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O cotidiano de mulheres grávidas moradoras no alojamento de uma maternidade social

El cotidiano de mujeres embarazadas em el hogar de una maternidad social

The daily life of pregnant women living in a social maternity shelter

Resumos

Estudo realizado em uma instituição que oferece moradia e atendimento à saúde para gestantes em situação de vulnerabilidade social. O objetivo foi compreender como as mulheres vivenciam o processo gravídico, morando nessa instituição. Em 2006, realizou-se entrevista semi-estruturada com 10 mulheres. Os depoimentos foram analisados, utilizando-se a fenomenologia social. Pela análise das categorias, compreendeu-se o tipo vivido: mulheres no processo gravídico, morando em uma instituição social e de saúde, como aquele grupo que, buscando soluções, procurou acolhimento e mudanças na condição de vida; no dia-a-dia no alojamento, convivendo positiva e negativamente com a experiência do outro, julgando-se em casa, mas também sentindo solidão, privação da liberdade e percebendo possibilidades de aprendizado. Após esta experiência, as mulheres pretendem retornar ao cotidiano com novos projetos. Mostra a importância da instituição para atenuar a angústia e as incertezas que influenciam os indicadores de saúde e proporcionar condição para reintegração social.

Gestantes; Condições sociais; Assistência social; Pesquisa qualitativa


Investigación realizada en una institución que ofrece hospedaje y atención de salud para mujeres embarazadas en situación de vulnerabilidad social. El objetivo fue comprender cómo vivencian las mujeres el proceso del embarazo, al vivir en esa institución. En el año de 2006 se realizó una entrevista parcialmente elaborada con diez mujeres. Los discursos fueron analizados según el referencial de la fenomenología social. Por el análisis de las categorías se comprendió el proceso vivenciado por las mujeres alojadas en una institución social y de salud, como aquel grupo que, buscando soluciones, procura acogida y cambio en su condición de vida, vive el cotidiano en el alojamiento, conviviendo positiva y negativamente con la experiencia del otro, sintiéndose como en casa, pero experimentando también soledad, privación de su libertad y percibiendo posibilidades de aprendizaje. Después de vivir esta experiencia, pretenden retornar al cotidiano con nuevos proyectos de vida. Se mostró la importancia que tiene la institución para atenuar la angustia y la incertidumbre que influye en los indicadores de salud y proporciona condición para la reintegración social.

Mujeres embarazadas; Condiciones sociales; Asistencia social; Investigación cualitativa


This study was carried out in an institution that offers lodging and health assistance for pregnant women in at-risk social situations. Its purpose was to better understand how women live pregnancy while they live in this institution. In 2006, 10 women participated in semi-structured interviews. The women's depositions were analyzed by the social phenomenology theoretical framework. Through category analysis, the lived types were classified as: women who lived the pregnancy living in a social and health care institution; as the social group which, searching for solutions, sought shelter and changes in their life conditions; lived their daily lives at the institution, coexisting negatively and positively with the experience of the other; judged themselves to be at home, but also felt solitude, freedom deprivation, and perceived learning possibilities. After this experience, they intended to return to their daily lives in new projects. The results disclosed the importance of the institution in order to attenuate affliction and the uncertainties that can influence biological health indicators, as well as to provide conditions for social reintegration.

Pregnant woman; Social conditions; Social assistance; Qualitative research


ARTIGO ORIGINAL

PESQUISA

O cotidiano de mulheres grávidas moradoras no alojamento de uma maternidade social

The daily life of pregnant women living in a social maternity shelter

El cotidiano de mujeres embarazadas em el hogar de una maternidad social

Soraya El Hakim ReisI; Isabel Cristina BonadioII; Maria Alice TsunechiroII; Miriam Aparecida Barbosa MerighiIII

IDoutora em Enfermagem. Professora de Enfermagem da Universidade Cruzeiro do Sul. São Paulo, Brasil

IIDoutora em Enfermagem. Professora do Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e Psiquiátrica da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo (EEUSP). São Paulo, Brasil

IIIDoutora em Enfermagem. Professor Titular do Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e Psiquiátrica da EEUSP. São Paulo, Brasil

Endereço Endereço: Soraya El Hakim Reis Rua Domingos Augusto Setti, 73, ap. 41 04116-070 - Vila Mariana, São Paulo, SP, Brasil E-mail: soraya_reis@ig.com.br

RESUMO

Estudo realizado em uma instituição que oferece moradia e atendimento à saúde para gestantes em situação de vulnerabilidade social. O objetivo foi compreender como as mulheres vivenciam o processo gravídico, morando nessa instituição. Em 2006, realizou-se entrevista semi-estruturada com 10 mulheres. Os depoimentos foram analisados, utilizando-se a fenomenologia social. Pela análise das categorias, compreendeu-se o tipo vivido: mulheres no processo gravídico, morando em uma instituição social e de saúde, como aquele grupo que, buscando soluções, procurou acolhimento e mudanças na condição de vida; no dia-a-dia no alojamento, convivendo positiva e negativamente com a experiência do outro, julgando-se em casa, mas também sentindo solidão, privação da liberdade e percebendo possibilidades de aprendizado. Após esta experiência, as mulheres pretendem retornar ao cotidiano com novos projetos. Mostra a importância da instituição para atenuar a angústia e as incertezas que influenciam os indicadores de saúde e proporcionar condição para reintegração social.

