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A habilidade de comunicação com o paciente no processo de atenção farmacêutica

The skill of communicating with the patient in the pharmaceutical care process

Resumos

O artigo discute a importância da comunicação na relação farmacêutico e paciente no processo de Atenção Farmacêutica, no âmbito de atuação desse profissional em farmácias comerciais e privativas da rede pública e privada. O artigo identifica os fatores que interferem no processo de comunicação e discute a importância da atitude dos profissionais da saúde como aliados na valorização da comunicação com o paciente, favorecendo a terapêutica a ser empregada. O objetivo é discutir a importância da comunicação na relação farmacêutico e paciente como um recurso pedagógico profissional, no desenvolvimento do processo de Atenção Farmacêutica. A relação entre ambos é constituída por um processo de aprendizagem, sendo o farmacêutico um facilitador da aprendizagem com seu paciente. Sua função é informar corretamente sobre o uso do medicamento; ensinar não apenas transmitindo as informações, mas criando as condições para que o paciente as adquira de forma proveitosa e efetiva, organizando estratégias para o aprendizado da terapia prescrita.

comunicação em saúde; atenção farmacêutica; serviços de saúde


The article discusses the importance communications have in the pharmacist/patient relationship in the Pharmaceutical Care process, in the ambit of this professional's performance in commercial and private pharmacies in both public and private systems. The article identifies factors that interfere with the communication process and discusses the importance of the health professionals' attitudes as allies in valuing communications with the patient, which, in turn, favors the therapeutics to be used. The goal is to discuss the importance of communications in the pharmacist/patient relationship as a professional pedagogic resource to develop a Pharmaceutical Care process. The relationship is formed by a learning process in which the pharmacist is a learning facilitator for his or her patient. His or her function is to provide proper information on medication use; to teach by not only conveying the information, rather by creating conditions for the patient to receive such information in a useful, effective manner, organizing strategies to learn the prescribed therapy.

communication in health; pharmaceutical care; health services


ARTIGOS

A habilidade de comunicação com o paciente no processo de atenção farmacêutica

The skill of communicating with the patient in the pharmaceutical care process

Fabricio Pagani Possamai1 1 Professor titular da Universidade do Extremo Sul Catarinense (Unesc), Criciúma, Brasil. Doutorando em Farmácia pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). < fpp@unesc.net> ; Marlete dos Santos Dacoreggio2 2 Professora titular da Universidade do Vale do Itajaí (Univali), Itajaí, Brasil. Doutora em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). < marleted@univali.br>

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Universidade do Extremo Sul Catarinense Departamento de Nutrição Avenida Universitária, 1.105 Bairro Universitário, Criciúma Santa Catarina, Brasil, CEP 88806-000.

RESUMO

O artigo discute a importância da comunicação na relação farmacêutico e paciente no processo de Atenção Farmacêutica, no âmbito de atuação desse profissional em farmácias comerciais e privativas da rede pública e privada. O artigo identifica os fatores que interferem no processo de comunicação e discute a importância da atitude dos profissionais da saúde como aliados na valorização da comunicação com o paciente, favorecendo a terapêutica a ser empregada. O objetivo é discutir a importância da comunicação na relação farmacêutico e paciente como um recurso pedagógico profissional, no desenvolvimento do processo de Atenção Farmacêutica. A relação entre ambos é constituída por um processo de aprendizagem, sendo o farmacêutico um facilitador da aprendizagem com seu paciente. Sua função é informar corretamente sobre o uso do medicamento; ensinar não apenas transmitindo as informações, mas criando as condições para que o paciente as adquira de forma proveitosa e efetiva, organizando estratégias para o aprendizado da terapia prescrita.

Palavras-chave: comunicação em saúde; atenção farmacêutica; serviços de saúde.

ABSTRACT

The article discusses the importance communications have in the pharmacist/patient relationship in the Pharmaceutical Care process, in the ambit of this professional's performance in commercial and private pharmacies in both public and private systems. The article identifies factors that interfere with the communication process and discusses the importance of the health professionals' attitudes as allies in valuing communications with the patient, which, in turn, favors the therapeutics to be used. The goal is to discuss the importance of communications in the pharmacist/patient relationship as a professional pedagogic resource to develop a Pharmaceutical Care process. The relationship is formed by a learning process in which the pharmacist is a learning facilitator for his or her patient. His or her function is to provide proper information on medication use; to teach by not only conveying the information, rather by creating conditions for the patient to receive such information in a useful, effective manner, organizing strategies to learn the prescribed therapy.

Keywords communication in health; pharmaceutical care; health services.

Introdução

As Diretrizes Curriculares do Curso de Farmácia preconizam o múltiplo conhecimento pelo farmacêutico não somente do saber técnico-científico na área farmacêutica, mas também em outras áreas, como a antropologia, a sociologia e a comunicação com o paciente.

A atividade do farmacêutico no exercício de sua profissão deve estar voltada para ações de prevenção em saúde, com a finalidade de melhorar a saúde pública, otimizando os serviços farmacêuticos e modificando os hábitos do indivíduo, da família e da comunidade sobre o medicamento. Uma das atividades neste sentido é promover a comunicação com os pacientes sobre o uso dos medicamentos, induzindo os pacientes à leitura da bula e, sobretudo, assegurando-lhes o pleno entendimento sobre as instruções do seu tratamento (Opas/OMS, 1990).

