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Algumas considerações acerca do processo de viver humano de técnicos(as) de enfermagem recém-admitidos(as) em um hospital escola

Algunas consideraciones sobre el proceso de vivir humano de técnicos(as) de enfermería recién admitidos(as) en un hospital escuela

Some considerations concerning the human living process of recentilyhired nursing technicians in a university hospital

Resumos

O estudo pretendeu compreender o processo de viver humano de técnico(a)s de enfermagem recém-admitido(a)s em instituições de saúde na perspectiva de apreender a sua realidade, buscando através da discussão coletiva construir espaços que propiciassem o viver saudável. A metodologia contemplou princípios da pesquisa ação participante e incluiu entrevista individual e reflexão focal em grupo. Dez técnico(a)s de enfermagem recém-admitido(a)s em hospital universitário participaram do estudo. Concluiu que a oportunidade de discutir aspectos concretos do cotidiano de trabalho na perspectiva de um viver saudável, o encontro com o outro, a possibilidade de dividir angústias e buscar caminhos para a mudança foram aspectos da participação na pesquisa considerados positivos. Assim, o(a)s participantes saem fortalecidos do processo e entendem que não estão sozinhos nesta caminhada. Seus anseios, seus medos, seus sonhos são partilhados no processo, quando encontram parceiros desta mesma jornada.

Recursos humanos de enfermagem no hospital; Satisfação no emprego; Hospitais universitários


El presente estudio pretende comprender el proceso de vivir humano de técnicos(as) de enfermería recién admitidos en instituciones de salud, con el objetivo de aprehender su realidad, buscando, a través de la discusión colectiva, construir espacios que propicien el vivir saludable. La metodología elegida contempló principios de la investigación acción participante e incluyó la entrevista individual y la reflexión en grupo focal, del cual participaron diez técnicos(as) de enfermería recién admitidos(as) en un hospital escuela. El estudio concluyó que la oportunidad de discutir aspectos concretos del cotidiano del trabajo, en la perspectiva de un vivir saludable, el encuentro con el otro, la posibilidad de dividir angustias y buscar caminos para el cambio, fueron aspectos de la participación en la investigación considerados positivos. De esa forma, los técnicos(as) de enfermería salen fortalecidos del proceso, entienden que no están solos en esta caminada. Sus anhelos, sus miedos, sus sueños son compartidos en el proceso cuando encuentran compañeros de esta misma jornada.

Personal de enfermería en hospital; Satisfacción en el trabajo; Hospitales universitarios


This study attempts to shed light upon the human living process of nursing technicians recently-hired to health care institutions within the perspective of learning more of their reality, seeking through collective discussion the construction of arenas that provide for healthy living. The methodology used contemplated the principles of active participation research and included individual interviews and focus group reflection. Ten (10) nursing technicians recently-hired to a university hospital participated in the study. We conclude that the opportunity for discussing concrete aspects of the daily life of work, from the perspective of health living, meeting with one another, the possibility of sharing anguishes and seeking paths for change were considered positive aspects of participation in the research. Thus, those who participated in this study left the process stronger than when they entered, understanding that they are not alone in this journey. Their anxieties, their fears, and their dreams are shared in a process when they meet with partners along the same path.

Hospital nursing staff; Job satisfaction; University hospitals


ARTIGOS ORIGINAIS

PESQUISA

Algumas considerações acerca do processo de viver humano de técnicos(as) de enfermagem recém-admitidos(as) em um hospital escola

Some considerations concerning the human living process of recentilyhired nursing technicians in a university hospital

Algunas consideraciones sobre el proceso de vivir humano de técnicos(as) de enfermería recién admitidos(as) en un hospital escuela

Zídia Rocha MagalhãesI; Eliane MatosII; Jadete Rodrigues GonçalvesIII; Leocarlos Cartaxo MoreiraIV; Leonor GonçalvesV; Lita Moore EspinozaVI; Nádia Chiodelli SalumVII; Maria do Horto CartanaVII

IMestre em Enfermagem pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem (PEN) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Professora do Departamento de Enfermagem Básica da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Membro do Grupo de Pesquisa em Educação e Enfermagem (EDEN) da UFSC. Beneficiária de auxílio financeiro da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES)/Brasil. Minas Gerais, Brasil

IIEnfermeira Chefe da Divisão de Enfermagem de Emergência e Ambulatório do Hospital Universitário (HU) da UFSC. Mestre em Enfermagem. Membro do Grupo Núcleo de Estudos sobre Trabalho, Saúde, Cidadania e Enfermagem (PRÁXIS) da UFSC. Doutoranda do PEN/UFSC. Santa Catarina, Brasil

IIIPsicóloga. Professora do Curso de Psicologia da UFSC. Membro do Grupo PRÁXIS/UFSC. Doutoranda do PEN/UFSC. Santa Catarina, Brasil

IVProfessor do Departamento de Enfermagem da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). Doutor em Enfermagem pela UFSC. Pesquisador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Mato Grosso, Brasil

VEnfermeira do Hospital de Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Mestre em Enfermagem pela UFMG. Doutoranda do PEN/UFSC. Membro do Grupo PRÁXIS/UFSC. Beneficiária de auxílio financeiro da CAPES/Brasil. Minas Gerais, Brasil

VIEnfermeira. Especialista em Saúde Pública. Mestre em Enfermagem pela UFSC. Membro do Grupo EDEN na UFSC. Doutoranda do PEN/UFSC. Bolsista CNPq. Santa Catarina, Brasil

VIIEnfermeira do Centro de Educação e Pesquisa em Enfermagem (CEPEN) do HU/UFSC. Mestre em Enfermagem pela UFSC. Membro do Grupo EDEN/UFSC. Doutoranda do PEN/UFSC. Santa Catarina, Brasil

VIIEnfermeira. Doutora em Enfermagem pela UFSC. Professora do Curso de Enfermagem e do PEN/UFSC. Coordenadora do Curso de Graduação em Enfermagem da UFSC. Membro do grupo EDEN/UFSC. Santa Catarina, Brasil

