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Estratégias de coping utilizadas por familiares de indivíduos em tratamento hemodialítico

Resumos

Estudo descritivo, de natureza quali-quantitativa, que objetivou identificar as estratégias de enfrentamento mais utilizadas por familiares de pacientes com doença renal crônica em hemodiálise. Os dados foram coletados por meio de entrevista, com aplicação do Inventário de Estratégias de Coping a dez familiares, e submetidos à estatística descritiva e à análise de conteúdo temática. A estratégia mais utilizada foi fuga e esquiva, demonstrando que os familiares preferiam não enfrentar a situação. A segunda estratégia mais usada foi suporte social, ratificada ao afirmarem que conversaram com outras pessoas e profissionais buscando informações sobre o problema, e por aceitarem positivamente o apoio recebido. A terceira foi resolução de problemas, representada pela atitude em assumir o cuidado, seja pelo forte vínculo afetivo ou pelo sentimento de responsabilidade já estabelecido antes da doença. As famílias empregaram estratégias de enfrentamento com intensidades diferentes, porém indicando envolvimento e grande participação no cuidado ao doente.

Diálise renal; Comportamento; Adaptação psicológica; Doença crônica; Relações familiares


This descriptive, qualitative study aims to identify the coping strategies used most by the family members of patients with chronic kidney disease receiving hemodialysis. The data were collected through interviews, with the Coping Strategies Inventory questionnaire administered to ten family members, and were submitted to descriptive statistics and to thematic content analysis. The strategy used most was escape-avoidance, demonstrating that the family members prefer not to face the situation. The second most-used strategy was social support, ratified by the fact that they stated that they talk with other persons and professionals, seeking information about the problem, and because they accept the support received positively. The third was problem resolution, represented by the attitude of accepting responsibility for the care, either through strong affective bonds or through a feeling of responsibility established prior to the disease. The families use coping strategies of different intensities, while, nevertheless, indicating involvement and major participation in the care for the patient.

Renal dialysis; Behavior; Psychological adaptation; Chronic disease; Family relationships


Estudio cualitativo, que trató de identificar las estrategias de afrontamiento empleadas por las familias de los pacientes con insuficiencia renal crónica en hemodiálisis. Se aplicó el Inventario de Estrategias de Afrontamiento y una questión abierta con diez familiares. Los datos cuantitativos fueron sometidos a procedimientos estatísticos y análisis de contenido cualitativo. La estrategia de mayor utilización fue el escape y evitación (oito), lo que demuestra que los miembros de las familisa preferían no tener que enfrentar esta situación. La siguiente estrategia fue utilizada más apoyo social, ya hablé con otras personas y profesionales que buscan información sobre el problema, y aceptar el apoyo positivo recibido. A terceira foi resolução de problemas, representada pela atitude em assumir o cuidado, seja pelo forte vínculo afetivo ou pelo sentimento de responsabilidade já estabelecido antes da doença. Familias de las estrategias de afrontamiento empleadas con diferentes intensidades, pero mostrando una gran implicación y la participación en el cuidado del paciente crónico.

Diálisis renal; Conducta; Adaptación psicológica; Enfermedad crônica; Relaciones familiares


INTRODUÇÃO

Observa-se nos países desenvolvidos e em desenvolvimento, que a transição demográfica e epidemiológica vem causando modificações no quadro de morbimortalidade da população, ocasionando, assim, um aumento na incidência e no aparecimento de doenças crônicas. De fato, as Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNTs) são um problema de saúde global e uma ameaça à saúde e ao desenvolvimento humano.11. Schmid MI, Duncan BB, Silva GA, Menezes AM, Monteiro CA, Barreto SM, Chor D, Menezes PR. Doenças crônicas não transmissíveis no Brasil: carga e desafios atuais. Lancet. 2011 Jun; 377(9781):1949-61.

A doença crônica é definida como permanente ou de longa extensão, e devido alterações patológicas é considerada incapacitante, necessitando de períodos longos de tratamento/controle e trabalho de reabilitação. Por isso, tais doenças vêm sendo alvo de mais pesquisas pelos profissionais da saúde, uma vez que sua cronicidade vem causando preocupação pela alta incidência e prevalência tanto nos países de primeiro mundo como naqueles em desenvolvimento.22. Brito DCS. Cuidando de quem cuida: estudo de caso sobre o cuidador principal de um portador de insuficiência renal crônica. Psicol Estud [online]. 2009 [acesso 2010 Mai 2010] 14(3). Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/pe/v14n3/v14n3a22.pdf
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Entre as doenças crônicas mais comuns, a Insuficiência Renal Crônica (IRC) entra em cena com diagnóstico de perda irreversível e progressiva da função renal, com danos na filtração glomerular, ocorrendo, assim, acúmulo de produtos metabólicos no sangue. Nesse sentido, o paciente renal crônico, por possuir uma doença incurável, depara-se com tratamento paliativo e de longa duração, que visa prolongar a sobrevida, porém lhe causando dor, sofrimento, e provocando alterações de grande impacto, sobretudo no estilo de vida e, consequentemente, implicando em redução da qualidade de vida tanto do paciente como de sua família.33. Bertolin DC, Pace AE, Kusumota L, Ribeiro RCHM. Modos de enfrentamento dos estressores de pessoas em tratamento hemodialítico: revisão integrativa da literatura. Acta Paul Enferm. 2008; 21(spe):179-86.

O surgimento de uma doença crônica no lar faz com que os familiares vivenciem uma série de transformações, mas suas respostas dependem do perfil da pessoa doente, como idade e gênero, de alguns fatores estressantes, formas de enfrentamento e crenças da família.44. Paula ES, Nascimento LC, Rocha SMM. The influence of social support on strengthening families of children with chronic renal failure. Rev Latino-Am Enfermagem. 2008 Ago; 16(4):692-9.