Foram encontrados poucos trabalhos na literatura científica relacionando as habilidades de comunicação no processo da Atenção Farmacêutica. Entende-se que estudos nesta área poderão contribuir para: efetivação de um serviço de promoção de uso racional de medicamentos; melhores procedimentos de apoio ao farmacêutico no exercício de sua profissão na relação com os pacientes; promover a compreensão do paciente em relação s instruções do farmacêutico na terapia farmacológica; aprendizagem em serviço na formação dialética de farmacêuticos, bem como para que os cursos de Farmácia revejam seus currículos e passem a considerar a comunicação na relação farmacêutico e paciente como um recurso pedagógico-profissional, no desenvolvimento do processo de Atenção Farmacêutica.

O objetivo deste estudo é discutir a importância da comunicação na relação farmacêutico e paciente no processo de Atenção Farmacêutica como um recurso pedagógico-profissional, frente aos diversos fatores que interferem neste processo de comunicação.

Comunicação em saúde

Pitta e Magajewski (2000) chamam a atenção para a necessidade de articulação do campo da Comunicação, da Educação e da Informação em Saúde. Estes três campos de atividades se entrelaçam intimamente, em especial tendo em vista a conjuntura de acelerada convergência entre diferentes tecnologias de Comunicação-Informação e a própria natureza comunicacional de qualquer processo educacional e informacional. Por isso é preciso fortalecer os instrumentos de Informação e Comunicação com a população.

Teixeira (2003) ressalta a necessidade de uma dimensão comunicativa ou conversacional da atenção entre as equipes multiprofissionais, pois é impossível que um único profissional detenha todo o conhecimento necessário ao diagnóstico e à terapêutica de situações de cada indivíduo. Na concepção organizacional dos serviços de saúde, é importante existir uma rede conversacional, ligada à perspectiva da integralidade.

Pitta e Rivera (2006) propõe ainda uma ampliação desta concepção para fora dos muros dos serviços, através do mapeamento de redes sociais extramuros, desenvolvendo novas tecnologias de comunicação que possam dar visibilidade pública a essa rede ampliada de conversações, capaz de agregar os atores sociais envolvidos com os problemas de saúde a serem enfrentados, entre eles o indiscriminado de medicamentos. A questão comunicacional no campo da saúde passa a não mais se reduzir a planejamento e elaboração de produtos comunicativos, mas a se conformar como um conjunto mais complexo de processos, estratégias, táticas e inventividades, entre os quais os produtos comunicacionais constituem apenas parte. No campo do planejamento em comunicação para a área social e de saúde, estamos diante da necessidade de incorporação dos conceitos e noções de tempo, situação e totalidade.

Pitta e Rivera (2006) apresentam uma proposta metodológica 'estratégico-situacional' para uma comunicação pública e com base em necessidades sociais e de saúde concretas, criando novas possibilidades de buscar, dado o envolvimento dos sujeitos com o problema, estratégias de comunicação levando em conta determinantes biopsicossociais do problema a ser enfrentado. Esta proposição metodológica pode ser aplicada ao se pensar uma política de relação entre farmacêutico e usuário de medicamentos.

A comunicação direta com os pacientes é imperativa para que os farmacêuticos possam influir no sucesso da terapia medicamentosa. Esta relação contribui para melhor desempenho do serviço, além de possibilitar o registro de dados do paciente, tais como anotações da evolução do tratamento, listas de problemas ocorridos e dados laboratoriais, resultados de procedimentos de saúde realizados (Hammond et al., 2003).

Cabe ao farmacêutico utilizar estratégias para favorecer a comunicação com o paciente a fim de realizar o acompanhamento farmacológico. Os objetivos do acompanhamento farmacológico são: responsabilizar-se com o paciente para que o medicamento prescrito pelo médico venha a ter o efeito desejado e estar atento para que, ao longo do tratamento, as reações adversas aos medicamentos (RAM) sejam as mínimas possíveis e, se surgirem, possam ser resolvidas imediatamente (Dader e Romero, 1999).

A comunicação com o paciente sobre o uso correto do medicamento e do tratamento é extremamente importante porque facilita a identificação de problemas relacionados aos medicamentos (PRM) e promove a adesão ao tratamento (Barris e Faus, 2003; WHO, 2003).

Medicamento não é brinquedo, é um produto farmacêutico, tecnicamente obtido ou elaborado, com finalidade profilática, curativa, paliativa, ou para fins de diagnóstico. É necessário que a população receba a informação correta sobre o uso dos medicamentos, pois, se administrados de forma incorreta, podem até matar. Eis então a importância do farmacêutico de possuir habilidades de comunicação, valendo-se de estratégias pedagógicas para estabelecer a comunicação, e conseqüentemente prover ao paciente, através do processo de Atenção Farmacêutica, todas as informações necessárias sobre o uso do medicamento.