Palavras-chave: Gestantes. Condições sociais. Assistência social. Pesquisa qualitativa.

ABSTRACT

This study was carried out in an institution that offers lodging and health assistance for pregnant women in at-risk social situations. Its purpose was to better understand how women live pregnancy while they live in this institution. In 2006, 10 women participated in semi-structured interviews. The women's depositions were analyzed by the social phenomenology theoretical framework. Through category analysis, the lived types were classified as: women who lived the pregnancy living in a social and health care institution; as the social group which, searching for solutions, sought shelter and changes in their life conditions; lived their daily lives at the institution, coexisting negatively and positively with the experience of the other; judged themselves to be at home, but also felt solitude, freedom deprivation, and perceived learning possibilities. After this experience, they intended to return to their daily lives in new projects. The results disclosed the importance of the institution in order to attenuate affliction and the uncertainties that can influence biological health indicators, as well as to provide conditions for social reintegration.

Keywords: Pregnant woman. Social conditions. Social assistance. Qualitative research.

RESUMEN

Investigación realizada en una institución que ofrece hospedaje y atención de salud para mujeres embarazadas en situación de vulnerabilidad social. El objetivo fue comprender cómo vivencian las mujeres el proceso del embarazo, al vivir en esa institución. En el año de 2006 se realizó una entrevista parcialmente elaborada con diez mujeres. Los discursos fueron analizados según el referencial de la fenomenología social. Por el análisis de las categorías se comprendió el proceso vivenciado por las mujeres alojadas en una institución social y de salud, como aquel grupo que, buscando soluciones, procura acogida y cambio en su condición de vida, vive el cotidiano en el alojamiento, conviviendo positiva y negativamente con la experiencia del otro, sintiéndose como en casa, pero experimentando también soledad, privación de su libertad y percibiendo posibilidades de aprendizaje. Después de vivir esta experiencia, pretenden retornar al cotidiano con nuevos proyectos de vida. Se mostró la importancia que tiene la institución para atenuar la angustia y la incertidumbre que influye en los indicadores de salud y proporciona condición para la reintegración social.

Palabras Clave: Mujeres embarazadas. Condiciones sociales. Asistencia social. Investigación cualitativa.

INTRODUÇÃO

O interesse para estudar mulheres grávidas, moradoras no Alojamento Social do Amparo Maternal (ASAM), surgiu de nossa vivência profissional no Serviço de Pré-natal dessa instituição filantrópica da cidade de São Paulo - SP, que atua nos âmbitos social e de saúde. Fundada em 1939, sua filosofia é atender a todos que dela necessitem e, atualmente, está integrada ao Sistema Único de Saúde (SUS).

Em geral, as mulheres abrigadas na entidade, caracterizam-se pela gravidez que não foi aceita pelos familiares; são vítimas de violência doméstica; com situação econômica desfavorável; moradoras de outros estados, que vêm a São Paulo na expectativa de obter emprego, cuja gravidez inesperada inviabiliza a manutenção de seu vínculo empregatício. Com a ausência de vínculo familiar na cidade ou mesmo que o possuam, por vários motivos, são impossibilitadas de continuarem morando com os familiares durante a gravidez. Existem, também, as moradoras de rua e adolescentes que são encaminhadas pelo Conselho Tutelar.

Frente ao contato com gestantes do ASAM e nossa percepção de dois momentos distintos vividos por elas, antes e após irem morar na instituição, nosso interesse aumenta a fim de querer atendê-las com maior compreensão. De certa forma, as histórias de vida dessas mulheres sensibilizam-nos pela situação particular por que passam.

A vivência de cuidar dessas mulheres, como enfermeiras e docentes, ampliou as inquietações a respeito da temática, despertando as indagações: como é o cotidiano das mulheres gestantes nesse contexto? Como vivenciam o processo gravídico dentro desse cenário institucional particular, considerando que, normalmente, a gestação é um período de transformações fisiológica e psicológica?

Um estudo sobre as características de saúde de mães sem lar, comparadas às de mães com moradia, porém ambas de baixa renda, concluiu que as duas populações têm suas condições de saúde agravadas. Os resultados sugerem que mulheres sem lar apresentam maior risco de resultados de saúde adversos, por apresentarem mais vulnerabilidade para HIV, maior possibilidade de doença e maior índice de emergência e hospitalização.1 Mães sem lar têm recursos econômicos e suporte social deficientes e estão mais sujeitas aos ataques, violência durante a vida e problemas de saúde mental, tendo a depressão como resultado significativo.2-3

Na Flórida - Estados Unidos da América, mulheres grávidas sem moradia fixa ou que vivem em abrigos improvisados, em casa de estranhos, na rua, ou trocam de moradia duas a três vezes no período de um ano, enfrentam dificuldades no cuidado pré-natal. Entre elas, destacam-se o tempo de espera para atendimento da consulta, a distância e o transporte.4 Situação semelhante ocorre entre mulheres grávidas da Nicarágua que vivem no campo e procuram ou são encaminhadas às "casas maternas", em razão da grande distância entre suas moradias e o centro de saúde para realização do pré-natal.5

As mulheres gestantes sem lar são heterogêneas, embora vivenciem a mesma situação, não significa que sejam iguais. Diante disso, as enfermeiras e toda a equipe multidisciplinar devem ter um repertório de estratégias e alternativas para que o cuidado seja individualizado.6

Investigar e compreender a vivência de mulheres no processo gravídico, como moradoras em uma instituição social e de saúde, resultará em subsídios para proposição de ações específicas no cuidado à saúde materna que, envolvam os âmbitos biológico, psicológico e social. Medidas que atenuem angústias, tensões, incertezas e medos, podem influenciar os indicadores biológicos de saúde e proporcionar condições de reintegração social a essas mulheres.