Para a realização da diálise há modificações no estilo de vida dos indivíduos, exigindo adequações, mudanças em seu meio social e contando com sentimentos diversos, tais como: conflitos, frustrações, culpa e depressão, e consequentemente, seus familiares têm suas energias "sugadas" por estarem mais vulneráveis ou em situação alarmante, quando a doença crônica não se encontra controlada. Destaca-se que cada família possui características específicas que as torna única em sua maneira de ser e, devido a isso, apresenta comportamentos distintos em relação à necessidade de adaptação nos casos em que um de seus membros torna-se doente crônico. Contudo, com o tempo, há uma tendência de reestruturação da família com vistas a ajudar o indivíduo no processo de adoecer.55. Santos AL, Cecíclio HPM, Teston EF, Marcon SS. Conhecendo a funcionalidade familiar sob a ótica do doente crônico. Texto Contexto Enferm [online]. 2012 [acesso 2014 Mai 10] 21(4). Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/tce/v21n4/19.pdf
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Portanto, a condição crônica e o tratamento hemodialítico são fontes de estresse por ocasionar problemas como o isolamento social, perda do emprego, dependência da Previdência Social, parcial ou impossibilidade de locomoção e passeios, diminuição da atividade física, necessidade de adaptação à perda da autonomia, alterações da imagem corporal, e ainda um sentimento ambíguo entre medo de viver e de morrer.66. Madeiro AC, Machado PDLC, Bonfim IM, Braqueais AR, Lima FET. Adesão de portadores de insuficiência renal crônica ao tratamento de hemodiálise. Acta Paul Enferm. 2010; 23(4):546-51.

Esses problemas podem desencadear no indivíduo uma reação de estresse, o qual só é possível através de um estímulo chamado estressor. Cada indivíduo o interpreta de uma maneira, baseando-se no significado atribuído, através de experiências já vivenciadas e também pela função cognitiva que irá transformar o tal estímulo em estressor.33. Bertolin DC, Pace AE, Kusumota L, Ribeiro RCHM. Modos de enfrentamento dos estressores de pessoas em tratamento hemodialítico: revisão integrativa da literatura. Acta Paul Enferm. 2008; 21(spe):179-86. , 77. Higa K, Kost M T, Soares DM, Morais MC, Polins BRG. Qualidade de vida de pacientes portadores de insuficiência renal crônica em tratamento de hemodiálise. Acta Paul Enferm. 2008; 21(spe):203-6.

Tanto o indivíduo como o familiar podem utilizar estratégias de enfrentamento (coping), a fim de controlar o estresse, e a forma como estes as escolhem é determinada por recursos tanto internos como externos, incluindo-se responsabilidade, saúde, suporte, crenças, recursos materiais e habilidades sociais.88. Rodrigues AB, Chaves EC. Stressing factors and coping strategies used by oncology nurses. Rev. Latino-Am Enferm [online] 2008; [acesso 2010 Mai 12] 16(1). Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rlae/v16n1/03.pdf
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Destarte, a família é a primeira responsável pelos cuidados de saúde de seus membros e é importante conhecer as diferentes formas que ela utiliza para lidar com uma situação de estresse. No caso, a hemodiálise possibilitará elaborar um plano de cuidado mais específico às necessidades do paciente e dela própria, contribuindo para a implementação de intervenções e ações de enfermagem mais eficazes, visto que é função dos enfermeiros orientar e preparar o paciente para o autocuidado. Assim, o objetivo do estudo foi identificar as estratégias de enfrentamento mais utilizadas por familiares de pacientes com doença renal crônica em hemodiálise.

METODOLOGIA

Trata-se de um estudo descritivo, de natureza qualitativa, desenvolvido com familiares/cuidadores de pacientes com doença renal crônica em tratamento hemodialítico na Unidade de Hemodiálise de uma instituição filantrópica no município de Maringá-PR.

Foram incluídos no estudo, familiares de pacientes com idade entre 18 a 50 anos, por considerar esta uma fase em que os indivíduos são mais ativos e apresentam grandes expectativas em relação à própria vida. Para identificação de possíveis informantes foram realizadas visitas ao setor de hemodiálise do hospital, durante uma semana e nos três turnos (manhã, tarde e noite), com o intuito de estabelecer contato com os pacientes, informar sobre o estudo e obter anuência para convidar seu familiar/principal cuidador para participar da pesquisa. O familiar foi abordado inicialmente por telefone, ocasião em que foi convidado a participar do estudo. Nos casos de concordância, foi agendada a entrevista conforme disponibilidade dos participantes.

Por ocasião do estudo, encontrava-se em atendimento na instituição 133 pacientes, dos quais 34 atendiam ao critério de idade estabelecido, porém, três se recusaram a fornecer endereço de familiar e outros quatro não compareceram às sessões de hemodiálise durante o período destinado à coleta de dados. Dos 27 pacientes que forneceram endereço do familiar, apenas 12 residiam em Maringá, e dois deles se recusaram a participar do estudo, de modo que os informantes foram dez familiares de pacientes em hemodiálise.

Os dados foram coletados no mês de julho de 2010, em uma única visita no domicílio dos familiares, ocasião em que foi realizada uma entrevista semi-estruturada e aplicação do Inventário de Estratégias de Coping. 99. Folkman S, Lazarus RS, Dunkel-Schetter C, Delongis A, Gruen RJ. Dynamics of a stressful encounter: cognitive appraisal, coping, and encounter outcomes. J Personality Social Psychology. 1986; 50(5):992-1003. O formulário utilizado na entrevista visou coletar dados sócio-demográficos e incluía a seguinte questão norteadora: o que você fez quando soube que seu familiar seria dependente de hemodiálise? A resposta a esta questão foi gravada e, posteriormente, transcrita na íntegra, preservando-se a fala na forma natural dos depoentes.