Endereço Endereço: Zídia Rocha Magalhães R. Geraldo Menezes Soares, 486, Ap. 601 31.030-440 - Sagrada Família, Belo Horizonte, MG, Brasil E-mail: zidia@ufmg.br

RESUMO

O estudo pretendeu compreender o processo de viver humano de técnico(a)s de enfermagem recém-admitido(a)s em instituições de saúde na perspectiva de apreender a sua realidade, buscando através da discussão coletiva construir espaços que propiciassem o viver saudável. A metodologia contemplou princípios da pesquisa ação participante e incluiu entrevista individual e reflexão focal em grupo. Dez técnico(a)s de enfermagem recém-admitido(a)s em hospital universitário participaram do estudo. Concluiu que a oportunidade de discutir aspectos concretos do cotidiano de trabalho na perspectiva de um viver saudável, o encontro com o outro, a possibilidade de dividir angústias e buscar caminhos para a mudança foram aspectos da participação na pesquisa considerados positivos. Assim, o(a)s participantes saem fortalecidos do processo e entendem que não estão sozinhos nesta caminhada. Seus anseios, seus medos, seus sonhos são partilhados no processo, quando encontram parceiros desta mesma jornada.

Palavras-chave: Recursos humanos de enfermagem no hospital. Satisfação no emprego. Hospitais universitários.

ABSTRACT

This study attempts to shed light upon the human living process of nursing technicians recently-hired to health care institutions within the perspective of learning more of their reality, seeking through collective discussion the construction of arenas that provide for healthy living. The methodology used contemplated the principles of active participation research and included individual interviews and focus group reflection. Ten (10) nursing technicians recently-hired to a university hospital participated in the study. We conclude that the opportunity for discussing concrete aspects of the daily life of work, from the perspective of health living, meeting with one another, the possibility of sharing anguishes and seeking paths for change were considered positive aspects of participation in the research. Thus, those who participated in this study left the process stronger than when they entered, understanding that they are not alone in this journey. Their anxieties, their fears, and their dreams are shared in a process when they meet with partners along the same path.

Keywords: Hospital nursing staff. Job satisfaction. University hospitals.

RESUMEN

El presente estudio pretende comprender el proceso de vivir humano de técnicos(as) de enfermería recién admitidos en instituciones de salud, con el objetivo de aprehender su realidad, buscando, a través de la discusión colectiva, construir espacios que propicien el vivir saludable. La metodología elegida contempló principios de la investigación acción participante e incluyó la entrevista individual y la reflexión en grupo focal, del cual participaron diez técnicos(as) de enfermería recién admitidos(as) en un hospital escuela. El estudio concluyó que la oportunidad de discutir aspectos concretos del cotidiano del trabajo, en la perspectiva de un vivir saludable, el encuentro con el otro, la posibilidad de dividir angustias y buscar caminos para el cambio, fueron aspectos de la participación en la investigación considerados positivos. De esa forma, los técnicos(as) de enfermería salen fortalecidos del proceso, entienden que no están solos en esta caminada. Sus anhelos, sus miedos, sus sueños son compartidos en el proceso cuando encuentran compañeros de esta misma jornada.

Palabras clave: Personal de enfermería en hospital. Satisfacción en el trabajo. Hospitales universitarios.

INTRODUÇÃO

Este estudo é parte integrante do protocolo de pesquisa desenvolvido na disciplina "Processo de Viver Humano" do curso de doutorado do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem (PEN) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).* * A disciplina foi ministrada, à época, pelas professoras Alcione Leite da Silva – coordenadora, Lucia Hisako Takase Gonçalves, Maria do Horto Cartana e Angela Maria Alvarez, que são as autoras do Protocolo de Pesquisa Colaborativa e Participativa "O Processo de Viver Humano no Contexto da Região Sul", 2003. Emerge da preocupação de um grupo de pesquisadores (doutorando(a)s do curso) que buscavam entender o processo de viver humano de um grupo de trabalhadores de enfermagem recém-admitidos, na perspectiva de apreender a sua realidade, os desafios que enfrentam no cotidiano de um hospital-escola, os aspectos saudáveis, bem como os não saudáveis presentes neste momento e que interferem no processo de suas vidas e trabalho.

O processo de viver humano "manifesta-se na dinamicidade dos significados que os seres humanos dão às suas vidas ao longo do processo de pré-conceber, nascer, crescer, desenvolver, envelhecer, morrer e transcender".† Silva, AL, Gonçalves LH, Cartana MH, Alvarez AM. Protocolo de Pesquisa Colaborativa e Participativa "O Processo de Viver Humano no Contexto da Região Sul", 2003 [texto digitado]. † :7 Neste processo que vai da concepção à morte, o ser humano passa por fases na vida, as quais influenciam seu modo de viver e ser saudável. Um destes momentos diz respeito às atividades que assume com a chegada da vida adulta: o trabalho. Assumir um emprego nem sempre é tarefa fácil, exige enfrentamentos, abertura para o novo, situações que podem ser favoráveis ou desfavoráveis para o crescimento pessoal e profissional.

Pensando as especificidades do trabalho da enfermagem, em especial aquelas vivenciadas por técnicos(as) de enfermagem recém-admitidos(as) em instituições de saúde, é que abordamos neste estudo, o processo de viver deste grupo profissional, na perspectiva de apreender a sua realidade, buscando através da discussão coletiva construir espaços que propiciem o viver saudável.

O(as) pesquisador(as) deste estudo têm experiências em gestão de serviços de enfermagem de hospitais públicos e universitários e, reconhecem que os processos de trabalho da enfermagem são estressantes, com possibilidades de produzir muito desgaste e sofrimento nos seus trabalhadores ao invés de um processo saudável, como deveria ser todo o trabalho, enquanto elemento essencial ao viver humano.1

Existem estudos que mostram o foco desgastante do trabalho de enfermagem que envolve situações de pressa, de aflição para salvar a vida, como também a exposição freqüente ao sofrimento e a finitude do outro, acompanhado, às vezes, da sensação de incapacidade ou impotência de oferecer uma solução para a situação da pessoa que está sob seus cuidados.2 Entretanto, desconhecemos se algum deles focalizou o processo de viver desses trabalhadores na sua relação com o trabalho, especialmente, no momento em que eles estão sendo inseridos, incorporando conceitos e assumindo a cultura da instituição.

