Acessibilidade / Reportar erro

Práticas jurídicas nas fronteiras da América Hispânica. As dinâmicas dos poderes locais na construção de um modelo de encomienda no Paraguai em meados do século XVII

Legal practices on the borders of Hispanic America. The dynamics of local powers in the construction of a model of encomienda in Paraguay in the mid-seventeenth century

Resumo:

Pretendemos discutir o processo de criação de uma ideia de encomienda no Paraguai durante a segunda metade do século XVII. A instituição, com bases jurídicas castelhanas, encontrou na América um desenvolvimento distinto. Diante das novas demandas sociais, políticas, econômicas e étnicas, a encomienda foi sendo gestada pelos agentes locais e separando-se do modelo ibérico. A partir de uma nova abordagem da história do direito, baseada nas dinâmicas de criação de práticas jurídicas pelos agentes locais, procuramos analisar as cartas de confirmação das encomiendas paraguaias a fim de apontar suas características e, com isso, elementos que demonstrem o processo de criação das práticas jurídicas na América.

Palavras-chave:
Práticas jurídicas; Poderes locais; En­co­mienda

Abstract:

We intend to discuss the process of creating an idea of encomienda in Paraguay during the second half of the seventeenth century. The institution, with Castilian legal bases found, in America, a distinct development. Faced with new social, political, economic and ethnic demands, the encomienda was being developed by local agents and separated from the Iberian model. Based on a new approach to the history of law, grounded on the dynamics of creation of legal practices by local agents, we sought to analyze the “cartas de confirmación” of the Paraguayan encomiendas in order to point out their characteristics and, therefore, elements that demonstrate the process of creation of legal practices in America.

Keywords:
Legal practices; Local authorities; Encomienda

A sí continuaron viviendo en una realidad escurridiza, momentáneamente capturada por las palabras, pero que había de fugarse sin remedio cuando olvidaran los valores de la letra escrita” (García Márquez, 2017GARCÍA MÁRQUEZ, Gabriel. Ciens años de soledad. Barcelona: Penguin Random House, [1. ed. 1967] 2017., p. 56). Com essas palavras Gabriel García Márquez caracteriza os primeiros anos da cidade de Macondo, onde a instabilidade e a incerteza eram marcas indeléveis da sociedade que se estava criando. O processo de conquista e colonização da América passaria por tais elementos. A estruturação de uma nova sociedade, a partir de tradições trazidas pelos castelhanos, encontrou uma realidade na qual não estavam habituados: uma nova terra e povos com outra cultura. O que se criou, como resposta a essas demandas, foi uma sociedade nova, ou como conceitua García Márquez, una realidad escurridiza.

Procuramos, como forma de compreender melhor as dinâmicas da colonização ibérica na América, analisar o fenômeno das encomiendas de indios no Paraguai. Essas foram a maneira pela qual os conquistadores repartiram os indígenas e os utilizaram como força de trabalho. Assim, conseguia-se uma atividade econômica e a promessa de integração dos nativos à cultura espanhola, principalmente através da conversão religiosa.

A ideia deste artigo é compreender a instituição a partir de sua concepção jurídica. Embora inúmeros trabalhos tenham apontado tal elemento, procuramos contribuir ao debate ao trazê-lo a partir de uma perspectiva distinta, isto é, analisar a encomienda através de uma interpretação que privilegie a formação da prática jurídica a partir da circulação de conhecimentos e sua aplicação no Novo Mundo.

Trabalhamos com a ideia de práticas jurídicas, em detrimento a outros conceitos como tradição ou cultura jurídica por serem essas duas considerações somente aplicáveis a sociedades estruturadas e com relativa experiência na criação e aplicação de leis. No caso americano, cujas bases legais de matriz espanhola tiveram aplicação recente e mais explicitamente na situação de regiões de fronteira de colonização, como no caso do Paraguai, pensarmos em tradição e cultura jurídica poderia levar-nos a erros conceituais (Nelken, 2004NELKEN, David. Using the concept of legal culture. Australian Journal of Legal Philosophy, n. 29, p. 1-26, 2004., p. 1; Madrazo, 2002MADRAZO, Alejandro. Estado de derecho y cultura jurídica en México. Isonomía, n. 17, p. 203-223, 2002., p. 204).

Em Provincial and local law of the Indies, Víctor Tau Anzoátegui defende que é necessário superarmos a construção do Iluminismo e de teorias políticas do século XIX, nas quais o poder residia no Estado e este, como autoridade central, fornecia às demais instituições as leis como corpo geral e uniforme. Assim, a maioria dos historiadores e juristas ainda leem e interpretam textos legais antigos como eventos históricos e, seguindo esse paradigma, reforçam a ideia de uniformidade (Anzoátegui, 2015ANZOÁTEGUI, Víctor Tau. Provincial and local law of the Indies. In: DUVE, Thomas; PIHLAJAMMÄKI, Heikki (Ed.). New horizons in Spanish Colonial Law. Frankfurt am Main: Max Planck Institute for European Legal History, 2015. p. 235-250., p. 235).

É proposta uma renovação na abordagem das instituições modernas. O foco passa da autoridade central com o monopólio da produção do direito para a existência de múltiplos poderes jurídicos e normativos que operam simultaneamente em diferentes níveis (Anzoátegui, 2015ANZOÁTEGUI, Víctor Tau. Provincial and local law of the Indies. In: DUVE, Thomas; PIHLAJAMMÄKI, Heikki (Ed.). New horizons in Spanish Colonial Law. Frankfurt am Main: Max Planck Institute for European Legal History, 2015. p. 235-250., p. 237). Dessa forma, uma consequência dessa mudança foi a articulação entre normatividade e realidade social (p. 259).

Embora tal abordagem não seja uma novidade no debate historiográfico sobre a história do direito, pois autores como Sánchez Bella e De la Hera (1992SÁNCHEZ BELLA, Ismael; DE LA HERA, Alberto. Historia del derecho indiano. Madrid: Mapfre, 1992.), Arcilla Bernal (1994)SÁNCHEZ-ARCILLA BERNAL, José. En torno al derecho vulgar. Cuadernos de Historia del Derecho, n. 1, v. 13, p. 13-24, 1994. e Carlos Garriga (2006GARRIGA, Carlos. Sobre el gobierno de la justicia en Indias (siglos XVI-XVII). Revista de Historia del Derecho, n. 34, p, 67-160, 2006.), entre outros tenham contribuído para o desenvolvimento do debate, consideramos que as reflexões tecidas por Anzoátegui, compiladas na obra de 2016ANZOÁTEGUI, Víctor Tau. El jurista en el Nuevo Mundo. Pensamiento. Doctrina. Mentalidad. Frankfurt am Main: Max Planck Institute for European Legal History, 2016., consolidem a problemática ao defender a necessidade de estabelecer o estudo do direito indiano em novas bases interpretativas.

A partir dessas novas premissas pretendemos analisar o fenômeno das encomiendas paraguaias. A ideia é que os agentes locais, na interação com as autoridades centrais, tiveram um protagonismo na construção de práticas legais. Em outras palavras, não observamos uma aplicação unidirecional do direito castelhano da Europa para a América.

A esse respeito Tau Anzoátegui na obra El jurista en el Nuevo Mundo. Pensamiento. Doctrina. Mentalidad desenvolve essas formulações. Aponta que “el Derecho trasplantado siguió en buena parte de la fisionomía de los procesos de conquista y colonización, adaptándose a los variados requerimientos geográficos y humanos de las distintas regiones y dando tempranas muestras de su especialidad y novedad” (Anzoátegui, 2016ANZOÁTEGUI, Víctor Tau. El jurista en el Nuevo Mundo. Pensamiento. Doctrina. Mentalidad. Frankfurt am Main: Max Planck Institute for European Legal History, 2016., p. 25).

O processo de criação de um novo direito se daria a partir de bases sólidas, gestadas na Universidade de Salamanca durante o século XVI e primeira metade do XVII. Com isso, “el derecho de estas islas Occidentales y Orientales fue así modelándose de manera casuista durante los siglos XVI y XVII sobre la sólida base de los Derechos romano y canónico y de la cultura jurídica europea, que tuvo, por entonces en el Siglo de Oro castellano su momento de esplendor” (Anzoátegui, 2016ANZOÁTEGUI, Víctor Tau. El jurista en el Nuevo Mundo. Pensamiento. Doctrina. Mentalidad. Frankfurt am Main: Max Planck Institute for European Legal History, 2016., p. 26).

Cabe destacar que o casuísmo se torna um aspecto fundamental do direito nas Américas. Como a justiça foi aplicada pelos agentes locais, vice-reis, governadores, audiências e cabildos, essa acabou sendo fortemente marcada pelos interesses desses atores, em detrimento de uma unidade almejada pela Coroa (Bernal Gómez, 2015BERNAL GÓMEZ, Beatriz. El derecho indiano, concepto, clasificación y características. Ciencia Jurídica, v. 4, n. 7, p. 183-193, 2015., p. 189).

Tendo essas reflexões como base, procuraremos compreender a dinâmica da criação de práticas jurídicas na província do Paraguai e, para tanto, iremos analisar a concessão de encomiendas durante os anos de 1640 e 1680. A escolha desse intervalo não é casual, pois, em 1640, a província passa por uma profunda reorganização econômica e social após as invasões dos bandeirantes na região do Guairá (Mora Mérida, 1973MORA MÉRIDA, José Luis. História social de Paraguay (1600-1650). Sevilha: Escuela de Estudios Hispano-Americanos, 1973., p. 77). É dessa década o início do processo de consolidação da produção de erva-mate nos arredores da cidade de Assunção após a destruição do Guairá e a migração da população indígena dessa zona (Romero Jensen, 2009ROMERO JENSEN, Carlos Eduardo. El Guairá: caída y éxodo. Assunção: Academia Paraguaya de la Historia; Fondec, 2009.).

E, em 1680, ocorre outro processo de alteração do panorama econômico no Paraguai. A consolidação das missões jesuíticas como produtoras de erva-mate e o predomínio dos inacianos nos aspectos políticos regionais transforma o cenário na província. Passa-se de um período de transição para a efetivação do domínio dos religiosos, no qual esses se tornam destacados agentes, cujo protagonismo marcaria a sociedade paraguaia ao longo do século XVIII (Garavaglia, 1983GARAVAGLIA, Juan Carlos. Mercado interno y economía colonial. México: Grijalbo, 1983.).

