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“EU SEI SCREVÉ BONITO COM CANETA…” LITERACIA COM ADULTOS IMIGRANTES NUM PROJETO INFORMAL

“EU SEI SCREVÉ BONITO COM CANETA…” LITERACY WITH ADULTS IMMIGRANTS IN AN INFORMAL PROJECT

RESUMO

O presente artigo parte de um estudo de caso sobre um projeto de alfabetização e literacia em português língua não materna com adultos imigrantes. O projeto é dinamizado por um coletivo informal que realiza inúmeras iniciativas de apoio à comunidade de um bairro de habitação precária na periferia de Lisboa, onde se observam processos sociais de significativa marginalização da sua população. Neste contexto, analisamos o projeto de alfabetização e literacia no período 2016-2020, com o objetivo de perceber como este tem respondido às necessidades educativas e sociais dos educandos. O estudo de caso assente numa abordagem qualitativa através da realização de entrevistas semi-diretivas aplicadas a seis educandos (2021), procedido da análise de arquivo das aulas (2016-2020). Neste artigo, discutiremos como a diversidade de perfis sociolinguísticos, tanto dos educadores como dos educandos, impacta no projeto de alfabetização e literacia do coletivo. Pretende-se analisar como os diferentes atores envolvidos mobilizam recursos e ultrapassam as suas dificuldades em contexto de ensino não formal, num território caracterizado por mobilidades internacionais contínuas, perfis e práticas comunicativas multilingues, níveis de escolaridades nulos ou baixos, e situações socioeconómicas particularmente vulneráveis. Observa-se que o projeto tem proporcionado possibilidades de contactos linguísticos e práticas de literacia em português, através do diálogo socialmente contextualizado entre todos os envolvidos (educandos e educadores), sendo sobretudo um espaço de socialização relevante face às inúmeras dificuldades materiais tanto dos educandos como do contexto de aprendizagem.

Palavras-chave:
alfabetização de adultos; literacia; literacia crítica; educação não formal; imigrantes

ABSTRACT

This article is based on a case study of a non-formal alphabetization and literacy projet in Portuguese as Non-Mother Tongue with adult immigrants. The project works with immigrants from different countries of the African continent and is run by a non-formal collective that carries out numerous initiatives to support the community of a precarious housing neighborhood on the outskirts of Lisbon. The research, analyses the educational and social action of the collective in the period 2016-2020 to respond to the needs of the participants. In this case study, we used qualitative methodology, such as semi-structured interviews with six learners (2021), proceeded by classes’ archives (2016-2020). In this article, we will discuss how the diversity of sociolinguistic profiles, both of the educators and the learners, impacts the alphabetization and literacy project of the collective. It intends to analyze how the different actors involved mobilize resources and overcome their difficulties in a non-formal education context, in a territory characterized by international mobilities, multilingual profiles and communicative practices, null or low levels of schooling, and particularly vulnerable socio-economic situations. It is observed that the project provides possibilities of linguistic contacts and literacy practices in Portuguese, through socially contextualized dialogue between all involved (learners and educators), being above all a revealing space of socialization in face of the innumerable material difficulties of the learners and the learning context.

Keywords:
alphabetization of adults; literacy; critical literacy; non-formal education; immigrants

INTRODUÇÃO

No presente artigo, queremos dar a conhecer um projeto em alfabetização e literacia em português que envolve migrantes com origens em países africanos num bairro de autoconstrução da periferia de Lisboa. O estudo foi desenvolvido a partir duma dissertação de mestrado (SIGNORELLO, 2021SIGNORELLO, A. L. (2021), “Eu sei screvé bonito com caneta...divagarinho, divagarinho...” Estudo de caso sobre um projeto coletivo em alfabetização e literacia em português língua não materna, junto de migrantes adultos., Tese de Mestrado em Educação e Sociedade, Lisboa: ICTE – Instituto Universitário de Lisboa.), motivada pela experiência e inquietações emergentes da prática educativa da primeira autora, enquanto educadora e membro do grupo Chão – Oficina de Etnografia Urbana (abr. Chão). O Chão é um coletivo informal e voluntário, iniciado em 2015 por um grupo de académicos de várias áreas das ciências sociais, que atua no território em colaboração com a associação dos moradores (Associação para o Desenvolvimento Social de Vale de Chícharos – ADSVC) e que, entre muitas atividades de apoio à comunidade, tem vindo a desenvolver aulas de alfabetização e literacia em português no bairro. Por seu turno, a dissertação teve como objetivo analisar as respostas dadas pelo Chão do ponto de vista educativo e social e o seu impacto na vida dos educandos, considerando as condições materiais e organizativas do grupo, assim como aspetos ligados aos contextos e perfis dos educandos.