Sabe-se, também, que as pessoas começam a trabalhar nos serviços públicos, com expectativas de um trabalho saudável, por ser um lugar onde pode se construir, coletivamente, as estratégias de enfrentar situações conflitantes e por tratar de lugar em que ainda existe nicho de democracia, aonde todos devem zelar pela saúde da instituição. Desta forma, é imprescindível que haja estudos que abordem não apenas o processo de trabalho, mas o de viver, tendo o trabalho como um aspecto importante desse viver.

O desafio de produzir conhecimento coletivamente com os atores deste cotidiano e a oportunidade de aprender a olhar e trabalhar na direção de ações interdisciplinares orientou a nossa busca de compreender os aspectos saudáveis e não saudáveis destes atores no âmbito pessoal e profissional, construídos individual e coletivamente no exercício profissional destes sujeitos, a partir de sua definição de saúde e doença, contextualizada no locus de suas vidas, e na condição de recém-admitidos numa instituição de trabalho.

REFERENCIAL TEÓRICO

Este estudo fundamentou-se nos eixos básicos propostos pelo protocolo de pesquisa que guiou os subprojetos desenvolvidos na disciplina "Processo de Viver Humano". Neste sentido contempla as referências formuladas naquele protocolo, bem como as contribuições de autores que abordam o trabalho em geral na sociedade e, especificamente, o trabalho da enfermagem no Hospital Universitário.3-6

A produção do conhecimento, sobre o processo de viver humano, pode ser tratado sob múltiplas perspectivas. Entre elas, a que aborda o viver humano "[...] enquanto um processo dinâmico, multifacetado e complexo que se constrói historicamente, de forma individual e coletiva, em âmbito local e global, através dos recursos sociais, culturais, políticos, econômicos, ecológicos, geográficos, tecnológicos, educacionais, dentre outros".† Silva, AL, Gonçalves LH, Cartana MH, Alvarez AM. Protocolo de Pesquisa Colaborativa e Participativa "O Processo de Viver Humano no Contexto da Região Sul", 2003 [texto digitado]. † :7

Para as autoras do protocolo de pesquisa estes recursos são compartilhados em uma sociedade em cada momento histórico, sendo que neste processo que vai da concepção à morte, o ser humano passa por fases na vida, as quais influenciam significativamente seu modo de ser, viver, adoecer, e curar-se, envelhecer e morrer.† Silva, AL, Gonçalves LH, Cartana MH, Alvarez AM. Protocolo de Pesquisa Colaborativa e Participativa "O Processo de Viver Humano no Contexto da Região Sul", 2003 [texto digitado]. †

Com a chegada da vida adulta o ser humano assume uma fase fundamental do seu viver: o trabalho que, em geral vem carregado de atividades que vão prover o sustento e a manutenção de vários aspectos de sua vida. Assumir um emprego não é uma tarefa fácil, exige enfrentamentos, abertura para o novo, situações que podem ser favoráveis ou desfavoráveis para o crescimento pessoal e profissional.

Nos processos gerenciais das organizações de trabalho em geral, faltam estratégias de recepção do trabalhador que está assumindo um novo cargo. Esse é um momento fundamental da construção de uma identidade com a organização e com o trabalho que poderia ser utilizado para estabelecer condições, nas organizações, para se assegurar, de antemão, um bom padrão de qualidade de vida no trabalho. Não é o que se observa nas instituições de trabalho, em especial, nas da área da saúde. Sob esta ótica, cabe o pensamento de que "[...] a qualidade de vida na organização atual deixa muito a desejar. O modelo burocrático vigora nas organizações sociais cuja tônica central da filosofia administrativa é o controle sobre as pessoas. Tal orientação com características mecanicistas considera as pessoas como partes trocáveis para funcionamento contínuo e eficiente da máquina".7:1

A maioria das organizações adota uma forma rígida, com cargos fixos, pré-estabelecidos, nas quais a tecnologia determina a organização das tarefas e o fluxo de trabalho, sem pensar em formas de apoiar o trabalho das pessoas. Isto se constitui em problema considerando " [...] que ao ingressar na organização, o indivíduo está cheio de esperanças, de interesse pelo seu trabalho. Faz planos, sonha sobre suas realizações e idealiza uma carreira invejável. Começa a trabalhar com energia e entusiasmo, esforçando-se para atingir seus objetivos".7:2-3

A organização do trabalho em saúde, especialmente na enfermagem, sofre forte influência do modelo taylorista-fordista que reproduz, na prática, a divisão entre trabalho intelectual, realizado mais marcadamente pelo enfermeiro(a), e trabalho manual, realizado por técnicos(as) e auxiliares de enfermagem. Na saúde e na enfermagem, este tipo de organização do trabalho é responsável, dentre outros, pela desresponsabilização do trabalhador para com aquele que recebe os cuidados e pelas relações de trabalho conflituosas na equipe de saúde e enfermagem.8

No cotidiano de trabalho esta divisão impõe à(ao) enfermeira(o) o controle sobre o processo de trabalho dos demais trabalhadores de enfermagem, exige da(o)s mesma(o)s habilidades de coordenação de equipes, liderança, planejamento da assistência, bem como habilidades técnicas específicas para quem, na maioria das vezes, no início da vida profissional, ainda não se sente suficientemente preparada(o). Esta é uma realidade constatada, também, no Hospital Universitário.4-5 As relações entre os membros da equipe de enfermagem são marcadas por conflitos e dificuldades resultantes do modo de organização do trabalho, interferindo no desenvolvimento do trabalho, no resultado da assistência prestada e no processo de viver dos trabalhadores de enfermagem.

