está sem citrato?[...] Coisas que antes eu não sabia e nem todas as pessoas estão dispostas a te falar, te dar essas informações, isso foi com o tempo (C3 - até 05 anos de formada; até cinco anos no setor; especialista em UTI).

Estes depoimentos demonstram que a natureza do modo como tais dificuldades se apresentam revelam a necessidade de se refletir sobre a maneira como se dá a inserção destes enfermeiros inexperientes, pois podem produzir impacto importante na segurança do paciente.

Inexperiência e erros ativos: impactos na segurança do paciente

As repercussões da inexperiência são evidenciadas pelos tipos de problemas no manejo de hemodiálise contínua que trazem maior desconforto a estes enfermeiros, exemplificados nos excertos como a calibração das balanças, a fase de devolução do sangue, a de montagem do equipamento de hemodiálise ou a resolução dos alarmes.

[...] De fechar as balanças, pode acontecer do profissional não fechar a balança de forma adequada e dar alteração nas balanças. Isso é uma coisa comum de acontecer, quando o profissional não tem muita experiência (C10 - mais de dez anos no setor; mais de dez anos de formada; não especialista em UTI).

Minha maior dificuldade era devolver o sangue, porque é uma coisa que a gente não faz todos os dias, então eu tinha, sempre que devolver o sangue da Prisma entrar para poder dar uma olhada para ver como funciona essa dinâmica (C11 - até cinco anos de formada; até cinco anos no setor; não especialista em UTI).

Os alarmes [...], eu tinha dificuldades em identificar os alarmes, quando apitava eu não sabia o que era, eu não tinha aquele feeling de vamos checar tudo e agora eu já tenho aquela mudança (C3 - até cinco anos de formada; até cinco anos no setor; especialista em UTI).

O registro de campo exemplifica a dificuldade do enfermeiro inexperiente na devolução do sangue ao paciente. Isso ocorreu em razão do vencimento do filtro, que implicou na necessidade de interrupção do tratamento e montagem de outro sistema. Às 15:30 horas deste dia de observação o equipamento de hemodiálise do leito 142 sinaliza por meio do alarme sonoro que o filtro havia vencido.

Inicia-se então o preparo para a troca do sistema utilizado para a hemodiálise contínua deste paciente. C4, responsável pelos cuidados deste paciente e com menos de dois anos atuando no setor, busca auxílio para a devolução do sangue ao paciente. Ele se dirige à pesquisadora: Já montei várias vezes hemodiálise contínua e não tenho problemas para montar, mas devolver o sangue fiz uma, no máximo duas vezes e tenho dúvidas para fazer.

A partir deste momento, o enfermeiro 19, com 13 anos atuando no setor, vai até este leito e explica o procedimento para que C4 realize. Após separar o material, C4 conecta uma torneira na linha arterial, lava o sistema para a via do paciente e a fecha; depois coloca a torneira no sentido oposto ao da via do paciente, devolvendo o sangue.

O processo ocorreu sem intercorrência, e durante o seu desenvolvimento C4 parava, olhava para o que estava fazendo, e repetia: Foi assim mesmo que ela falou, não é? [voltando-se à pesquisadora e referindo-se ao que o enfermeiro 19 havia lhe explicado sobre como proceder, na tentativa de não errar o passo-a-passo]. Às 16:20 horas o procedimento de devolução do sangue termina e inicia-se o preparo para instalação de um novo circuito ao paciente (C4 e C19 trecho do diário de campo, de 8-18 horas).

As dificuldades na devolução do sangue ao paciente, bem como na interpretação dos alarmes mencionadas pelos entrevistados, repercutem na segurança quando causam erros ativos que geram incidentes como a interrupção do tratamento e perda sanguínea pelo paciente, como indicam os participantes.

[...] Muitas vezes a máquina alarmando e você não conseguindo resolver, o sistema coagula e o paciente acaba perdendo o sangue, porque eu não consegui devolver. (C18 - até cinco anos no setor; até cinco anos de formada; não especialista em UTI).

