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Adentrando em um novo mundo: significado do adoecer para a criança com câncer1 1 Artigo extraído da dissertação Significados do viver com câncer para a criança, desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Enfermagem do Centro de Ciências da Saúde (CCS) da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), 2013

Resumos

pesquisa qualitativa, que objetivou compreender o significado de experienciar o adoecimento para a criança com câncer. Utilizou-se o desenho-estória com tema, com oito crianças entre 6-12 anos de idade, de fevereiro a maio/2012. Procedeu-se à análise do material conforme o referencial teórico-analítico da análise de discurso francesa, que pretende compreender os processos sócio-históricos de produção de sentidos. O estudo apreendeu que, para a criança com câncer, a doença é descoberta de modo repentino e logo é inserida em um contexto novo. Depara-se com barreiras que podem retardar o diagnóstico, e tem sua rotina alterada. A criança apresenta sinais e sintomas que geram desconforto e ansiedade. Ao mesmo tempo, tem esperança de cura com a realização do tratamento. Os resultados poderão contribuir para mudança no cuidado de enfermagem a essa população.

Criança; Enfermagem oncológica; Pediatria


This is a qualitative study with the aim to understand the meaning of experiencing illness for a child with cancer. The thematic drawing-story was used, with eight children aged between 6 and 12 years old, from February to May of 2012. The material was analyzed according to the theoretical and analytical framework of the French Discourse Analysis line, which seeks to understand the socio-historical processes of meaning production. The study revealed that, for the child with cancer, the disease is found out in an unexpected manner and he/she is soon inserted into a new context. In addition, the child faces barriers that may delay diagnosis, having his/her routine changed. The child presents signals and symptoms that cause discomfort and anxiety. At the same time, the child hopes to be healed with the treatment accomplishment. The results may contribute to changes in nursing care for this population.

Child; Oncologic nursing; Pediatrics


Investigación cualitativa, que tuvo como objetivo comprender el significado de la experiencia de la enfermedad para los niños con cáncer. Se utilizó el dibujo-historia temático, con ocho niños de 6-12 años de edad, de febrero a mayo/2012. Se procedió a analizar el material conforme el marco teórico y analítico del análisis del discurso francés, cuyo objetivo es comprender los procesos socio-históricos de la producción de significado. El estudio ha entendido que para el niño con cáncer, la enfermedad es descubierta de modo repentino y prontamente es fijada en un nuevo contexto. Se encuentra con algunos obstáculos que pueden retrasar el diagnóstico y cambiar su rutina. El niño presenta señales y síntomas que causan malestar y ansiedad. Al mismo tiempo, hay la esperanza de cura con la finalización del tratamiento. Los resultados pueden contribuir a los cambios en la atención de enfermería para esta población.

Niño; Enfermería oncológica; Pediatría


INTRODUÇÃO

O câncer destaca-se pela crescente incidência e inúmeras repercussões na vida da criança que o vivencia, juntamente com a sua família. O diagnóstico traz mudanças importantes no modo de viver, com alterações físicas e emocionais devido ao desconforto, dor, desfiguração, dependência e perda da autoestima.1 1. Mansano-Schlosser TC, Ceolim MF. Qualidade de vida de pacientes com câncer no período de quimioterapia. Texto Contexto Enferm. 2012 Jul-Set; 21(3):600-7.A atenção aos aspectos sociais alterados é importante durante o tratamento oncológico, uma vez que a criança precisa receber cuidado integral. A cura não deve basear-se somente na recuperação biológica, mas também no bem-estar e na qualidade de vida. Nesse sentido, do diagnóstico às etapas do tratamento, a criança e sua família precisam receber o suporte psicossocial necessário, o que requer o comprometimento de uma equipe multiprofissional e a relação com diferentes setores da sociedade envolvidos no apoio à saúde da criança e à sua família.22. Instituto Nacional de Câncer (BR). Coordenação de Prevenção e Vigilância de Câncer. Câncer da criança e adolescente no Brasil: dados dos registros de base populacional e de mortalidade. Rio de Janeiro (RJ): INCA, 2008.

Fatores psicossociais que permeiam o processo saúde-doença em crianças com câncer incluem o afastamento da casa, da família, dos amigos e da escola, bem como as mudanças sofridas pela criança durante a convivência com a enfermidade.33. Anders JC, Souza, AIJ. Crianças e adolescentes sobreviventes ao câncer: desafios e possibilidades. Ciênc Cuid Saúde. 2009 Jan-Mar; 8(1):131-7. Assim, o adoecer acarreta um desequilíbrio à existência, no qual o sujeito passa de agente ativo para passivo em relação a aspectos de sua vida. Nesse sentido, as condições emocionais são essenciais na recuperação da saúde das pessoas, tanto no processo de diagnóstico e hospitalização, quanto na maneira como a doença foi sedimentada em seu imaginário.44. Silva JMM. O desenho na expressão de sentimentos em crianças hospitalizadas. Fractal: Revista de Psicologia, 2010 Mai-Ago; 22(2):447-56.