Ao investigar o processo de trabalho em um hospital público pesquisadores discutem as relações que se estabelecem na equipe de enfermagem e afirmam que "[...] sendo o trabalho da enfermagem caracteristicamente coletivo e hierarquizado, é evidente que parte importante das satisfações e insatisfações vividas pelo conjunto dos trabalhadores da enfermagem diz respeito justamente aos aspectos funcionais ou disfuncionais das relações coletivas que se estabelecem na equipe de enfermagem".‡ ‡ Leite E, Ferreira LC. Relatório diagnóstico dos técnicos e auxiliares de enfermagem: Programa Vivendo e Trabalhando Melhor. Brasília (DF): Centro de Aprendizagem Vivencial; 1997 [texto digitado]. :1 Não se pode perder de vista que o trabalhador é um sujeito, que pensa, fala, sente, age e, portanto, reage de formas diversas em situações semelhantes ou diferentes.

A instituição organizacional se apresenta como um sistema cultural, simbólico e imaginário que "[...] oferece uma cultura, quer dizer, uma estrutura de valores e de normas, uma maneira de pensar, um modo de apreensão do mundo que orientam a conduta de seus diversos atores".9:33 E desenvolve uma "armadura estrutural" que se firma em determinada cultura que se tem em mente. " [...] Esta cultura se expressa em atribuições, expectativas de papéis que cada um tem que cumprir, condutas mais ou menos estáveis, hábitos de pensamento e de ação, cujo objetivo é a construção de uma 'obra coletiva'".9:33

Conta-se com todo um sistema simbólico onde "[...] a organização não pode viver sem segregar um ou mais mitos unificadores, sem instituir ritos de iniciação, de passagem e de execução".10:34 A organização cria seus heróis, constrói uma história que é narrada em torno deles, cuja função é fazer sobreviver na memória coletiva a ação dos membros da organização, servir de sistema de legitimação e dar significado as sua práticas e a sua existência. Em todos os tempos as organizações têm sido sistemas culturais, simbólicos e imaginários, defendendo e afirmando valores, dando sentido à ação de seus membros, ou seja, dos seus trabalhadores.9

É necessário discutir e aprofundar a objetividade e a subjetividade presente nas relações de trabalho, entre profissional e cliente, na perspectiva da satisfação no trabalho e fora dele. Um aspecto importante a ser observado é a aproximação entre a realidade, como ela é, e a que é idealizada pelo profissional. Deste modo ao tratar dos aspectos ligados a inclusão de trabalhadores recém-admitidos é importante estar atendo as relações que se estabelecem neste momento.

Iniciar uma nova atividade traz mudanças na vida da pessoa e a cada passagem, de um estágio a outro, o ser humano muda determinadas estruturas de proteção. Nestes processos as pessoas ficam mais vulneráveis e expostas, porém, ficam também, "efervescentes e embriônicas".10 Estas "mudanças de pele", podem durar pouco ou muito tempo, às vezes, anos. Porém, ao sair destas passagens a pessoa pode entrar num período mais prolongado e estável, é possível esperar uma tranqüilidade relativa, com sensação de reconquista do equilíbrio.10 Estas passagens incluem: formaturas, casamentos, filhos, divórcio, empregos novos ou demissões, e "[...] são os fatos concretos da vida de cada um, são aquilo que dão impulso à vida das pessoas".10:32

Nessa situação, a qualquer tempo, a vida de uma pessoa incorpora aspectos internos e externos. O sistema externo é definido pela participação das pessoas na cultura: no emprego, na classe social, nos papéis familiares e sociais, na maneira como cada um se apresenta ao mundo e dele participa. A esfera interna diz respeito aos significados que cada um dá a sua participação nestes eventos.10

Esta interconexão do interno com o externo nos remete a pensar o trabalho projetado nas dimensões da satisfação de dentro e fora do trabalho. Isto pode indicar a relação de importância da qualidade de vida do trabalhador que, tanto de um lado como do outro, pode despontar vantagens e desvantagens, dadas às interferências que se entrecruzam nestas duas vias.

CAMINHO METODOLÓGICO

Este estudo foi realizado com trabalhadores de enfermagem recém-admitidos do Hospital Universitário Dr. Polydoro Ernani de São Thiago (HU) da UFSC, tendo adotado referências da pesquisa ação participante e as do Sistema de Aprendizagem Vivencial (SAV).§ Leite E, Ferreira LC. Atualização de papel e desenvolvimento interpessoal: as relações grupais no trabalho de enfermagem, Programa Vivendo e Trabalhando Melhor. Brasília (DF): Centro de Aprendizagem Vivencial; 2000 [texto digitado]. §

O trabalho foi desenvolvido no HU/UFSC. É um hospital geral de médio porte, público e gratuito, atualmente, com aproximadamente 600 profissionais de enfermagem. Nesta instituição a contratação dos profissionais se dá, principalmente, por Concurso Público Federal, sendo que o último concurso aconteceu em julho de 2002. De setembro de 2002 a agosto de 2003 foram admitidos mais ou menos 200 trabalhadores de enfermagem. Entre os contratados estão os(as) técnicos(as) de enfermagem, participantes desta pesquisa.

Estes profissionais passaram por programas desenvolvidos pelo Centro de Educação e Pesquisa em Enfermagem (CEPEn), órgão de assessoria da Diretoria de Enfermagem (DE), criado para conduzir o processo de recrutamento, seleção e capacitação dos profissionais de enfermagem, a pesquisa e a formação profissional da DE/HU. No âmbito da instituição o CEPEn promove três grandes programas: Programa de Inclusão, Programa de Capacitação e Programa de Atualização.

No Programa de Inclusão, destinado a todos os profissionais de Enfermagem recém-admitidos na DE, realiza-se, desde 1998, além do Programa de Orientação Introdutória, o Programa de Acompanhamento de 60 dias, com a finalidade de incluir o profissional na dinâmica da instituição gradativamente, fornecendo orientação e acompanhamento sistemático e individual a cada um. Este estudo, realizado com profissionais que passaram por estes programas, torna-se relevante, tanto do ponto de vista do objeto de pesquisa quanto da perspectiva da instituição, pois os dados colhidos poderão permitir a reavaliação dos Programas destinados à inclusão dos trabalhadores.