As encomiendas americanas: uma breve apresentação

A problematização da encomienda a partir de sua concepção jurídica e posterior aplicação na América passa, necessariamente, pela conceituação dessa instituição. Embora tenha raízes em instituições medievais ibéricas, essa desenvolveu-se na América a partir de dinâmicas próprias e em resposta às necessidades locais. Silvio Zavala, na obra La encomienda indiana, aponta que, nas Antilhas, local das primeiras experiências da conquista espanhola no continente, foi onde nasceu e se desenvolveu a instituição (Zavala, 1992ZAVALA, Silvio. La encomienda indiana. México: Porrua, [1. ed. 1935] 1992., p. 13), cuja ideia seria repartir os indígenas entre os conquistadores. Dessa forma, cada espanhol contaria com um contingente de indígenas que deveria trabalhar para ele como forma de pagamento de tributo. Em troca, caberia ao encomendero a proteção desses indígenas e sua educação na fé cristã (Kirkpatrick, 1939KIRKPATRICK, F. A. Repartimiento - Encomienda. The Hispanic American Historical Review, v. 19, n. 3, p. 372-379, 1939., p. 372).

É importante destacar que não se tratava de uma situação de escravidão. Timothy Yeager aponta que a encomienda foi uma forma de a Coroa espanhola expandir e defender seu Império a um custo mínimo, disseminar o cristianismo em territórios remotos oferecendo em troca ao conquistador a exploração do trabalho indígena na forma de tributo (Yeager, 1995YEAGER, Timothy. Encomienda or slavery? The Spanish Crown’s choice of labor organization in Sixteenth Century Spanish America. The Journal of Economic History, v. 55, n. 4, p. 842-859, 1995., p. 843). Também destaca que os encomenderos não possuíam a titularidade de uma “propriedade” em relação aos indígenas, cabendo-lhes o recebimento de um tributo originado do seu trabalho. Assim, a Coroa garantia sua preeminência frente ao possível desenvolvimento de uma elite escravista americana, ou seja, pelo fato de o monarca conceder a exploração do trabalho e não a titularidade do indígena, retorna sempre para si a autoridade de conceder e revogar a mercê (p. 846).1 1 Diferentemente do ocorrido na América portuguesa, onde a escravidão foi elemento central da economia e sociedade, tendo a elite escravista papel de destaque no âmbito político. Cf. Fernandes (1976).

A possibilidade de limitação do poder dos encomenderos gerou conflitos na relação desses com as autoridades régias. A questão do confisco das mercês, da limitação da sucessão de encomiendas a herdeiros e a estrita supervisão das ordens religiosas em relação aos abusos e violências vai tornar-se uma constante durante todo desenvolvimento da instituição ao longo dos séculos.

A partir das primeiras experiências de exploração de mão de obra indígena, cria-se uma base jurídica inicial, a Ley de Burgos de 27 de dezembro de 1512, a qual manteria as encomiendas, mas buscaria um maior rigor no controle da Coroa nas relações de trabalho entre espanhóis e indígenas (Zavala, 1992ZAVALA, Silvio. La encomienda indiana. México: Porrua, [1. ed. 1935] 1992., p. 23).

No entanto, quando os espanhóis iniciam a conquista do que seria denominado como Nova Espanha, a situação assume outras dimensões. Em oposição às ilhas do Caribe, o novo território estava densamente ocupado por diversas sociedades indígenas e apresentava uma variedade de estruturas de poder, relações sociais e econômicas extremamente complexas. De forma paralela a essa adaptação da instituição antilhana no continente, a atuação de religiosos denunciando abusos e violência contra os indígenas por parte dos encomenderos vai consolidar uma narrativa que culminaria com os debates entre o dominicano Bartolomé de Las Casas e o jurista Juan Ginés de Sepúlveda entre 1550 e 1551.

Tais medidas protetivas aos indígenas não foram bem recebidas pelos encomenderos. Após revoltas na Nova Espanha, os procuradores dessa localidade conseguem, em 20 de outubro de 1545, a suspensão do capítulo XXX das Leyes Nuevas, que proibia a sucessão da mercê em favor do herdeiro. Assim, a instituição volta a vigorar pela antiga lei de sucessão por duas vidas (Zavala, 1999, p. 89).

No decorrer do debate, e por pressão de Las Casas, o monarca promulgaria as Leyes Nuevas de 1542 visando a proteção dos indígenas. Destaca-se o capítulo XXI da dita norma, na qual reforçava que “por ninguna vía se les hiciera esclavos” e ordenava que “se efecturara la revisión de todos los títulos de esclavitud existentes con anterioridad a la ley” (Zavala, 1999, p. 79). Em relação direta às encomiendas, ditava “quitar los indios a todas las personas que los gozaran sin título” e obrigava que “se pusieran en la Corona Real los indios que tenían encomendados virreyes, gobernadores, sus tenientes, oficiales, prelados, monasterios, hospitales, casas de religión, de moneda, y demás personas que los tuvieran por razón del oficio que desempeñaban” (Zavala, 1999, p. 80).

A situação da Coroa espanhola era complexa. De um lado, sua concepção religiosa deveria priorizar as atividades missionárias e a fé cristã, pois essas não somente eram a base do corpus jurídico, mas a essência da própria monarquia. Por outro, a venda de encomiendas não só era uma forma de controle das elites locais na América, mas principalmente um importante aporte monetário, visto que a venda dessas mercês era uma forma de financiar o tesouro régio (Zavala, 1999, p. 147).

Com isso, a monarquia iria atuar de forma intermediária, cedendo algo aos encomenderos e, em outros momentos, condenando suas ações, obtendo, dessa forma, um fortalecimento de seu papel como mediadora nos conflitos. Aos encomenderos, por sua vez, também caberia um importante papel no processo de aplicação dessas deliberações régias: ao cumprir ou não as decisões do monarca e de seus funcionários, os agentes locais assumem um protagonismo na dialética da formação da legislação sobre a exploração de trabalho na América.

Após debates envolvendo a legitimidade da instituição indiana e a perpetuidade das mercês, Juan Solórzano Pereira reúne todas as deliberações sobre as encomiendas, o que seria base para a formação da Recopilación de Leyes de Indias de 1680. Niceto Alcalá Zamora, em suas Reflexiones sobre las leyes de Indias de 1935, aponta que, após o estudo da natureza jurídica das encomiendas, essas podem ser tratadas como um regime de tutela do indígena, e esse regime, por sua vez, seria tutelado pela Coroa (Zamora, 1935ZAMORA, Niceto Alcalá. Reflexiones sobre las leyes de Indias, 1935., p. 203). Ou seja, a origem da instituição passava pela relevante separação do usufruto da força de trabalho em relação à autonomia do indígena.

A pressão dos religiosos, notadamente dos jesuítas, contra a exploração dos indígenas pelos encomenderos, resultaria na Ordenação de 1612. Essa, proposta por Francisco de Alfaro, estabeleceria algumas medidas protetivas, como limitação temporal ao tributo indígena e proibição expressa do servicio personal (Jurado, 2014JURADO, María Carolina. Un fiscal al servicio de Su Majestad: Don Francisco de Alfaro en la Real Audiencia de Charcas, 1598-1608. Población & Sociedad, v. 21, n. 2, p. 99-132, 2014., p. 124).

Esse cenário de conflito não seria responsável pela decadência da instituição. O fim das encomiendas não seria anunciado de forma clara. Após a crise financeira do Império espanhol, em meados de 1660, a Coroa passa a vender as confirmações das mercês ao invés de concedê-las gratuitamente. Ao longo do século XVIII, com o crescente centralismo da monarquia sob a dinastia dos Bourbons, procura-se limitar a sucessão das encomiendas e a venda a novos beneficiários (Zavala, 1999, p. 254).

Nas áreas periféricas do Império espanhol, a instituição continuaria vigorando, seja pelo desinteresse da Coroa em atuar em regiões remotas como pela importância da estruturação de relações de trabalho em essas regiões. O Paraguai, objeto de estudo neste artigo, recebeu confirmações de encomiendas pelo rei no ano de 17692 2 Real Biblioteca de Madrid, Cedulario Indico (1792), tomo XVII, f. 30, n. 44. e, nas proximidades de seu processo de independência em 1811, são encontrados relatos da existência desse instituto.

A dinâmica entre a concepção jurídica e moral por parte da monarquia e a aplicação do instituto pelos agentes locais vai caracterizar, em questões práticas, a exploração do trabalho do indígena na América. Afirma Zavala que,

cuando en las instituciones sociales de Indias se logra vencer el aparato moral con que se recubren, para penetrar en su verdadera médula legal, y se reduce a límites justos la afirmación de que las leyes indianas fueron todas programadas y cumplidas, bajo las cuales se desarrolló libremente una práctica abusiva y cruel, se encuentra un sistema legal de matriz medio, que resultó precisamente del encuentro de las dos corrientes - la teórica y la práctica - que sirvieron para modelar los cauces jurídicos de la relación hispanoindiana (Zavala, 1999, p. 216).

Tal debate deve ser levado em consideração. Rafael García Pérez, no capítulo Revisiting the America’s colonial status under the Spanish Monarchy destaca o papel da relação entre teoria e prática jurídica na formação do direito indiano. Aponta que, embora a lei tenha sido criada em Espanha, por juristas peninsulares e seguindo os debates jurídicos e morais europeus, sua aplicação teve papel decisivo na consolidação de uma tradição jurídica americana.

José Sánchez-Arcilla Bernal define que o direito indiano corresponde às leis aplicadas na América. Sua principal característica seria a combinação das legislações castelhanas, como desenvolvimento das Siete Partidas, e a construção jurídica posterior, com os costumes indígenas. Assim, a aplicação do direito pelas instituições locais tornar-se-ia a principal marca do direito na América (Sánchez-Arcilla Bernal, 1994SÁNCHEZ-ARCILLA BERNAL, José. En torno al derecho vulgar. Cuadernos de Historia del Derecho, n. 1, v. 13, p. 13-24, 1994., p. 18-19).

Dessa forma, no novo continente, o costume prevaleceu frente à norma escrita. Embora não possamos falar de uma tradição local nas primeiras décadas de conquista, notamos que a distância geográfica, os desafios de uma realidade distinta da europeia e a necessidade de respostas aos problemas locais permitiram soluções jurídicas pautadas nos costumes (García Pérez, 2015GARCÍA PÉREZ, Rafael. Revisiting the America’s colonial status under the Spanish Monarchy. In: DUVE, Thomas; PIHLAJAMMÄKI, Heikki (Ed.). New horizons in Spanish Colonial Law. Frankfurt am Main: Max Plank Institute for European Legal History, 2015. p. 29-73., p. 48). Nas encomiendas, tal fenômeno encontraria maior relevo. A própria definição de “índio” seria uma criação dos juristas peninsulares. Na América, frente à diversidade de sociedades, o conquistador sabia que havia indígenas aliados, inimigos, os que se miscigenaram com ele e os que deveria combater. Assim, cria-se, segundo García Pérez, uma ius commune no governo das populações indígenas, tanto pelo desconhecimento de como agir por parte das autoridades régias, como pela potencialidade de criação de novas estruturas por parte dos espanhóis radicados na América (García Pérez, 2015GARCÍA PÉREZ, Rafael. Revisiting the America’s colonial status under the Spanish Monarchy. In: DUVE, Thomas; PIHLAJAMMÄKI, Heikki (Ed.). New horizons in Spanish Colonial Law. Frankfurt am Main: Max Plank Institute for European Legal History, 2015. p. 29-73., p. 49).