A partir do diagnóstico de câncer, abre-se o caminho para um tratamento incerto, doloroso, prolongado, que modifica o corpo, choca a família e, muitas vezes, afasta os amigos, fragiliza os planos de futuro e torna iminente a possibilidade de morte.55. Lima LM, Bielemann VLM, Schuwartz E, Viegas AC, Santos BP, Lima JF. Adoecer de câncer: o agir e o sentir do grupo familiar. Ciênc Cuid Saúde. 2012 Jan-Mar; 11(1):106-12. Nessa perspectiva, a criança vivencia uma doença impactante e assustadora, passando a conviver com serviços de saúde que lhes são desconhecidos e angustiantes.

Dentre os aspectos psicossociais desencadeados na vivência de uma criança com câncer destaca-se, de modo peculiar, o significado sobre o adoecer, os sentidos constituídos a partir da descoberta de estar com a doença. No entanto, esse aspecto geralmente é abordado segundo a voz de seus familiares e de profissionais de saúde que convivem com essa situação, raramente sendo captada a visão da criança que experiência essa enfermidade.

A apreensão da voz da criança em pesquisas que utilizam suas múltiplas linguagens é significativa e, ao mesmo tempo, desafiadora. Estudo66. Sigaud CHS, Rezende MA, Veríssimo MDLOR, Ribeiro MO, Montes DC, Piccolo J, et al. Aspectos éticos e estratégias para a participação voluntária da criança em pesquisa. Rev Esc Enferm USP. 2009 Dez; 43(esp 2):342-6. aponta que as pesquisas com crianças são necessárias e justificadas, particularmente, para produção de conhecimento específico ou outro benefício para esse grupo populacional, que não poderia ser alcançado sem seu envolvimento. Ao dar voz à criança, procura-se compreender a dimensão que a doença tem em suas vidas, a qual é vivenciada de forma singular, ou seja, como uma experiência pessoal.77. Vieira MA, Lima RAG. Crianças e adolescentes com doença crônica: convivendo com mudanças. In: Cruz SHV, organizador. A criança fala: a escuta de crianças em pesquisas. São Paulo (SP): Cortez; 2008. p. 372-5. Nesse sentido, acredita-se que compreender o significado do adoecer para a criança com câncer oferecerá suporte para uma prática de enfermagem efetivamente integral e humanizada.

Há um escasso número de estudos nos quais a criança é reconhecida como sujeito que descobre estar com câncer. Ressalta-se que a investigação desse tema é fundamental para entender esse momento singular, possibilitando olhar de forma diferenciada alterações no cotidiano da criança e as adaptações por ela enfrentadas. Assim, questiona-se: como é para a criança com câncer a descoberta da doença? Diante desse questionamento, esta pesquisa teve como objetivo compreender o significado de experienciar o adoecimento para a criança com câncer.

Espera-se que o conhecimento proveniente da interpretação da criança sobre seu adoecimento por câncer possa contribuir para a reflexão do trabalho do enfermeiro no processo de planejamento de suas ações de cuidado à criança e sua família, respeitando suas individualidades e especificidades para atender às reais demandas das pessoas que se encontram em semelhante situação.

METODOLOGIA

Estudo de abordagem qualitativa realizado em um Núcleo de Apoio a Crianças com Câncer no Estado da Paraíba. O núcleo hospeda crianças e adolescentes, com câncer, de 0 a 18 anos de idade, junto com seus cuidadores, que, geralmente, são provenientes do interior do Estado e de estados vizinhos e, devido à situação financeira, dependem unicamente deste lugar para acompanhar o tratamento da criança. O referido espaço, criado no ano de 1997, tem capacidade de abrigar até 24 crianças e adolescentes com seus respectivos acompanhantes.

Os participantes foram oito crianças com câncer. Para sua escolha, foram considerados os seguintes critérios: apresentar idade entre seis e doze anos; possuir condições físicas e emocionais para participar do estudo; e ter diagnóstico confirmado de câncer há mais de 6 meses.

Para avaliar as condições físicas das crianças participantes, utilizou-se a escala de Performance Status (PS) do Eastern Cooperative Oncology Group (ECOG), a qual estabelece os escores de 0 (zero) a 4 (quatro) (PS 0 a PS 4), sendo que 0 (zero) representa o paciente com atividade normal e 4 (quatro) o classifica como restrito ao leito.8 8. Polo LHV, Moraes MW. Performance de Zubrod e índice de Karnofsky na avaliação da qualidade de vida de crianças oncológicas. Einstein. 2009 Jul-Set; 7(3):314-21.Assim, adotaram-se como critérios de exclusão na seleção dos participantes, as crianças com escores PS 3 e PS 4, ou seja, aquelas mais dependentes; crianças com deficiência visual pela impossibilidade de realizar o desenho, critério essencial para que se pudesse proceder à técnica de desenho-estória com tema.