Participaram deste estudo dez (10) técnico(a)s de enfermagem de ambos os sexos, recém-admitidos no HU/UFSC, os quais foram recrutado(a)s, considerando o tempo de admissão na instituição** ** Para este estudo estamos considerando "recém-admitido" o trabalhador de enfermagem contratado pela instituição no último Concurso Público Federal/2002, com admissão não inferior a 60 dias e não superior a 120 dias. Entendemos que este grupo caracteriza a condição de recém-admitido, com uma vivência mínima da instituição, ainda em fase de adaptação, portanto sujeito as condições que caracterizam a situação a ser estudada. e a participação no Programa de Inclusão para novos funcionários, a disponibilidade para participar nas entrevistas e nos grupos focais.

O protocolo de pesquisa, do qual faz parte este sub-projeto foi aprovado pelo Parecer Nº 172/2003 do Comitê de Ética de Pesquisa com Seres Humanos da UFSC. O presente sub-projeto de pesquisa foi aprovado, também, pela Comissão de Ética dos Profissionais de Enfermagem do HU/UFSC. O processo da pesquisa iniciou após ter sido dada aos participantes uma ampla explicação sobre a meta, propósito e processo da pesquisa e após a obtenção por escrito do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para a realização de entrevistas e participação em grupo focal.

A coleta de dados foi feita através de entrevistas que foram desenvolvidas durante o horário de trabalho do(a)s participantes, em uma das salas do HU. Elas constituírem-se em momentos de busca de subsídios para a reflexão coletiva e tiveram por objetivos propiciar um primeiro contato com pesquisadores, iniciar a reflexão acerca do ser e viver saudável, de forma a trazer um relato das experiências vividas por esses sujeitos, no que diz respeito à sua vida e trabalho, bem como problematizar essa realidade prevista no Protocolo de Pesquisa.4

Concluída a realização das entrevistas e sua validação, os dados das mesmas foram organizados para discussão nos grupos focais, o que se constituiu na segunda etapa da investigação, quando foram preparadas oficinas com utilização de dinâmicas de grupo orientadas, segundo referências desenvolvidas pelo SAV.§ Leite E, Ferreira LC. Atualização de papel e desenvolvimento interpessoal: as relações grupais no trabalho de enfermagem, Programa Vivendo e Trabalhando Melhor. Brasília (DF): Centro de Aprendizagem Vivencial; 2000 [texto digitado]. § Utilizamos ações da proposta de "Vivências Institucionais" dirigida à otimização das relações interpessoais e a melhoria da qualidade de vida e trabalho nos espaços institucionais. A abordagem das vivências institucionais reforça uma perspectiva compreensiva da realidade, facilitando um exercício de reflexão, de comunicação e de organização, com o objetivo de propiciar a construção de questionamentos sobre as práticas vivenciadas no cotidiano, de forma a permitir a construção de projetos pelo grupo envolvido.§ Leite E, Ferreira LC. Atualização de papel e desenvolvimento interpessoal: as relações grupais no trabalho de enfermagem, Programa Vivendo e Trabalhando Melhor. Brasília (DF): Centro de Aprendizagem Vivencial; 2000 [texto digitado]. §

Nesta pesquisa utilizamos técnicas de Dinamização da Aprendizagem com o objetivo de facilitar a aprendizagem e contribuir nos processos de construção do conhecimento. As dinâmicas utilizadas visaram à integração de processos cognitivos, emocionais e operativos e consistiram em vitalizações, técnicas de apresentação de grupos, entre outros. Contemplou também as etapas propostas pelo SAV para organização de cada encontro vivencial: aquecimento temático e/ou corporal/interativo, experimento, processamento e fechamento.§ Leite E, Ferreira LC. Atualização de papel e desenvolvimento interpessoal: as relações grupais no trabalho de enfermagem, Programa Vivendo e Trabalhando Melhor. Brasília (DF): Centro de Aprendizagem Vivencial; 2000 [texto digitado]. §

Dos conteúdos das fitas gravadas, das entrevistas e dos grupos focais, buscamos identificar unidades de significados/categorias relevantes para os temas e as questões de pesquisa, para posterior análise e interpretação. Os relatos foram organizados considerando os dois focos de coleta de dados: as entrevistas e os grupos focais. O plano das percepções e necessidades de cada um dos sujeitos do estudo, acerca do viver humano, foram revelados nos resultados da entrevista de cada um dos trabalhadores. Já o plano das percepções e necessidades mais coletivas foram expressos nas discussões realizadas nos grupos focais.

Do conjunto das falas do(a)s (técnico(a)s de enfermagem, nascem as categorias deste estudo, que tentam expressar os sentimentos do(a)s participantes no momento da entrevista ou grupo focal sobre os aspectos saudáveis e não saudáveis do processo de viver humano na condição de trabalhador(a) recémadmitido(a) no HU/UFSC.

RESULTADOS

O grupo estudado é formado de pessoas, em sua maioria, naturais e procedentes de municípios da Grande Florianópolis. Predomina uma composição de pessoas ainda bastante jovens, somente um, tem menos de um ano de formado. Fizeram o curso técnico de enfermagem, predominantemente, na rede de ensino privada. Apenas um é formado pela rede pública. Todos já possuem experiência anterior na Enfermagem, seja na área hospitalar ou em Saúde Pública e a maioria possui mais de uma atividade profissional ou estão em processo de formação.

Relações entre satisfação no trabalho e ciclo da vida pessoal surgem entre 20 e 25 anos fase em que o trabalhador vivencia o "choque com a realidade". Numa fase posterior, entre 25 e 30 anos o trabalhador passa a uma fase de "socialização e crescimento" na organização.7

Os integrantes deste estudo encontram-se majoritariamente, na fase inicial, de "choque com a realidade" portanto, em um momento fundamental de suas vidas, abertos para o novo, com sonhos a serem construídos. O modo como vivenciam o momento inicial de chegada à instituição poderá se refletir positiva ou negativamente na satisfação com o trabalho e a organização, com sua adesão ao trabalho nos anos futuros. Este dado coloca para a organização a necessidade de proporcionar, neste momento de inclusão, ambiente e situações que estimulem e ampliem a participação do trabalhador na vida organizacional.