A jurisprudência europeia respondeu ao dilema do indígena afirmando sua humanidade, mas como personae miserabilies e devendo, tal como crianças e mulheres, serem tutelados pelos espanhóis. Por outro lado, os espanhóis na América preferiram repartir os indígenas “rebeldes” conquistados em “guerra justa” e assumir uma ideia de não tutela, mas de condenação a partir de lógicas bélicas. Com isso, torna-se necessário compreendermos a dinâmica de aplicação do instituto. Por isso, optamos em analisar como se deu a interação entre as autoridades régias, com suas normas jurídicas e deliberações religiosas, e os agentes locais, com suas ações e reações e, principalmente, com o desenvolvimento de práticas jurídicas locais.

As encomiendas no Paraguai

O sistema de encomiendas, juntamente com as missões religiosas, foi um dos pontos que estruturou o Paraguai nos seus séculos iniciais. A exploração econômica somou-se à formação étnica, na qual a miscigenação do europeu com a mulher indígena levaria aos mestizos, que assumiriam protagonismo na região nas décadas subsequentes.

Elman Service caracteriza a sociedade paraguaia como pobre e isolada, corroborando a interpretação à época corrente de não relacionar a província na dinâmica econômica regional. Por isso a exploração da mão de obra indígena teria sido de tamanho relevo para os colonizadores (Service, 1951SERVICE, Elman. The encomienda in Paraguay. The Hispanic American Historical Review, v. 31, n. 2, p. 230-252, 1951., p. 237). Soma a isso o desinteresse da Coroa em atuar de forma mais presente na região, carente de metais preciosos, gêneros agrícolas exportáveis e fora dos grandes circuitos mercantis da América.

Esse panorama levaria com que a instituição se desenvolvesse de forma mais fluída que em regiões consideradas centrais na América. Service (1951SERVICE, Elman. The encomienda in Paraguay. The Hispanic American Historical Review, v. 31, n. 2, p. 230-252, 1951., p. 236) considera que as leis sobre trabalho indígena foram, no geral, ignoradas no Paraguai, referindo-se à dificuldade das deliberações da Coroa serem aplicadas no território. Menciona, portanto, as Ordenanzas do ouvidor Francisco de Alfaro, publicadas em 1612 e que visavam proteger os indígenas da exploração dos encomenderos, mas que, na sua prática, gerariam incontáveis conflitos com os paraguaios.

Antes, em 1597, o governador do Paraguai e Rio da Prata, Juan Ramírez de Velazco promulgou ordenanças visando regular o trabalho indígena. Seu objetivo foi controlar a ação dos encomenderos e dar fim às queixas de abusos que esses cometiam contra a população nativa (Gandia, 1939GANDIA, Enrique de. Francisco de Alfaro y la condición social de los índios. Río de la Plata, Tucumán y Perú, siglos XVI y XVII. Buenos Aires: Ateneo, 1939., p. 71). Velazco propôs a mudança de aldeias para região próxima à cidade de Assunção. Visava, com isso, facilitar o acesso à mão de obra e criar, através de novos aldeamentos, um contingente de reserva de trabalhadores (Gandia, 1939GANDIA, Enrique de. Francisco de Alfaro y la condición social de los índios. Río de la Plata, Tucumán y Perú, siglos XVI y XVII. Buenos Aires: Ateneo, 1939., p. 76).

Seguindo os passos de Velazco, Hernandarias promulgaria em 1603 legislação aperfeiçoando o controle das encomiendas. Usando as ordenanças anteriores, tornou mais rígido o controle das mercês sem, contudo, alterar substancialmente a natureza do instituto (Gandia, 1939GANDIA, Enrique de. Francisco de Alfaro y la condición social de los índios. Río de la Plata, Tucumán y Perú, siglos XVI y XVII. Buenos Aires: Ateneo, 1939., p. 110).

A mudança, que geraria revolta generalizada nas cidades da província, seria implantada anos mais tarde. Entre 1610 e 1618, Francisco de Alfaro atuara como juiz na Audiência de Charcas, cuja jurisdição compreendia o Paraguai, e propusera reformular o sistema de encomiendas no vice-reinado do Peru. A ideia seria limitar as ações do encomendero e suprimir o servicio personal, ou seja, o trabalho notadamente de mulheres nas residências dos espanhóis, apontado pelos religiosos como uns dos principais elementos de violência contra os indígenas (Gandia, 1939GANDIA, Enrique de. Francisco de Alfaro y la condición social de los índios. Río de la Plata, Tucumán y Perú, siglos XVI y XVII. Buenos Aires: Ateneo, 1939., p. 231). Outro fator apontado por diversos autores, como Branislava Súsnik (1965SÚSNIK, Branislava. El indio colonial del Paraguay. Asunción: Museo Etnográfico Andrés Barbero, 1965., p. 35), José Carlos Garavaglia (1983GARAVAGLIA, Juan Carlos. Mercado interno y economía colonial. México: Grijalbo, 1983., p. 273) e José Luis Mora Mérida (1973MORA MÉRIDA, José Luis. História social de Paraguay (1600-1650). Sevilha: Escuela de Estudios Hispano-Americanos, 1973., p. 176) é que tais medidas de Alfaro visavam também aumentar a tributação para a Coroa, denotando que, na realidade, o maior controle utilizava da proteção aos indígenas como argumento mas, na prática, a motivação era tributária. Em resposta às novas restrições, tanto pelas Leyes Nuevas de 1542 como pelas Ordenanzas de 1612, os vecinos de Nova Espanha argumentaram que exerciam um trabalho de civilizar os indígenas, tratando-os como seus filhos, e que não sobreviveriam sem o tributo produzido por eles (Simpson, 1982SIMPSON, Lesley Byrd. The encomienda in New Spain: The beginning of Spanish Mexico. Berkeley: University of California Press, 1982.).

A questão da sucessão das mercês também é apontada por Service como sinal de desobediência dos paraguaios. Aponta que a prática local consistia na manutenção das encomiendas por mais de duas gerações, ocasionando a sua redução e, consequentemente, o aumento de indígenas na sua composição (Service, 1951SERVICE, Elman. The encomienda in Paraguay. The Hispanic American Historical Review, v. 31, n. 2, p. 230-252, 1951., p. 243).

Enrique de Gandia destaca o impacto das Ordenanças de Alfaro no Paraguai. Nessa província, “la reacción y las protestas contra las ordenanzas de Alfaro fueron aún más fuertes” e, a partir disso, “los religiosos mercedários analizaron los fundamentos, por los cuales decidieron que las dichas ordenanzas resultaban improprias para los índios del Paraguay” (Gandia, 1939GANDIA, Enrique de. Francisco de Alfaro y la condición social de los índios. Río de la Plata, Tucumán y Perú, siglos XVI y XVII. Buenos Aires: Ateneo, 1939., p. 253). Como resultado, os encomenderos começaram a ignorar sistematicamente as deliberações de Alfaro, principalmente no que se refere ao servicio personal dos indígenas (Gandia, 1939GANDIA, Enrique de. Francisco de Alfaro y la condición social de los índios. Río de la Plata, Tucumán y Perú, siglos XVI y XVII. Buenos Aires: Ateneo, 1939., p. 260).

As Ordenanças não foram oficialmente substituídas por outra legislação. De acordo com Gandia (1939GANDIA, Enrique de. Francisco de Alfaro y la condición social de los índios. Río de la Plata, Tucumán y Perú, siglos XVI y XVII. Buenos Aires: Ateneo, 1939., p. 329), “las ordenanzas de don Francisco de Alfaro cayeron lentamente, una a una, anuladas por la critica de los Cabildos y gobernadores, por el rechazo y la indiferencia de los índios y encomenderos”.

Mora Mérida, em sua História social de Paraguay (1600-1650), também destaca a importância dessa instituição. Contudo, reforça que, a despeito disso, a ausência de documentação dificulta a realização de trabalhos e análises mais aprofundadas. A exceção a esse cenário foi a expedição de uma relação de encomenderos efetuada pelo governador da província Felipe Rege Corvalán em 1674. Esse é um importante panorama que nos permite visualizar as dinâmicas de distribuição e composição das ditas mercês no Paraguai.

No que tange às características, Mora Mérida (1973MORA MÉRIDA, José Luis. História social de Paraguay (1600-1650). Sevilha: Escuela de Estudios Hispano-Americanos, 1973., p. 189) afirma que “el servicio de encomiendas era personal, como norma común, que habían preferido los mismos indios tributarios, y también porque la tierra no daba para otra cosa, por falta de moneda metálica”. Isto é, a situação marginal em relação ao circuito econômico platino, retratado na ausência de moeda circulante e, portanto, de atividade mercantil, levaria ao predomínio do “servicio personal” como forma marcante das encomiendas no Paraguai.

Esse servicio, que compreendia o trabalho de indígenas, notadamente de mulheres, nas residências dos espanhóis, foi visto como uma das questões mais problemáticas em relação à instituição. Através dele, a separação entre espanhóis e indígenas, proposta pela norma jurídica espanhola, seria completamente ignorada. O resultado dessa interação, pautada quase sempre pela violência, seria a miscigenação étnica e o surgimento dos mestizos no Paraguai.

Shawn Austin, em trabalho recente que analisa as características das encomiendas paraguaias, afirma que o servicio personal, dominante no período colonial paraguaio, não foi simplesmente o reflexo da falta de aptidão das autoridades régias em aplicar ou não as leis, mas a consequência dos valores da sociedade guarani que foram absorvidos em um modelo próprio de encomienda para a região (Austin, 2015AUSTIN, Shawn Michael. Guaraní kinship and the encomienda community in colonial Paraguay, sixteenth and early seventeenth centuries. Colonial Latin American Review, n. 24, v. 4, p. 545-571, 2015., p. 563). Em vez de focar na retórica da desobediência de leis, Austin define que foi a partir desses conflitos legais que se permitiu que as relações de parentesco entre conquistadores espanhóis e lideranças guaranis se plasmassem na criação de uma encomienda paraguaia. A ideia de relações de parentesco e de tentativas de assimilação nas etapas iniciais da conquista não só definiram o aspecto étnico da população, mas contribuiram para criar um modelo próprio de exploração da mão de obra (Austin, 2015AUSTIN, Shawn Michael. Guaraní kinship and the encomienda community in colonial Paraguay, sixteenth and early seventeenth centuries. Colonial Latin American Review, n. 24, v. 4, p. 545-571, 2015., p. 556).