Os dados foram coletados no período de fevereiro a maio de 2012. Para tanto, utilizou-se a técnica do desenho-estória com tema, que consiste na realização de um desenho especificado em termos temáticos.99. Aiello-Vaisberg TMJ. Ser e fazer. Enquadres diferenciados na clínica winnicottiana. Aparecida (SP): Ideias e Letras; 2004. Neste estudo, o tema empregado foi: "uma criança com câncer". Para tanto, o sujeito realiza desenhos que servem de estímulo para que conte uma estória associada, logo após a realização de cada desenho. Tendo concluído essa fase, o sujeito segue fornecendo esclarecimentos (fase de "inquérito") e, posteriormente, dá um título à estória.1010. Trinca W. Investigação clínica da personalidade: o desenho livre como estímulo de apercepção temática. 3ª ed. São Paulo (SP): EPU; 2003. Destaca-se que foi feita a análise apenas das estórias contadas. O desenho constituiu-se como motivo desencadeador do diálogo com a criança, sendo usado, nesta pesquisa, como ilustração de sua vivência.

Depois de estabelecido o contato o com a criança e, após autorização de seu responsável, o procedimento aconteceu da seguinte maneira: a criança foi convidada a ir para um espaço reservado e a sentar-se à mesa com a pesquisadora à sua frente. Logo que a interação foi iniciada, colocaram-se 12 lápis coloridos e um de grafite espalhados sobre a mesa, juntamente com uma folha de papel. Em seguida, solicitou-se que a criança fizesse um desenho livre. Ao concluir o desenho, foi pedido à criança que contasse uma estória sobre o que havia desenhado. Na fase de inquérito, questionamentos foram feitos com a intenção de se obter esclarecimentos acerca do desenho e da estória contada, com o propósito de aprofundar o conteúdo abordado pela criança. Por fim, foi pedido que a mesma desse um título para sua estória. Para a realização do segundo desenho, foi introduzido o tema: "desenhe uma criança com câncer". Ao finalizá-lo, foi pedido para a criança contar a estória sobre o desenho feito. Seguiu-se à fase de inquérito e, por fim, foi requisitado que desse um título à estória criada. Ressalta-se que as estórias foram gravadas e transcritas para análise.

A análise do material empírico foi realizada conforme o referencial teórico-analítico da análise de discurso de linha francesa. Partiu-se da superfície linguística para o discurso, construindo-se o corpus discursivo - recortes discursivos provenientes das estórias contadas pelas crianças, nos quais podem ser evidenciados os mecanismos de significação. Após o primeiro lance de análise, constituiu-se o objeto discursivo. Realizaram-se repetidas leituras do corpus, em um constante ir-e-vir entre teoria e análise, em busca de compreender os processos de produção de sentidos. A leitura analítica do objeto discursivo apontou as pistas indicadoras dos dispositivos analíticos constituintes do discurso dos sujeitos.1111. Orlandi EP. Análise de discurso: princípios e procedimentos. 8ª ed. Campinas (SP): Pontes; 2009. Por meio da identificação de processos parafrásticos, polissêmicos e metafóricos, as formações discursivas foram relacionadas, analisando-se os enunciados que caracterizavam os discursos dos sujeitos quanto: à posição ideológica do sujeito, sua relação com outros discursos, redes de filiações históricas e interdiscurso.

Levaram-se em consideração os aspectos legais e éticos vigentes exigidos para pesquisas com seres humanos. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa, do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal da Paraíba (CEP/CCS), Protocolo n. 0380/2011 e os responsáveis pelas crianças assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

O dispositivo analítico foi construído mediante as estórias contadas pelas crianças, a interpretação dos pesquisadores, o referencial teórico e as condições de produção das distintas linguagens e pontos de vista. Organizaram-se dois blocos discursivos: vivências da criança durante a descoberta do câncer e o itinerário diagnóstico na descoberta do câncer. Com base na análise de discurso francesa, foram identificados e analisados: a posição ideológica dos sujeitos, as relações entre os discursos, a rede de filiação de sentidos, o atravessamento do discurso, o não-dito no discurso, o interdiscurso e a metáfora.

Para a apresentação dos fragmentos discursivos, adotou-se uma codificação dos sujeitos: Cebolinha, Cascão, Dudu, Franjinha, Aninha, Pelezinho, Mônica e Magali. Na identificação de seus responsáveis ou cidades, citados pelas crianças, utilizaram-se as letras A, B, C e D. Com o intuito de preservar a identidade das instituições de saúde referenciadas, seus nomes foram substituídos pelas letras X e Y. Dentre os sujeitos do estudo, três crianças eram do sexo feminino e cinco do sexo masculino. Seus diagnósticos eram: leucemia (5), linfoma (1), câncer renal (1) e câncer no ovário (1). Em relação à fase do tratamento, três crianças estavam sendo submetidas à quimioterapia e cinco faziam acompanhamento mensal e semestral. O menor tempo de diagnóstico era de oito meses, e o maior, de seis anos.