Neste artigo, discutiremos como a diversidade de perfis sociolinguísticos, tanto dos educadores como dos educandos, impacta no projeto de alfabetização e literacia em português do Chão. Pretende-se analisar como esta heterogeneidade é abordada em sala de aula, e de que forma os diferentes atores envolvidos mobilizam recursos e ultrapassam as suas dificuldades em contexto de ensino não formal. Nesse âmbito, temos presente que o Chão atua num território caracterizado por mobilidades internacionais contínuas tanto dos educandos como dos educadores, revelando perfis e práticas comunicativas multilingues associados, no caso dos educandos, a níveis de escolaridades baixos e situações socioeconómicas particularmente vulneráveis.

Para entender a importância do projeto em análise, inicialmente propomos uma apresentação resumida das ofertas educativas em ensino formal para adultos migrantes em âmbito de aprendizagem da língua portuguesa e alfabetização em Portugal. Observa-se que as ofertas educativas existentes até hoje tendem a não considerar suficientemente a população imigrante pouco ou nada escolarizada no próprio país de origem ou de imigração anterior, sendo que em Portugal estes cursos são escassos e raramente adequados aos seus contextos, caraterísticas sociais, necessidades e tempos de aprendizagem.

Neste sentido, assumem centralidade cursos não formais em contexto comunitário promovidos por organizações não governamentais (ONGs), associações e fundações que procuram responder às necessidades educativas destas populações através de diferentes abordagens e práticas.

A seguir propomos uma discussão em torno de práticas de leitura e escrita relacionando a literacia com o contexto sociocultural e individual dos aprendentes. Nesta secção focamos nalguns aspetos cognitivos implicados na aprendizagem de uma língua não materna e da alfabetização na mesma, apresentando a perspetiva de literacia crítica no ensino/aprendizagem e, consequentemente, discutindo a necessidade de adaptação das metodologias aplicadas às caraterísticas dos educandos.

Posteriormente, o artigo apresenta o grupo Chão, descrevendo o contexto do bairro onde as aulas semanais têm lugar, seguido de uma breve apresentação do estudo e das metodologias de pesquisa envolvidas na presente análise. No final, identificamos uma grande variedade de níveis de literacia em português e diversidade de línguas usadas pelos educandos, confirmando-se que o projeto se caracteriza pelas possibilidades de contactos linguísticos diversificados e práticas variadas de literacia em português, mobilizando o diálogo socialmente contextualizado entre todos os envolvidos (educandos e educadores).

1. POLÍTICAS DE ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA PARA ADULTOS MIGRANTES EM PORTUGAL

A sociedade portuguesa atual caracteriza-se por uma presença significativa de população de origem estrangeira. Segundo os dados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF)2 2 Portal de estatística SEFtat: https://sefstat.sef.pt/forms/distritos.aspx. Acesso em: 24 ago. 2022 de 2020, residiam em Portugal 662.095 cidadãos estrangeiros com título de residência válido, representando 6,4% do total de residentes do país. Esta presença tem sido historicamente caracterizada pela imigração vinda de países africanos sobretudo a partir de 1974-1976, período marcado pelo fim da guerra da independência das ex-colónias portuguesas em África3 3 Em 1985, por exemplo, num total de 79.594 estrangeiros legalmente residentes no país, 44% tinham a nacionalidade de um país africano de língua oficial portuguesa – PALOP (BAGANHA et al., 2009). , sendo por isso um momento de viragem entre a emigração e imigração em Portugal (PADILLA; ORTIZ, 2012PADILLA, B.; ORTIZ, A. (2012). Fluxos migratórios em Portugal: do boom migratório à desaceleração no contexto de crise. Balanços e desafios. REMHU: Revista Interdisciplinar da Mobilidade Humana 20.39 (2012), p. 159-184.). Com a adesão portuguesa à Comunidade Económica Europeia (CEE, 1985-1986, posterior União Europeia – UE) e a necessidade conjuntural de trabalhadores qualificados e não qualificados, os fluxos migratórios tornaram-se mais intensos e diversificados tanto em termos de origens nacionais como nas qualificações escolares e profissionais da população imigrante, principalmente de cidadãos do Brasil, dos países de Europa de Leste (ucranianos, romenos, moldavos, russos, entre os mais representativos), dos países africanos cuja língua oficial não é o português e dos países asiáticos (PADILLA; ORTIZ, 2012PADILLA, B.; ORTIZ, A. (2012). Fluxos migratórios em Portugal: do boom migratório à desaceleração no contexto de crise. Balanços e desafios. REMHU: Revista Interdisciplinar da Mobilidade Humana 20.39 (2012), p. 159-184.). Esta tendência é confirmada por dados mais recentes do relatório de estatísticas anuais 2021 do Observatório das Migrações, que nos indicam que entre as 10 nacionalidades estrangeiras mais numerosas em Portugal em 2020 (68,5% do total da população estrangeira residente) encontramos sobretudo brasileiros (27,8%), britânicos (7,0%), cabo-verdianos (5,5%), romenos (4,5%), ucranianos (4,3%), italianos (4,3%), chineses (3,9%), franceses (3,8%), indianos (3,7%) e angolanos (3,7%)4 4 Dados do SEF, apresentados por Oliveira (2021, p. 54). .