Devemos destacar que as encomiendas eram concessões régias, mas quem operava essa oferta eram os governadores. Tal fato acabaria por concentrar poderes nessa figura, tornando-os chaves para a compreensão da sociedade e política paraguaia no período colonial. A dimensão das mercês também merece atenção. Mora Mérida, em sua análise da Relación de encomenderos de 1674, afirma que eram compostas por, na média, 14 indígenas, havendo somente 13 encomenderos com mais de cinquenta indígenas e somente um caso no qual o indivíduo usufruía da força de trabalho de mais de cem pessoas (Mora Mérida, 1973MORA MÉRIDA, José Luis. História social de Paraguay (1600-1650). Sevilha: Escuela de Estudios Hispano-Americanos, 1973., p. 197).

Foi observada também a relativa facilidade em conseguir o título de encomendero. De acordo com a análise da referida relação, bastava estar nas proximidades dos núcleos de poder para receber a mercê. A distinção ocorreria na dimensão do número de indígenas que iriam trabalhar como tributo (Mora Mérida, 1973MORA MÉRIDA, José Luis. História social de Paraguay (1600-1650). Sevilha: Escuela de Estudios Hispano-Americanos, 1973., p. 204).

Outra característica pouco usual no Paraguai e que estava expressamente proibida pela legislação eram as encomiendas del gobernador. Não existe registro de sua composição, criação ou características, sendo que

los indios, 12 en total, pertencientes a esta encomienda, acompañaban al gobernador en sus visitas a los demás pueblos de indios durante setenta días al año, y, si el gobernador no los empleaba en sus visitas, ayudaban en las labores de su casa, aunque en este caso el gobernador les pagaba por el tiempo que estuviesen sirviéndole y que excediese al estipulado en las ordenanzas (Mora Mérida, 1973MORA MÉRIDA, José Luis. História social de Paraguay (1600-1650). Sevilha: Escuela de Estudios Hispano-Americanos, 1973., p. 206).

A extraoficialidade das práticas encontradas evidencia que a prática jurídica no Paraguai diferia das normas criadas pela Coroa. Contudo, não podemos falar apenas de um descumprimento, mas sim de uma criação de uma convenção, na combinação de elementos legais das normativas peninsulares e nas dinâmicas e necessidades locais da comunidade. Essa plasticidade na adaptação das deliberações garantiria que as encomiendas continuassem com destaque social em meados do século XVII, enquanto no Peru e México as suas congêneres estivessem entrando em decadência (Mora Mérida, 1973MORA MÉRIDA, José Luis. História social de Paraguay (1600-1650). Sevilha: Escuela de Estudios Hispano-Americanos, 1973., p. 207). A vitalidade da instituição chegaria, mesmo com redução de seu papel na economia regional, até o século XIX, no período próximo à emancipação política do Paraguai.

Conforme apontamos anteriormente, a concessão de encomiendas era realizada pelos vice-reis e, na ausência destes, pelos governadores. Assim ocorreu no Paraguai durante os séculos XVI e XVII (Velázquez, 1982VELÁZQUEZ, Rafael Eladio. Caracteres de la encomienda paraguaya en los siglos XVII y XVIII. Historia Paraguaya, v. 19, p. 115-163, 1982., p. 124). A partir de meados de 1640, as encomiendas passam a ser confirmadas pela autoridade régia, produzindo a documentação que compõe o Archivo General de Indias, sobre a qual iremos trabalhar.

A documentação referente às encomiendas paraguaias do período foi reunida no fundo Expedientes de confirmaciones de encomienda de indios, compreendendo dois legajos sobre a temática. Cabe destacar que esse fundo foi organizado a partir da lógica jurisdicional espanhola à época, sendo as questões referentes ao Paraguai alocadas na Audiencia de Charcas, que compreendia a região meridional do vice-reino do Peru, ou seja, a região do Alto Peru, Paraguai, Tucumán e Rio da Prata.

No que se refere às encomiendas, no período entre 1640 e 1680, foram submetidas à aprovação pelo Conselho de Índias quarenta solicitações. Dessas, 31 foram aprovadas, quatro ficaram com status de pendente e cinco foram denegadas.3 3 Archivo General de Indias (AGI), “Confirmación de encomienda de Nuestra Señora de Yuti (6 de setembro de 1661)”, AGI, CHARCAS,102,N.21 e “Confirmación de encomienda de Rica del Espíritu Santo (26 de agosto de 1671)”, AGI,CHARCAS,103,N.5. Todas as solicitações são acompanhadas de petição, justificativa, análise e de um resultado circunstanciado.

Quanto à distribuição geográfica, observamos que 26 solicitações (65%) eram originadas da região de Tucumán e em Charcas, isto é, a região de Potosí, foram solicitadas quatro (10%) encomiendas. Em Corrientes foram requeridas três (7,5%) e no Paraguai, Santiago del Estero e Jujuy somente duas solicitações cada, correspondendo a 5% do total de encomiendas do período. Em Buenos Aires somente há o registro de uma solicitação, correspondendo a 2,5% do total.

Tal panorama nos levanta algumas questões. Observamos que a região de Tucumán concentra um número substancialmente maior que as demais zonas. Isso pode ser explicado pelo fato de Tucumán estar em um eixo importante que ligava o porto de Buenos Aires à região de Potosí, contribuindo para esse comércio com produtos agrícolas (Gonzáles Rodríguez, 1990GONZÁLEZ RODRÍGUEZ, Adolfo Luis. La legislación indiana y su aplicación práctica: el caso de las encomiendas en la gobernación del Tucumán. Temas Americanistas, n. 7, p. 48-62, 1990., p. 61). E, principalmente, as atividades ligadas ao contrabando de prata e escravos africanos passavam por essa região, o que levou com que a região, a despeito das demais, tivesse a maior presença de moeda metálica em circulação (Garavaglia, 1988GARAVAGLIA, Juan Carlos. Mercado interno y economía colonial. México: Grijalbo, 1983., p. 397; Moutoukias, 1988MOUTOUKIAS, Zacarías. Contrabando y control colonial en el siglo XVII. Buenos Aires, el Atlántico y el espacio peruano. Buenos Aires: Centro Editor de América Latina, 1988., p. 206). Não podemos nos esquecer que o pagamento da media anata exigido no momento do recebimento da confirmação da encomienda deveria ser feito em dinheiro.4 4 Para uma análise sobre as encomiendas na região do Alto Peru, ver Ana Maria Presto (2000).

A localização de Tucumán junto à fronteira da colonização com comunidades indígenas não assimiladas e vistas como hostis à presença espanhola na região, também foi um dos fatores que justifica a abundância de conformações de mercês para encomendar indígenas. A situação de fronteira também seria uma característica do Paraguai, mas como não se encontrava no eixo comercial principal do comércio platino e não dispunha de moeda metálica circulante, não tinha como pagar os tributos referentes e, por conseguinte, solicitar as confirmações das encomiendas.

Para o Paraguai, como já expusemos, somente observamos duas solicitações de confirmação entre 1640 e 1680. Contudo, a partir de 1694, a situação é alterada de forma radical. Nesse ano foram solicitadas 17 confirmações de encomiendas na província,5 5 Archivo General de Indias (AGI), “Expedientes de confirmaciones de encomienda de indios (1694)”, AGI, CHARCAS, 110. nos anos seguintes, até 1699, mais dez solicitações.6 6 Archivo General de Indias (AGI), “Expedientes de confirmaciones de encomienda de indios (1694-1699)”, AGI, CHARCAS, 111.

A explicação para esse fenômeno tem relação direta com a política fiscal da Coroa espanhola. Em 1687, diante da necessidade de custear atividades militares nos portos americanos, visto que era importante “mantener fuerzas marítimas en Sur y Norte, con que defender los puertos y costas de piratas que los infestaban”, era necessário incrementar as caixas régias com dinheiro. Com isso, em 2 de setembro do mesmo ano, foi decretado que o tributo de confirmação das encomiendas seria correspondente à metade das rendas auferidas em um ano, a ser pago durante quatro anos de sua exploração. Esse desconto seria prorrogado até 1º de janeiro de 1696.7 7 Real Biblioteca de Madrid, “Cedulario Indico (1696)”, tomo XXIV, f.50b, n.33.

Logo, uma das explicações para essa profusão de solicitações no Paraguai seria o contexto tributário favorável, o que levaria a uma corrida para regularização das encomiendas. Além de justificar o aumento numérico de requisições, também evidencia que os paraguaios estavam em busca de segurança jurídica para suas mercês. Ou seja, não podemos falar apenas em descumprimento das leis ou de sentimento de autonomia, pois, na dinâmica da construção das práticas jurídicas na província, a norma e a aplicação assumem natureza dialética e não de simples oposição.

Voltando aos dois casos apresentados ao Conselho de Índias entre 1640 e 1680, observamos que tratam de um caso confirmado e outro denegado. Essa diversidade de resultados permite compreendermos melhor as solicitações e, principalmente, as argumentações dos agentes locais e dos conselhos superiores. Em ambas solicitações será permitido compreender como as interações ocorriam e como resultaram na criação e consolidação das práticas jurídicas locais.

Solicitações de confirmação de encomiendas no Paraguai

O primeiro processo foi uma solicitação de reconhecimento de uma encomienda na região de Yutí por Sebastián de León y Zárate. A petição foi iniciada em 1653 e alongou-se até 1661, ano em que recebeu uma solução final.

O requerente, vecino de Assunção, assumiu o cargo de governador em 1649. Foi nomeado para o cargo em resposta à expulsão dos jesuítas realizada pelo bispo Bernardino de Cárdenas, governador nomeado pelo cabildo no mesmo ano. Sua missão como interino seria, além da ocupação militar da cidade, a restituição das propriedades confiscadas dos inacianos (Rivarola Paoli, 2012RIVAROLA PAOLI, Juan Bautista. La Primera Revolución Comunera, 1649. Asunción: El Lector; ABC Color, 2012., p. 69-70).8 8 Para o debate em torno do conflito entre o bispo Bernardino de Cárdenas e os vecinos de Assunção, ver Fernando V. Aguiar Ribeiro (2017).

Em 1650, seria substituído por Andrés Garabito de Léon na governação do Paraguai. O novo mandatário solicita o imediato cancelamento da mercê pertencente a Sebastián de León y Zárate, resultando no processo que iremos agora analisar.

Logo no início da petição, datada de 1653, Léon y Zárate contesta “el despojo de los yndios de mi encomienda del Pueblo de Yutí”.9 9 Archivo General de Indias (AGI), “Confirmación de encomienda de Nuestra Señora de Yuti (6 de setembro de 1661)”, AGI, CHARCAS, 102, N.21, f.1r. Para tanto, solicita ao arquivo do cabildo o registro de seu título de encomendero junto aos alcaldes ordinários. Afirma que a concessão da mercê ocorreu no governo de Pedro Lugo de Navarra, que administrou o Paraguai entre 1636 e 1641.