No entanto, há fatores que interferem para a concretização desta comunicação. Segundo Rozemberg (1994), é de conhecimento público a tradição médica de não informar ao paciente os motivos de sua escolha por um ou outro procedimento, envolvendo o problema numa névoa e mantendo o paciente numa posição infantil em relação à sua autoridade. A própria educação dos médicos em relação aos quimioterápicos é delineada pelas indústrias farmacêuticas, que têm presença cada vez mais marcante nos cursos de formação dos médicos.

A Atenção Farmacêutica

A Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) define Atenção Farmacêutica como:

"A soma de atitudes, comportamentos, valores éticos, conhecimentos e responsabilidades do profissional farmacêutico no ato da dispensação de medicamentos, com o objetivo de contribuir para a obtenção de resultados terapêuticos desejados e melhoria da qualidade de vida do paciente" (OPAS, 2002, p. 16-17).

Assim, a Atenção Farmacêutica abrange a dispensação da terapia medicamentosa e o fornecimento de informação para tomada de decisões sobre o uso dos medicamentos pelos pacientes. Isso inclui decisões sobre a não utilização de alguns, assim como opiniões sobre a seleção da referida terapia: doses, vias de administração, acompanhamento da terapia farmacológica e provimento de informação e conselhos aos pacientes relacionados com os medicamentos. Todo o processo de Atenção Farmacêutica deve envolver as atitudes de respeito aos princípios da bioética, as habilidades de comunicação e os conhecimentos técnico-científicos (Opas, 2002).

O 'atendimento farmacêutico' pode ser definido como o ato em que o farmacêutico, fundamentado em sua praxis, interage e responde s demandas dos usuários do sistema de saúde, buscando a resolução de problemas de saúde, que envolvam ou não o uso de medicamentos. Este processo pode compreender escuta ativa, identificação de necessidades, análise da situação, tomada de decisões, definição de condutas, documentação e avaliação, entre outros (Opas/OMS, 2002).

O Diagrama 1 demonstra conceitos relacionados ao processo de trabalho em Atenção Farmacêutica. Partindo das necessidades do usuário, propõem-se distintos caminhos no sentido de dar-lhe uma possível solução, dentro das ações previstas no âmbito profissional do farmacêutico, buscando desta forma representar possíveis interfaces com o sistema de saúde (Opas/OMS, 2002).

A Atenção Farmacêutica apresenta duas modalidades, a Atenção Farmacêutica Global e a Atenção Farmacêutica de Grupos de Risco (doentes crônicos, idosos, pacientes em poli medicação). Em ambas é necessário convencer o paciente dos benefícios que sua qualidade de vida irá obter se participar junto com o farmacêutico do programa de Atenção Farmacêutica. No entanto, para alcançar este propósito, o farmacêutico deverá utilizar habilidades técnicas em comunicação para estabelecer uma relação terapêutica com o paciente, que se caracteriza por confiança e por comum acordo de trabalhar juntos, com o objetivo de prevenir, identificar e resolver os possíveis problemas derivados do tratamento (Dader e Romero, 1999).

Cipolle, Stran e Morley (2006) descrevem que o cuidado farmacêutico é um exercício profissional generalista, relacionado ao cuidado com o paciente em problemas relacionados com os medicamentos. Alguns problemas relacionados com a terapêutica farmacológica são bem simples e fáceis, enquanto outros são complexos e podem levar tempo para serem resolvidos. Pode-se definir como cuidado farmacêutico o exercício em que o profissional assume a responsabilidade das necessidades do paciente em relação ao emprego de medicamentos e adquire um compromisso a este respeito. Assim, as relações terapêuticas são construídas com fundamento no respeito mútuo, honestidade, autenticidade, comunicação aberta, cooperação, empatia, sensibilidade, paciência, compreensão, confiança, confidência, colaboração com o paciente e profissional, oferecer segurança, promoção da independência do paciente, enxergá-lo como uma pessoa, dar-lhe prioridade, prestar atenção ao conforto físico e emocional dele, dar-lhe apoio, defendê-lo, assumir a responsabilidade das intervenções e estar disposto a responsabilizar-se por todas as decisões tomadas e as recomendações dadas.

O núcleo fundamental da Atenção Farmacêutica é a relação que se estabelece entre o farmacêutico e o paciente, que juntos trabalham para prevenir, identificar e resolver os problemas que podem surgir no tratamento farmacológico, sendo que uma das principais habilidades que o profissional deve adquirir é o manejo de técnicas de comunicação, numa perspectiva dialética de educação, para poder trabalhar da melhor forma com os pacientes e, em muitos casos, com o médico e os demais membros das equipes de saúde. Esta habilidade da ciência do comportamento deve ser adquirida durante a formação do farmacêutico nas instituições de ensino superior.

Para aqueles que não obtiveram tal formação, pode-se obtê-la de forma autodidata, através de estudos de técnicas de comunicação em publicações especializadas, contudo escassas, para comunicação farmacêutica. Tais habilidades de comunicação podem ainda ser adquiridas em cursos especializados, como: cursos de formação continuada ministrados por especialistas em comunicação farmacêutica; cursos de especialização em Atenção Farmacêutica que contenham técnicas de comunicação lecionadas por especialistas; cursos a distância que disponham de suporte técnico (programas informatizados, vídeos etc.).