O silenciamento dos alarmes, é uma questão de falta de conhecimento e interromper mesmo, diante de um alarme, vai e aperta uma tecla sem antes lê ou observar o que ela sinaliza ou o problema que ela detectou, às vezes pela ansiedade ou insegurança. A questão de querer acertar e acaba errando e aí você perde o filtro, que não é barato e tem que interromper o tratamento porque a máquina descarrega tudo e você tem que retornar o tratamento e isso você perde mais de uma hora e o sangue do paciente, porque você nem sempre consegue devolver. Isso é muito estressante (C20 - mais de dez anos no setor; mais de dez anos de formada; não especialista em UTI).

Um dos fatores que influencia neste incidente de não devolução do sangue presente no circuito da hemodiálise contínua ao paciente tem nexos com as ações do enfermeiro em face da sua inexperiência, como se evidencia nestes depoimentos: a seguir.

Um enfermeiro com pouca experiência no método, o problema que ele não conseguiu fazer a devolução do sangue quando a máquina alarmou coagulação do sistema, então isso acarretou a perda desse volume sanguíneo desnecessário [...] (C21 - de 05-10 anos no setor; de 05-10 anos de formada; não especialista na UTI).

Já vi não conseguirem devolver o sangue porque não identificaram o problema antes, no momento certo, antes de acontecer o rompimento do tratamento (C8 - de 05-10 anos de formada; até cinco anos no setor; especialista em UTI).

A perda sanguínea pela impossibilidade de retorno do volume presente no circuito ao paciente, constitui-se num evento adverso, merecendo atenção neste sistema.

DISCUSSÃO

Os dados apresentados evidenciam que a experiência do enfermeiro da UTI é um diferencial para a sua atuação frente ao paciente que necessita de cuidados tão específicos, contudo, profissionais inexperientes também estão inseridos nesta assistência, visto que um pouco mais da metade dos participantes investigados tinha até cinco anos de atuação no setor. Em face dessa absorção de mão de obra na UTI, os dados empíricos trazem para análise a forma como se dá esta inserção, considerando as características do iniciante em paralelo ao tipo de assistência que é prestada na hemodiálise contínua.