O decreto de 9 de julho do mesmo ano anexa uma petição enviada ao Justicia mayor do cabildo, Gonzalo Lorenso de Ortega Vallejo, para que esse realizasse uma “busca en los caxones del archivo la vissita que fisse que falta del gover.n Martin de Ledesma”.10 10 Idem, f.1v. Isso porque o registro da concessão da encomienda fora extraviado, juntamente com uma série de papéis do governo de Lugo de Navarra, restando somente a documentação referente a uma visita realizada pelo governador anterior. Com isso, Sebastián de Léon y Zárate redige uma petição na qual solicita, mais uma vez, aos governadores acima mencionados, o que produz um decreto em 3 de julho de 1653, a busca de registros sobre a encomienda no arquivo do cabildo, com especial atenção ao “traslado de la clausula de la vissita que hiso el dho governador Don Pedro de Lugo11 11 Idem, f.1v. às encomiendas da região.

Tal registro é encontrado e seu traslado é anexado ao processo. Na visita de 7 de fevereiro de 1639, é analisada a “encomienda del Alfr.es Sevastián de Leon12 12 Idem, f.2r. apontando quais indígenas compunham a referida mercê. O elemento que mais se destaca é quando o visitador aponta que “D. Antonio, hijo mayor y sucesor del dho casiq’ casado con madalena Sevastian Ñamba herd.a del dho casique de setenta años, jubilado = fran.co Peri”.13 13 Idem, f.2r. A informação de que a concessão de León y Zárate não foi fruto de uma concessão de mercê por parte dos governadores, mas sim uma aliança dele com lideranças indígenas, exatamente como foi pactuado em diversas ocasiões nas décadas iniciais da colonização no Paraguai. Assim, não haveria um registro da concessão da encomienda, já que não foi concedida, mas acertada segundo as práticas tradicionais de aliança com indígenas.

Sebastián de León y Zárate argumenta que esse registro da visita de 1639 bastaria como prova da titularidade da encomienda em Yutí. Contudo, o governador Andrés Garavito de León, no mesmo ano, impede a restituição da mercê e alega que “no se puede proseguir ni continuar en mi prejuicio demás que por cedula R.l de su mag. su fecha en valladolid a veinte y nuebe de agosto de mill y quinientos y quarenta y quatro años y Leyes Reales no pueden tener yndios los gobernadores ni otros ministros como consta y se refiere en confirmaciones Reales”.14 14 Idem, f.5r. Como último argumento, León y Zárate argumenta que “la dha mi encomienda del pueblo de Yuti nunca llegó a la dha cantidad de mill ducados de renta porque siempre fueron pocos como son los de los demás encomenderos desta çiudad”.15 15 Idem, f.5v.

A partir desse cenário, em 3 de julho de 1653 o então governador e visitador-geral do Paraguai decreta a suspensão da encomienda de Sebastián de León y Zárate, “ordenando que la mita dellos acudiese al governador y sucessores hasta que su mag.d o su R.l consjo de yndio otra cosa mandase y que si la parte del dho gov.or Sebastian de Leon pidiese testimonio se le diese para ocurrir al dho Real consejo como en el se me manda he executado”.16 16 Idem, f.6r. E, como solução final, decreta que “estando la caussa pendiente y remitida en el R.l consejo donde podrá el dho gov.or seb.an de Leon pedir su justicia como la conviene”.17 17 Idem, f.6r. Na mesma data é decretado por Garabito de León que “nombro por administrador de la dha encomienda de iuti al governador y sucetienes en el cargo mientras su magestad a govierno superior mandar otra cosas”.18 18 Idem, f.8r.

Conforme foi indicado, o processo foi remetido ao Conselho de Índias. Em 28 de agosto de 1660, foi apresentada uma solução para a contenda. Foi deliberado que “el fisçal diçe que se a de denegar à pte. de lo que pretende, y mandar que restituya y entere en las caxas R.s todos los frutos y aprovechamientos que hubiere produçido de la encomienda de indios del Pueblo de Yuti”.19 19 Idem, f.15v. E, “porq. por los papeles q’ se presentan consta q esta p.te no tiene titulo de la dha encomienda, y q’ la proveyó sin el, y por esta raçon le suspendió de ella el dho Don Andres Garavito”.20 20 Idem, f.15v.

Em 20 de agosto de 1661 o Conselho promulga sua decisão final sobre o caso. Afirma que “no a lugar a esta parte el despacho que pide conrense de los frutos y demoras que as percebdo desde q’ se le encomendo y se enteren en las cajas Reales, y lo mismo se aga de los fructos q’ esta encomienda avendrado desde ‘ se les suspendió el uso a sebastian de leon, y el governador la prueba de nuebo en persona benemerita conforme las Zedulas de su mag.d guardando la forma de ellas en la nueba provision”.21 21 Idem, f.17v.

Assim foi finalizado o processo. Sebastián de León y Zárate perde a titularidade de sua encomienda e, mesmo recorrendo às autoridades superiores, não consegue reverter a decisão em plano local. Por outro lado, a Coroa aproveita o contexto para afirmar sua posição e exigir que os indígenas sejam concedidos a novos encomenderos, garantindo assim o recebimento de novos tributos, principal preocupação das autoridades centrais em relação ao assunto.

O processo de confirmação de encomienda por Francisco Fernández de Mora assumiu feições distintas em relação ao primeiro caso apresentado. Em 8 de novembro de 1668, o capitão da Vila Rica do Espíritu Santo requere a encomienda que estava vacante por morte de sua titular, dona Violante Domingues. E, em auto da mesma data, o governador Don Juan Diez de Andino resolve conceder a dita mercê que estava vaga a Fernández de Mora.22 22 Archivo General de Indias (AGI), “Confirmación de encomienda de Rica del Espíritu Santo (26 de agosto de 1671”, AGI, CHARCAS, 103, N.5, f.1v-2r.

No dia 16 de novembro do mesmo ano é expedido o auto de nomeación de encomienda, no qual o governador aponta que, como condição para a concessão, deve “que ella traiga confirmasión, del real consejo de indias dentro de seis años, con todos desde el día que tomar la posesión de la dicha encomienda para lo qual de consta la sertificacion del real entero de la media anata”.23 23 Idem, f. 2v-3r. Ou seja, além do pagamento da media anata, exigência da nova política tributária da Coroa, o governador solicita que a mercê seja confirmada pelo Conselho de Índias.

Outra questão apontada no auto do governador foi a necessidade de explicitar a condição de servicio personal das encomiendas concedidas a Francisco Fernándes de Mora. Sobre isso, Juan Diez de Andino solicita que “pueda persebir los tribunales en serbicio personal coo se a costumbra con los demas yndios de bessinos encomenderos desta provincia por todos los días de su vida y después de su sucesor” e confirma “lo dispuesto por sedula de su magestad y la ley de la sucesión”.24 24 Idem, f. 3v.

A referida mercê era composta por “4 yndios y seis muchachos y niños”. Trata-se, evidentemente de uma encomienda para que os indígenas trabalhem no ambiente doméstico, isto é, de servicio personal, o que é evidenciado pela pequena quantidade de trabalhadores arrolados. Mais adiante, no mesmo auto, a questão do servicio personal é retomada na justificativa. O governador alega que “con cargo de que les enseñe la dotr.na cristiana y cuide de la enseñanza y polesía que es obligado los en sus enfermedades y los defensa en sus caussas sin exseder en cosa alguna con lo qual del cargo”.25 25 Idem, f.4v.

Em 20 de novembro de 1668, quatro dias após o auto do governador, o capitão Juan Delgado, tesoureiro real na cidade de Assunção atesta o recebimento do pagamento da meia anata pelo capitão Francisco Fernández de Mora, como forma de encaminhar a encomienda para confirmação no Conselho de Índias.26 26 Idem, f.5r.

O processo de confirmação junto às autoridades centrais seria analisado nos anos subsequentes. Em 28 de agosto de 1671, o caso da encomienda de Villa Rica é sentenciado, relatando que “el fiscal contradiçe la confirmaz.on que esta parte pretende de la encomienda de yndios que el Governador del Paraguay hizo en el cap.n fran.co fernandes de Mora, V.o de vill.a rrica del espiritu santo, porque el serviçio personal q le aplica de dhos Yndios es muy gravioso, y abusan del los encomenderos con grande tiranía”. E, como o servicio personal era vedado pela legislação, “asi pide el fiscal se le denegue dha confirmaz.on”.27 27 Idem, f.8v.

Juntamente com a decisão do referido fiscal, são anexadas ao processo de confirmação da mercê cópias das Cédulas Reais que proíbem o servicio personal, bem como os capítulos das Ordenanzas de Alfaro que tratam da questão.

A negativa da decisão faz com que o requerente da mercê encaminhe ao Conselho de Índias um recurso, no qual declara que “el cap.n fran.co fr. de Mora = dice que el Gov.or de la Prov.a del Paraguay, le encom.do, los yndios originarios e mitayos de nazión, como consta de estos autos. Supp.ca a V. Mg.d se les de confirmaz.on de ellos”.28 28 Idem, f.8v. Como resposta, em 26 de agosto de 1672, o Conselho de Indias aprova “la confirmacion que pide en que aya de goçar de los fructos y tributos desta encomienda conforme a lo dispuesto por cedulas y ordenanças aprovadas que ay son despachadas en esta raçon para la probinçia del Paraguai y Rio dela Plata”.29 29 Idem, f.8r.

Nessa deliberação, algumas questões tornam-se evidentes. Era de amplo conhecimento que a prática do servicio personal era proibida pela Coroa, porém praticada amplamente no Paraguai. Com a solicitação de confirmação de encomienda relatando a condição de serviço doméstico, procurava-se a aprovação por parte das autoridades centrais dessa prática. Isso torna-se evidente no processo de resposta da confirmação, quando são anexadas as cédulas e ordenanças referentes justamente ao servicio personal.

As práticas nas encomiendas paraguaias através de seus pedidos de confirmação

No plano geral, observamos que as duas concessões de encomienda não figuram como solicitações de confirmação régia. Por não ser prática recorrente solicitar essas aprovações para os títulos paraguaios, notamos que o envio dessas petições às autoridades centrais diz mais respeito a dinâmicas locais que à submissão aos poderes da Coroa.

Verificamos que o caso do governador Sebastián de León y Zárate foi, na realidade, uma maneira de levar o Conselho de Índias a legitimar a decisão do então governador Juan Diez de Andino de confiscar o título daquela encomienda. Assim, a autoridade central e a legislação por ela aplicada foram utilizadas pelos agentes paraguaios para responder a uma demanda local. Tanto que a deliberação de Andino foi que a concessão fosse revertida ao atual governador, ou seja, a ele próprio, não só contrariando as normativas régias, mas explicitando o caráter de punição a León y Zárate. O caso de Francisco Fernández de Mora também assume características semelhantes. O envio da mercê ao Conselho não foi uma forma de punição, visto que, ao final, a concessão foi confirmada, porém, a ideia dessa demanda extrapolou a simples aprovação. A intenção era legalizar o servicio personal, utilizando esse caso para criar um precedente jurídico para possibilitar um futuro pedido de regularização dos demais títulos de encomenderos no Paraguai.