A questão da comunicação nas Diretrizes Curriculares Nacionais

As Diretrizes Curriculares Nacionais do curso de graduação em Farmácia definem os princípios, fundamentos, condições e procedimentos da formação de farmacêuticos. Desta forma determina-se o perfil do formando, que deve contemplar uma formação generalista, humanista, crítica e reflexiva, para atuar em todos os níveis de atenção à saúde, com base no rigor científico e intelectual. (Brasil, 2002).

Segundo essas diretrizes, as competências e habilidades gerais requeridas para a formação do farmacêutico, para atenção à saúde, são: tomada de decisões, comunicação, liderança, administração/gerenciamento e educação permanente. Para comunicação, o profissional de saúde deve ser acessível e manter a confidencialidade das informações na interação com outros profissionais de saúde e o público em geral. A comunicação envolve, desta forma: a) comunicação verbal; b) comunicação não-verbal; c) habilidades de escrita e leitura, com o domínio de pelo menos uma língua estrangeira e de tecnologias de comunicação e informação. A formação do farmacêutico deverá contemplar as necessidades sociais da saúde, a atenção integral da saúde no sistema regionalizado e hierarquizado de referência e contra-referência e o trabalho em equipe, com ênfase no Sistema Único de Saúde - SUS (Brasil, 2002).

Segundo as Diretrizes Curriculares Nacionais do curso de graduação em Farmácia, os conteúdos essenciais para o curso de graduação em Farmácia devem estar relacionados com todo o processo saúde-doença do cidadão, da família e da comunidade, integradas à realidade epidemiológica e profissional. Os conteúdos devem contemplar: ciências exatas; ciências biológicas e da saúde; ciências humanas e sociais; ciências farmacêuticas. Nas ciências humanas e sociais, incluem-se os conteúdos referentes s diversas dimensões da relação entre indivíduo e sociedade, contribuindo para a compreensão dos determinantes sociais, culturais, comportamentais, psicológicos, ecológicos, éticos e legais, bem como conteúdos envolvendo a comunicação, a economia e gestão administrativa em nível individual e coletivo, como suporte à atividade farmacêutica. Independentemente das áreas de atuação do farmacêutico, o mesmo deve dispor, em sua formação profissional acadêmica, de recursos para comunicação e relacionamento interpessoal (Brasil, 2002).

A legislação sanitária

A lei nº 5.991/73, que "dispõe sobre o controle sanitário do comércio de drogas, medicamentos, insumos farmacêuticos e correlatos", descreve que o comércio destes produtos é privativo de farmácia, drogaria, posto de medicamento e unidade volante; dispensário de medicamentos (Brasil, 1973). A norma, portanto, regulamenta que outros estabelecimentos, tais como bares, lanchonetes, supermercados, entre outros, não podem comercializar drogas, medicamentos e insumos farmacêuticos. Segundo a norma, a farmácia e a drogaria terão, obrigatoriamente, a assistência de técnico responsável - farmacêutico - inscrito no Conselho Regional de Farmácia. Além disso, a presença do farmacêutico será obrigatória durante todo o horário de funcionamento do estabelecimento.

Assim, o legislador, ao elaborar a norma, exigindo a presença obrigatória do farmacêutico na farmácia ou drogaria, favoreceu diretamente uma relação de comunicação próxima entre ele e o paciente. O paciente ganha muito com isso, pois conta com um profissional de nível superior, que entende sobre o uso adequado dos medicamentos e sobre o mecanismo de ação dos mesmos, contribuindo também para que o paciente fique mais à vontade para perguntar e tirar as suas dúvidas. Esta situação contribui para que o farmacêutico crie um vínculo de confiança e amizade com o paciente, com a comunidade, que procura os serviços da farmácia e do farmacêutico.

A resolução 328/99 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), estabelece as responsabilidades e atribuições do profissional farmacêutico e do proprietário. Segundo o documento, o farmacêutico "é o responsável pela supervisão e dispensação, devendo possuir conhecimento científico e estar capacitado para a atividade", e o proprietário "deve prever e prover os recursos necessários ao funcionamento do estabelecimento" (Brasil, 1999).

Nesta norma o legislador atribui grandes responsabilidades ao farmacêutico, pois ele é o profissional legalmente habilitado para proporcionar aos pacientes, informação integral, adequada e compreensível sobre os medicamentos administrados, com vistas a melhorar o resultado do tratamento e prevenir problemas durante o mesmo. Como as instituições de ensino superior possuem matrizes curriculares que deixam de lado conteúdos relacionados à comunicação entre farmacêutico e paciente, caberia ao primeiro, em cumprimento à norma, manter-se atualizado e buscar aprender técnicas de comunicação, para melhor relacionar-se com o paciente. Da mesma forma, o proprietário da farmácia poderia prever e prover recursos necessários para a capacitação do farmacêutico em aprender ou aprimorar as técnicas de comunicação e exigir que sejam utilizadas.