Vivências da criança durante a descoberta do câncer

O sujeito-criança com câncer adentra involuntariamente em um contexto diferente, tendo que vivenciar sinais e sintomas total ou parcialmente desconhecidos, que suscitam reações diversas, além de ser submetido a inúmeros procedimentos e ambientes novos que acarretam alterações no seu cotidiano. É possível compreender, a partir das formações discursivas, a percepção do sujeito-criança, de que algo não está bem em sua saúde, pelos sinais e sintomas que apresenta. Apreende-se que a descoberta da doença é entendida de forma inesperada, surgindo abruptamente em momentos em que realizava atividades rotineiras e nos quais, aparentemente, se encontrava saudável. Nessa perspectiva, o adoecimento da criança é um evento imprevisto e indesejado. Dependendo do tipo e da precocidade do diagnóstico, pode causar sequelas físicas e psíquicas.1212. Cardoso FT. Câncer infantil: aspectos emocionais e atuação do psicólogo. Rev SBPH. 2007 Jun; 10(1):25-52.

Os fragmentos discursivos do estudo indicam que a posição de sujeito criança que vivencia a descoberta do câncer se revela de maneira singular, ressaltando a forma abrupta que a doença se instalou, como se da noite para o dia os sintomas surgissem, fosse buscado o serviço de saúde imediatamente e o diagnóstico de algo desconhecido e que carrega inúmeros estigmas, fosse concretizado. Isto pode ser evidenciado nos recortes discursivos que seguem:

[...] uma criança [a criança do desenho] que adoeceu de repente, porque ela adoeceu assim, do nada. De noite, aí, quando eu descobri minha doença, um dia eu estava comendo, aí comi demais, fiquei vomitando, aí depois apareceu as dores, de repente assim (Pelezinho).

[...] eu estava na rede assistindo TV e disse: 'mainha, meu pescoço aqui está doendo e meu braço também'. Aí ela viu que eu estava com febre e de manhã cedo a gente foi no hospital. Aí descobriram esse negócio (Cebolinha).

[...] ela [a criança do desenho] tem leucemia. Um dia, quando ela estava brincando, ela caiu e foi para o médico, aí fizeram um exame para saber o que era e descobriram que era leucemia, um tipo de câncer (Cascão).

Identificou-se, nos recortes que os sujeitos-criança relataram, a maneira que percebem o processo de descoberta do câncer, ora se identificando como sujeito, ora de modo indireto por meio da projeção, fazendo menção a um sujeito-outro, referindo-se à criança do desenho que realizou.

É possível apreender a surpresa diante do aparecimento da doença, como no dizer do sujeito Pelezinho: adoeceu de repente, porque ela adoeceu assim, do nada. Pelo não-dito no discurso, o sujeito-criança se considerava saudável, tendo sua vida estruturada e desenvolvendo-se de uma maneira única e peculiar,1313. Françoso LPC, Valle ERM. Assistência psicológica a crianças com câncer - os grupos de apoio. In: Valle ERM, organizador. Psico-oncologia pediátrica. 2ª ed. São Paulo (SP): Casa do Psicólogo; 2011. p.75-127. até os eventos que antecederam o sinal ou o sintoma que desencadeou o surgimento do câncer.

Os sujeitos-criança deste estudo relacionam os sintomas a um episódio que entendem como ocasionador da doença, mesmo que este não tivesse a capacidade de provocá-la. Na materialidade do discurso, o evento está ligado simbolicamente a um acontecimento. Como expressam os enunciados:

[...] um dia, quando ela [a criança do desenho] estava brincando, ela caiu e foi para o médico, e descobriram que era leucemia (Cascão).

[...] um dia eu estava comendo, aí comi demais, fiquei vomitando, aí depois apareceu as dores, de repente assim (Pelezinho).

Nos recortes, os sujeitos-criança substituem o termo câncer por metáforas, como minha doença ou aquele negócio. Esta última, de certa forma, corresponde a uma censura naturalizada, enraizada culturalmente por representar uma doença mortal e que foi apreendida por elas nas interações sociais, levando-as a perceber a doença da mesma maneira e a reproduzir ideologicamente a situação pela qual estão passando, por meio desse mecanismo de produção de sentido. No comportamento das pessoas com diagnóstico de câncer, ou ao se referirem à doença, a expressão "aquela doença" é dada pela possibilidade de afastar a doença de si. O demonstrativo "aquela" afasta a doença da pessoa, enquanto o possessivo "minha" atrai e sedimenta o mal. Assim, as crianças passam a substituir o termo câncer por outros, no intuito de amenizar ou omitir o perigo que o mesmo representa ao ser mencionado.

O estigma da doença oncológica é relacionado, na sociedade, a sentimentos negativos, quando não, à expectativa de morte, considerada uma "doença maldita". Esta dificuldade da aceitação pela sociedade pode ser atribuída a diversos fatores, destacando-se, dentre eles, o temor de todos a um sofrimento prolongado nas etapas terminais do câncer 1414. Barbosa LNF, Francisco AL. A subjetividade do câncer na cultura: implicações na clínica contemporânea. Rev SBPH, 2007 Jun; 10(1):9-24. e a iminência da morte.