Da apreensão mais global daquilo que os integrantes do estudo consideram importante para o viver saudável, surgem diversos aspectos ligados às situações da vida diária e suas implicações para o viver saudável. Vida e trabalho aqui aparecem interligados, um influencia o outro e determina o viver o humano.

Saúde, sono, alimentação, lazer, atividade física, tempo para si, controle de saúde, hábito de fumar e beber, dentre outros são aspectos importantes para o viver saudável. Embora em suas falas esteja presente a compreensão sobre a importância destes cuidados, sua adoção parece sempre estar sendo postergada. Justificam a falta de cuidados quase sempre em função da falta de tempo para si, do excesso de atividades e em alguns casos pela falta de recursos financeiros.

São trabalhadores que possuem, na sua maioria, duas ou mais atividades, considerando duplo vínculo empregatício atividades informais e freqüência a um curso, seja ele graduação, pré-vestibular, tudo isto sem considerar as atividades ligadas à vida familiar, como o cuidado com a casa, filhos. Revelam assim uma sobrecarga de trabalho influenciando o seu viver: [...] é a correria mesmo, eu chego aqui na Universidade às 7:00 horas da manhã e chego em casa às 8:00 horas da noite, é bem estafante (Corvo). Minha rotina de dois empregos, eu tendo que sair correndo de um para o outro, eu não tendo uma alimentação saudável, o próprio hábito de fumar não é saudável, falta de tempo, de me preocupar comigo (Flor).

Falando de suas vidas e das dificuldades que enfrentam destacam a forma de locomoção utilizada para vir ao trabalho e as interferências sofridas sobre a qualidade de vida. A utilização de transporte coletivo é apontada como uma limitação para o viver saudável em ambos os grupos.

O sono e repouso são entendidos como uma condição necessária para o viver saudável e a maioria dos integrantes do estudo refere dormir bem, em média 06 a 08 horas dia. Dois sujeitos do estudo relatam interferências no sono relacionadas ao trabalho. A referência que os trabalhadores fazem em relação às mudanças no hábito de sono após o ingresso ao trabalho encontram respaldo em autores que, ao tratar das situações que as pessoas enfrentam no início da vida laboral numa organização, afirmam ser este um momento de grande tensão, insatisfação e ansiedade e que podem ser acompanhadas de manifestações somáticas, tais como insônia, distúrbios gastrintestinais, alergias, hipertensão e outros. Além disso que quanto mais persiste a situação, maiores são as possibilidades de sofrimento e interferência em todas as esferas da vida das pessoas.7,10

Poucos integrantes do estudo relatam uso de fumo ou álcool e todos entendem que estes não são hábitos saudáveis de vida. Alguns utilizam bebidas alcoólicas raramente, em ocasiões sociais, não percebendo a situação como problema.

O lazer é percebido como uma condição necessária para o ser saudável, que os fortalece para enfrentar as dificuldades e as inúmeras atividades que realizam diariamente. A leitura e a televisão aparecem como opção principal de lazer. Mais uma vez a falta de tempo pelas múltiplas atividades, pela existência de filhos e outros aparecem como limitação para as atividades de lazer: [...] vida social, final de semana, bem pouco, é só trabalho que estou me dedicando, gosto de estudar. Gosto muito de leitura, sou uma pessoa mais caseira mesmo, leio bastante, vejo bastante filme (Tulipa).

Falando de hábitos saudáveis e não, refletem sobre as adequações e inadequações de sua alimentação. Percebe-se que colocam a alimentação como condição para ser e viver saudável, porém nem sempre a consciência desta necessidade tem reflexos em seus atos. Às vezes a gente almoça muito cedo, acaba não almoçando uma comida com arroz com feijão, acaba tomando um café mais reforçado, isto não é muito saudável (Sol ).

Os vínculos afetivos nas relações aparecem como uma ponte para o viver saudável. O(o)s pesquisado(a)s reconhecem que viver saudável é possuir relações afetivas adequadas, tanto na vida privada como na vida profissional. A todo momento, durante este estudo, os trabalhadores de enfermagem retomaram questões como relações afetivas, relações interpessoais, relações de trabalho, definindo-as como fundamentais para o seu processo de viver humano.

O início da vida profissional ou a iniciação em um serviço público mostra-se para os integrantes do estudo como um tempo novo repleto de mudanças. As cores e formas com que os integrantes deste estudo descrevem essa fase da vida se expressam na categoria vivendo um tempo de possibilidades – perseguindo sonhos. Para estas pessoas, esta é uma fase em que oportunidades se abrem, conseguem perceber as potencialidades da nova realidade, considerando o que viviam anteriormente. Referem-se a ele como um tempo de conquistas. É também um tempo de muitas angústias, de inseguranças, de enfrentamentos, de superação. Percebem as limitações, relatam suas frustrações e buscam mudanças.

O trabalho ocupa um espaço central na vida das pessoas. Sabe-se que o trabalho é condição para a realização humana. Através do trabalho o ser humano relaciona-se com a natureza, retira dela os meios necessários para a sua sobrevivência e da espécie. Ao relacionar-se com a natureza através do trabalho o ser humano modifica-a e modifica a si próprio.11 Neste estudo não é demais reafirmar que "[...] o trabalho é o modo de ser do homem e como tal, invade e permeia todos os níveis de sua atividade, de seus afetos, de sua consciência".12:25 Portanto, entendemos que desempenha um papel significativo na definição do viver humano.

Para o(a)s nosso(a)s pesquisado(a)s o trabalho surge como necessidade, condição "para poder tocar a vida", demonstrando que estes trabalhadores não estão alheios às condições atuais de emprego na sociedade. Sob este ponto de vista percebem-se como privilegiados, mesmo considerando as condições de trabalho e salários bem longe do ideal.

Percebem também a segurança do serviço público como outro aspecto positivo para o viver saudável, ou seja, estar afastado da sombra do desemprego. Por fim fazem uma relação entre ter um emprego e gostar do que faz, ou seja, não basta estar empregado, é preciso que a atividade proporcione satisfação, traga em si sentidos para a vida e trabalho. Não é saudável na vida da gente um trabalho que não dá prazer [...]. Interfere muito na vida particular [...]. Hoje o meu trabalho é minha vida (Bem-te-vi).