Quando analisamos mais profundamente o processo de Sebastián de León y Zárate destacamos a forma como a petição foi encaminhada. Inicialmente, foi declarado que os documentos sobre os títulos de encomienda foram extraviados. Como forma de oficializar a titularidade, o requerente utiliza do registro de uma visita do governador anterior, Pedro de Lugo. Essa situação revela que talvez não houvesse um documento de concessão de encomienda e que o serviço dos indígenas a León y Zárate tenha sido originado de outra forma.

A resposta a essa indagação vem no momento que é elaborada a descrição da mercê. Ao afirmar que seu filho e herdeiro, D. Antonio, está casado com Madalena Sevastián Ñamba, filha e herdeira do cacique Francisco Peri, apresenta a existência de alianças entre lideranças indígenas e espanhóis radicados no Paraguai. A prática de casamento com mulheres indígenas foi a base pela qual se estruturou a conquista castelhana no território, diferente de áreas como México e Peru na qual a conquista deu-se principalmente pelas armas.

Shawn Austin aponta que os grupos guaranis usam as relações de parentesco como estratégia de incorporação de indivíduos que estejam fora, realizando casamentos desses com suas filhas e transformando, pois, o elemento externo em parte da família, com obrigações de reciprocidade que tal situação demanda (Austin, 2015AUSTIN, Shawn Michael. Guaraní kinship and the encomienda community in colonial Paraguay, sixteenth and early seventeenth centuries. Colonial Latin American Review, n. 24, v. 4, p. 545-571, 2015., p. 252). Ruy Díaz de Guzmán escreveu que, ainda em 1612, os caciques guaranis ofereciam suas filhas e viúvas para os espanhóis e estes se convertiam em tovayá, isto é, em cunhados, e estariam sujeitos à autoridade das lideranças indígenas (Guzmán, 1986GUZMÁN, Ruy Díaz. La Argentina. Madrid: Ed. de Enrique de Gandía, 1986., p. 50).

Essa ação por meio de matrimônios foi incentivada por Domingo Martínez de Irala, governador do Rio da Prata e Paraguai nos momentos iniciais da conquista, entre 1539 e 1542. Sobre essa prática, Branislava Súsnik (1979SÚSNIK, Branislava. El indio colonial del Paraguay. Asunción: Museo Etnográfico Andrés Barbero, 1965., p. 66) destaca que “Irala se opuso al empadronamiento oficial y al repartimiento de los indios por encomiendas”, visto que “su política indigenista se basaba en ‘servicio libre con sus personas’” através da “táctica de integrar al guaraní por el medio de ‘servicio por amistad’ o ‘servicio por parentesco’”.30 30 O debate sobre cuñadazgo pode ser aprofundado em Enrique de Gandia (1939); Macarena Perusset (2015); e Bartolomeu Meliá (1988).

A prática apontada por esses autores seria a base pela qual seria constituído o sistema de encomiendas no Paraguai. Não em uma concessão realizada pelo governador, conforme a legislação prescrevia, mas através das relações de amizade e parentesco. Como resultado mais evidente dessa ação observamos a intensa miscigenação étnica, violência contra a mulher indígena e redução demográfica da população guarani.

Isso posto, podemos afirmar que a encomienda de Sebastián de León y Zárate não foi exceção, mas constituiu a regra das relações de trabalho no Paraguai. Cabe destacar que a menção sobre a formação da mercê, pela aliança com cacique, sequer foi ponderada quando o Conselho de Índias analisou o caso, reiterando a normalidade da situação. O fato de o titular da concessão ter sido nomeado governador em data posterior à formação da encomienda não é levado em consideração, pois somente aplicou-se a normativa de que funcionários régios não poderiam ser beneficiados desse regime tributário. Sabendo disso, como forma de punição por participar a favor dos jesuítas contra os vecinos de Assunção, o governador Andino joga ao Conselho essa contradição. Assim, os agentes locais utilizam das normas jurídicas da monarquia como forma de referendar suas ações, denotando uma postura ativa em relação às normas peninsulares.

Tal ação está diretamente relacionada com a natureza local do direito indiano observada por José Sánchez-Arcilla Bernal. O fato de os poderes locais terem destaque na aplicação da justiça na América permite com que agentes locais assumam sua condução conforme interesses políticos e econômicos de seu grupo (Sánchez-Arcilla Bernal, 1994SÁNCHEZ-ARCILLA BERNAL, José. En torno al derecho vulgar. Cuadernos de Historia del Derecho, n. 1, v. 13, p. 13-24, 1994., p. 19).

O caso de Francisco Fernández de Mora foi remetido ao Conselho de Índias como esforço de legitimar a prática do servicio personal. Observamos que o pagamento do tributo de media anata, valor considerado elevado para os padrões paraguaios, foi efetuado pelo requerente em poucos dias. Destacamos que o pagamento foi efetuado em dinheiro, o que torna a situação mais rara, visto tratar de uma sociedade na qual a falta de moeda metálica era prática cotidiana.

Outro elemento que se sobressai foi o fato de, no auto, constar literalmente a sentença “serbicio personal coo se a costumbra”, utilizando a prática e costume como justificativas para a existência dessa relação de trabalho. Contudo, a prática não bastava para os encomenderos. Em tempos de mudança de legislação e constantes atritos com os jesuítas, era necessário que houvesse alguma forma de referendar essas ações por meio da formalização de práticas legais. O reconhecimento por parte da Coroa poderia ser um elemento fundamental na legitimação dos serviços domésticos, elemento utilizado pelos religiosos para condenar as encomiendas no Paraguai.

Devemos destacar o papel dos jesuítas no processo de combate institucional e prático ao sistema de exploração dos indígenas paraguaios. Embora a isenção da mita concedida aos indivíduos reduzidos em aldeamentos jesuíticos tenha contribuído para o desenvolvimento econômico dessas missões, pouco refletiu na interação entre encomenderos e autoridades locais no Paraguai, visto que as restrições dos padres iam de encontro a um maior controle régio através da tributação do trabalho indígena.

A estratégia dos encomenderos paraguaios não obteve sucesso. Embora não tenha sido denegada a confirmação, essa se deu com a reiteração da proibição do servicio personal. A utilização de elementos jurídicos e das autoridades centrais pelas forças locais nem sempre resulta em algo favorável. Porém, o manejo que as elites paraguaias fizeram do direito fez com que fossem atores ativos no processo de criação de práticas jurídicas e não meros receptores de normas redigidas na península.

Ao analisar a legislação e seu impacto nas encomiendas em Tucumán, Adolfo Luis González Rodríguez aponta que “el 20 de septiembre de 1608 la Corona va a enviar una Real Cédula con carácter general para todas las Indias” (González Rodríguez, 1990SÁNCHEZ-ARCILLA BERNAL, José. En torno al derecho vulgar. Cuadernos de Historia del Derecho, n. 1, v. 13, p. 13-24, 1994., p. 57). Interpreta que, com essa normativa, “la Corona va a alcanzar el máximo control sobre todos estos tipos de mercedes, y lo que en principio puede parecer como una medida de trámites más, a la larga se convierte en una disposición gracias a la cual el Consejo de Indias puede inspeccionar todas estas gracias, reservándose, por supuesto, el derecho a revocarlas si apreciada alguna irregularidad” (González Rodríguez, 1990SÁNCHEZ-ARCILLA BERNAL, José. En torno al derecho vulgar. Cuadernos de Historia del Derecho, n. 1, v. 13, p. 13-24, 1994., p. 57).

Concordamos com o autor quando aponta que essa medida não foi uma tramitação rotineira. Porém torna-se difícil apontar que a deliberação da Coroa em inspecionar e cancelar encomiendas seja uma ação direta de aumento de poder. Como observamos, foi justamente essa autoridade que foi utilizada pela elite local, liderada pelo governador Andino, para legitimar o confisco que efetuou da mercê de Sebastián de León y Zárate. O mesmo ocorre no caso de Francisco Fernández de Mora, quando uma irregularidade, no caso os servicios personales, foi mencionado na petição. Ao invés de a Coroa simplesmente anular o pedido, ou quiçá, as demais encomiendas com essa prática no Paraguai, a opção foi aprová-la com a reiteração da proibição. Nessas partes da Monarquia Hispânica, mais que o confronto, a saída privilegiada foi a negociação e, nessa ação, os agentes locais não foram somente atores passivos, mas articularam de forma a utilizar das normas segundo seus interesses e demandas.

Criação de práticas e saberes no Paraguai

O processo de criação de práticas jurídicas na América contempla mais elementos. Além da lógica de atuação de personagens locais de forma ativa nesse processo, observamos a circulação de experiências entre as diversas áreas do continente. A interação entre os poderes centrais e locais pode ser vista na alteração da natureza das encomiendas no Paraguai em meados do século XVII.

De acordo com Shawn Austin, o modelo de encomiendas baseado nas relações de parentesco começa a decair em algum momento da primeira metade do século XVII (2015, p. 563). Ocorre, pois, uma alteração na relação com o indígena, passando das alianças e relações de reciprocidade para a captura por guerra justa. O grupo social também é alterado, do guarani passa-se ao guaicuru e baya.

A concepção de guerra justa tem uma longa tradição no pensamento cristão. Francisco de Vitória e suas Relecciones del Estado, de los indios y del derecho de la guerra, de 1538, cita Santo Tomás de Aquino, “las guerras justas suelen definirse así: las que vengan injurias cuando algún pueblo o alguna cidade han de ser castigados por haber descuidado reparar el mal que los suyos hicieron o por no restituir lo que injustamente ha sido arrebatado”. Assim, conclui que “si, pues, ninguna injúria hicieron los bárbaros, no hay motivo alguno para hacerles la guerra. Y así piensan todos los doctores, no sólo los teólogos, sino los juristas, como el Hostiense, Inocencio y otros” (Vitória, 1917VITÓRIA, Francisco de. Relecciones teológicas del P. Fray Francisco de Vitoria, vertidas al castellano e ilustradas por P. Jaime Torrubiano Ripell de la Facultad de Teología. Madrid: Libería Religiosa Hernández, 1917., p. 56)

Há, porém, um caso no qual Vitória defende a guerra. Isso ocorreria quando “los bárbaros, al impedir a los españoles el ejercicio del derecho de gentes, les injurian. Luego, si para defender su derecho necesitan los españoles apelar a las armas, pueden lícitamente hacerlo” (Vitória, 1917VITÓRIA, Francisco de. Relecciones teológicas del P. Fray Francisco de Vitoria, vertidas al castellano e ilustradas por P. Jaime Torrubiano Ripell de la Facultad de Teología. Madrid: Libería Religiosa Hernández, 1917., p. 73). Em oposição à conceituação de Vitoria temos o posiciomento do padre Juan Ginés de Sepúlveda. A justificativa para guerra justa derivava de uma interpretação mais estrita do pensamento de Aristóteles, na qual a submissão dos indígenas pelos conquistadores castelhanos derivava de sua condição natural, visto que, de acordo com Sepúlveda, “lo perfecto debe imperar y dominar sobre el imperfecto, lo excelente sobre su contrario” (Gandia, 1952GANDIA, Enrique de. Francisco de Vitoria y el Nuevo Mundo. El problema teológico y jurídico del hombre americano. Buenos Aires: Editorial Vasca Ekin, 1952., p. 192-193).