A presença de enfermeiros inexperientes também é vista em outras realidades.1515. Aued GK, Bernardino E, Peres AM, Lacerda MR, Dallaire C, Ribas EN. Clinical competences of nursing assistants: a strategy for people management. Rev Bras Enferm [Internet]. 2016 Jan-Feb [cited 2018 Jan 31]; 69(1):130-7. Available from: Available from: https://dx.doi.org/10.1590/0034-7167.2016690119i
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,2020. Camelo SHH, Silva VLS, Laus AM, Chaves LDP. Perfil profissional de enfermeiros atuantes em unidades de terapia intensiva de um hospital de ensino. Cienc Enferm [Internet]. 2013 [cited 2016 May 31]; 19(3):51-62. Available from: Available from: http://www.scielo.cl/pdf/cienf/v19n3/art_06.pdf
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Estudo sobre o perfil de enfermeiros atuantes numa UTI apresentou as características de qualificação destes profissionais, com vistas a discutir suas implicações na assistência intensiva prestada aos clientes. Este perfil é marcado pelo grande número de enfermeiros com menos de três anos atuando na UTI, o que expressa a baixa experiência teórica e prática nesta assistência de alta complexidade.2020. Camelo SHH, Silva VLS, Laus AM, Chaves LDP. Perfil profissional de enfermeiros atuantes em unidades de terapia intensiva de um hospital de ensino. Cienc Enferm [Internet]. 2013 [cited 2016 May 31]; 19(3):51-62. Available from: Available from: http://www.scielo.cl/pdf/cienf/v19n3/art_06.pdf
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O papel da experiência no desempenho dos profissionais é ratificado em pesquisa sobre as fontes de conhecimento usadas na prática diária por enfermeiros de cuidados intensivos de UTI da Noruega. Nas unidades de significado identificaram-se como fontes: a pesquisa, o conhecimento teórico, o conhecimento experiencial, a cultura do local de trabalho, a experiência clínica e a participação do paciente. Sobre a experiência, o estudo mostrou que o contato que os enfermeiros estabelecem com outros profissionais da própria unidade e de outros setores no seu cotidiano assistencial lhes possibilitam o intercâmbio de conhecimentos e informações que são relevantes para a sua prática diária.2121. Bringsvor HB, Bentsen SB, Berland A. Sources of knowledge used by intensive care nurses in Norway: an exploratory study [Internet]. Intensive Crit Care Nurs. 2014 Jun [cited 2016 May 31]; 30(3):159-66. Available from: Available from: https://dx.doi.org/10.1016/j.iccn.2013.12.001
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Quando se pensa nas características da fase de iniciante, novato qualifica alguém que não tem experiência no exercício de uma prática, mas este termo não é homogêneo, pois pode ser novato em um domínio e com experiência em outro. São opostos aos peritos, tendo como característica a incerteza. Essa oposição se assenta, principalmente, no modelo mental mobilizado, já que há uma rigidez operatória e escassa antecipação da variação das situações nos novatos, pois acessam mais lentamente o conhecimento e o seu raciocínio tem baixo nível de abstração. Assim, seguem regras e procedimentos formais sem levar em conta particularidades que poderiam indicar a necessidade de ajustes.2222. Delgoulet C. Novato: uma categoria homogénea?Laboreal [Internet]. 2015 Dec [cited 2016 May 31]; 11(2):99-103.Available from: Available from: https://dx.doi.org/10.15667/laborealxi0215cdpt
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Pesquisa feita com enfermeiros novatos, experientes e supervisores sobre as experiências dos novatos revela incapacidade para aplicar o conhecimento aprendido na prática, pelas deficiências nos fundamentos do cuidado, comunicativas e gerenciais.2323. Queirós PJP. The knowledge of expert nurses and the practical-reflective rationality. Invest Educ Enferm[Internet]. 2015 [cited 2018 Jan 31]; 33(1):83-91. Available from: Available from: http://www.scielo.org.co/pdf/iee/v33n1/v33n1a10.pdf
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O enfermeiro especialista, ao contrário, apresenta grande experiência - background. Em face disso, baseando-se nas situações práticas vivenciadas, intuitivamente estabelece os diagnósticos e realiza suas ações, evitando propostas e condutas infrutíferas já testadas anteriormente.1111. Benner P. From novice to expert: excellent and power in clinical nursing practice. California (US): Addison Wesley; 1984. Essas características e competências que diferenciam o expert do novato foram a questão da pesquisa com 49 enfermeiros, para conhecer o que caracteriza um enfermeiro expert. Os resultados mostraram: visão ampla, capacidade de antecipação, perspicácia, rapidez na ação, definição de prioridades com competência. Logo, têm saber aprofundado pela experiência na clínica de enfermagem.2424. Hezaveh MS, Rafii F, Seyedfatemi N. Novice nurses' experiences of unpreparedness at the beginning of the work. Glob J Health Sci[Internet]. 2014 [cited 2018 Jan 31]; 6(1):215-22. Available from: Available from: http://dx.doi.org/10.5539/gjhs.v6n1p215
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Ao entender as características do enfermeiro inexperiente e as fases pelas quais este passa até atingir um estágio de proficiência é possível discutir a sua inserção no cuidado intensivo no manejo da hemodiálise contínua. Uma destas características veiculadas nas pesquisas que tratam do tema é a insegurança. Tal falta de confiança esteve presente em estudo internacional que investigou a percepção do enfermeiro experiente sobre o recém-formado que está trabalhando em emergência ou UTI.2525. Baumberger-Henry M. Registered nurses’ perspectives on the new graduate working in the emergency department or critical care unit. J Contin Educ Nurs [Internet]. 2012 Jul [cited 2016 May 31]; 43(7): 299-305. Available from: Available from: https://dx.doi.org/10.3928/00220124-20111115-02
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Os enfermeiros experientes consideraram que há falta de confiança dos recém-formados na realização de suas funções, pela inexperiência, medo e incapacidade de pensar criticamente. Além disso, a dificuldade em estabelecer prioridades e gerir o tempo contribui para aumentar essa falta de confiança que, juntamente com sentimentos de pânico ou medo podem paralisar o novo graduado. A falta de receptividade ao novo graduado também é um fator que diminui essa confiança, principalmente quando percebe desprezo ao seu trabalho, ignorância ou recusa para responder uma pergunta, o que pode facilmente sobrecarregá-lo.2525. Baumberger-Henry M. Registered nurses’ perspectives on the new graduate working in the emergency department or critical care unit. J Contin Educ Nurs [Internet]. 2012 Jul [cited 2016 May 31]; 43(7): 299-305. Available from: Available from: https://dx.doi.org/10.3928/00220124-20111115-02
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Tal falta de receptividade foi evidenciada na experiência vivida por dez novos enfermeiros licenciados em uma UTI. A pesquisa desta experiência revela falta de apoio e orientação transmitida pela equipe multiprofissional, com raro feedback positivo, aspecto que poderia ter influenciado na confiança necessária para a prática de enfermagem e impactado sobre o rendimento do novo enfermeiro na UTI.2626. Saghafi F, Hardy J, Hillege S. New graduate nurses’ experiences of interactions in the critical care unit. Contemp Nurse[Internet]. 2012 Aug [cited 2016 May 31]; 42(1):20-7. Available from: Available from: https://dx.doi.org/10.5172/conu.2012.42.1.20
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Neste estudo, um dos pensamentos vivenciados pelos recém-formados era o de que a sua inexperiência na UTI repercutia no nível de confiança que o paciente poderia ter de sua capacidade de realizar seus cuidados. Assim, buscaram esconder de seus pacientes e suas famílias o seu tempo de experiência e até sua idade e aparência.2626. Saghafi F, Hardy J, Hillege S. New graduate nurses’ experiences of interactions in the critical care unit. Contemp Nurse[Internet]. 2012 Aug [cited 2016 May 31]; 42(1):20-7. Available from: Available from: https://dx.doi.org/10.5172/conu.2012.42.1.20
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Ao estabelecer interfaces entre os dados empíricos com os estudos sobre o tema verifica-se que as características do iniciante demandam reflexão sobre a sua inserção na hemodiálise contínua. O primeiro aspecto desta reflexão está ligado à formação acadêmica, já que os dados indicam deficiência da formação na graduação, ilustrada nos depoimentos quando o enfermeiro diz: “nunca tinha escutado”; “não tinha contato, nem conhecimento”.

