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A altmetria e a interface entre a ciência e a sociedade

Indicadores quantitativos podem servir como apoio para decisões, mas nunca devemos subestimar o poder das análises qualitativas. Porém, numa sociedade cheia de fontes de dados e com pressa em dar respostas, as áreas de gestão e financiamento de pesquisa cada vez mais saem em busca de números que possam qualificar um pesquisador, uma pesquisa ou uma revista científica.

Sabemos que o fator de impacto é um farol apontado para trás: mostra o que foi o passado, mas não dá garantias de um futuro. E não se devem estabelecer comparações desses valores irrefletidamente entre revistas. A percepção de que diferentes campos da ciência têm diferentes dinâmicas de citação e que os indicadores, delas derivados, sofrem dessas influências, vem de suas origens e chegam até J. E. Hirsch (2005HIRSCH, Jorge E. An index to quantify an individual's scientific research output. PNAS, Washington, v. 102, n. 46, p. 16.569-16.572, nov. 2005. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1073/pnas.0507655102>. Acesso em: 16 ago. 2016.
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) com seu índice-h. Da mesma forma, pesquisadores da Bibliometria e Cientometria, em seus eventos, vêm se manifestando preocupados com os usos que são dados a estas métricas.

Crie um indicador e dê adeus à ingenuidade. Aqueles que buscam o sucesso acadêmico aprenderão a seguir as novas regras e formatos para se enquadrarem neste novo modelo, e mecanismos, éticos ou não, passarão a ser utilizados. Assim foi num primeiro momento com a simples contagem do número de artigos publicados que levou à Salami Science – o fracionamento dos resultados de pesquisa em vários artigos – e seguiu adiante com outras práticas quando se passou a considerar o número de citações de um artigo ou os fatores de impacto.

Mesmo respeitadas as críticas, as métricas tradicionais e seus indicadores vêm contribuindo de alguma forma em avaliações, como as de pós––graduações, bolsas de produtividade e de revistas dentro de um mesmo campo. Já para os pesquisadores elas têm servido para seleção de revistas onde desejam submeter seus artigos, mas, definitivamente, não deveriam servir como pré-avaliação de trabalhos nelas publicados.

Entretanto, se os fatores e índices tradicionais conseguem atender àqueles com longa trajetória científica, mesmo com a lentidão com que seus dados se acumulam, como avaliar o mérito científico daqueles com a carreira ainda em formação? Como reconhecer precocemente e fomentar uma nova geração de profissionais engajados na pesquisa? Como dialogar mais rápida e eficazmente com os diversos atores sociais que se interessam pela ciência? Estamos prontos para isto? Talvez sim, mas só em função da revolução dos dados e das interações sociais que se consolidaram nos últimos vinte anos.

Assim entra em cena a Altmetria, campo cuja terminologia nasce efetivamente com o manifesto altmétrico de Priem e colaboradores (2010PRIEM, Jason et al. Altmetrics: A manifesto. Out. 2010. Disponível em: <http://altmetrics.org/manifesto>. Acesso em: 16 ago. 2016.
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). Dentre as diversas definições do campo, emprego a de que a altmetria é o uso de dados cibermétricos para análises cientométricas. Já, de um ponto de vista mais pragmático, a Altmetric – uma das principais provedoras de um indicador altmétrico – a vê como o uso de qualquer vestígio ou indicador de comportamento on line que atue sobre resultados, dentro do ciclo de vida da pesquisa expressado por todo tipo de audiência (cientistas, jornalistas, público etc.), em uma plataforma digital. Para a empresa, a altmetria falaria sobre atenção e não sobre qualidade, que pode ser positiva ou negativa, e não é à toa que ela mudou recentemente o nome de seu indicador de Altmetric Score para Altmetric Attention Score.

Assim, da mesma forma que muitas citações, muitos tweets poderiam indicar um diálogo ou interesse numa obra, mas não atestariam a qualidade do que está sendo dito. No entanto, um olhar sobre os comentários seria uma oportunidade de se detectar precocemente o interesse ou polêmica pelos resultados apresentados. Esta prática seria estratégica para ações de comunicação do pesquisador ou instituição no debate que venha a se seguir com a imprensa e a sociedade como um todo.

A agilidade e abarcamento de diferentes atores vão ao encontro de um crescente interesse pelas agências de fomento em dados de impacto mais amplo, o que inclui a percepção da importância da divulgação científica como forma de estabelecer uma relação mais próxima entre a ciência financiada e produzida em laboratório, e a sociedade que espera um retorno de investimentos também neste campo.

Mas não será fácil o caminho de converter polegares (facebook likes) e corações (twitter likes) em indicadores sem a análise cuidadosa dos resultados. Conversões destes dados em citações vêm sendo objeto constante de estudo, porém, para uma interpretação meramente acadêmica, necessitaríamos de uma forma de separar as componentes ‘divulgação científica' e ‘comunicação científica', o que não essencialmente deveria ser o foco de entendimento destas métricas.

Devemos sim considerá-las com as particularidades que cada fonte de dados tem, e com suas influências na produção de atenção e interação de seus atores. Elas não devem ser vistas meramente como alternativas, mas como métricas adicionais, pois não vêm para substituir ou ser uma opção contra as tradicionais. Faz-se necessário compreender que, devido ao seu caráter social, em temas mais afeitos ao interesse de um público amplo, e/ou de jornalistas científicos, o potencial de crescimento será correspondente.

Se, de um lado, o atual número 2 no ranking do Altmetric Attention Score é um artigo escrito por Barack Obama, numa trajetória incrivelmente rápida, demonstrando o potencial de um autor de grande influência na imprensa mundial, de outro, o número 1 prossegue sendo um artigo de 2014 que questiona as interpretações e usos que cientistas dão para o p – probabilidade de significância – estatístico. A polêmica ou o efeito celebridade terá sempre forte apelo no mundo social, mas, nem por isso, se deve desconsiderar o valor acadêmico destes dados.

Por fim, essas serão métricas com possíveis influências positivas – cientistas se preocupando mais com a divulgação para o grande público de seus resultados de pesquisa – e talvez negativas – uma midiatização da ciência levando à mudança de modelos experimentais, foco em pesquisas com temas que estão em tendência, ou com falsas polêmicas, e mesmo exageros dos resultados obtidos em press releases.

Talvez, por isso, nosso desafio diante da altmetria seja o de estabelecer um diálogo ainda mais claro com a sociedade para se transmitir algo essencial à ciência: conclusões que levam em consideração os limites das observações e experimentos, uma eterna abertura à revisão, e o direito à sadia e séria controvérsia. É assim que se faz progredir o conhecimento da humanidade de maneira atual e renovada.

Fábio Castro Gouveia
Museu da Vida, Casa de Oswaldo Cruz, Fundação Oswaldo Cruz

Referências

  • PRIEM, Jason et al. Altmetrics: A manifesto. Out. 2010. Disponível em: <http://altmetrics.org/manifesto>. Acesso em: 16 ago. 2016.
    » http://altmetrics.org/manifesto
  • HIRSCH, Jorge E. An index to quantify an individual's scientific research output. PNAS, Washington, v. 102, n. 46, p. 16.569-16.572, nov. 2005. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1073/pnas.0507655102>. Acesso em: 16 ago. 2016.
    » http://dx.doi.org/10.1073/pnas.0507655102

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Dec 2016
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