Para Nascimento (2005), a legislação sobre a regulamentação da propaganda de medicamentos no Brasil é deficitária. Segundo o autor, passados cinco anos da entrada em vigor da resolução RDC n° 102/2000 da Anvisa, constatava-se, ainda, a existência de pelo menos quatro expressivas fragilidades que a tornam um instrumento, na prática, inócuo na tentativa de impor limites à propaganda irregular, enganosa e abusiva de medicamentos no Brasil. A primeira grande fragilidade se localiza na própria opção de modelo regulador, que não difere do parâmetro adotado no Brasil para tentar impor limites à atuação privada em outros setores da economia. Pelo modelo implantado no país, a regulação é feita a posteriori, isto é, o órgão fiscalizador competente só atua após a infração ter sido cometida, com a veiculação da peça publicitária irregular, quando a população já foi exposta a risco sanitário. A segunda fragilidade está no fato das multas efetivamente arrecadadas pela Anvisa, quando ocorrem as irregularidades, terem um valor irrisório, frente aos elevados gastos com propaganda realizados no setor. A terceira diz respeito à inexistência de qualquer instrumento que impeça que mesmo os ínfimos valores das multas aplicadas sejam transferidos pela indústria e pelo comércio varejista para o preço dos medicamentos, sendo pagos pelo próprio consumidor. O quarto problema está na inserção obrigatória da frase "Ao persistirem os sintomas o médico deverá ser consultado" ao final de cada peça publicitária, que, na verdade, acaba por estimular o consumo irracional.

Para que o modelo regulador se constituísse em instrumento mais harmônico com a Política Nacional de Medicamentos (PNM), a mensagem formulada deveria conscientizar o cidadão a "antes de consumir qualquer medicamento, consultar um médico". Na prática, a mensagem do atual modelo regulador deseduca e presta inestimável papel à indústria e ao comércio, e não à sociedade a quem deveria proteger. Considerados, portanto, estes quatro aspectos essenciais, não é exagero afirmar que o atual modelo regulador beneficia o infrator.

A Política Nacional de Assistência Farmacêutica

A Política Nacional de Assistência Farmacêutica foi aprovada pela resolução nº 338 do Conselho Nacional de Saúde de 6/5/2004 e estabelece que esta política seja parte integrante da Política Nacional de Saúde, que envolve um conjunto de ações direcionadas à promoção, proteção e recuperação da saúde, garantindo os princípios da universalidade, integralidade e eqüidade. As ações da assistência farmacêutica envolvem aquelas referentes à Atenção Farmacêutica, considerada como um modelo de prática farmacêutica, desenvolvida no contexto da assistência farmacêutica, e compreendendo atitudes, valores éticos, comportamentos, habilidades, compromissos e co-responsabilidades na prevenção de doenças, promoção e recuperação da saúde, de forma integrada à equipe de saúde.

A Atenção Farmacêutica é a interação direta do farmacêutico com o usuário, objetivando uma farmacoterapia racional e a obtenção de resultados definidos e mensuráveis, voltados para melhoria da qualidade de vida. Essa interação também deve envolver as concepções dos seus sujeitos, respeitadas as suas especificidades biopsico-sociais, sob ótica da integralidade das ações de saúde. A Política Nacional de Assistência Farmacêutica deve englobar eixos estratégicos, tais como a promoção do uso racional de medicamentos, por intermédio de ações que disciplinem a prescrição, a dispensação e o consumo (Brasil, 2004).

O farmacêutico pode colaborar com a implantação da Assistência Farmacêutica no SUS, incorporando-se às equipes do Programa Saúde da Família (PSF) no exercício de sua função na atenção básica. A Estratégia de Saúde de Família (ESF) propõe uma nova dinâmica para a estruturação dos serviços de saúde, bem como para a sua relação com a comunidade e entre os diversos níveis de complexidade, reconhecendo a saúde como um direito de cidadania e expressa pela qualidade de vida. Esta estratégia de intervenção em saúde pode favorecer a comunicação entre farmacêutico e paciente, em especial junto s ações de saúde no âmbito da saúde coletiva na atenção básica, constituída pelas Equipes de Saúde da Família.

Bettiol (2006), confronta o slogan do PSF, que é tido como a "porta de entrada para o SUS", com a realidade local, ao lembrar num chiste provocativo da canção A casa, de Vinícius e Tonga, cantada pelo grupo Boca Livre: "Era uma casa/muito engraçada/não tinha teto/não tinha nada..." As causas desta situação estão relacionadas, do seu ponto de vista, ao processo político nacional e à cultura política centralizadora vigente em nosso país. As conseqüências aparecem em vários níveis de organização dos sistemas locais de saúde analisados no trabalho, a exemplo da baixa arrecadação frente ao aumento dos gastos estimulados pelos incentivos federais, com base na cobertura populacional; do aumento da rotatividade dos médicos e da sobrecarga de trabalho dos demais profissionais de saúde - ameaças à universalização do acesso e ao direito à saúde.

Como o farmacêutico é um profissional de saúde, que desenvolve atividades de Assistência Farmacêutica em qualquer área de atuação, no laboratório clínico, na farmácia ou na indústria, deveria ter, além da formação científica, habilidades de comunicação para desenvolver seu papel social de educador junto à população quanto aos cuidados com a saúde e ao uso racional de medicamentos (Oliveira, 2004).