Logo, na sua inserção na instituição o profissional durante o treinamento além de dar conta das lacunas da formação sobre o cuidado intensivo precisa aprender o manuseio de uma tecnologia complexa que é a hemodiálise contínua. Isso origina os sentimentos de insegurança, medo e falta de confiança retratados nos depoimentos e também presente no registro de observação de C4, que não se sente preparada para realizar a devolução do sangue ao paciente e troca do circuito de hemodiálise.

Para ultrapassar esta fase o enfermeiro age reproduzindo, conforme diz uma das entrevistadas: “o que faz nessa intercorrência, fica muito limitado numa prescrição”. Assim, se apoia em regras, normas e diretrizes, não conseguindo perceber a situação como um todo de modo a efetivar os julgamentos clínicos (referido por uma depoente como “ausência de feeling”). Como consequência, não consegue prever algumas situações, como a coagulação do filtro referida por uma das enfermeiras experientes, ou produz questionamentos do tipo: “quando devo colocar o cloreto de cálcio?”, fazendo-os recorrer aos enfermeiros experientes pelo “know how”. Este suporte é expresso durante a observação pela solicitação de ajuda feita por C7, que não estava conseguindo interpretar o significado do alarme.

Quando se considera o paradigma sistêmico da segurança do paciente para a análise da ocorrência dos erros e eventos adversos na saúde, afasta-se da perspectiva que os abordam como uma questão moral, bem como da responsabilização do indivíduo como a única causa. Ao contrário, o foco é entender porque as defesas do sistema falharam, visando que este se torne um sistema resiliente. Neste entendimento, a diferenciação do erro ativo e latente adotada em tal modelo justifica-se, pois busca-se prevenir o erro alterando as condições em que os indivíduos trabalham. Assim, diferente do erro ativo, os latentes podem ser identificados antes.1313. Reason J. Human errors: models and management. BMJ [Internet]. 2000 Mar [cited 2016 May 31]; 320(7237):768-70. Available from: Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC1117770/pdf/768.pdf
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-1414. Reason J. Human error. London: Cambridge University Press; 2003.