Desta forma, sentimos a necessidade de buscar a significação desse fenômeno definindo para esta investigação o objetivo de compreender como as mulheres vivenciam o processo gravídico, morando em uma instituição social e de saúde.

O CAMINHO PARA O DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo – Processo Nº 561/2006/CEP-EEUSP.

A escolha metodológica para investigar, descrever e compreender esta particular realidade social recaiu sobre a pesquisa qualitativa fenomenológica, que permite descrever o fenômeno como tal, reconhecendo nas relações a essência do ser.7

Dentre as modalidades da pesquisa qualitativa, a fenomenologia social de Alfred Schütz foi a escolhida para este estudo, pois possibilita a investigação do cotidiano para explicar a realidade concreta. Todas as experiências diretas dos seres humanos são as "em e de seu mundo da vida". O mundo da vida é simplesmente toda a esfera das experiências cotidianas do homem. Viver no mundo da vida cotidiana significa viver em envolvimento interativo com muitas pessoas em complexas redes de relacionamentos sociais.

Na busca pela compreensão do fenômeno – a realidade concreta de mulheres que vivenciam o processo gravídico morando no ASAM, entendendo que ele não é individual, mas, de um grupo de pessoas que o experiência em um mesmo contexto social, ou seja, morando em uma instituição social e de saúde, compreendemos ser adequado utilizar o referencial da fenomenologia social de Alfred Schütz e, assim, fizemos.

Ao investigarmos os impulsos subjetivos por trás da ação humana, encontraremos a teoria da motivação. Os homens agem em função de motivações dirigidas a objetivos que apontam para o futuro, denominadas por Schütz de "motivo a fim de" ou "motivos para". Por outro lado, os homens têm razões para suas ações e preocupam-se com elas. Estas razões estão enraizadas em experiências passadas. Schütz denominou-as "motivos por que".8-9

Na relação social, os atores desempenham "tipos" que não são vistos individualmente, pois se relacionam dentro de um grupo social. Sendo assim, o comportamento vivido dos atores sociais apresenta características típicas daquele grupo social. Neste sentido, pretendemos por meio da compreensão do comportamento social de mulheres que vivem a mesma experiência, ou seja, que estão vivendo o processo gravídico morando em uma instituição social e de saúde, construir o "tipo vivido" desse grupo.

Na vida cotidiana, realizamos tipificações, mas isto não modifica nossa atitude em relação à vida e às suas exigências práticas. Não somos "tipos fixados", há uma margem de liberdade, sendo assim podemos parar de desempenhar o papel que o "tipo" nos havia imposto. A tipificação possibilita a apreensão da consciência do outro, que não é apenas apreensão individual, porque vivemos com o outro na relação social. É a partir da análise das relações sociais que chegamos ao tipo vivido.10-11

Para compreender as experiências vividas pelas mulheres no ASAM e seu significado, investigamos suas ações com base em seu mundo de vida e suas interações dentro do mundo social, desvelando os motivos para e os motivos por que de suas ações. As ações sociais dessas mulheres não estão só vinculadas a um passado, mas direcionam-se a um futuro, e o significado atribuído por elas às suas ações está baseado na situação biográfica de cada uma, ou seja, em sua bagagem de conhecimento disponível. Portanto, compreender as ações dessas mulheres só será possível, mediante o significado que elas conferirem a suas ações.

A ação é definida como uma conduta que é prevista, isto é, baseada em um projeto preconcebido pelo ator de maneira consciente. Toda ação manifestada é ao mesmo tempo projetada e dotada de propósito. Todo projetar consiste na antecipação do comportamento futuro, ao fantasiar uma ação visualizo antecipadamente o ato que estou projetando, como se já tivesse sido efetuado, ou seja, completado.8,12

A caracterização do grupo social das mulheres estudadas, denominada por Schütz de tipificação, irá emergir da descrição do comportamento social de mulheres que vivenciaram o processo gravídico no contexto de uma situação social específica.

Os sujeitos deste estudo são mulheres que viveram o processo gravídico, de forma singular, como moradoras do ASAM. A priori, seu número não foi estabelecido, mas definido em função da qualidade do conteúdo que respondia ao objetivo do estudo e pela repetição de informações, demonstrando a essência do fenômeno desvelado. Assim, as colaboradoras são 10 mulheres, entre gestantes e puérperas. Utilizamos os depoimentos tanto de gestantes como de puérperas por acreditar na riqueza do conteúdo, pelo fato das puérperas já terem vivido todo o processo gravídico.

Os dados foram coletados no segundo semestre de 2006, por meio de entrevistas individuais gravadas que proporcionaram a obtenção do significado subjetivo da ação humana pelos sujeitos deste estudo. As entrevistas foram realizadas após orientação às colaboradoras sobre os objetivos da pesquisa, o anonimato e da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. As questões norteadoras foram: qual era sua expectativa ao vir para cá? Como é viver aqui neste período, estando grávida? O que você pretende fazer quando for embora?