Um dos aspectos mais significativos observado nos relatos do(a)s técnico(a)s de enfermagem é a relação que fazem entre educação e formação enquanto um espaço a conquistar na construção do viver saudável. Sobre este aspecto as falas relacionam o HU – hospital escola, com a possibilidade de educação e formação. O(a)s técnico(a)s de enfermagem manifestam o desejo de estudar, de crescer na profissão de Enfermagem ou em outra área. Alguns se encontram cursando uma faculdade, outros falam de sua inquietação por não estar estudando e valorizam estar em um hospital escola. Têm a expectativa de poder continuar seus estudos, estar sempre aprendendo. Não estar estudando não é saudável. Eu tenho projetos, ano que vem eu quero freqüentar um cursinho, prestar vestibular para a enfermagem ou fisioterapia (Bem-te-vi). Ressaltam a educação permanente no trabalho como fator para viver saudável: [...] para tornar a minha vida e trabalho mais saudável, acho que já está sendo feito. O CEPEN dá muitos cursos, palestras, estar se atualizando (Raposa).

Pensando na estrutura institucional, na organização e divisão do trabalho, nas condições e relações de trabalho o(a)s nosso(a)s pesquisada(o)s relatam aspectos que interferem no seu viver humano, no sentido de viver ou não saudável. Percebem os limites relacionados à estrutura física, equipamentos, relações hostis, acolhimento, inadequações nas avaliações, alimentação, excesso de trabalho, dentre outros.

A respeito do momento de Inclusão/Acolhimento, o(a)s pesquisado(a)s, em suas falas, trazem aspectos positivos e negativos do processo que a instituição desenvolve neste momento, através dos Programas de Acompanhamento de 60 dias e Programa de Orientação Introdutória desenvolvidos pelo CEPEN. Estes relatos apesar de muitas vezes apontarem as deficiências ainda existentes, indicam que a instituição está no caminho certo. Reconhecem a necessidade de atenção diferenciada no momento de admissão de novos trabalhadores. Minha entrada foi boa, a forma que o HU recebe as pessoas é muito legal, muito interessante, nós fomos muito bem recebidos [...]. Teve uma cerimônia interessante, tudo valorizando, passar em um concurso que não tinha há mais de 10 anos e que poucos conseguiram (Corvo).

No que diz respeito à organização do trabalho de modo geral, na enfermagem e na instituição, o(a)s participantes do estudo percebem potencialidades e dificuldades que determinam um viver saudável. Suas considerações são feitas muitas vezes comparativamente à realidade de outras instituições e, neste sentido, o HU demonstra ter mais potencialidades que as demais, embora ainda assim aspectos negativos sejam salientados. Positivamente apontam a existência de remanejamento interno por mérito, como opção de escolha do local de trabalho. Aqui tem um remanejamento interno, toda uma parte legal, com currículo, isso e aquilo (Águia).

Em relação a jornada de trabalho, o(a)s técnico(a)s de enfermagem, em sua maioria, proveniente de uma instituição na qual a jornada semanal de trabalho era de 44 horas relatam: [...] não ter carga horária muito extensa. No emprego anterior a gente trabalhava muitas horas, eu ficava muito cansada, estressada, eu estou me sentindo muito mais aliviada aqui (Orquídea). Apontaram, também, aspectos negativos em relação a estrutura física existente, situação de equipamentos e de materiais: [...] as condições de trabalho, material, é que às vezes a gente tem que improvisar, uma improvisação, mas que não fere nenhum princípio (Águia).

A situação do espaço físico, condições de equipamentos e materiais no HU, na atualidade também são comparadas as existentes em outras instituições. Chama a atenção neste caso além de perceberem as deficiências, perceberem o descaso com o patrimônio público, o descuido com materiais e equipamentos como uma política já instalada na instituição, em que dirigentes e trabalhadores não mais conseguem enxergar os problemas, chegando a naturalização do que não é natural em seu entendimento: [...] a estrutura do hospital está meio precária, é um espaço físico muito grande mal aproveitado. Poderiam fazer muitas coisas aqui: no forro, na iluminação do quarto. Imagino que na noite aqui fica muito escuro. Falta uma iluminação melhor no quarto. Uma infra-estrutura melhor no hospital (Orquídea).

O(a)s técnico(a)s de enfermagem assim se manifestaram, nas oficinas de grupo focal, sobre os aspectos positivos que mais chamaram a atenção no HU: estamos aqui há quatro meses e o que mais nos chamou a atenção foi à organização do HU, de modo geral. A enfermagem do HU é bem reconhecida. Tem poder aqui dentro. A assistência e apoio à família do paciente; flexibilidade da escala de serviço. A segurança do serviço público (Raposa, Sol e Corvo). Falaram, também, de aspectos considerados negativos: [...] tem muita coisa que já está velha, ultrapassada [...]. A pintura toda descascada, as camas, as cadeiras, tudo enferrujado. E o espaço é muito grande e mal utilizado (Orquídea, Puma, Tulipa e Flor).

As relações na equipe de Enfermagem ganharam destaque neste estudo, na medida em que as relações de trabalho, as relações interpessoais na equipe de Enfermagem pesam significativamente no processo de viver saudável destes trabalhadores. Neste sentido, destacam a impossibilidade de a enfermagem atuar isoladamente, existe uma relação de interdependência com outras áreas profissionais, entre os agentes de enfermagem e com os próprios clientes e familiares. [...] a enfermeira nova dá mais atenção pra gente, [...] o mais antigo sempre diz: - não deixe ela fazer tal coisa. A relação com o enfermeiro é legal, às vezes, tem uma divergência aqui, outra ali [...]. Eu procuro respeitar uma hierarquia e não entrar em atrito, por coisas que não são importantes (Bem-te-vi). É uma engrenagem bem legal diferente da outra instituição que trabalhei, onde para receber ajuda de alguém era complicado. Era cada um por si. Aqui é diferente (Puma).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pesquisa mostrou que o(a)s técnico(a)s de enfermagem do hospital universitário enfrentam dificuldades e facilidades próprias deste momento de inserção no trabalho. Ela foi percebida, como oportunidade de debate, de discussão, de compreensão do momento em que vivem. Assim saem fortalecidos do processo, entendem que não estão sozinhos nesta caminhada. Seus anseios, seus medos, seus sonhos são partilhados no processo quando encontram parceiros desta mesma jornada.