Estes se referem às decisões tomadas por analistas e gerentes responsáveis pelo desenho e funcionamento do sistema, podendo trazer como efeito erro no ambiente de trabalho (equipamento inadequado, fadiga, inexperiência profissional) ou criação de fragilidades no sistema (alarmes não fidedignos, processos de trabalho ineficientes). A combinação de um erro ativo com condições latentes é responsável pelos acidentes.1313. Reason J. Human errors: models and management. BMJ [Internet]. 2000 Mar [cited 2016 May 31]; 320(7237):768-70. Available from: Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC1117770/pdf/768.pdf
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Isto é visto na pesquisa a partir da forma de inserção dos inexperientes (falha latente), que se repercute nas dificuldades enfrentadas por estes no manejo dos alarmes e gera o comportamento de silenciamento sem a sua resolução (erro ativo), resultando na perda de volume sanguíneo pelo paciente (evento adverso). C20 é um exemplo, quando destaca o efeito da insegurança e do não entendimento da linguagem tecnológica no comportamento de silenciamento dos alarmes, complementado pelo relato de C21 que aponta a perda do volume sanguíneo pelo paciente pelas dificuldades oriundas da inexperiência.

A interface das evidências apresentadas interpretadas à luz do paradigma sistêmico da segurança do paciente mostra que o nível de experiência configura-se, pois, como condição latente no sistema investigado que converge para a ocorrência de incidentes no manejo da hemodiálise contínua aplicada ao paciente crítico na UTI. Essa evidência acerca da influência da experiência na segurança do paciente é corroborada por outras pesquisas,2727. Faisy C, Davagnar C, Ladiray D, Djadi-Prat J, Esvan M, Lenain E, et al. Nurse workload and inexperienced medical staff members are associated with seasonal peaks in severe adverse events in the adult medical intensive care unit: A seven-year prospective study. Int J Nurs Stud. 2016 Oct [cited 2017 Jan 31];62:60-70. Available from: Available from: https://dx.doi.org/10.1016/j.ijnurstu.2016.07.013
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-2828. Forte ECN, Pires DEP, Padilha MI, Martins MMFPS. Nursing errors: a study of the current literature. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2017 Jul [cited 2018 Jan 31]; 26(2):e01400016. Available fromAvailable from: : http://dx.doi.org/10.1590/0104-07072017001400016
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como a dos fatores organizacionais que contribuíram para eventos adversos numa UTI adulto no período de 2008-2013. Foram identificados 638 eventos adversos com 498 pacientes, que tiveram um aumento sazonal. O número de enfermeiros por leito e a chegada de médicos inexperientes foram associados com a taxa de eventos adversos, mostrando que fatores organizacionais estão mais ligados aos eventos adversos do que a severidade da doença.2727. Faisy C, Davagnar C, Ladiray D, Djadi-Prat J, Esvan M, Lenain E, et al. Nurse workload and inexperienced medical staff members are associated with seasonal peaks in severe adverse events in the adult medical intensive care unit: A seven-year prospective study. Int J Nurs Stud. 2016 Oct [cited 2017 Jan 31];62:60-70. Available from: Available from: https://dx.doi.org/10.1016/j.ijnurstu.2016.07.013
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Quando se contrasta os tipos de incidentes na hemodiálise contínua detectados na pesquisa com os presentes em outras investigações verificam-se semelhanças. Nos relatos de 25 profissionais da equipe de enfermagem da unidade de diálise de um hospital de ensino foram detectados 517 eventos adversos, dos quais a coagulação do sistema extracorpóreo também aparece entre os mais frequentes, com 25 ocorrências. As causas dos eventos adversos foram relacionadas: ao paciente, sendo em 18 delas pela sua condição clínica; ao profissional, em 172 casos por falhas individuais, além do despreparo; e à organização do serviço, em 105 por recursos materiais e equipamentos inadequados, além de sobrecarga de trabalho, falta de treinamento, fornecimento de água, etc.2929. Sousa MRG, Silva AEBC, Bezerra ALQ, Freitas JS, Miasso AI. Adverse events in hemodialysis: reports of nursing professionals. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2013 Feb [cited 2016 May 31]; 47(1):75-82. Available from: Available from: https://dx.doi.org/10.1590/S0080-62342013000100010
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Em estudo que estimou e analisou a prevalência de eventos adversos relacionados à hemodiálise, na análise documental de 117 prontuários detectou-se a ocorrência de 1.272 eventos adversos em 94 prontuários, o que equivale à prevalência de 80%. A distribuição dos eventos adversos quanto à frequência foi: fluxo sanguíneo inadequado (40%), sangramento pelo acesso venoso (11%), infecção (9%), coagulação do sistema (7%), falha no equipamento (5%). No que concerne aos danos, 76% foram leves, 22% moderados e 0,9% graves.3030. Sousa MRG, Silva AEBC, Bezerra ALQ, Freitas JS, Neves GE, Paranaguá TTB. Prevalence of adverse events in a hemodialysis unit. Rev Enferm UERJ [Internet]. 2016 [cited 31 Jan 2018]; 24(6):e18237. Available from: Available from: https://dx.doi.org/10.12957/reuerj.2016.18237
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No paradigma sistêmico da segurança do paciente, os incidentes identificados são provenientes de furos na camada de defesa do sistema que se alinharam. Em face da detecção desta fragilidade e da sua compreensão, busca-se o fortalecimento destes sistemas de defesa criando barreiras a partir da proposição de ações ao indivíduo, equipe, tarefa, local de trabalho e organização. Uma vez que a equipe de enfermagem ao prestar cuidados direto ao paciente está na ponta deste sistema, com risco de atingi-lo rapidamente caso erros ocorram, há de se pensar nas estratégias defensivas em prol da segurança da assistência de enfermagem ao paciente para evitar a recorrência destes acidentes, como no caso da pesquisa em tela.