Após transcrever na íntegra os depoimentos, realizamos leituras minuciosas do material bruto objetivando obter o sentido geral das experiências vividas por elas. Nas leituras subseqüentes, foram identificados os trechos das falas que tinham maior significado (unidade de significado) e que se relacionavam com os objetivos do estudo. Sendo assim, agrupamos os aspectos em comum das unidades de significado, isto é, as convergências ou invariantes, que possibilitaram o emergir das categorias concretas do vivido de mulheres moradoras em uma instituição social e de saúde. Os trechos de falas estão identificados pela composição da letra D ( Depoimento) e do algarismo arábico na ordem de inclusão dos sujeitos no estudo.

Simultaneamente à construção das categorias, dedicamos atenção aos "motivos por que" e aos "motivos para" das ações das mulheres. Após a organização e categorização do material, obteve-se a tipologia do vivido. O tipo vivido é a reflexão da vivência do sentido comum que ocorre em um determinado contexto, no cotidiano do mundo social. A tipificação desempenha um papel importante na compreensão do outro e na intenção social.12

RESULTADOS E DISCUSSÃO

O agrupamento das unidades de significado resultou em três categorias: buscando soluções; o dia-a-dia no ASAM e retornando ao cotidiano com novos projetos.

Buscando soluções emergiu das subcategorias em busca de acolhimento e querendo mudança na condição de vida.

Sabe, quando você sai de casa sem rumo? Eu saí sem rumo. Aí uma mulher me encontrou chorando na rua, perguntou o que aconteceu, eu falei. Aí ela me falou daqui. Eu nem sabia que existia este lugar, [...] (D1).

[...], o objetivo que eu tinha era vir para cá, era de não ficar na rua, ficar por ai andando grávida, né? [...] (D4).

Minha expectativa era de mudar, né? Aqui têm as regras, não ia poder beber, não ter contato com as drogas, não poderia sair, sabia que eu não ia pode fazer toda as coisas (D3).

[...] a expectativa de vim para cá, é de ter uma vida diferente de vida, melhor, e de parar de usar drogas.Se eu continuasse com esta vida que eu estava, eu ia morrer e matar o meu filho (D6).

Ficar na rua grávida impede que as mulheres obtenham qualquer tipo de assistência à saúde, comprometendo o equilíbrio biopsicossocial necessário para que a gravidez evolua normalmente. Diante da atitude natural, as mulheres enfrentaram esta situação lançando mão da bagagem de conhecimento adquirido no decorrer de suas vidas. Na busca de soluções para seus problemas, depositaram no ASAM a esperança de serem acolhidas. A vivência da gravidez associada à perda de seu convívio social habitual e da moradia gerou nas mulheres várias preocupações, destacando-se como recuperar abrigo, deixar de usar drogas e ter nutrição adequada para uma gravidez mais tranqüila.

O ASAM foi buscado com a intenção de mudança de vida que, de certa forma, estava sendo projetada por elas. Ir viver no ASAM serviu de incentivo para mudança de postura de vida, tanto às mulheres que faziam uso de drogas como àquelas que permaneciam fora de casa por muito tempo, quer por lazer ou fuga. O fato de submeterem-se às normas e regras possibilitou deixarem de usar drogas lícitas e ilícitas temporariamente, como também não permanecerem na rua durante a gravidez garantindo, assim, uma vida melhor nessa condição.

A Fenomenologia Social permitiu desvelar os "motivos para" que as impulsionaram na busca de soluções aos problemas decorrentes da gravidez. Diante de poucas possibilidades de continuarem no mesmo ambiente social após a descoberta da gestação, as mulheres buscaram uma maneira para solucionar o problema. Para isso, empreenderam ações que beneficiassem a elas e a seus filhos. As subcategorias que compõem a categoria buscando soluções estão repletas de "motivos para", evidenciados nos discursos apresentados.

O dia-a-dia no ASAM emergiu das seguintes subcategorias: convivendo positivamente com a experiência do outro, sentindo-se em casa, convivendo negativamente com a experiência do outro, sentindo falta dos familiares, sentindo solidão, sentindo-se privada de liberdade, percebendo receber apoio durante a gestação, percebendo a possibilidade de aprendizado. A análise desta categoria fundamentou a compreensão da vivência do processo gravídico de mulheres moradoras em uma instituição social e de saúde.

Viver aqui você aprende muita coisa, porque você convive com muitas pessoas. [...] Você acaba aprendendo a respeitar, cada um tem uma opinião, então [...] (D7).

Aqui é como eu estivesse em casa, com um monte de irmãos, cada um com uma natureza, cada uma tem uma religião, cada um vê a vida com um sentido, cada um com um exemplo de vida (D10).

Esta verbalização está repleta de significado, pois a mulher considera que viver no ASAM é semelhante ao convívio familiar. Ora recebe carinho como se estivesse no colo da mãe e também ocorrem divergências com seus semelhantes como em seu lar. No entanto, o que fica explícito, é o ambiente acolhedor que encontrou, como o de um lar.

Eu não gosto de fofoca e não tenho paciência também. [...] Têm meninas que ficam falando da vida do outro, em vez de se preocupar com sua própria vida (D1).

Podemos perceber as dificuldades no convívio social entre as mulheres que vivem o processo da maternidade, morando no ASAM. As diferenças de comportamento entre as pessoas são apontadas por elas como geradoras de conflitos que surgem das conversas que trocam entre si. Mesmo experienciando esse convívio conflituoso não responsabilizam o ASAM, mas, a relação entre as pessoas.

