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História e memórias da educação no Brasil: Vol. III - Século XX

RESENHAS REVIEWS

José Luís Sanfelice1 1 Universidade Estadual de Campinas < sanfelice00@hotmail.com>

História e memórias da educação no Brasil - Vol. III - Século XX. Maria Stephanou e Maria Helena Câmara Bastos (orgs.). Petrópolis: Vozes, 2005, 440 pp.

Esta coletânea é a terceira da série que se iniciou com o mesmo título e que dedicou os volumes anteriores aos séculos XVI-XVIII e XIX. Todos os volumes são organizados por Maria Stephanou e Maria Helena Câmara Bastos e apresentados por António Nóvoa.

O volume III, objeto de nossa resenha, enfoca o século XX, como enunciado no título. "Por que a História da Educação" e "para que a História da Educação" são as duas questões postas na apresentação deste volume e trabalhadas no sentido de explicitar o significado desta área de conhecimento. Na introdução, assinada pelas organizadoras, encontram-se questões semelhantes e a explicitação de que "a função social da História da Educação motivou, em boa medida, o projeto desta coleção" (p. 16). Também é claro o objetivo visado: "oferecer uma história da educação e do ensino no Brasil que expresse os novos olhares que a pesquisa tem evidenciado, ressaltando aspectos fundamentais das políticas do passado e contribuindo para os debates atuais da educação, especialmente no âmbito da formação de professores" (p. 16).

O volume reúne quase três dezenas de autores, fato que inviabiliza a abordagem individual, neste pequeno espaço de uma resenha, de cada um dos trabalhos. Grosso modo, são pesquisadores da área da história da educação vinculados a instituições acadêmicas e grupos de pesquisa de expressiva diversidade nacional. Muitos deles, em decorrência do percurso já realizado e da produção de conhecimento que disponibilizaram à História da Educação Brasileira, são referências inevitáveis. Ambos os aspectos, portanto, diversidade e qualidade, são elogiáveis.

O aporte que este rol de autores traz à obra tem por unidade o século XX, ou seja, todos pautam seus temas essencialmente por esta temporalidade mecânica, com uma ou outra incursão ao século XIX. O tempo cronometrado pelo relógio nem sempre, ou quase nunca, é o melhor tempo para a ciência da história, mas este foi o recurso usado para compor o título da série. Assim posto, sugere-se que as histórias e memórias da educação no Brasil, contidas nos múltiplos temas abordados, partilharam de uma mesma temporalidade histórica, o que não deixa de contraditar as organizadoras uma vez que propuseram uma coleção que não se reduzisse a textos de uma "seqüência temporal linear e progressiva" (p. 17).

O Dicionário do pensamento social do século XX, por exemplo, questiona no vocábulo 'história' o que é século XX. Define: "(...) ele será aqui um século XX curto - os 75 anos entre 1914 e 1989, do início da Primeira Guerra Mundial ao múltiplo colapso do comunismo, como realidade objetiva e como ideologia, em todo o mundo. Nesse 'século' de 75 anos, a escrita da história sofreu três tipos de mudança de importância capital, diferenciáveis entre si, mas também mutuamente inter-relacionados. As fontes às quais os historiadores dedicaram sua atenção profissional mudaram; o tema sobre o qual os membros da profissão escreveram mudou; e a estrutura na qual definiram sua disciplina mudou" (Outhwaite e Bottomore, 1996, p. 356).

No título, século é uma seqüência linear e progressiva do tempo e seria dispensável aí figurar, embora seja possível compreender que serve como orientação ao leitor. A observação acima, no entanto, não se aplica a cada autor individualmente, uma vez que transitam pelos seus temas com cronologias próprias e com diferentes conotações acerca da temporalidade histórica, tendo em vista suas distintas posturas teórico-metodológicas.

Do ponto de vista dos temas abordados, não se nota grande ineditismo. Pelo contrário. Os autores contribuem para a coletânea de forma competente, mas em geral com temas que a produção anterior deles já registrou. São retomadas sínteses, com acréscimos, do que, de uma forma ou de outra, já disseram. Mas isto é admissível, pois se trata de oferecer ao leitor aquelas variáveis do universo da pesquisa histórico-educacional através das quais cada pesquisador tem buscado dar o melhor de si.

Na falta de um comentário individualizado sobre cada trabalho, como já justificado anteriormente, torna-se obrigatório anunciar ao leitor pelo menos algumas temáticas por eles abordadas. A compilação abrange desde artigos sobre política e legislação educacional, escolas paroquiais, educação infantil, educação rural, até ensino superior, livros didáticos, educação indígena, passando por história da alfabetização, impressos pedagógicos, ensino médio, ensino industrial e outros. É arrolado o que Stephanou e Bastos definiram como "histórias e memórias, dispostas num arranjo que a exemplo de um caleidoscópio está associado a uma particular (dis)posição do olhar que constituímos e elaboramos na condição de organizadoras" (p. 16). Pode-se acrescentar: o intuito foi plenamente alcançado.