Os sinais e sintomas decorrentes do câncer provocam sentimentos e ideias que formam diferentes imagens, suscitando fantasias, quando não, muitas vezes, relacionadas às noções de "mal", "perigo", "ameaça" e "morte", o que pode mobilizar as mais diferentes expectativas e atitudes daqueles que são acometidos por essa doença, do seu entorno social e da sociedade mais ampla.1515. Forsait S, Castellanos MEP, Cordenonssi JT, Vicentini LL, Silva MMB, Miranda MC, et al. Impacto do diagnóstico e do tratamento de câncer e de aids no cotidiano e nas redes sociais de crianças e adolescentes. Arq Bras Ciên Saúde. 2009 Jan-Abr; 34(1):6-14.

O surgimento da doença acontece, abruptamente, em momentos balizados por atividades habituais, como o brincar e assistir à TV, exemplificado pelos enunciados:

[...] eu estava na rede, assistindo TV (Cebolinha).

[...] um dia, quando ela [a criança do desenho] estava brincando [...] (Cascão).

[...] quando ele [a criança do desenho] foi jogar futebol (Dudu).

Além dessas atividades, a descoberta da doença surge, algumas vezes, próxima a datas especiais para o sujeito-criança, como a sua formatura da pré-escola, o que explicita o fragmento discursivo. Nesse sentido, como o aparecimento é abrupto, não deixa de evocar perdas, descontinuidades e rupturas:

[...] quando eu cheguei no hospital, eu era bem pequenininha, eu tinha seis anos, aí eu ia fazer a primeira formatura [...] (Aninha).

O significante ia fazer se desvela no adiamento involuntário de planos e o início do processo de adaptação à doença para o sujeito Aninha. Nesse sentido, são sonhos e projetos desfeitos para dar lugar aos sentimentos de perda. O adoecimento é integrado à vida da criança de forma global, isso implica em conviver continuamente com limitações e possibilidades próprias das características deste grupo de doenças.1616. Silva GM, Teles SS, Valle ERM. Estudo sobre as publicações brasileiras relacionadas a aspectos psicossociais do câncer infantil - período de 1998 a 2004. Rev Bras de Cancerol. 2005 Jul-Set; 51(3):253-61.

Um sujeito-criança relata: [a criança do desenho] vivia bem, mas só que quando ele foi jogar futebol, com um bocado de crianças, ele desmaiou e foi para o hospital [...] porque ele era fraquinho, porque ele não comia muito não, ele comia pouco, assim, porque ele tinha câncer (Dudu).

O fragmento discursivo acima revela que a criança do desenho tinha uma vida saudável até o momento em que um sintoma desestabiliza o seu bem-viver, a sua atividade de jogar futebol, levando-a ao contexto hospitalar e à descoberta do câncer. A enunciação confirma que a percepção de estar doente só é formulada a partir da exacerbação dos sintomas, o que explicita o poder simbólico dos sinais e sintomas no discurso. Ademais, identifica-se a presença do interdiscurso apreendido pela acepção corrente em seu meio de que ao não se alimentar, a criança poderá adoecer. Ou seja: criança que não come, adoece.

Estudo1616. Silva GM, Teles SS, Valle ERM. Estudo sobre as publicações brasileiras relacionadas a aspectos psicossociais do câncer infantil - período de 1998 a 2004. Rev Bras de Cancerol. 2005 Jul-Set; 51(3):253-61. afirma que as crianças com câncer não costumam sentir-se doentes. Isto pode decorrer do fato de que, para muitas, a existência da doença esteja associada às suas manifestações clínicas e ao tratamento (visitas ao ambulatório, quimioterapia), não se fazendo presente nos intervalos desses episódios. Além disso, a definição de doente é condicionada, na maioria das vezes, quando há concordância entre as suas próprias percepções de comprometimento ao bem-estar e às percepções sobre o seu estado pelas pessoas ao seu redor.1414. Barbosa LNF, Francisco AL. A subjetividade do câncer na cultura: implicações na clínica contemporânea. Rev SBPH, 2007 Jun; 10(1):9-24.

A descrição das manifestações clínicas iniciais do câncer é feita pelos sujeitos-criança enfatizando-se os sinais e sintomas que antecederam o diagnóstico. Dentre eles têm-se as dores, vômitos e febre. Nesse processo, a dor é a mais constante, demonstrando relação entre os discursos:

[...] eu sentia uma dor. Eu não sei explicar muito não. Eu não sinto mais não. [eu] ficava só chorando, chorando, porque eu queria que passasse (Cebolinha).

[...] era muito ruim porque ela pensava que essa dor nunca ia parar (Cascão).

[a criança do desenho sentia] febre, dor de cabeça e tumor [...], dor de barriga, dor de cabeça, com a barriga dela inchada, [...] perna inchada (Franjinha).

[...] era a minha doença, eu sentia dor nas pernas e nos braços, eu ia me deitar, pedia à minha irmã pra fazer massagem e parava, aí depois voltava (Aninha).