O Inventário de Estratégias de Coping 99. Folkman S, Lazarus RS, Dunkel-Schetter C, Delongis A, Gruen RJ. Dynamics of a stressful encounter: cognitive appraisal, coping, and encounter outcomes. J Personality Social Psychology. 1986; 50(5):992-1003. foi aplicado ao final da entrevista. Trata-se de um instrumento adaptado e validado para a cultura brasileira,1010. Savoia MG, Santana PR, Mejias NP. Adaptação do inventário de estratégias de coping de Folkman e Lazarus para o português. Psicol USP. 1996; 7(1-2):183-201. constituído de 66 itens que abordam pensamentos e ações que as pessoas utilizam para lidar com questões internas ou externas de um evento estressante específico, além de questões "distrativas" (21 itens), que não são pontuadas na escala de conversão. O foco do inventário está no processo de coping de uma situação particular e não no coping como caráter ou descrição das pessoas.99. Folkman S, Lazarus RS, Dunkel-Schetter C, Delongis A, Gruen RJ. Dynamics of a stressful encounter: cognitive appraisal, coping, and encounter outcomes. J Personality Social Psychology. 1986; 50(5):992-1003. - 1010. Savoia MG, Santana PR, Mejias NP. Adaptação do inventário de estratégias de coping de Folkman e Lazarus para o português. Psicol USP. 1996; 7(1-2):183-201.

A escala aborda oito fatores, também denominados domínios ou categorias de estratégias de enfrentamento, a saber: Fator 1 - Confronto (composto por seis itens); Fator 2 - Afastamento (sete itens); Fator 3 - Autocontrole (cinco itens); Fator 4 - Suporte social (cinco itens); Fator 5 - Aceitação de responsabilidade (sete itens); Fator 6 - Fuga-esquiva (dois itens); Fator 7 - Resolução de problemas (quatro itens); e Fator 8 - Reavaliação positiva (nove itens).

Todas as questões são pontuadas em uma escala do tipo de Likert, variando de 0 - não utilizei essa estratégia; 1 - usei um pouco; 2 - usei bastante; até 3 - usei em grande quantidade, sendo a pontuação máxima possível 198 pontos. Os dados obtidos com a aplicação do inventário foram registrados em um banco de dados no programa Excel 2007 e realizados procedimentos estatísticos de análise descritiva através de frequência simples e porcentagem.

Para a análise dos dados quantitativos foi feito uma comparação das pontuações obtidas em cada fator, sendo considerada mais utilizada a estratégia que obteve a maior pontuação. Já para análise dos dados de natureza qualitativa, as entrevistas foram transcritas na íntegra e posteriormente submetidas a um processo de análise de conteúdo,1111. Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa (PT): Editora Setenta, 2008. constituído por uma fase de pré-análise e exploração dos dados; seguida da organização sistemática com identificação de variáveis de inferência e significados que levaram a indicadores os quais foram agrupados conforme semelhança e discutidos à luz de outros estudos.

O estudo foi desenvolvido em consonância com as diretrizes disciplinadas pela Resolução 196/96 do Ministério da Saúde e seu projeto foi aprovado pelo Comitê Permanente de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Estadual de Maringá (parecer n. 315/2010). Todos os participantes assinaram do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido em duas vias e para resguardar suas identidades, estão identificados com a letra "E", de entrevistado, e um número indicativo da ordem de realização da entrevista.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os dez familiares em estudo tinham idade entre 20 e 61 anos (média de 40 anos) e todos eram do sexo feminino, demonstrando que apesar das transformações que vêm ocorrendo nas atribuições e papéis familiares, ainda são observadas poucas mudanças em relação à função cuidadora da mulher. Alguns motivos pelos quais as mulheres se tornam cuidadoras principais são: a condição de conjugalidade, ausência de outro indivíduo para assumir a tarefa de cuidar, obrigação moral relacionada à religião ou cultura e condição financeira.1212. Simonetti JP, Ferreira JC. Estratégias de coping desenvolvidas por cuidadores de idosos portadores de doença crônica. Rev Esc Enferm USP. 2008 Mar; 42(1):19-25.

Quanto ao grau de parentesco com a pessoa em hemodiálise, três eram esposas, duas eram mães, duas irmãs, duas filhas e uma tia. Verificou-se que nem sempre a família nuclear tinham significado de referência para o paciente, pois em alguns casos irmãs e tias assumiam o cuidado. Já em relação ao estado civil, cinco eram casadas, uma separada, três solteiras e uma viúva, e exerciam diversas funções como do lar, secretária, assistente administrativo, professora, doméstica e aposentada.

Em relação à assistência a saúde, apenas duas famílias não utilizavam o Sistema Único de Saúde (SUS) e referiram gastos fixos com medicamentos/planos de saúde, entre R$ 100,00 e R$ 1.000,00. A renda média das famílias era de R$ 2.000,00, sendo a mesma resultante da contribuição de uma a três pessoas. Ao abordarem esta questão, várias famílias relataram que ainda não haviam conseguido a aposentadoria para seus entes, o que reduziu o orçamento familiar. As modificações na renda estão amplamente atreladas à dinâmica familiar, que por sua vez têm um impacto significativo na família de forma que a questão financeira seja decisiva na prática de cuidar, mobilizando as pessoas a fazerem adaptações no lar e na vida familiar.1313. Fraguas G, Soares SM, Silva PAB. A família no contexto do cuidado ao portador de nefropatia diabética: demanda e recursos. Esc Anna Nery. 2008 Jun; 12(2):271-7.