É a partir da percepção e de sentimentos revelados pelos participantes que a realização deste estudo ganha significado para o grupo de pesquisadores. Perceber-se como ator e autor desta história, da mesma forma que aqueles que o vivenciam foi o grande aprendizado deste processo. Um desafio de construção do conhecimento e ao mesmo tempo de realização prática, na medida em que foi possível contribuir para a compreensão do processo de viver humano no trabalho e, quem sabe para a construção de um viver mais saudável no trabalho, destes trabalhadores. Diariamente em nossas funções em instituições de saúde convivemos com estas realidades, mas nem por isso conseguimos aceitá-la simplesmente. É preciso mudá-la, é preciso buscar alternativas para enfrentá-la, é preciso que os próprios envolvidos a percebam, construam alternativas mais saudáveis de vivenciá-la e busquem as mudanças desejadas.

E é neste processo de busca e construção, que prática profissional e academia podem complementar-se. Este é um dos grandes desafios colocado para a construção de uma realidade mais saudável para os trabalhadores de enfermagem.

Na instituição estudada, sabemos que a mudança da realidade não depende apenas destes atores, porém compreendemos que são experiências desta natureza, que permitem e favorecem as mudanças necessárias. O envolvimento e a co-responsabilidade assumida pelos integrantes do estudo, por pesquisadores, por dirigentes da enfermagem da instituição é um primeiro passo para que as mudanças se efetivem na prática.

Aprovação final: 25/05/2007

Recebido em: 01/11/2006

  • 1 Freitas MIF. A instituição como obstáculo ao prazer no trabalho da Enfermagem. In: Magalhães ZR, coordenadora. Anais da 13a Jornada Mineira de Enfermagem; 1994 Out 4-7; Belo Horizonte, Brasil. BeloHorizonte (MG): ABEn-Seção MG; 1994. p.21-33.
  • 2 Pitta A. Dor e morte como ofício. Rio de Janeiro (RJ): Hucitec; 1990.
  • 3 Capella BB. Uma abordagem sócio-humanista para um "modo de fazer" o trabalho de enfermagem. Pelotas (RS): UFPEL-Ed. Universitária/UFSC-PEN; 1998.
  • 4 Matos E. Novas formas de organização do trabalho e aplicação na enfermagem: possibilidades e limites [dissertação]. Florianópolis (SC): UFSC/PEN; 2002.
  • 5 Salum NC. Educação continuada no trabalho: uma perspectiva de valorização do(a) trabalhador(a) de enfermagem e transformação da prática [dissertação]. Florianópolis (SC): UFSC/PEN; 2000.
  • 6 Lunardi Filho W, Lunardi V. O trabalho do enfermeiro no processo de viver e ser saudável. Texto Contexto Enferm. 1999 Jan-Abr; 8 (1): 13-29.
  • 7 Moscovici F. Renascença organizacional. 6a ed. Rio de Janeiro (RJ): José Olympio; 1996.
  • 8 Pires D. Reestruturação produtiva e trabalho em saúde no Brasil. São Paulo (SP): Annablume; 1998.
  • 9 Enriquez E. A organização em análise. Petrópolis (RJ): Vozes; 1997.
  • 10 Shenny G. Passagens: crises previsíveis da vida adulta. 12a ed. Rio de Janeiro (RJ): Francisco Alves; 1988.
  • 11 Marx K. O capital: crítica da economia política. v.1. 10a ed. São Paulo (SP): Difel; 1985.
  • 12 Codo W, Sampaio JJ, Hitomi AH. Indivíduo, trabalho e sofrimento: uma abordagem interdisciplinar. 2a ed. Petrópolis (RJ): Vozes; 1994.
  • Endereço:
    Zídia Rocha Magalhães
    R. Geraldo Menezes Soares, 486, Ap. 601
    31.030-440 - Sagrada Família, Belo Horizonte, MG, Brasil
    E-mail:
  • *
    A disciplina foi ministrada, à época, pelas professoras Alcione Leite da Silva – coordenadora, Lucia Hisako Takase Gonçalves, Maria do Horto Cartana e Angela Maria Alvarez, que são as autoras do Protocolo de Pesquisa Colaborativa e Participativa "O Processo de Viver Humano no Contexto da Região Sul", 2003.
  • Silva, AL, Gonçalves LH, Cartana MH, Alvarez AM. Protocolo de Pesquisa Colaborativa e Participativa "O Processo de Viver Humano no Contexto da Região Sul", 2003 [texto digitado].

    †
  • ‡
    Leite E, Ferreira LC. Relatório diagnóstico dos técnicos e auxiliares de enfermagem: Programa Vivendo e Trabalhando Melhor. Brasília (DF): Centro de Aprendizagem Vivencial; 1997 [texto digitado].
  • Leite E, Ferreira LC. Atualização de papel e desenvolvimento interpessoal: as relações grupais no trabalho de enfermagem, Programa Vivendo e Trabalhando Melhor. Brasília (DF): Centro de Aprendizagem Vivencial; 2000 [texto digitado].

    §
  • **
    Para este estudo estamos considerando "recém-admitido" o trabalhador de enfermagem contratado pela instituição no último Concurso Público Federal/2002, com admissão não inferior a 60 dias e não superior a 120 dias. Entendemos que este grupo caracteriza a condição de recém-admitido, com uma vivência mínima da instituição, ainda em fase de adaptação, portanto sujeito as condições que caracterizam a situação a ser estudada.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      15 Fev 2008
    • Data do Fascículo
      2006

    Histórico

    • Aceito
      11 Jan 2006
    • Recebido
      25 Maio 2007
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