A partir desses fragmentos discursivos, identifica-se que a posição de sujeito-criança que vivencia a dor oncológica, se revela como se não conseguisse atribuir significados para explicitar como é senti-la. Contudo, para ele, a dor se constitui em algo persistente que acarreta sensações de desconforto permeando as dimensões física e emocional. O posicionamento assumido reafirma o quão desagradável é para a criança sentir dor, bem como o desejo de que esta seja uma situação temporária. No enunciado: ela pensava que essa dor nunca ia parar (Cascão), percebe-se o sentimento da desesperança da cessação desse sintoma. A vivência da dor oncológica contribui para a construção de uma memória de sentidos em relação a esse sintoma no qual a criança do desenho assume a posição de sujeito sem esperança na superação de algo que lhe traz muito desconforto.

Pesquisa aponta que a criança refere o "sentir-se doente" a partir de suas sensações de mal-estar, mencionando principalmente a dor como sinal da presença da doença.1515. Forsait S, Castellanos MEP, Cordenonssi JT, Vicentini LL, Silva MMB, Miranda MC, et al. Impacto do diagnóstico e do tratamento de câncer e de aids no cotidiano e nas redes sociais de crianças e adolescentes. Arq Bras Ciên Saúde. 2009 Jan-Abr; 34(1):6-14. Diante disso, "a dor é uma das principais preocupações das crianças quando o câncer é diagnosticado, pois o câncer é conhecido mundialmente como uma doença dolorosa, cuja dor é uma mistura de dor física, emocional e espiritual".17:690 A dor vivenciada pela criança com câncer é influenciada e determinada pelo nível de desenvolvimento da criança, pela maneira como ela comunica a sua dor e sua habilidade para enfrentá-la.1818. Bueno PC, Neves ET, Rigon AG. O manejo da dor em crianças com câncer: contribuições para a enfermagem. Cogitare Enferm. 2011 Abr-Jun; 16(2):226-31.

O período de esclarecimento do diagnóstico é uma etapa difícil, de desestruturação, que requer diversos aprendizados práticos, tais como os de lidar com a dor, o ambiente e os procedimentos hospitalares.19 19. Lopes DPLO, Valle ERM. A organização familiar e o acontecer do tratamento da criança com câncer. In: Valle ERM, organizador. Psico-oncologia pediátrica. 2ª ed. São Paulo (SP): Casa do Psicólogo; 2011. p.13-74.Nesse sentido, a criança e seu cuidador devem receber as orientações e apoio devidos, amparados por uma equipe multiprofissional, baseando-se no cuidado às suas necessidades biopsicossociais para que possam enfrentar essa fase de modo positivo. Ao se identificar as alterações na saúde da criança, percebe-se, por meio dos discursos, que há a busca dos serviços de saúde. Contudo, a elucidação desse novo contexto nem sempre é tão rápida quanto esperada e a criança e sua família vivenciam, por vezes, um extenuante itinerário para a descoberta da doença.

O itinerário diagnóstico na descoberta do câncer

Após o surgimento dos sinais e sintomas, a criança e seu cuidador buscam o serviço de saúde. O fragmento discursivo: de manhã cedo a gente foi no hospital, aí descobriram esse negócio (Cebolinha) evidencia a importância que a criança e seu cuidador associam à procura imediata pelo serviço de saúde no intuito de buscar respostas para o que ocorre. Neste recorte discursivo, Cebolinha ocupa o lugar de sujeito que busca entender o que há de estranho em sua saúde.

Pesquisa2020. Cavicchioli AC, Menossi MJ, Lima RAG. Câncer infantil: o itinerário diagnóstico. Rev Latino-am Enfermagem. 2007 Set-Out; 15(5):1025-32. enfatiza que no momento em que se percebe algo errado na saúde da criança, os pais imediatamente procuram por atendimento médico no sistema público, tais como Unidades Básicas de Saúde, Serviços de Pronto Atendimento, ou no sistema de saúde complementar. Essas atitudes são importantes para que se obtenha o diagnóstico precoce do câncer infantil.

Apesar de o aparecimento da doença oncológica ser repentino na percepção do sujeito-criança, o tempo do diagnóstico médico não é igualmente percebido. Verificam-se, nos recortes discursivos, a demora/incerteza, a ausência do atendimento, as idas e vindas da criança e dos seus cuidadores ao serviço de saúde e as viagens para diferentes cidades a fim de esclarecer o diagnóstico e iniciar o tratamento nos centros de referência. Isso pode ser evidenciado nas seguintes formações discursivas:

[...] fomos para B, aí não tinha médico e mandaram a gente para A. Nós chegamos aqui, eu fiquei internado e fiz a cirurgia e a biópsia [...] (Cebolinha).

[...] a doutora dizia que era verme, essas coisas assim. Só era viajando de um canto para outro, até que o doutor mandou eu vir para A. Aí nós conseguimos (Pelezinho).

Observou-se que, após o surgimento dos sintomas, o sujeito-criança e sua família começam uma trajetória em busca de respostas para o que está acontecendo, deslocando-se, por vezes, da cidade em que vivem para outras cidades, pois onde residem, os recursos são insuficientes para o diagnóstico e não há condições de realizar o tratamento. Percebe-se que, mesmo buscando os serviços de saúde tão logo surgem os primeiros sinais e sintomas, o atendimento nem sempre é possível por falta de profissionais. Tais acontecimentos podem retardar o diagnóstico, bem como intensificar o sofrimento nessa fase inicial da doença.