Todas as entrevistadas relataram forte vínculo afetivo com seus parentes, atribuindo a eles um papel importante e representativo no sistema familiar, duas até referiram que não dormiam bem e necessitavam de medicamento, devido à preocupação e tensão com essa situação. Ao falarem sobre a situação de enfrentamento em relação a hemodiálise de seu familiar, as entrevistadas relatavam toda a sua vivência e tinham necessidade em discorrer detalhadamente acerca da situação.

Em relação à pontuação gerada por meio da aplicação do inventário, verificou-se que apenas quatro sujeitos utilizaram menos que 50% das estratégias, sendo que a menor pontuação obtida foi de 70 e a maior 143, e a média das pontuações foi de 108. Isso demonstra que a maioria dos familiares entrevistados empregou aproximadamente a metade das estratégias apresentadas no inventário como um recurso de enfrentamento.

Em relação à avaliação da eficácia do coping, há necessidade de observar não só a resolução do problema, mas também a capacidade de controlá-lo. Esse modelo de abordagem refere-se principalmente às situações insolúveis e permanentemente estressoras, como no caso das doenças crônicas, nas quais a ausência de perspectivas de cura requer mais estratégias de controle das emoções e da situação do que ações confrontivas. A partir de dados na literatura, o copingtem sido focado na emoção, como estratégia favorável e eficaz no enfrentamento das situações estressoras.1212. Simonetti JP, Ferreira JC. Estratégias de coping desenvolvidas por cuidadores de idosos portadores de doença crônica. Rev Esc Enferm USP. 2008 Mar; 42(1):19-25.

No caso de doença crônica em crianças, é comum os pais utilizarem com maior frequência a estratégia de afastamento da situação geradora de estresse, o que se configura como uma alternativa frente à sensação de impotência. Ao mesmo tempo, os pais procuram adotar atitudes para minimizar o choque emocional pela percepção de suas próprias limitações, investindo também em estratégias adaptativas na busca pela manutenção do equilíbrio familiar.1414. Coletto M, Câmara S. Estratégias de coping e percepção da doença em pais de crianças com doença crônica: o contexto do cuidador. Rev Diversitas Perspectivas En Psicología. 2009; 5(1):97-110.

Na tabela 1 são apresentados os percentuais de respostas aos oito fatores de avaliação do Inventário das Estratégias de Enfrentamento, donde se observa que os fatores mais utilizados pelos cuidadores foi o de fuga e esquiva (65%), em concordância com os resultados apresentados por outro estudo realizado com 14 famílias que tiveram um de seus membros internados em uma Unidade de Terapia Intensiva.1515. Borges KMK. Famílias de pacientes graves internados em terapia intensiva: descrevendo suas estratégias de enfrentamento [dissertação]. Rio de Janeiro: UFRJ, Faculdade de Medicina; 2008. Nesta mesma direção, outro estudo realizado com familiares de pacientes em UTI, porém empregando o inventário de Coping-Jalowiec, identificou que o estilo de enfrentamento mais utilizado foi o sustentativo (57,7%), que se refere ao uso de suportes para enfrentar problemas, seguido pelo otimismo (17,5%) e por autoconfiante (8,75%).1616. Dreffs FML, Stumm EMF, Winkelmann ER, Ubessi LD. Mecanismos de coping utilizados por familiares de pacientes em terapia intensiva. Rev Ciência Saúde Porto Alegre. 2013 Jan-Abri; 6(1):52-8. Tais resultados coincidem com os encontrados neste estudo, visto que tanto resolução de problemas (60%) e reavaliação positiva (52%), estilos de enfrentamento similares nos dois inventários, também foram apontadas como formas de enfrentamento bastante utilizadas (Tabela 1).

Tabela 1
Distribuição do percentual de respostas apontadas em cada um dos fatores do Inventário de Estratégias de Enfrentamento de Coping. Maringá-PR, 2010

As diferenças observadas na escolha e na utilização das estratégias de enfrentamento, provavelmente decorrem da variação no perfil dos entrevistados, período em que se encontram do tratamento e estágio da doença, e o quanto tais fatores influenciam na concepção sobre a doença. Acredita-se que os mesmos familiares entrevistados neste estudo, em outras ocasiões da evolução da doença e fase do tratamento, podem empregar estilos diferentes de enfrentamento, em maior ou menor proporção, aos apontados na aplicação do inventário. Ainda, entende-se que, de modo geral, as pessoas usam os recursos disponíveis em determinados momentos, sejam eles materiais e/ou humanos, para enfrentar e superar uma situação específica de estresse.

Para melhor compreensão destas estratégias, os relatos dos cuidadores foram analisados e confrontados com as respostas do inventário, de forma que trechos dos relatos ilustram as discussões.

Sentimentos e ações frente à realização de hemodiálise por um familiar

Observa-se que o fato de realizar um tratamento de hemodiálise pode desencadear diversas reações que se vêem dependentes de fatores como conceitos e preconceitos familiares, grau de instrução, cultura, e também da forma como este familiar foi abordado pela equipe de saúde por ocasião em que foi definida a necessidade de realização de hemodiálise. Cuidar de um familiar com IRC constitui uma experiência muito difícil para a família por se tratar de uma doença crônica que requer cuidado contínuo, com baixa qualidade e expectativa de vida.44. Paula ES, Nascimento LC, Rocha SMM. The influence of social support on strengthening families of children with chronic renal failure. Rev Latino-Am Enfermagem. 2008 Ago; 16(4):692-9.