Tinha dias que a gente ficava triste, porque estava longe de todos, todo mundo, da família, pai, do meu filho (D7).

Eu sinto muita saudades de minha família [...] é difícil ficar aqui (D8).

[...] está longe da família é muito dolorido, dá muita dor no coração, tremores (D10).

Independente das mulheres terem ou não boas relações com seus familiares antes de morarem no ASAM, sentem falta da família e têm a oportunidade de refletir a respeito da relação social que mantinham com seus familiares. Culpam-se por algumas atitudes cometidas e que levaram ao arrependimento. É notória a importância do convívio familiar às mulheres.

Elas têm na memória a relação face a face que estabeleciam com seus familiares, lembram das experiências diretas com eles, e por estarem no ASAM esta relação passa a ser retrospectiva. Mesmo depois da situação face a face já ser passado, elas ainda retém suas características essenciais.8

A solidão acontece pela sensibilidade emocional própria da gestação, associada à falta de liberdade, à não aceitação de precisar da instituição e à saudade de seus familiares. É interessante notar que, ao mesmo tempo, as mulheres referem que permanecer no ASAM traz solidão, mencionam logo em seguida, que não é pelo lugar, justificando que o mesmo é bom. Reconhecem, portanto, que a instituição traz benefícios, porém não impede o sentimento de solidão.

Eu fiquei uma semana com depressão [...] fiquei com medo dela voltar. [...] Viver aqui com a gestação fica com depressão, neste lugar, [...] porque você não tem direito de sair. Agora, viver aqui, eu vivo na solidão [...] no fundo, eu não queria estar aqui [...] mas vai fazer o quê, não tenho outro lugar para ir [...]. Não é pelo lugar, o lugar é bom, mas tem coisa que eu não concordo [...] esta criança vai nascer revoltada [...] sou revoltada [...] fico nervosa aqui dentro [...] mas é muito bom por um lado; e assim estou até hoje aqui (D2).

As mulheres relatam a falta de liberdade que sentem por estarem morando na instituição, comparando-a com um presídio. Embora para viver fora da instituição também haja regras e as mulheres estão submetidas a elas, não percebem a necessidade da adoção de algumas rotinas à própria organização e funcionamento da instituição. No entanto, é natural, sentirem-se aprisionadas, pois a falsa sensação de liberdade da rua é comparada ao modo de viver no ASAM, como viver tendo regras e atividades a serem cumpridas.

E tem mais, não pode dormir fora, perde a vaga também. Acho errado também, não é porque você dorme fora é que tem um lugar [...] e se você dormir em um hospital? [...] isto é pior que uma cadeia, não quero ficar aqui [...]. Aqui a gente trabalha [...] e é impedido de sair [...] você tem direito a uma saída por semana [...] isto é contra a lei, impedir da pessoa sair [...]. Aqui é o fim do mundo, eu só estou aqui por causa desta criança [...] (D2).

No mundo da vida cotidiana, encontramos barreiras, dificuldades e diante delas devemos agir para vencê-las ou nos conformarmos.8 Neste sentido, ao procurarem resolver seus conflitos, estando grávidas e não tendo onde morar, as mulheres agiram indo morar no ASAM temporariamente.

É bom porque você recebe comida, cobertor e banho (D2).

Bom, viver aqui, ah, é muito bom! A gente tem ajuda [...]. Tudo que a gente precisa a gente tem. Tem os médicos do pré-natal, falam que está tudo bem com o bebê [...]. O meu espírito está mais calmo [...] estou bem tranqüila em tudo. O meu relacionamento está tudo bem. Eu não tenho o que reclamar,[...]. Aqui é muito bom, tem ajuda de tudo, tudo que a gente precisa, a gente tem (D4).

[...] eu tenho que agradecer o Amparo, porque ele me recebeu de braços abertos. Tudo o que eu fiz aqui dentro, eles estavam do meu lado [...]. Eu acho aqui bom, a gente não tem para onde ir [...]. Se não fosse eles o meu filho não estava mais vivo, se estivesse na rua não tinha o que comer e aqui no Amparo tem. Não ia ter como tomar banho, me cobrir, como comer, a criança quando a mãe não come, ela não come, eu ia ter ela na rua (D5).

O Amparo Maternal me deu assim uma certeza psicológica [...]. O Amparo me trouxe uma alegria profunda, uma vontade de viver. Eu mal me olhava no espelho e, hoje, eu me sinto resolvida, concentrada [...] um lugar que tem todas as atividades [...] (D10).

Da mesma maneira que as regras e rotinas tolhem a liberdade, viver no ASAM apareceu também como um aprendizado de vida, pois tiveram de respeitar os limites de suas ações, como: acordar cedo, ter horário para o banho e ter responsabilidade, aspectos que não eram cobrados no contexto social anterior.

Para as mulheres, o que foi apreendido neste contexto social será levado como uma lição de vida. As experiências vividas farão parte de seus conhecimentos, de suas memórias e as acompanharão na trajetória de suas vidas. O conhecimento técnico adquirido nos cursos foi destacado como favorável, possibilitando-lhes que obtivessem habilidades manuais que podem levar ao desempenho de alguma atividade remunerada, quando saírem da instituição propiciando, assim, melhores condições econômicas e de reintegração social.