Tomando por referência o exposto, considerando as lacunas da formação acadêmica quanto ao manejo da hemodiálise contínua pelo enfermeiro, visto esta ainda não ser uma prática comum em muitas instituições, bem como as dificuldades vivenciadas pelos iniciantes em face das suas características, propõe-se reorientar o programa de capacitação periódica dos enfermeiros da instituição, de modo que abarque para além do manuseio da tecnologia quanto ao seu funcionamento, a simulação realística de situações cotidianas, especialmente as identificadas na pesquisa, desenvolvendo o raciocínio clínico e a tomada de decisão.

Ademais, ressalta-se a importância de que o modelo colaborativo adotado no setor elabore estratégias sistemáticas para possibilitar um acompanhamento mais próximo das enfermeiras da diálise às iniciantes. Neste entendimento, recomenda-se um programa de acompanhamento do processo de hemodiálise contínua, incluindo as enfermeiras experientes e iniciantes, levantando as dificuldades, estimulando o raciocínio clínico e um ambiente favorável à aprendizagem, fornecendo apoio para a vivência de sentimentos oriundos da inexperiência e ajudando na resolução dos problemas cotidianos do manejo da hemodiálise.

Há limitações relacionadas com o número de sessões de hemodiálise contínua que ocorreram no período da pesquisa, o que diminuiu a abrangência da fase de observação.

CONCLUSÃO

Em face do objetivo traçado, conclui-se que o nível de experiência influencia na segurança das ações dos enfermeiros no manejo da hemodiálise contínua. Os resultados evidenciam que os enfermeiros inexperientes ainda não conseguem realizar uma avaliação completa desta situação de cuidado, agindo pautados em diretrizes e manuais e enfrentando dificuldades no cotidiano da assistência.

Estas dificuldades evidenciadas resultam em erros ativos que, em alguns momentos, materializam-se na ocorrência de eventos adversos aos pacientes, particularmente a perda de volume sanguíneo pela incapacidade de retorno do sangue que estava presente no circuito de hemodiálise contínua. Logo, à luz do referencial teórico aplicado, os resultados indicam que o nível de experiência do enfermeiro no manejo da hemodiálise continua é uma condição latente capaz de gerar erros ativos e comprometer a segurança do paciente.

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NOTES

  • ORIGEM DO ARTIGO
    Artigo extraído da dissertação - O enfermeiro e o paciente em hemodiálise contínua na UTI: o manejo da tecnologia na perspectiva da segurança, apresentada ao Programa de Pós-graduação em Enfermagem da Escola de Enfermagem Anna Nery, Universidade Federal do Rio de Janeiro, em 2016
  • APROVAÇÃO DE COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA
    O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição do Hospital Pró-Cardíaco parecer n.1.540.723, Certificado de Apresentação para Apreciação Ética:55123616.1.3001.5533

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Maio 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    26 Fev 2018
  • Aceito
    12 Jun 2018
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