Por ocasião da descoberta da doença, verificou-se que o comportamento de fuga e esquiva foi a estratégia mais utilizada pelos familiares, demonstrando que eles gostariam, de alguma forma, de não ter que enfrentar essa situação. Paralelamente, percebe-se nos relatos o esforço de alguns familiares para evitar ou driblar esse fator estressante, expressando também o desejo de solução rápida ou mágica para a situação.

Vamos confiando, para Deus nada é impossível. Tantas pessoas o rim já voltou a funcionar, e deixaram de fazer [...] (E3b).

[...] espero que o milagre aconteça dele conseguir receber um rim. Mas pra mim vai ser um milagre [...] (E7b).

Até hoje eu me pergunto, por que meu Deus aconteceu isso comigo? Mas eu nunca abandonei o barco, eu sempre segui em frente. Sempre pra dar força pra ele. Porque eu sabia que eu tinha que ser mais forte que ele(E7b).

Observou-se que a estratégia de fuga e esquiva não apareceu explicitamente, mas estava atrelada à negação defensiva, articulada com ilusões positivas funcionando como um escape contra o estresse extremo, traduzindo, desta forma, como atitudes perseverantes e otimistas para a resolução do problema. Aparentemente, de acordo com o relato de E7b houve uma reavaliação positiva da situação, com aceitação de responsabilidade.

Também se percebeu que a utilização da fuga através da fantasia podia estar relacionada à falta de conhecimento e com a dificuldade em defrontar a cronicidade. Esse fato pode ser observado no depoimento abaixo, que expressa desconhecimento do tratamento:

no começo, não entendia direito, achava que tinha que ficar internado. Eu tenho pavor, entrei em desespero, mas daí a gente conversou, eles explicaram o que tem que fazer, o aparelho ligado nele. Porque no começo fica o cateter, eu assustei, nunca tinha visto aquilo, não tem ninguém da minha família, achei que aquilo ia ficar o tempo todo nele, meu Deus, vai ser complicado. Daí explicaram que é só um tempo, que depois ele vai ter que vir fazer, normal, vida normal. Aí a gente ficou mais tranquilo, deu uma tranquilizada (E3b).

As pessoas, mesmo não possuindo grandes conhecimentos sobre a doença, instintivamente acabam utilizando a noção do que é bom ou ruim, demonstram ter capacidade de julgamento e que são capazes de preservar a vida dos indivíduos e de sua família sob a ótica do cuidado, do saber prático, da prudência e da ponderação.44. Paula ES, Nascimento LC, Rocha SMM. The influence of social support on strengthening families of children with chronic renal failure. Rev Latino-Am Enfermagem. 2008 Ago; 16(4):692-9.

Embora prevalecendo os sentimentos de negação e esperança nos relatos, observa-se na tabela 1 que seis familiares indicaram que não adotaram a estratégia de afastamento, pelo contrário, não fugiram da situação e nem deixaram de se preocupar com ela. Ou seja, as famílias se aproximaram da circunstância, com todo o esforço, a fim de se adaptarem à nova situação. Assim, os membros alteraram e/ou adequaram diversos aspectos do seu viver, como por exemplo, hábitos e rotinas:

[...] antes, se tivesse que sair de casa e tivesse que lavar alguma roupa ou limpar a casa, tinha que manter tudo em ordem para então sair, não podia deixar nada para quando eu voltasse, e com a doença dele, quantas vezes larguei as coisas, a casa. Ele morou aqui comigo cinco meses e quantas coisas para fazer para ele, abria mão de tudo (E9b).

Percebe-se que, implicitamente, a aceitação de responsabilidade pela saúde e vida do indivíduo em hemodiálise ocorre normalmente pelos familiares, à despeito da necessidade de alterar rotinas domésticas, incluir um novo membro no seio doméstico e até mesmo, mudar de cidade, em busca de suporte social. Essas observações reforçam as respostas relacionadas com aquelas apontadas com maior freqüência no inventário.

[...] foi aí que a gente mudou para cá [...] (E2b).

Eu trouxe o [nome do irmão] para morar comigo, porque acho que ele precisa de um cuidado mais especial, foi difícil [...] (E8b).

Eu queria trazer para o Paraná, porque no Rio de Janeiro as coisas são tão complicadas, aqui a gente conhece o pessoal, lá tudo é muito longe, difícil. Aí ele veio para Maringá e foi direto para o hospital (E9b).

Entre tantos fatores que fazem parte do convívio familiar, o enfrentamento de doenças é um dos que deve ser compreendido como parte deste viver, sendo caracterizados por uma diversidade de atos, comportamentos e sentimentos. È importante ressaltar que o processo de enfrentamento da doença na família depende de alguns fatores como o estágio da vida em que a família se encontra, o papel desempenhado pelo membro doente na família, as implicações que o impacto da doença causa em cada um deles e o modo como ela se organiza diante da doença. A readequação familiar, situação em que todos os membros passam a desempenhar tarefas e a assumir papéis de modo a permitir o bom funcionamento do sistema familiar, demonstra uma boa adaptação à situação.55. Santos AL, Cecíclio HPM, Teston EF, Marcon SS. Conhecendo a funcionalidade familiar sob a ótica do doente crônico. Texto Contexto Enferm [online]. 2012 [acesso 2014 Mai 10] 21(4). Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/tce/v21n4/19.pdf
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Neste contexto, o responsável por cuidar de um membro doente também é incumbido de cuidar de todos os outros familiares, seja na educação como em suas alimentações e atividades de lazer.55. Santos AL, Cecíclio HPM, Teston EF, Marcon SS. Conhecendo a funcionalidade familiar sob a ótica do doente crônico. Texto Contexto Enferm [online]. 2012 [acesso 2014 Mai 10] 21(4). Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/tce/v21n4/19.pdf
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Mudou no hábito alimentar. Sal, tive que fazer e mudar aos pouquinhos, porque sempre fui muito carregada e a gente gosta. Tem hora que a gente esquece, mas lembra que tem a pessoa com problema [...] (E3b).