Por uma parte é bom [...] tem o curso, eu gosto do curso, eu gosto daqui, entendeu? [...] aqui você aprende coisas, que não aprende lá fora, tipo regras, acordar cedo. Ir para a cozinha, tem que ter responsabilidade. Tal hora tem que tomar banho, tal hora apagar a luz do quarto, tal hora tem que dormir [...]. Aqui aprende regras, coisa que não aprende lá fora (D1).

Viver aqui você aprende muita coisa, porque você convive com muitas pessoas, tudo para mim foi bom. Foi uma lição de vida [...] para mim foi muito bom assim, é bom aqui os cursos (D7).

As mulheres moradoras no ASAM estão unidas e relacionam-se em um ambiente em comum. Percebem umas as outras e estabelecem uma relação social. Elas viveram suas experiências no processo gravídico com os outros de forma direta. Esta relação se fez no mesmo tempo e espaço, enfrentaram problemas e posicionaram-se diante deles. Nesse convívio, perceberam as diferenças sociais e tiveram como resposta desta percepção a aceitação ou não das diferenças. O mundo natural sendo comum a todos nós, é o mundo das experiências, no qual as pessoas relacionam-se em seu cotidiano, travando, assim, uma relação social.12

Compreenderam que cada mulher tem e mostra sua história que é compartilhada naquela situação em comum entre elas. Vivenciaram juntas algumas situações semelhantes, como a falta dos familiares, a solidão, a privação da liberdade, a percepção do apoio durante a gestação e a possibilidade de aprendizagem. Nesta situação, perceberam que seu semelhante faz parte de seu mundo de experiência, mesmo nas relações não favoráveis.

Na categoria retornando ao cotidiano com novos projetos, fica explícito o forte "motivo para" as mulheres moradoras da instituição social e de saúde, cenário deste estudo, retornarem a seu cotidiano, tendo uma expectativa de melhora de vida.

Ser alguém na vida, esquecer as coisas ruins que passou, coisa ruim fica para trás, pensar em coisa boa [...] e ser alguém na vida [...] correr atrás de meu sonho [...] (D1).

Tenho uma visão do meu futuro bem brilhante, bem mais brilhante do que antes [...]. Agora os meus sonho é mais colorido do que antes. Para este menino, tenho vários sonhos [...] (D10).

Procurar um serviço, [...] cuidar de minha filha [...] voltar a trabalhar como cabeleireira, alugar uma casa, viver individualmente eu e meu filho, fazer supletivo, tirar minha carta de motorista. Tenho que ter minha responsabilidade como cuidar, com quem deixar, meu futuro será muito brilhante (D10).

Pretendo colocar na creche, voltar a trabalhar e construir uma família, já que eu não pude ter minha família lá trás. Eu posso ter agora e quero contar para o pai dela que eu estava grávida. Meu pai quer que eu vou atrás dele, para ele pagar a pensão (D8).

Percebemos que as mulheres apresentaram projetos futuros em dois momentos: o primeiro, ao procurarem a instituição como forma de obter acolhimento e condições de mudança de vida. O segundo, quando pretendem retomar seu cotidiano não como era, mas projetando uma vida melhor. Ao retornarem ao cotidiano, as mulheres são estimuladas a projetarem atos futuros, que vêm ao encontro de seus propósitos, ou seja, obterem condições de vida melhor. Toda ação é a execução de um ato projetado, e esta ação é espontânea e subjetiva quando é orientada para o objetivo futuro, "motivo para", ou seja, o que se pretende alcançar com uma determinada ação.Os homens têm razões para suas ações e estas estão assentadas em experiências passadas, denominadas de "motivos por que".12

Ao saírem da instituição, esperam conseguir realizar seus sonhos que se relacionam à mudança de vida e busca da felicidade. Querem esquecer as coisas ruins pelas quais passaram, sonhando com um futuro brilhante, tanto para elas como a seus filhos. A conquista do sonho depende de suas próprias ações e, também, de obter ajuda. A princípio, o sonho foi sendo desenhado nos discursos, como algo possível de ser realizado, porém sem nenhuma estratégia concreta ou efetiva para consegui-lo. Estava na fantasia, no imaginário, porém as mulheres começaram a traçar a maneira que iriam conseguir este sonho de uma vida melhor, saindo da fantasia e passando para a intenção de realização. Pelos depoimentos, percebemos um significado muito forte para as mulheres, o fato de não retomarem seu dia-a-dia como viviam antes, carregado, muitas vezes, de problemas sociais.

Cuidar do filho que nasceu, proporciona força para seguirem em frente. Pelos discursos foi possível perceber, que o trabalho é a principal maneira vista por elas de oferecer cuidados maternos necessários. Para que possam trabalhar, percebem a necessidade de ter um local para seus filhos ficarem e vêem na creche, a melhor opção.

Embora o projeto de obterem uma vida melhor tenha sido elaborado, não sabem de antemão quais alternativas as levarão, com certeza, ao fim desejado. No entanto, podem imaginar quais caminhos consideram mais apropriados. Quando os "motivos para" foram elaborados, as mulheres fizeram uso de seu "estoque" de conhecimento, ou seja, de suas experiências anteriores. Só, retrospectivamente, o ator verá se seu projeto resultou no que foi esperado por ele.8

Assim, neste estudo, foi possível construir o tipo vivido "mulheres que vivenciam o processo gravídico morando em uma instituição social e de saúde", como aquele grupo social que buscando soluções aos conflitos decorrentes da gravidez, procura ser acolhido e mudar sua condição de vida. No dia-a-dia no ASAM, convivem positiva e negativamente com a experiência do outro, sentem-se em casa, mas, também, sentem falta dos familiares, privação da liberdade, solidão, percebem receber apoio e a possibilidade de aprendizado. Após o alcance da solução buscada e a experiência vivida no dia-a-dia no ASAM, este grupo social retorna ao cotidiano com novos projetos.