A demora ou erro no diagnóstico do câncer é bastante frequente, principalmente pela inespecificidade dos sintomas apresentados. A busca por ajuda leva a criança e seu familiar a passar por diferentes especialidades médicas, por vezes, resultando em diagnósticos equivocados. Isso atrasa e dificulta a assimilação da ideia de portar uma doença oncológica e, por conseguinte, prejudica o tratamento, favorecendo futuras complicações.1515. Forsait S, Castellanos MEP, Cordenonssi JT, Vicentini LL, Silva MMB, Miranda MC, et al. Impacto do diagnóstico e do tratamento de câncer e de aids no cotidiano e nas redes sociais de crianças e adolescentes. Arq Bras Ciên Saúde. 2009 Jan-Abr; 34(1):6-14.

No fragmento discursivo: a doutora dizia que era verme, essas coisas assim. Só era viajando de um canto para outro (Pelezinho), interpreta-se que, durante as primeiras manifestações da doença, o sujeito Pelezinho e sua família vivenciaram verdadeiras peregrinações. Momentos em que a dúvida é constante e as informações insuficientes, gerando insegurança, angústia e medo para todos. O discurso do sujeito Pelezinho é atravessado pelo dizer de outro sujeito; ele se utiliza da informação de um profissional de saúde que passa a constituir o seu dizer. Nesse enunciado, percebe-se a posição de sujeito criança que espera uma resposta para o seu problema. As explicações fornecidas podem ser simplificadas ampliando, assim, o tempo de sofrimento da criança e família. Mesmo diante das respostas insuficientes, eles não desistem, ainda que tenham que realizar viagens contínuas.

As crianças percebem os problemas enfrentados desde o início dos sintomas até a definição do diagnóstico de câncer. Dentre estes, citam as várias hipóteses diagnósticas sem resolução do problema de saúde, as dificuldades de acesso à realização de exames e encaminhamentos aos serviços especializados, o que reflete a fragilidade nos princípios do SUS, como acessibilidade e integralidade. No entanto, é imprescindível a definição precoce do diagnóstico para melhor prognóstico do câncer infantil. Assim, são necessárias ações efetivas que implicam na atuação conjunta das organizações de saúde e órgãos de formação dos profissionais, no sentido de promoverem a valorização do ser humano e resgatarem a totalidade do sujeito.2020. Cavicchioli AC, Menossi MJ, Lima RAG. Câncer infantil: o itinerário diagnóstico. Rev Latino-am Enfermagem. 2007 Set-Out; 15(5):1025-32.

Intrínseco à trajetória rumo ao diagnóstico do câncer, há a inserção em um mundo parcial ou totalmente desconhecido pela criança e sua família, que condiz ao ambiente hospitalar, com a constante realização de exames e procedimentos invasivos, contato com pessoas e aparelhos desconhecidos e termos incompreensíveis. Em outras palavras, a entrada em um universo desagradável ao imaginário infantil.

Na busca pelo diagnóstico, a realização dos exames é percebida pelo sujeito-criança de maneira repetitiva como demonstra o fragmento: fizeram um exame em D e disseram que era leucemia, fizeram um exame em E e disseram que era leucemia, fizeram um exame aqui [A] e disseram que era leucemia (Aninha).

Esse fragmento discursivo revela a recorrência do acontecimento em lugares diferentes, no sentido de reforçar a presença da doença, o processo de aceitação da mesma e a peregrinação vivenciada no itinerário para a descoberta do câncer. Compreende-se pela repetição da expressão: fizeram um exame, que não se conhece conceitualmente qual exame foi realizado. No entanto, percebe-se pela repetição do fragmento discursivo: disseram que era leucemia, que o importante para o sujeito-criança foi a sua finalidade diante da situação, ao passo em que serviu para auxiliar a descobrir o diagnóstico do câncer.

Esta nova realidade encontrada pelo sujeito-criança é descrita no discurso: descobrimos, lá no lugar nosso mesmo, não foi C [Pai]? Aquele doutor lá bateu até uma monografia, aquela que faz uma massagem aquelas coisas, que faz uma massagem com a mão, como é o nome mesmo? Aquela... [...] é uma ultrassom, não é? Aquela que fica alisando com um creminho na barriga da pessoa? Pois foi essa que descobriu! A doutora disse que era um caroço, disse que era para a gente correr para A. Não tem melhor tratamento aqui que no X não (Pelezinho).

A rede de sentidos, à qual o sujeito Pelezinho está filiado, se materializa linguisticamente por meio dos significantes lá e aqui. Enquanto a região em que ele reside é vista como o local de descoberta do caroço e que não possui condições para a realização do tratamento adequado, a instituição X é interpretada como o lugar em que a cura está garantida, bem como o bem-estar e o cuidado são proporcionados. A posição de Pelezinho como sujeito-criança que acabou de descobrir que possui uma doença grave, trata-se de alguém que adoeceu de repente, foi inserido em uma realidade desconhecida, com pessoas, aparelhos e termos diferentes, e que vê a sua única possibilidade de superar a doença por meio da ida para outra cidade e início do tratamento em determinada instituição. É como se ele, de repente, tivesse entrado em outra realidade.