Quando vai para a praia, tem que primeiro ligar no hospital que faz hemodiálise, ver se tem vaga, então, quer dizer, a gente aprende né, A conviver com isso, mas no início é difícil [...] (E8b).

Outros estudos também constataram que a presença de uma doença crônica exige uma série de alterações na estrutura familiar, para que ocorra uma adaptação às novas necessidades decorrentes do problema de saúde. As mudanças ocorridas pela presença da IRC e seu tratamento não atingem apenas o doente, mas todas as pessoas ao seu redor.55. Santos AL, Cecíclio HPM, Teston EF, Marcon SS. Conhecendo a funcionalidade familiar sob a ótica do doente crônico. Texto Contexto Enferm [online]. 2012 [acesso 2014 Mai 10] 21(4). Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/tce/v21n4/19.pdf
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, 1313. Fraguas G, Soares SM, Silva PAB. A família no contexto do cuidado ao portador de nefropatia diabética: demanda e recursos. Esc Anna Nery. 2008 Jun; 12(2):271-7.

Em contrapartida, os familiares também manifestaram sentimentos e algumas atitudes negativas, demonstrando desejo de esquecer a situação desagradável, como se a recusa em ter contato com o fato desestruturante fosse capaz de resolver o problema.

[...] conhecia mais o lado traumático que benéfico da situação. Então eu, particularmente, tive que lutar contra os traumas que tive. Não é fácil não, né filha? [...] (E11b).

[...] ah, dormi. Dormi uns três dias seguidos. Tanto que fugi do hospital e até hoje não me lembro como. Dormi muito, muito, muito, acho que um mês mais ou menos [...] (E8b).

Mesmo com todo o desgaste da descoberta, e confirmações da doença e, muitas vezes, com o sentimento de negação seguido de revolta, 60% das respostas indicaram que vários familiares não usam o confronto como estratégia, pois a maioria não demonstrou raiva aos causadores do problema e nem a outras pessoas, muito menos fugiram das pessoas/situações em geral.

A gente não tem raiva, a gente tem tristeza [...] (E11b).

Estamos tendo que ter paciência, peço para os filhos terem paciência. Eles acham que é dengo [...]. Até eu que não tinha paciência, aprendi a ter, porque a doença não escolhe ninguém, a gente está aqui e amanhã pode estar no lugar da pessoa (E3b).

O não confrontar-se com a situação pode significar a utilização de atitudes desafiadoras, impulsivas e agressivas, talvez como forma de tentar superar a situação,1313. Fraguas G, Soares SM, Silva PAB. A família no contexto do cuidado ao portador de nefropatia diabética: demanda e recursos. Esc Anna Nery. 2008 Jun; 12(2):271-7. ou no exercício de autocontrole, o que corrobora com 46% das respostas ao inventário. Porém, em alguns casos o familiar descreveu sentimentos e manifestações como raiva e modos agressivos para alterar situações, no sentido de solucionar problemas.

Até hoje eu tenho revolta do médico dele. Eu procurei um culpado, e culpo ele até hoje. Eu não tinha experiência, e ele não soube me orientar(E7b).

[...] só esperamos nove horas para ele ser internado [ironia], precisei peitar os guardas, ele ficava deitado lá fora nos bancos de tanta dor. Aqueles prédios enormes [...], eu falava:'se acontecer alguma coisa com meu irmão, vou colocar um processo no hospital, porque é negligência. Ele não aguentava de vontade de urinar e não conseguia. Teve que passar sonda, tirou dois litros. Ficou internado 25 dias, ninguém descobriu o problema, ficou sondado esse tempo todo até vir em Maringá. Pegou uma infecção que poderia ter matado ele (E9b).

Essa reação não estava relacionada somente a não aceitação da doença, mas também ao diagnóstico tardio e demora no atendimento. Tal situação provocou, em algumas famílias, atitudes de hostilidade e/ou agressividade com alguns serviços ou profissionais, ao mesmo tempo em que refletia a percepção da sua própria impotência ante a situação.

Buscando apoio e estabilidade emocional

Os familiares não reagem da mesma forma frente a uma doença crônica, em especial quando se trata de uma doença limitante, cujo tratamento é complexo, exige deslocamento frequente e requer terapia com equipamento sofisticado. Além disso, cada membro ou cada família possui crenças, valores e princípios relativos ao adoecer, e os vivencia de maneiras distintas. Esse fato reforça a necessidade dos integrantes da família buscaram recursos que os auxiliem a lidar com as demandas exigidas pela doença, sem colocar em risco sua evolução e à família como um sistema.1313. Fraguas G, Soares SM, Silva PAB. A família no contexto do cuidado ao portador de nefropatia diabética: demanda e recursos. Esc Anna Nery. 2008 Jun; 12(2):271-7.

Dessa forma, o autocontrole, que inclui esforços para regular os próprios sentimentos, pensamentos e ações, uso da racionalidade e da auto-suficiência, foi relatado por 46% dos familiares como forma de encarar a situação, sobretudo em não deixar que as próprias emoções interferissem na situação.