Lembrar o caleidoscópio foi oportuno. Não são apenas os temas deste volume que trazem à mente a imagem daquele aparelho, pois, no tratamento dado por cada autor ao seu tema, ela se reafirma de forma contundente. Apresenta-se tanto no que diz respeito aos objetos focados quanto às diferentes abordagens. Mas não é só: são infinitas as fontes utilizadas e nem sempre convergentes as concepções sobre o que é conhecimento histórico.

Esta última constatação condiz com a postura adotada para organizar a coletânea: "procuramos pluralizar possibilidades de leitura de experiências educativas e escolares, ancoradas em uma ampla temporalidade e, ao mesmo tempo, inscritas em tempos específicos, que em seu conjunto não traçam uma trajetória linear, tampouco ascendente de uma única história da educação. Buscamos situar o leitor em momentos fundantes, embora muitas vezes descontínuos. Não pretendemos, portanto, elaborar um compêndio ou uma narrativa que se assemelhe a algo como a epopéia da educação brasileira" (p. 17, grifo do autor).

Vê-se coerência entre os propósitos e o resultado final da obra. O leitor se beneficiará, ao ler, quanto a estes aspectos: múltiplas temáticas, inúmeros objetos, infinidade de fontes, pluralidade metodológica e concepções distintas de produção do conhecimento histórico-educacional. Observe-se, por exemplo, o próprio posicionamento que assumem Stephanou e Bastos no texto intitulado "História, memória e História da Educação", que encerra o volume: "De uma história política, de relatos e fixação nos personagens/eventos políticos para uma história social, de inspiração marxista, a História também muda a partir da escola dos Annales, quando a valorização do cotidiano, da história vinda de baixo, dos operários, das mulheres, das crianças, etc., amplia as fronteiras do conhecimento histórico, abre espaços, multiplica objetos e problemas de pesquisa" (p. 418). Mas não é só isso: "Em tempos mais recentes, a crescente produção de uma história cultural, o interesse pela linguagem vem mostrando que as relações econômicas e sociais não são anteriores às culturais, pois são campos de prática e produção cultural. Com efeito, intensificaram-se as relações da História não apenas e sobretudo com a Sociologia, mas com a Antropologia, a Teoria Literária, a Psicanálise, a Filosofia, dentre outros âmbitos do conhecimento" (p. 418).

É tão convincente a visão caleidoscópica que se adquire da produção do conhecimento histórico-educacional atual, ao término da leitura da coletânea, que algumas indagações tornam-se inevitáveis. Qual é o significado de tanto pluralismo nesta área de conhecimento? O que de fato ele acrescenta?

A resposta mais freqüente, e que vem se consagrando, é que a área renovou-se e arejou-se; teria havido um alargamento do campo investigativo que se tornou interdisciplinar, dentre outras justificativas. Mas um historiador do porte de Hobsbawm (1998) não hesita: "Ter a novidade como etiqueta ajuda a vender a história entre os profissionais, tal como ajuda a vender detergentes entre um público mais amplo. Naturalmente minha objeção não é quanto aos historiadores tomarem de empréstimo técnicas e idéias de outras ciências sociais e incorporarem a seu próprio trabalho os mais recentes desenvolvimentos nessas ciências, desde que sejam úteis e pertinentes. É quanto à distribuição da bagagem histórica em uma série de vasos não comunicantes. Não existe uma coisa do tipo história econômica, social, antropológica, ou história psicanalítica: existe apenas história" (p. 78).

É com esta prudência que parece ser necessário posicionar-se. A coletânea em questão, à semelhança de outras, suscita inevitavelmente indagações para a área como um todo. Quais seriam os vasos comunicantes do conhecimento produzido sobre singularidades? A quem cabe estabelecer as relações? Aos autores, aos leitores ou aos historiógrafos? Mais radicalmente: é possível contentar-se com os estudos das particularidades, colocados lado a lado, sem relacioná-los entre si e com o geral? Para a obra em apreço fica então a pergunta: qual foi a materialidade histórica substantiva de um Brasil do século XX, a partir da qual a educação constituiu a sua história?

Notas

  • HOBSBAWM, Eric. 1998. Sobre história. São Paulo: Companhia das Letras.
  • OUTHWAITE, William; BOTTOMORE, Tom. 1996. Dicionário do pensamento social do século XX. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.
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    Universidade Estadual de Campinas <
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      31 Out 2012
    • Data do Fascículo
      Set 2005
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