Contudo, a existência da presente conceituação não basta para justificar a mudança das características da encomienda no Paraguai. Devemos, pois, voltar ao contexto e à ação dos agentes locais. Desde 1619, os paulistas de São Paulo empreenderam ataques às missões religiosas, tanto de jesuítas como de franciscanos, na busca por indígenas que seriam escravizados nas partes do Brasil. Em 1632, uma bandeira liderada por Antônio Raposo Tavares atacou e destruiu as cidades de Villa Rica del Espíritu Santo, Ciudad Real e Ontiveros no Guairá. Nessa ação, a população indígena que estava encomendada foi capturada e enviada a São Paulo (Romero Jensen, 2009ROMERO JENSEN, Carlos Eduardo. El Guairá: caída y éxodo. Assunção: Academia Paraguaya de la Historia; Fondec, 2009.).

Tal situação levou a uma reorganização da economia no Paraguai. A população concentrou-se na zona próxima à cidade de Assunção, a economia consolidou-se no processamento da erva-mate e as relações com os jesuítas tornar-se-iam cada vez mais conturbadas.

Na década de 1650, foram verificados constantes ataques de paulistas de São Paulo visando capturar indígenas no Paraguai. Em 1658, o cabildo de Assunção remete ao jesuíta Francisco Díaz Taño, procurador general de Indias na Corte de Madrid, uma petição contra os “rebeldes de san Pablo del Brasil”.31 31 Archivo General de Indias (AGI), “Instrucción que los Regidores y Capitulares del Cabildo de esta Ciudad de la Assump.on Provincia del Paraguay, dan al muy R.do Pe. Fran.co Díaz Taño de la compañía de Jhs. Procurador general de Indias en la R.l Corte de Madrid (14 de marzo de 1658)”, AGI, CHARCAS, 33, 14/03/1653, f.1r. Nela, os vecinos reclamam dos constantes ataques à região, “quedando damnificadas las primeras mugeres y hijos de los dichos yndios, pueblos, y caciques, y Republica española, y las encomiendas vastas y desiertas, quedando mucho de los encomenderos con solo el nombre”.32 32 Idem, f.1v.

A situação foi se agravando diante dos frequentes ataques e da inércia por parte das autoridades centrais. Em 12 de março de 1676, o cabildo de Assunção envia ao rei um informe sobre o estado de guerra na região. Mais que relatar eventos recentes, a carta insinua alterações na concepção dos paraguaios em relação aos indígenas.

Diante dos ataques dos paulistas de São Paulo à Vila Rica do Espíritu Santo, transferida do Guairá para proximidades de Assunção, a carta relata “las hostilidades y Guerra sangrienta en que desde la ultima noche de sesenta y uno nos an tenido los enemigos Guaycurus y Bayas y otros ynfieles fronterizos”.33 33 Archivo General de Indias (AGI), “A cau.do de Just.a y Rezim.to de la Ciud. de Assump.on Prov.a del paraguay informa a V. M. en rason del estado de la Guerra de los enemigos Guaycurus y Bayas (12 de marzo de 1676)”, AGI, CHARCAS, 33, 12/03/1676, f.1r. Informam a deliberação do cabildo em afastar Felipe Rege Corvalán, então governador do Paraguai, e susbstituí-lo pelo seu antecessor, Juan Díez de Andino. A justificativa para isso seria “su negligencia y temor por la voz que corrió de que eran mil portugueses y dos mil Tupis34 34 Idem, f.2r. que realizaram os referidos ataques.

Relatam os vecinos que “a facilitad de poder repartir a perpetua servibumbre de los soldados del socorro los enemigos tupis y monteses ynfieles de la Presa de los portugueses los unos por compulso en su delito y tiranía”.35 35 Idem, 2v. Dessa forma, a imitação das práticas dos portugueses de São Paulo poderia ser uma solução para a crise da encomienda no Paraguai, pois os Guaicuru e Baia são “enemigos comunes de los christianos” e “es claritud a que los Portugueses los Redusen Podran tener por alivio el dicho Repartimiento Para que los soldados q a su propia Costa y misión empdren fccion tan del serviçio de Dios nstro Señor y de V. M. tengan algun Premio del mucho que travaron y al de travasar”.36 36 Idem, f.3r.

É interessante observar que a petição não menciona travar uma guerra defensiva contra os portugueses que estavam efetuando os ataques no Paraguai. Dizia-se da necessidade de defender o território contra indígenas inimigos e infiéis. Outro elemento corrobora a interpretação de que a carta denota uma mudança de percepção em relação à encomienda, o repúdio das ações do governador Rege Corvalán. Ele, na sua política de defesa da cidade de Assunção, propôs a construção de uma fortificação às margens do Rio Paraguai.37 37 Archivo General de Indias (AGI), “Carta al Rey del cabildo de Asunción (19 de diciembre de 1661)”, AGI, CHARCAS, 33, 19/12/1661, f.1v. Essa decisão foi repudiada de forma violenta pelos vecinos da cidade, que o prenderam e nomearam um novo governador, que seria responsável por ações militares contra tais indígenas.

A partir dessa exposição observamos que os paraguaios defenderam, perante ao rei, uma nova forma de tributação indígena. Substituía-se a encomienda tradicional, pautada por relações de reciprocidade e parentesco, pelo repartimiento de indígenas capturados em guerra justa. Tal prática não foi frequente no processo de conquista do Paraguai, contudo, o contato dos paraguaios com as práticas dos portugueses de São Paulo, de declarar guerra defensiva e cativar os indígenas, tornou-se uma alternativa válida para o contexto local.

A circulação de práticas legais, entre os paraguaios e portugueses de São Paulo, denota outro aspecto na formação do direito indiano. Não foi somente nas contradições de sua aplicação, mas no compartilhamento de experiências análogas, que foi sendo gestada uma interpretação das bases legais. A vinculação, sempre dinâmica, dessas relações jurídicas, entre elementos centrais, locais e externos torna-se fundamental para a compreensão das sociedades coloniais na Época Moderna.

Considerações finais

A partir dos casos analisados observamos que a dinâmica entre autoridades centrais e locais, no seu processo de articulação, contribui para a formação de uma interpretação ativa da lei. A esse respeito, Víctor Tau Anzoátegui afirma que uma nova abordagem (baseada no modelo de António Manuel Hespanha) postula uma inversão hipotética desses conceitos tradicionais, remetendo a possibilidade de que zonas locais possam ser áreas de poder e de criação do direito (Anzoátegui, 2015ANZOÁTEGUI, Víctor Tau. Provincial and local law of the Indies. In: DUVE, Thomas; PIHLAJAMMÄKI, Heikki (Ed.). New horizons in Spanish Colonial Law. Frankfurt am Main: Max Planck Institute for European Legal History, 2015. p. 235-250., p. 237).

Da mesma forma, o autor rompe com a ideia de separação entre norma escrita e aplicação, ou seja, supera a célebre expressão “obedezco pero no cumplo” (Ots Capdequí, 1975OTS CAPDEQUÍ, José Maria. El Estado español em las Indias. Habana: Editorial de Ciencias Sociales, 1975., p. 7). A ideia é que existiu, na Época Moderna, um modelo que contemplou uma multiplicidade de poderes no âmbito jurisdicional e normativo operando simultaneamente em diferentes níveis. Assim, o fenômeno jurídico local surge como novo instrumento para compreendermos melhor o direito indiano e, em sentido mais amplo, apropriarmo-nos dos mecanismos de articulação das entidades políticas em territórios espacialmente amplos, como a Monarquia Hispânica e as Índias durante a Idade Moderna (Anzoátegui, 2015ANZOÁTEGUI, Víctor Tau. Provincial and local law of the Indies. In: DUVE, Thomas; PIHLAJAMMÄKI, Heikki (Ed.). New horizons in Spanish Colonial Law. Frankfurt am Main: Max Planck Institute for European Legal History, 2015. p. 235-250., p. 237).

Com isso, podemos conceber a colonização da América como um processo no qual o direito, concebido nas universidades castelhanas com destaque à de Salamanca, foi não somente aplicado, mas gestado no novo território. Partindo da dinâmica das autoridades locais, as normas castelhanas eram alteradas, tanto pelo cumprimento seletivo como pela operação dos agentes locais do direito dentro das regras formais. Assim, o modelo de fluxo de transmissão e recepção do direito, tradicionalmente visto como unidirecional entre Europa e América, foi superado por uma interpretação que contempla uma multiplicidade de forças e de fluxos.

A periferia da Monarquia hispânica torna-se, pois, espaço privilegiado para observar tais dinâmicas. Isso porque, como não há a atuação direta de poderes centrais na administração do Paraguai, a elite local passa a agir de maneira mais evidente. Não estamos afirmando que as dinâmicas de construção do direito não tenham ocorrido nas zonas centrais da colonização na América, mas que, nessas áreas, a visualização do processo torna-se mais complexa devido à constante interferência dos poderes centrais nos assuntos regionais. A formação de um direito indiano nas Américas é perceptível quando analisamos o caso das encomiendas no Paraguai.