Interpretando o tipo vivido

As categorias apresentadas permitiram descrever o tipo vivido, isto é, o vivido do comportamento social que se mostrou algo que tipifica, de forma convergente nas intenções das próprias mulheres como uma estrutura vivenciada única.

Para Schütz, a reciprocidade de intenção na relação face a face é a melhor maneira que o outro se apresenta para mim. Neste sentido, as mulheres que vivenciaram o processo gravídico, morando no ASAM, relacionaram-se em um ambiente em comum. Perceberam umas as outras e estabeleceram uma relação social face a face. Esta percepção só foi possível porque compartilharam experiências em comum.

Pela reflexão, consideraram a experiência com o outro nessa relação social benéfica, pois aprenderam a conviver com a diversidade, tiveram um aprendizado de vida (D4). Ao vivenciarem o processo gravídico, morando em uma instituição social e de saúde, colocaram-se de forma direta umas com as outras e também com os profissionais que as assistiram, ultrapassando a intersubjetividade, que é um datum do mundo da vida.12

Nesta relação social face a face, elas não só perceberam as diferenças entre seus semelhantes como procuraram aprender com estas diferenças, respeitando a opinião do outro mesmo na diversidade. Compreenderam que cada mulher tem e mostra sua história que é compartilhada naquela situação em comum entre elas, desvelando a atitude natural. É pela atitude natural que o homem experimenta e enfrenta o mundo intersubjetivo, seja o mundo do senso comum ou da vida diária.12

A vivência do processo gravídico em um contexto especial foi repleta de significados e de "motivos para", estimulando as mulheres a projetarem atos futuros. De certa forma, foram motivadas, mediante a reflexão de suas experiências anteriores e da bagagem de conhecimento, ou seja, da situação biográfica. Sendo assim, não pretendem viver como antes, mas retornar ao cotidiano com novos projetos.

Desta forma, interpretamos o tipo vivido, mulheres que vivenciam o processo gravídico, morando em uma instituição social e de saúde, desvelado neste estudo, como o daquele grupo social que, viveu uma relação social intersubjetiva e pode projetar ações para um futuro melhor. A partir do mundo da vida (experiência no ASAM) as mulheres foram motivadas para realizarem ações e escolhas, podendo ter condição de reintegração social e de lutar pela conquista de seus sonhos.

Compreendemos que, quando o indivíduo mantém ou recupera sua auto-estima, acredita ter possibilidade de mudança. Neste sentido, como profissionais da saúde, devemos estimulá-las para que viabilizem a esperança de um futuro melhor.

Reconhecemos a situação vivida pelas mulheres nesse contexto como sendo de ganhos e perdas, pois sentiram-se privadas da liberdade social, mas conscientes do apoio que receberam durante a gestação e da possibilidade de aprendizado.

O tipo vivido mostrou aquela mulher que percebe sua vivência no processo gravídico como moradora no ASAM com ganhos, quando manifestou que esta instituição recebeu as mulheres que não tinham para onde ir, tirando-as das ruas e oferecendo-lhes abrigo. Receberam o apoio necessário durante a gestação, destacando-se a alimentação e a tranqüilidade, porque receberam cuidados para sua saúde, garantindo a sobrevida de ambos, mãe e filho. Tiveram esperança de que vivenciar a gravidez morando na instituição, possibilitasse mudança de vida, ou seja, que pudessem mudar suas atitudes diante das adversidades.

Na relação face a face entre elas e os profissionais, de um modo geral, vivenciaram positivamente suas experiências, justificando este ganho quando estabeleceram um relacionamento favorável com a experiência do outro, sentindo como se a instituição fosse a continuidade de sua casa, aqui é como se estivesse em casa com um monte de irmão (D10), recebendo apoio e cuidado necessário à saúde materna que, muitas vezes, superaram as expectativas e proporcionaram a tranqüilidade que passaram a sentir diante da gestação, escutam [...] (D4), ouvem [...] (D4), tratam bem [...] (D3), desabafo [...] (D9), não tratam com diferença por ser do social [...] (D3), me ajudou a encarar a gravidez como algo normal [...] (D10).

Neste contexto social, as mulheres tiveram perdas, viver aqui não é fácil para ninguém, a gente fica presa, parece um tipo de presídio (D5), ficar aqui grávida não é bom, a gente fica muito carente (D6),pois em alguns momentos sentiram falta dos familiares, solidão, privação da liberdade decorrente da necessidade de respeitar as normas da instituição. O sentido de perda está relacionado à dificuldade nas relações pessoais, demonstrando-se incomodadas com as diferentes maneiras de comportamento entre as mulheres.

Diante desta situação, compreendemos que as gestantes vieram de um contexto particular e procuraram a instituição buscando solucionar seus problemas sociais agravados pela gestação, a minha expectativa é que ia me ajudar (D10). Na atitude natural, as mulheres buscam solucionar seus problemas, que devem ser compreendidos pelos profissionais da área da saúde. A adoção desta atitude é um primeiro passo para o oferecimento de uma assistência digna a elas. Se as gestantes procuraram acolhimento, cabe aos profissionais acolhê-las de forma que seus problemas sejam minimizados e nossas ações estejam, de acordo com suas necessidades, inteirando-se e considerando o contexto social em que elas viviam. Devemos continuar oferecendo assistência às mulheres da mesma maneira como idealizada por Madre Domineuc, sem distinção de classe social e raça.