Identifica-se que o discurso do sujeito Pelezinho é atravessado pelo discurso constituído na área da saúde, pois utiliza em seu dizer, termos próprios desse campo. Autores2121. Mesquita DPC, Rosa FI. As heterogeneidades enunciativas como aporte teórico-metodológico para a análise do discurso de linha francesa. Rev Veredas. 2010 Jul-Dez; 14(2):130-41. referem que são os atravessamentos de outros discursos que constituem o dizer dos sujeitos, pois o sujeito, na análise de discurso, é assujeitado, materialmente constituído pela linguagem e devidamente interpelado pela ideologia.2222. Ferreira MCL. O quadro atual da análise de discurso no Brasil. Rev Letras. 2003 Jul-Dez; 27(3):39-46.

Os desdobramentos diante do diagnóstico do câncer, a concepção de gravidade da doença e a urgência para iniciar o tratamento são revelados no fragmento discursivo: disse que era para a gente correr para A. A metáfora correr usada pelo sujeito Pelezinho implica na necessidade de ir à procura, o mais rápido possível, dos centros de referência para iniciar o tratamento, demonstrando o quanto ele requer cuidados especializados e rápidos. Na opacidade do seu discurso, evidencia-se uma criança que não tem a escolha de deslocar-se ou não para a cidade de referência no tratamento, pois disso depende a manutenção de sua vida.

Nesse sentido, apreende-se que a criança e seu cuidador terão que realizar viagens sucessivas na esperança de um futuro sem a doença. O deslocamento para os centros de referência traz inúmeras incertezas como: onde permanecer enquanto realiza o tratamento; como se manter em uma cidade que, por vezes, é desconhecida e não há familiares ou amigos para dar apoio. Ademais, a necessidade de percorrer esses trajetos demanda gastos financeiros que nem sempre estão ao alcance da realidade socioeconômica da família.

Observa-se que o sujeito-criança com câncer se percebe doente e logo é inserido em um contexto novo. No percurso do diagnóstico, ele se depara com barreiras que podem retardá-lo e, após confirmação, essa nova situação traz consigo a ruptura da sua rotina e sensações de insegurança, que podem ser negativas para o enfrentamento. Em meio a esse contexto, a criança se encontra com sinais e sintomas que geram desconforto e ansiedade. Ao mesmo tempo, tem esperança de cura com sua ida aos centros de referência para realizar o tratamento. Esses significados representam a vivência do sujeito-criança no enfrentamento do câncer e trazem em si importância ímpar para que a enfermagem reflita acerca do cuidado a essa população.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O momento do adoecer acarreta forte impacto na vida da criança e família que experienciam o câncer infantil. Identificou-se que a descoberta da doença significa vivenciar sinais e sintomas que surgem abruptamente. São essas manifestações que indicam a presença da doença para a criança, podendo surgir em qualquer momento e, imediatamente, transpô-las a outra realidade que lhe conferirá a experiência de ser adoecido por câncer.

A fase de descoberta do câncer para o sujeito-criança remete à procura contínua dos serviços médicos para elucidação diagnóstica, sendo imprescindível que a rede integrada de cuidado à saúde da criança seja capacitada para a identificação precoce do diagnóstico do câncer. Além disso, o adoecer traz o sentido de alteração dos hábitos e rotinas, sem que haja outra escolha, pois depende disso sua recuperação, o que requer do sujeito adaptação à nova realidade. Mesmo diante das alterações em seu cotidiano, o sujeito-criança percebe que o tratamento, ainda que permeado de adversidades, significa a possibilidade de viver sem a doença.

Considerando que a descoberta de ter câncer conduz, abruptamente, a criança e seu cuidador a uma realidade singular, os achados deste estudo demonstram como é vivenciar alguns aspectos do surgimento da doença e como foi o processo de descoberta para a criança. Isso pode reforçar e ampliar a sensibilidade dos profissionais de enfermagem na atenção a estes sujeitos no momento do adoecer, beneficiando o desenvolvimento de ações voltadas ao cuidado integral a essa população.

Ademais, podem subsidiar o fornecimento de orientações adequadas e suporte psicossocial diante da descoberta da doença, escuta qualificada e o diálogo sensível que possibilitem ao binômio criança-família expor suas demandas. Nessa perspectiva, as informações dadas à criança devem ser passadas de maneira que ela compreenda o que poderá vir pela frente, possibilitando que construa significados e fantasias mais apropriados para o enfrentamento da doença. Para tanto, é necessário o favorecimento de um ambiente adequado para que a criança continue desempenhando suas atividades, mesmo diante da inserção no ambiente hospitalar.

Destaca-se a necessidade de novos estudos sobre o tema, dando voz às crianças que vivenciam essa situação, a fim de ampliar o cuidado à criança com câncer e sua família.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 2014

Histórico

  • Recebido
    20 Mar 2013
  • Aceito
    30 Jan 2014
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