[...] eu choro quando eu tenho vontade, eu reclamo, mas não para ele, para ele eu tento ser sempre positiva. Esses dias ele falou: 'ah mãe, estou numa idade que as coisas tem que ser agora, e se não for, eu não sei o que vai ser da minha vida'. Tem uma luz acesa lá no fim do túnel, e eu vejo. Mas é claro que ás vezes eu reclamo, choro, às vezes a gente não aguenta. Mas para ele não. Aqui em casa, nunca. Tento ser mais forte que os dois juntos [os dois filhos que residem com ela] (E7b).

O familiar mais próximo passa por situações que vão lhe ensinando a conviver com o sofrimento do outro, tendo na maioria das vezes que disfarçar ou esconder seu próprio sentimento, que quase sempre é a dor emocional, pois se sentem impotentes, embora responsáveis por fazer tudo, mesmo que muitas vezes não tenha conhecimento e nem preparo para tal.1717. Centenaro GA. A intervenção do serviço social ao paciente renal crônico e sua família. Ciênc Saúde Coletiva. 2010 Mar; 15(1):1881-5. Contudo, a presença de amor, tranquilidade e dedicação podem fazer com que o sofrimento e a angústia causados pelas preocupações sejam amenizados, tanto para o cuidador como para o doente, favorecendo um cuidado mais efetivo.

Esse recurso emergiu do desejo em manter um controle emocional e de não demonstrar desânimo ou fracasso, ainda mais na frente do paciente ou do restante da família, já que o papel de cuidador foi percebido como sinônimo ou atrelado à presença de força e estabilidade para essas pessoas, usando o auto-controle como estratégia de enfrentamento.

Porém, uma parcela considerável de respostas dos familiares (44%) aponta para a não utilização dessa estratégia. Eles referiram permitir que os outros soubessem da verdadeira situação, embora sempre procurassem vislumbrar o lado positivo advindo da doença.

A melhor coisa que aconteceu foi mudar para cá e conhecer novas pessoas (E2b).

Por vivenciarem uma situação de grande estresse, os familiares perpassaram por experiências, emoções e sentimentos ambíguos. Em busca de melhora, tendiam a transmitir aspectos positivos ao paciente, controlando suas emoções para que pudessem encontrar soluções para a situação.1313. Fraguas G, Soares SM, Silva PAB. A família no contexto do cuidado ao portador de nefropatia diabética: demanda e recursos. Esc Anna Nery. 2008 Jun; 12(2):271-7. Todavia, a manutenção da estrutura emocional da família também pode estar relacionada com as estratégias de suporte social, representada em 61% das respostas dos familiares, visto que conversaram com outras pessoas sobre o problema, buscaram ajuda profissional e mais informações sobre a situação, além de aceitarem de forma positiva o apoio das pessoas.

Nossa, sempre procurava um e outro, um pouquinho daqui, um pouquinho dali [...] (E7b).

Eu estava muito estressada, muito cansada, muita preocupação mental, então recorri ao médico e ao psiquiatra. Estou tomando remédio para ansiedade e para dormir. Tenho muita tensão, o problema dele mexeu muito com o meu metabolismo, mas agora estou bem (E9b).

A dona dessa casa sempre nos ajuda, os irmãos da igreja também ajuda sempre, desde que mudamos para cá. Não precisamos comprar frutas, verduras. Isso é a coisa mais importante, porque a gente não tem família, não temos filhos, contamos com boas pessoas, bons vizinhos (E2b).

Com o intuito de encontrar uma sustentação e um apoio externo como base para os sentimentos de proteção e alívio, essa estratégia esteve representada pela ajuda de pessoas da rede social de apoio, como amigos, parentes e outros. Esses relatos ratificam as respostas indicadas no inventário pelos familiares entrevistados.

Encarando a situação e adotando estratégias de enfrentamento

O cotidiano, bem como a experiência estressante de conviver lado a lado com uma pessoa com doença crônica, levou a família a reavaliar seus saberes e práticas, construindo significados diferentes, como mudanças nos seus padrões de vida e ações para se ajustarem ao sofrimento, revendo seus sonhos e expectativas diante da realidade da doença. Neste contexto, os familiares assumem o cuidado, aprendendo a buscar recursos que facilitem essas modificações, tanto no ambiente quanto para as pessoas com as quais convivem.1818. Moreno V. Familiares de pacientes em hemodiálise: convivendo com condição crônica de saúde. Rev Rene. 2008 Out-Dez; 9(4):49-56.

Assim, os familiares também optaram por utilizar o fator resolução de problemas (60%) para enfrentar a doença, o qual consistia na descrição de ações, planejamento, criatividade, participação ativa, busca de soluções para o problema, a fim de fazer o possível para auxiliar a situação, sem medir esforços. Esta estratégia esteve representada pela própria atitude do familiar entrevistado em assumir o cuidado, seja pelo forte vínculo afetivo ou por remeter à responsabilidade para com o familiar, estabelecido antes mesmo do início da doença.

Não tinha dia, final de semana, uma luta. Foi muito difícil o que passamos com ele. Sempre corri atrás das coisas para ele, fiquei envolvida com a situação dele, me dediquei ao estado dele e sempre fiz as coisas de boa intenção, de coração, o que for preciso eu faço por ele (E9b).

Eu corro atrás. Meu filho é vivo porque eu corri [...] (E7b).

A gente tenta dar apoio para o que ele precisa, até além do que a gente pode. Está tudo ali disponível pra ele, alimentação, tranqüilidade em casa, a gente tenta poupar, é até ruim, mas a gente tenta poupar. Não ficar criando tensão maior que ele já tem, né? E também não falar muito no assunto, tipo assim, to aqui, se precisar [...] (E10b).