Madre Domineuc atendia a quem fosse procurá-la, tinha o interesse de ajudar às mulheres em suas necessidades reais, tais como: comer, vestir e hospedar-se, oferecendo-lhes também a oportunidade de recomeçarem uma nova vida.13

Neste sentido, acreditamos ser de fundamental importância para o profissional da saúde contextualizar a vivência da mulher no processo gravídico, para prestar uma assistência mais voltada às suas necessidades. Estudo realizado no pré-natal do Amparo Maternal revelou que o cuidado pré-natal transformou a vivência da gravidez com sentimentos predominantemente negativos em vivência positiva. Assim, proporcionou segurança e confiança, possibilitando crescimento emocional às mulheres. A comunicação contextualizada e personalizada utilizada pelas enfermeiras do pré-natal possibilitou o atendimento das necessidades das mulheres que buscaram o cuidado profissional, reforçando a importância de uma equipe de saúde atenta às necessidades da clientela e envolvida com o atendimento da pessoa em todas as suas dimensões, integrando os aspectos técnicos e expressivos da assistência.14

É preciso estabelecer uma maneira sistemática de integração do trabalho com outros profissionais que participam na assistência a estas mulheres, como os médicos, assistentes sociais, psicólogas e fisioterapeutas, tendo como objetivo a integralidade da assistência. Acreditamos que considerar e discutir, rotineiramente, com outros profissionais as condições sociais e as necessidades específicas demonstradas pelas mulheres em seu cotidiano contribuirão para a diminuição das sensações e experiências de perda.

Sabemos que, ao retornarem ao cotidiano, embora outras experiências também tenham acontecido para aquelas pessoas que conviviam com as mulheres e que já não são exatamente como eram, muito provavelmente, os conflitos sociais ainda estejam presentes e, de certa forma, poderão representar para elas dificuldades na realização de seus sonhos. O importante é que este grupo social de mulheres conseguiu projetar novos caminhos para suas vidas. Estes novos projetos, desde que concretizados dar-lhes-ão oportunidade de mudança de vida. Este é o primeiro passo, para que de fato as transformações ocorram, e o sonho de uma vida melhor seja alcançado.

TECENDO CONSIDERAÇÕES

A possibilidade de compreender como as mulheres vivenciaram o processo gravídico morando em uma instituição social e de saúde, contribuiu com um novo olhar às relações sociais, às experiências do outro e aos motivos que os levam às ações. Não só as mulheres do estudo, mas, todas as que vivenciam o processo gravídico dentro de um contexto social específico. Mesmo que a experiência de outro grupo de mulheres não seja a mesma vivida pelas moradoras no ASAM, podemos encontrar semelhanças de necessidades sociais e de saúde que, também, demandam ações específicas. Se antes do estudo, compreendíamos a necessidade de ouvi-las, de dar-lhes a liberdade de falar, de estar perto, ajudando-as a solucionar seus problemas, a partir de agora, o faremos com muito mais propriedade, atentas àquilo a que elas vierem buscar.

Na relação social intersubjetiva de mulheres inseridas temporariamente em um espaço comum de experiência, foi relevante observar que, em certos momentos, também fazemos parte daquele cotidiano e compartilhamos o mesmo ambiente. Conscientizamo-nos de que essas mulheres são elementos de nossa própria situação biográfica e vice-versa. Desta forma, reconhecemos aquele ambiente como um espaço de compartilhamento com as mulheres, e que fazemos parte de suas experiências, como elas das nossas.

Estamos estimuladas a oferecer cada vez mais o melhor, para que as mulheres vivenciem esta experiência com muito mais ganhos e, se houver perdas, que estas sejam minimizadas. Entendemos que na vida cotidiana do homem não só ganhamos, perdemos também e, sem dúvida nenhuma, aprendemos com as duas situações, mas se pudermos contribuir como profissionais da saúde, para que as perdas não tragam danos ao indivíduo estaremos cumprindo nosso papel.

O ASAM aparece na vida das mulheres, como esperança (D10); ajuda (D10); ser assistida com dignidade (D3); uma luz no fim do túnel (D10). E é, exatamente essa luz que deveremos manter acesa, para que possamos dar continuidade ao objetivo de Madre Domineuc: oferecer acolhimento a todas as mulheres que necessitarem da instituição. Esta é uma possibilidade de reintegração social.

O estudo mostrou a importância da instituição para a reintegração social e que pode ser um modelo de assistência social e de saúde, para mulheres grávidas em situação de vulnerabilidade social. Tendo em vista os esforços do Ministério da Saúde para melhorar indicadores de saúde por meio do Pacto Nacional pela Redução da Mortalidade Materna e Neonatal, esse modelo poderá sugerir uma política de atenção a ser incorporada ao contexto do SUS.

Recebido em: 14 de janeiro de 2008

Aprovação final: 30 de julho de 2008

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Out 2008
    • Data do Fascículo
      Set 2008

    Histórico

    • Aceito
      30 Jul 2008
    • Recebido
      14 Jan 2008
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