Segundo Freitas et al. (2002), esse pode ser o maior instrumento de valorização do farmacêutico, capaz de fazer dele um profissional cuja presença não seja exigida apenas como uma formalidade legal, mas como um elemento indispensável para atender as necessidades de uma população mais bem informada.

Jesus (2005) apresenta questionamentos sobre o uso dos medicamentos e demonstra o importante papel da Atenção Farmacêutica e o compromisso do profissional farmacêutico com a saúde. No Brasil, o medicamento é submetido s práticas comerciais colocando-o como uma mercadoria comum, mesmo na propaganda amplamente divulgada pela mídia, com intuito de vender cada vez mais. Frases memoráveis, como "Tomou Doril, a dor sumiu", apresentam um forte apelo ao consumo, que envolve uma série de implicações, não apenas éticas, já que se trata de medicamento e não de mercadoria comum. As palavras utilizadas na propaganda de medicamentos deveriam assumir um verdadeiro compromisso com o consumidor. A publicidade brasileira apresenta aspectos históricos importantes como os apresentados por Brites (2000), com o uso de crianças como justificativa ou destino da compra de mercadorias. Desde a década de 1930, crianças já eram utilizadas em temas como higiene e saúde, e até mesmo para medicamentos.

Lefèvre (1983) analisou a função simbólica dos medicamentos no Brasil, como parte da exploração mercantil do processo saúde-doença. Numa sociedade em processo de desenvolvimento como a brasileira, o medicamento tido como mercadoria é capaz de encurtar a distância entre o concreto e o abstrato, entre o desejo e sua realização. No entanto, o que torna a função simbólica dos medicamentos fato grave de saúde pública é que, em muitos casos, ela é eficaz. Por isso, todos os profissionais de saúde com responsabilidades educativas devem contribuir, nas suas atividades, para o amadurecimento da sociedade, procurando impedir que os medicamentos sejam usados de forma indiscriminada.

Lefèvre (1991) alerta para o fato de que o consumo de medicamentos é um problema relevante em saúde pública, não apenas como disfunção social, em relação ao consumo 'leigo', 'abusivo'. O consumo de medicamentos é relevante por si mesmo, pela expressão social da hegemonia da mercadoria nas sociedades modernas. A sociedade de consumo de saúde é a sociedade onde a mercadoria saúde é a que comanda. Nela vive, hegemonicamente, a idéia de que a única possibilidade de ter saúde é consumir saúde, que implica o consumo de medicamentos, consultas, exames, etc.

Os pontos de vista a partir dos quais Lefèvre analisa o sentido do medicamento são três: o da sociedade, o do médico e o do indivíduo. O medicamento, do ponto de vista do social, apresenta-se como mercadoria quando o autor analisa peças publicitárias (propaganda de medicamentos em revistas médicas, rádio, televisão) e verifica o processo de alienação decorrente da visão de que o medicamento é um ente exterior do tipo mercadoria para a sociedade. O medicamento também é apresentado na sociedade como mercadoria simbólica, já que a mercadoria vista como um símbolo contém, como todo símbolo, uma face material (no caso dos medicamentos, grãos, comprimidos, xaropes etc.), cujo consumo permite a materialização de sua outra face, a abstrata (no caso, a saúde), ou seja, o simbolizante, ao ser consumido, realiza o simbolizado. Assim, difundir a venda da abstrata idéia de saúde torna-se fácil "embalando-a em pequenos e práticos recipientes" (Lefèvre, 1991, p. 208).

Do ponto de vista do médico, Lefèvre descreve que o prescritor médico, além de manter relações instrumentais com o medicamento, também mantém relações simbólicas, através do processo histórico de deslocamento do poder do médico para a mercadoria (medicamento). Já o sentido do medicamento no ponto de vista do indivíduo, segundo Lefèvre, tem nos depoimentos de um grupo de hipertensos mais uma via de acesso ao sentido do medicamento através de estudos qualitativos trabalhando num contexto de lógica de descoberta. "Uma vez agrupados, interpretados e contextualizados, os depoimentos são apresentados segundo uma ampla rede de temas originada de sua própria análise" (Lefèvre, 1991, p. 208).

A comunicação no processo de Atenção Farmacêutica

A comunicação com o paciente terá como finalidades principais o aconselhamento e a educação quanto ao uso e cuidados corretos do medicamento e quanto aos procedimentos de otimização da terapêutica e a promoção da adesão, com a conseqüente melhoria da eficiência do tratamento e redução dos riscos. Consiste em um ato profissional importante, que envolve questões técnicas, humanas e éticas. Infelizmente, em nossa realidade atual, nem sempre se contará com profissional farmacêutico para a totalidade dos atendimentos. O atendimento realizado com integralidade somente deverá ser realizado por profissional farmacêutico, adequadamente treinado para tal e que disponha de infra-estrutura que permita atender ao paciente com conforto e privacidade para que os prejuízos não se sobreponham aos benefícios (Opas/OMS, 2003).

Para que o farmacêutico desempenhe bem essa função, é preciso desenvolver e utilizar uma base de informação clínica e científica de alta qualidade, para apoiar uma tomada de decisões baseada em evidências (Naves, Merchan-Hamman e Silver, 2005). Entretanto, estudo realizado por Romano-Lieber et al. (2002) demonstra que a maioria das intervenções limita-se ao aconselhamento ao usuário pelo prescritor, notando-se falta de ações que levem à adequação do medicamento ao usuário.