Referências

  • ANZOÁTEGUI, Víctor Tau. Provincial and local law of the Indies. In: DUVE, Thomas; PIHLAJAMMÄKI, Heikki (Ed.). New horizons in Spanish Colonial Law Frankfurt am Main: Max Planck Institute for European Legal History, 2015. p. 235-250.
  • ANZOÁTEGUI, Víctor Tau. El jurista en el Nuevo Mundo. Pensamiento. Doctrina. Mentalidad Frankfurt am Main: Max Planck Institute for European Legal History, 2016.
  • AUSTIN, Shawn Michael. Guaraní kinship and the encomienda community in colonial Paraguay, sixteenth and early seventeenth centuries. Colonial Latin American Review, n. 24, v. 4, p. 545-571, 2015.
  • BERNAL GÓMEZ, Beatriz. El derecho indiano, concepto, clasificación y características. Ciencia Jurídica, v. 4, n. 7, p. 183-193, 2015.
  • FERNANDES, Florestan. A sociedade escravista no Brasil. In: FERNANDES, Florestan. Circuito fechado: quatro ensaios sobre o poder ‘institucional’. São Paulo: Hucitec, 1976. p. 11-63.
  • GARCÍA MÁRQUEZ, Gabriel. Ciens años de soledad. Barcelona: Penguin Random House, [1. ed. 1967] 2017.
  • GANDIA, Enrique de. Francisco de Alfaro y la condición social de los índios Río de la Plata, Tucumán y Perú, siglos XVI y XVII Buenos Aires: Ateneo, 1939.
  • GANDIA, Enrique de. Francisco de Vitoria y el Nuevo Mundo. El problema teológico y jurídico del hombre americano Buenos Aires: Editorial Vasca Ekin, 1952.
  • GARCÍA PÉREZ, Rafael. Revisiting the America’s colonial status under the Spanish Monarchy. In: DUVE, Thomas; PIHLAJAMMÄKI, Heikki (Ed.). New horizons in Spanish Colonial Law Frankfurt am Main: Max Plank Institute for European Legal History, 2015. p. 29-73.
  • GARAVAGLIA, Juan Carlos. Mercado interno y economía colonial México: Grijalbo, 1983.
  • GARRIGA, Carlos. Sobre el gobierno de la justicia en Indias (siglos XVI-XVII). Revista de Historia del Derecho, n. 34, p, 67-160, 2006.
  • GONZÁLEZ RODRÍGUEZ, Adolfo Luis. La encomienda en Tucumán Sevilha: Diputación Provincial, 1984.
  • GONZÁLEZ RODRÍGUEZ, Adolfo Luis. La legislación indiana y su aplicación práctica: el caso de las encomiendas en la gobernación del Tucumán. Temas Americanistas, n. 7, p. 48-62, 1990.
  • GUZMÁN, Ruy Díaz. La Argentina Madrid: Ed. de Enrique de Gandía, 1986.
  • JURADO, María Carolina. Un fiscal al servicio de Su Majestad: Don Francisco de Alfaro en la Real Audiencia de Charcas, 1598-1608. Población & Sociedad, v. 21, n. 2, p. 99-132, 2014.
  • KIRKPATRICK, F. A. Repartimiento - Encomienda. The Hispanic American Historical Review, v. 19, n. 3, p. 372-379, 1939.
  • MADRAZO, Alejandro. Estado de derecho y cultura jurídica en México. Isonomía, n. 17, p. 203-223, 2002.
  • MELIÁ, Bartolomeu. El Guaraní conquistado y reducido: ensayos de etnohistoria Assunção: Centro de Estudios Antropológicos; Universidad Católica, 1988.
  • MORA MÉRIDA, José Luis. História social de Paraguay (1600-1650) Sevilha: Escuela de Estudios Hispano-Americanos, 1973.
  • MOUTOUKIAS, Zacarías. Contrabando y control colonial en el siglo XVII. Buenos Aires, el Atlántico y el espacio peruano Buenos Aires: Centro Editor de América Latina, 1988.
  • NELKEN, David. Using the concept of legal culture. Australian Journal of Legal Philosophy, n. 29, p. 1-26, 2004.
  • OTS CAPDEQUÍ, José Maria. El Estado español em las Indias Habana: Editorial de Ciencias Sociales, 1975.
  • PERUSSET, Macarena. Elementos para pensar la agencia indígena: actores, contextos y procesos de cambio entre los grupos guaraníes (s. XVII). Anthropologica, n. 34, p. 227-247, 2015.
  • PRESTO, Ana María. Encomienda, família y negócios en Charcas colonial. Los encomenderos de La Plata, 1550-1600 Lima: Instituto de Estudios Peruanos; Banco Central del Perú, 2000.
  • RIBEIRO, Fernando V Aguiar. ‘Levantamiento bajo Cárdenas’: novas abordagens em torno do conflito antijesuítico no cabildo de Assunção, 1649. História Unisinos, n. 21, p. 351-364, 2017.
  • RIVAROLA PAOLI, Juan Bautista. La Primera Revolución Comunera, 1649 Asunción: El Lector; ABC Color, 2012.
  • ROMERO JENSEN, Carlos Eduardo. El Guairá: caída y éxodo Assunção: Academia Paraguaya de la Historia; Fondec, 2009.
  • SÁNCHEZ-ARCILLA BERNAL, José. En torno al derecho vulgar. Cuadernos de Historia del Derecho, n. 1, v. 13, p. 13-24, 1994.
  • SÁNCHEZ BELLA, Ismael; DE LA HERA, Alberto. Historia del derecho indiano Madrid: Mapfre, 1992.
  • SERVICE, Elman. The encomienda in Paraguay. The Hispanic American Historical Review, v. 31, n. 2, p. 230-252, 1951.
  • SIMPSON, Lesley Byrd. The encomienda in New Spain: The beginning of Spanish Mexico Berkeley: University of California Press, 1982.
  • SÚSNIK, Branislava. El indio colonial del Paraguay Asunción: Museo Etnográfico Andrés Barbero, 1965.
  • VELÁZQUEZ, Rafael Eladio. Caracteres de la encomienda paraguaya en los siglos XVII y XVIII. Historia Paraguaya, v. 19, p. 115-163, 1982.
  • VITÓRIA, Francisco de. Relecciones teológicas del P. Fray Francisco de Vitoria, vertidas al castellano e ilustradas por P. Jaime Torrubiano Ripell de la Facultad de Teología Madrid: Libería Religiosa Hernández, 1917.
  • YEAGER, Timothy. Encomienda or slavery? The Spanish Crown’s choice of labor organization in Sixteenth Century Spanish America. The Journal of Economic History, v. 55, n. 4, p. 842-859, 1995.
  • ZAMORA, Niceto Alcalá. Reflexiones sobre las leyes de Indias, 1935.
  • ZAVALA, Silvio. La encomienda indiana. México: Porrua, [1. ed. 1935] 1992.
  • 1
    Diferentemente do ocorrido na América portuguesa, onde a escravidão foi elemento central da economia e sociedade, tendo a elite escravista papel de destaque no âmbito político. Cf. Fernandes (1976FERNANDES, Florestan. A sociedade escravista no Brasil. In: FERNANDES, Florestan. Circuito fechado: quatro ensaios sobre o poder ‘institucional’. São Paulo: Hucitec, 1976. p. 11-63.).
  • 2
    Real Biblioteca de Madrid, Cedulario Indico (1792), tomo XVII, f. 30, n. 44.
  • 3
    Archivo General de Indias (AGI), “Confirmación de encomienda de Nuestra Señora de Yuti (6 de setembro de 1661)”, AGI, CHARCAS,102,N.21 e “Confirmación de encomienda de Rica del Espíritu Santo (26 de agosto de 1671)”, AGI,CHARCAS,103,N.5.
  • 4
    Para uma análise sobre as encomiendas na região do Alto Peru, ver Ana Maria Presto (2000PRESTO, Ana María. Encomienda, família y negócios en Charcas colonial. Los encomenderos de La Plata, 1550-1600. Lima: Instituto de Estudios Peruanos; Banco Central del Perú, 2000.).
  • 5
    Archivo General de Indias (AGI), “Expedientes de confirmaciones de encomienda de indios (1694)”, AGI, CHARCAS, 110.
  • 6
    Archivo General de Indias (AGI), “Expedientes de confirmaciones de encomienda de indios (1694-1699)”, AGI, CHARCAS, 111.
  • 7
    Real Biblioteca de Madrid, “Cedulario Indico (1696)”, tomo XXIV, f.50b, n.33.
  • 8
    Para o debate em torno do conflito entre o bispo Bernardino de Cárdenas e os vecinos de Assunção, ver Fernando V. Aguiar Ribeiro (2017RIBEIRO, Fernando V Aguiar. ‘Levantamiento bajo Cárdenas’: novas abordagens em torno do conflito antijesuítico no cabildo de Assunção, 1649. História Unisinos, n. 21, p. 351-364, 2017.).
  • 9
    Archivo General de Indias (AGI), “Confirmación de encomienda de Nuestra Señora de Yuti (6 de setembro de 1661)”, AGI, CHARCAS, 102, N.21, f.1r.
  • 10
    Idem, f.1v.
  • 11
    Idem, f.1v.
  • 12
    Idem, f.2r.
  • 13
    Idem, f.2r.
  • 14
    Idem, f.5r.
  • 15
    Idem, f.5v.
  • 16
    Idem, f.6r.
  • 17
    Idem, f.6r.
  • 18
    Idem, f.8r.
  • 19
    Idem, f.15v.
  • 20
    Idem, f.15v.
  • 21
    Idem, f.17v.
  • 22
    Archivo General de Indias (AGI), “Confirmación de encomienda de Rica del Espíritu Santo (26 de agosto de 1671”, AGI, CHARCAS, 103, N.5, f.1v-2r.
  • 23
    Idem, f. 2v-3r.
  • 24
    Idem, f. 3v.
  • 25
    Idem, f.4v.
  • 26
    Idem, f.5r.
  • 27
    Idem, f.8v.
  • 28
    Idem, f.8v.
  • 29
    Idem, f.8r.
  • 30
    O debate sobre cuñadazgo pode ser aprofundado em Enrique de Gandia (1939); Macarena Perusset (2015PERUSSET, Macarena. Elementos para pensar la agencia indígena: actores, contextos y procesos de cambio entre los grupos guaraníes (s. XVII). Anthropologica, n. 34, p. 227-247, 2015.); e Bartolomeu Meliá (1988MELIÁ, Bartolomeu. El Guaraní conquistado y reducido: ensayos de etnohistoria. Assunção: Centro de Estudios Antropológicos; Universidad Católica, 1988.).
  • 31
    Archivo General de Indias (AGI), “Instrucción que los Regidores y Capitulares del Cabildo de esta Ciudad de la Assump.on Provincia del Paraguay, dan al muy R.do Pe. Fran.co Díaz Taño de la compañía de Jhs. Procurador general de Indias en la R.l Corte de Madrid (14 de marzo de 1658)”, AGI, CHARCAS, 33, 14/03/1653, f.1r.
  • 32
    Idem, f.1v.
  • 33
    Archivo General de Indias (AGI), “A cau.do de Just.a y Rezim.to de la Ciud. de Assump.on Prov.a del paraguay informa a V. M. en rason del estado de la Guerra de los enemigos Guaycurus y Bayas (12 de marzo de 1676)”, AGI, CHARCAS, 33, 12/03/1676, f.1r.
  • 34
    Idem, f.2r.
  • 35
    Idem, 2v.
  • 36
    Idem, f.3r.
  • 37
    Archivo General de Indias (AGI), “Carta al Rey del cabildo de Asunción (19 de diciembre de 1661)”, AGI, CHARCAS, 33, 19/12/1661, f.1v.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Jul 2020
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2020

Histórico

  • Recebido
    30 Nov 2018
  • Aceito
    06 Maio 2019
EdUFF - Editora da UFF Instituto de História/Universidade Federal Fluminense, Rua Prof. Marcos Waldemar de Freitas Reis, Bloco O, sala 503, 24210-201, Niterói, Rio de Janeiro, Brasil, tel:(21)2629-2920, (21)2629-2920 - Niterói - RJ - Brazil
E-mail: tempouff2013@gmail.com