Esse processo está relacionado à adesão ao tratamento e enfrentamento da situação e com a participação ativa do familiar por meio de ações criativas para superar as adversidades, o que exigia uma estrutura emocional flexível para identificar as possibilidades de ajuda ao paciente, a outros membros da família e a si mesmo. Essa dinâmica era refletida na disponibilidade para estar à frente dos cuidados, seja por acreditar em seu potencial para a função ou ter sido eleito pela família como o mais preparado para estar nessa posição e assumir o papel principal na tomada de decisões.

Mesmo diante de toda a dificuldade das famílias em vivenciar o adoecimento de um ente1919. Caetano JPM, Fernandes MV, Marcon SS, Decesaro MN. Refletindo sobre as relações familiais e os sentimentos aflorados no enfrentamento da doença crônica. Cienc Cuid Saúde. 2011 Out-Dez; 10(4):845-52. e todos os obstáculos para conduzir o processo de tratamento, 52% das respostas indicam que os familiares tiveram uma reavaliação positiva da situação, redescobriram sua importância na vida, realizaram mudanças pessoais, apontaram crescimento pessoal e desenvolveram novas crenças.

[...] mas eu acho que eu aprendi muito, tive que aprender para poder ajudar e até aceitar, mesmo sem querer (E8b).

Eu tive que me fortalecer, deixar que a minha fortaleza fosse maior. Já pensou se ele está ali precisando e você está ali, sem poder ajudar? (E7b).

Por meio dessa estratégia, percebe-se que houve uma reorganização interna dos fatos, o que permitiu encontrar subsídios, pensar soluções e valorizar aspectos positivos da situação com a intenção de amenizar a gravidade e aliviar a carga emotiva do acontecimento.1010. Savoia MG, Santana PR, Mejias NP. Adaptação do inventário de estratégias de coping de Folkman e Lazarus para o português. Psicol USP. 1996; 7(1-2):183-201. Isso é evidenciado quando referiram buscar alento nas orações e nas crenças religiosas.

[...] rezei muito. Todas as noites peço a Deus nas minhas orações, mas é difícil (E8b).

Eu oro muito por ele, o tempo é determinado por Deus, eu entrego tudo para ele. Ele ta coberto da graça de Deus (E9b).

Destarte, a estratégia de reavaliação positiva respondeu a uma necessidade da família de dar sentido à crise que estavam vivenciando e aos vários questionamentos que precisavam de respostas.1919. Caetano JPM, Fernandes MV, Marcon SS, Decesaro MN. Refletindo sobre as relações familiais e os sentimentos aflorados no enfrentamento da doença crônica. Cienc Cuid Saúde. 2011 Out-Dez; 10(4):845-52. Desta forma, para favorecer a adaptação aos novos desafios impostos pela doença, os familiares vão ao encontro de significados satisfatórios diante da adversidade e contavam com práticas espirituais e crenças para superarem a situação, enfrentarem mudanças e conquistarem qualidade de vida. Por meio de orações, participação em rituais e manutenção de crença, os familiares se recompunham, pois, esses encontros proporcionam conforto e esperança de que a situação podia melhorar, levando-os a aceitarem a situação sob um olhar mais maleável.20 20. Moreno V. Familiares de pacientes em hemodiálise: convivendo com condição crônica de saúde. Rev Rene. 2008 Out-Dez; 9(4):49-56.Um estudo realizado para verificar a associação entre a presença de problemas crônicos e a importância dada à espiritualidade, religiosidade e das crenças pessoais nessa circunstância, associando à qualidade de vida, identificou que tais fatores tem importância positiva e que devem ser considerados nas intervenções para melhorar a qualidade de vida desses pacientes.2121. Rocha NS, Fleck MPA. Avaliação de qualidade de vida e importância dada à espiritualidade/religiosidade/crenças pessoais (SRPB) em adultos com e sem problemas crônicos de saúde. Rev Psiq Clín. 2011; 38(1):19-23.

Assim, infere-se que pelo menos aparentemente, as ferramentas de apoio proporcionadas pela espiritualidade contemplavam a maior parte das necessidades emocionais dos familiares, visto que os médicos atendiam as necessidades clínicas do paciente.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os familiares em estudo mostraram que utilizam as estratégias de enfrentamento de modo e intensidade diversa, porém com envolvimento e grande participação no cuidado ao doente crônico. Isso revela que as famílias procuram de forma efetiva solucionar os problemas e focalizar a situação de maneira positiva. Os resultados relacionados à aplicação do inventário reforçaram os relatos da entrevista, especialmente ao descreverem as vivências com a doença e a hemodiálise, favorecendo a compreensão do processo de enfrentamento da doença renal vivenciado pelas famílias.

Cabe destacar que alguns familiares fizeram referência à atuação dos profissionais de saúde, principalmente os enfermeiros, ressaltando o papel que eles tinham no processo experienciado pela família no enfrentamento da doença, apontando a importância de um envolvimento maior da equipe de saúde nesse processo. Esse fato, por si só, já reforça a necessidade de se continuar investigando e investindo na capacitação profissional, no sentido de aprimorar a qualidade do cuidado e o apoio aos familiares, tendo como meta a instrumentalização do paciente e da família, tornando-os mais preparados e informados sobre as interfaces da doença e do tratamento, facilitando assim o processo de enfrentamento e a adaptação à condição de doente crônico.

Por fim, as estratégias mais frequentemente utilizadas pelos familiares entrevistados, destacam o valor e o esforço da família para atuar como sustentáculo emocional e estrutural, e por que não dizer financeiro, ao indivíduo renal crônico, demonstrando assim, mais uma vez, a importância de os profissionais de saúde incluírem e envolverem a família no plano assistencial.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2014

Histórico

  • Recebido
    13 Mar 2013
  • Aceito
    15 Jun 2013
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