Muitos fatores podem dificultar o acesso ao conhecimento do paciente quanto ao seu tratamento medicamentoso. Isso inclui, entre outras causas, a falta de aconselhamento individualizado, a falta de informação escrita personalizada e reforço das instruções orais, inabilidade para recordar as informações previamente apresentadas e a falta de um ajudante ou auxiliar na hora de tomar a medicação. A despeito da vasta prescrição de medicamentos para os pacientes idosos, o conhecimento sobre os mesmos é inadequado.

O aconselhamento pode ser definido como um processo de escuta ativa, individualizado e centrado no paciente. Pressupõe a capacidade de estabelecer uma relação de confiança entre os interlocutores, visando ao resgate dos recursos internos da pessoa atendida, para que ela mesma tenha possibilidade de reconhecer-se como sujeito de sua própria saúde e transformação (Brasil, 1997).

O aconselhamento coletivo foi designado pelos serviços de saúde como uma prática que pode ser ministrada por um profissional de categoria específica ou por uma equipe multiprofissional. Os benefícios de um aconselhamento feito de forma adequada são inúmeros: a) o paciente torna-se capaz de reconhecer a necessidade do(s) medicamento(s) para a manutenção de sua saúde e do seu bem-estar, b) o relacionamento entre o profissional da saúde e o paciente torna-se mais eficaz, e isso cria uma atmosfera de confiança, o que aumenta a aderência ao tratamento. Esses parâmetros ampliam a habilidade de o paciente aceitar os possíveis efeitos colaterais e interações medicamentosas e de lidar com eles. Isso o torna mais eficiente no sentido de ter uma participação ativa no tratamento de sua doença e de se autocuidar. Além disso, cria-se uma motivação para usar o(s) medicamento(s) de forma correta atingindo, assim, a cura e melhorando as suas condições de saúde (Filgueiras e Deslandes, 1999).

Segundo Lyra Júnior (2005, p. 6), "a comunicação é um instrumento essencial no trabalho do farmacêutico e na promoção da saúde". Há uma condição essencial para a boa comunicação do farmacêutico, que é a sua escuta ativa, que o permite entender a realidade do paciente. A partir daí, o farmacêutico identifica os pontos chave ou os problemas que mais preocupam o paciente. Em seguida, faz uma análise da situação, com a fundamentação teórica dos problemas identificados. Então, o farmacêutico vai elaborar hipóteses de solução dos problemas, mas com um plano de cuidados. A partir deste plano, ele vai aplicá-las à realidade do paciente, por meio das intervenções farmacêuticas. Neste contexto, o diálogo vai facilitar o estabelecimento das relações entre paciente e farmacêutico, num processo simétrico de troca de informações. Significa dizer que, nesse processo, o conhecimento científico do farmacêutico não é mais importante que o conhecimento empírico adquirido pela vivência do paciente. Eles são complementares. A partir do momento em que o paciente se sente respeitado e toma consciência de sua importância como agente da própria saúde, ele passa a cuidar melhor de si, e isso tem um efeito positivo direto sobre a sua saúde.

Para Teixeira (2003), o acolhimento é uma forma de diálogo (a base do acolhimento é a conversação), orientado a distinguir e hierarquizar necessidades, ajudando, assim, a definir a trajetória ou os fluxos do paciente no sistema nacional de saúde.

Considerações finais

O modelo tecnicista ainda utilizado para a formação dos profissionais os afasta da realidade. O conhecimento é fundamentado unicamente na Farmacologia ou em outros conhecimentos afins. Os profissionais que não têm formação clínico-humanística são jogados à pura sorte. O conjunto de todos esses conhecimentos é que constituirão o farmacêutico do futuro.

O conhecimento vivido do paciente, na maioria das vezes, já o faz ter uma percepção dos seus problemas relacionados aos medicamentos que lhe causam danos à saúde e as metas terapêuticas a serem alcançadas. Ninguém deve duvidar que o paciente, mesmo aquele que não tem acesso a informações originadas de livros ou de meios de comunicação de massa, sabe questionar sobre a sua saúde. Ele sempre terá uma vivência e é ela que pesa, nesse momento de decisão sobre a terapêutica. Portanto, o farmacêutico deve ser mais que um clínico, deve ser um educador em saúde e um amigo do paciente. Neste sentido, é importante questionar sempre os pacientes, para que esgotem todas as suas dúvidas, pois todas as perguntas são importantes para o uso correto dos medicamentos e para a manutenção da boa saúde.

Uma relação terapêutica, construída pelo farmacêutico e o paciente, é baseada nos pilares do respeito mútuo, no vínculo de confiança, na igualdade de papéis e na troca contínua de experiências. O farmacêutico passa a ter uma preocupação sincera e verdadeira com o paciente.

Diante disto verifica-se o quanto é importante na formação do farmacêutico as habilidades de comunicação para estabelecer uma relação benéfica entre ele e o paciente contribuindo para saúde do paciente.

Apesar de não ser a única, a falta de informação sobre os medicamentos é apontada como uma das variáveis mais significativas e de maior impacto, em termos mundiais, sobre as razões pelas quais os indivíduos não cumprem adequadamente seus tratamentos. No Brasil, com uma taxa de analfabetismo de 13,63%, mas que chega a 30,51% dependendo do estado, e com 29,57% da população acima de 15 anos tendo menos de três anos de estudo, em que pese a carência de avaliações específicas, é fácil supor que a situação não deve ser muito diferente. Aliás, a tendência é assumir maiores proporções, pois mesmo que toda a população tivesse acesso ao medicamento, há escassez quantitativa e qualitativa de informações relativas à sua adequada utilização (Opas/OMS, 2003).

No hospital, por exemplo, a administração dos medicamentos geralmente não se faz acompanhar da correspondente informação, nem mesmo naquelas situações em que é necessário o aconselhamento ao paciente ou responsável para garantir adequada seqüência ao tratamento a partir da alta hospitalar.

Na farmácia comunitária (ambulatorial), apesar de consideráveis avanços, a situação é ainda mais inquietante. A ausência do farmacêutico oportuniza a ocupação desse espaço por outros profissionais que exercem a tarefa de informar sobre medicamentos, nem sempre sob a ótica da ciência e da técnica. A farmácia ambulatorial, por incontáveis razões, é um ambiente extremamente favorável ao fornecimento de informações e ao desenvolvimento de programas educativos sobre medicamentos.

Orientar o usuário e desenvolver ações educativas sobre medicamentos não são atividades exclusivas do farmacêutico; ao contrário, devem estar intimamente relacionadas s atribuições de todos os profissionais da equipe de saúde. No entanto, a própria natureza da formação do farmacêutico, somada à função de dispensar medicamentos, dá a este profissional a qualificação e a oportunidade ímpar de estar com o paciente antes que seja iniciado o seu tratamento.

Rozemberg (1994), ao analisar estudos sobre 'nervos' em grupos culturais diversos, ressalta necessidade de se compreender a experiência da angústia no contexto socioeconômico e cultural onde se encontram. O estudo levou em consideração a situação de pobreza, exploração, desvantagens econômicas, isolamento e esforços excessivos para a sobrevivência. Fatores ligados a relações intrafamiliares e comunitárias também implicam o universo em que se conformam as perturbações nervosas.

O acesso de um paciente aos serviços de saúde e aos próprios medicamentos não é suficiente para garantir o êxito de um tratamento. É preciso considerar, por exemplo, que as condições socioeconômicas, culturais e mesmo clínicas de um paciente são igualmente fundamentais, tendo em vista que podem ser determinantes até mesmo em relação à forma de encarar a própria doença. A posição que a saúde ocupa na escala de valores do paciente é também decisiva, pois pode determinar a maior ou menor adesão ao tratamento prescrito.

Rozemberg (2007) propõe uma reflexão sobre a validação, apropriação e aplicabilidade do saber técnico-científico na experiência rural em saúde, ilustrada por meio de exemplos de campo, método utilizado pelo autor. Descreve que há um abismo entre teoria e prática, resultado da supervalorização dos conhecimentos construídos no sistema socialmente reconhecido de instituições acadêmicas e, em parte,da dificuldade em compreender e problematizar, de maneira crítica e aberta, a sua relação com os valores e decisões tomadas em contextos socioculturais distintos. Assim, para o educador ou qualquer profissional que exerça ações de intervenção tanto em áreas urbanas quanto em áreas rurais, é necessário considerar as dificuldades no processo de escolarização de certos grupos. A complexidade dos desafios que se apresentam requer criatividade e a superação do 'vício' do discurso científico. É preciso integrar o saber teórico dos meios acadêmicos ao saber do senso comum das comunidades, em soluções criativas, no nível prático-concreto, para os graves problemas sócio-sanitários da atualidade.

Finalmente, é importante destacar que a atitude dos profissionais da equipe de saúde e o empenho a favor do paciente constituem aspectos da maior relevância, visto que podem resultar no estabelecimento de uma relação extremamente proveitosa, capaz de comprometê-lo efetivamente com o cumprimento do seu tratamento (Opas/OMS, 2003).

Verifica-se que, para a comunicação entre o farmacêutico e o paciente no processo da Atenção Farmacêutica, é importante que o primeiro possua conhecimentos em ciências humanas e sociais, inclusive da área pedagógica, para sua atuação como educador de saúde.

Notas

Recebido em 13/02/2007

Aprovado em 10/07/2007

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  • 1
    Professor titular da Universidade do Extremo Sul Catarinense (Unesc), Criciúma, Brasil. Doutorando em Farmácia pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). <
  • 2
    Professora titular da Universidade do Vale do Itajaí (Univali), Itajaí, Brasil. Doutora em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). <
  • Endereço para correspondência:
    Universidade do Extremo Sul Catarinense
    Departamento de Nutrição
    Avenida Universitária, 1.105
    Bairro Universitário, Criciúma
    Santa Catarina, Brasil, CEP 88806-000.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      23 Out 2012
    • Data do Fascículo
      Nov 2007

    Histórico

    • Aceito
      10 Jul 2007
    • Recebido
      13 Fev 2007
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