O aumento da imigração nas últimas décadas e a sua diversificação em termos de origens nacionais e caraterísticas sociodemográficas é uma realidade comum à maioria dos países da UE, colocando no debate político e público europeu a urgência de medidas para a integração social e económica das populações imigrantes. O acesso à(s) língua(s) oficial(is) dos países de acolhimento5 5 Apesar de Oliveira (2021), assim como a maioria dos documentos analisados nestas questões referir “língua de acolhimento”, a demografia da maioria dos países europeus revela que estes são países multilingues, sendo, por seu turno, as políticas analisadas nestes documentos direcionadas para o ensino da(s) língua(s) oficial(is). é frequentemente considerado no debate sobre a integração, o primeiro passo para a sua realização (OLIVEIRA, 2021OLIVEIRA, C. R. (2021). Indicadores de Integração de Imigrantes: Relatório Estatístico Anual 2021. Imigração em Números – Relatórios Anuais (Vol. 6). Lisboa: Alto Comissariado para as Migrações (ACM, IP).). Neste âmbito, a Comissão Europeia tem recomendado aos Estados-membros a criação de políticas para a formação linguística dos imigrantes disponibilizando recursos que permitam aumentar de forma significativa a oferta de programas de ensino/aprendizagem da(s) língua(s) oficial(is) (OLIVEIRA, 2021, p. 124OLIVEIRA, C. R. (2021). Indicadores de Integração de Imigrantes: Relatório Estatístico Anual 2021. Imigração em Números – Relatórios Anuais (Vol. 6). Lisboa: Alto Comissariado para as Migrações (ACM, IP).).

No entanto, as políticas de acesso à(s) língua(s) oficial(is) têm evoluído de forma diferente entre os países europeus. Nalguns países, entre quais Áustria, França, Polónia, Holanda, Roménia, Turquia e Alemanha (ROCCA et al., 2020ROCCA, L., CARLSEN, C. H.; DEYGERS, B. (2020). Linguistic integration of adult migrants: Requirements and learning opportunities. Strasbourg: Council of Europe Publication. Disponível em: https://rm.coe.int/linguistic-integration-of-adult-migrants-requirements-and-learning-opp/16809b93cb pp. 49-50. Acesso em: 26 ago. 2022.
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) essas políticas determinam que a aprendizagem da(s) língua(s) oficial(is) é uma ferramenta indispensável para a integração profissional e social da população imigrante, sendo sobretudo dever destes últimos, mesmo no momento anterior à sua entrada no país. No caso particular de Portugal, para cidadãos não originários de um país de língua oficial portuguesa ou que não tenham aí sido escolarizados, é exigível a certificação em língua portuguesa (nível A2 do Quadro Europeu Comum de Referência para as Línguas, QECR) no acesso à autorização de residência permanente e/ou ao estatuto de residente de longa duração, assim como no acesso à nacionalidade portuguesa6 6 Regulamento da Nacionalidade Portuguesa: Decreto-Lei n.º 26/2022. Disponível em: https://dre.pt/dre/detalhe/decretolei/26-2022-180657814. Acesso em: 24 ago. 2022 .

Entre os programas promovidos para a aprendizagem da língua portuguesa, desde 2006-07 existe em Portugal, a nível governamental, o programa Português como Língua Não Materna (PLNM) destinado aos alunos do ensino básico e secundário integrados no sistema educativo nacional. Para adultos migrantes, existem os cursos do programa Português Língua de Acolhimento (PLA)7 7 Recentemente atualizado no âmbito da Portaria n.º 183/2020, de 5 de agosto. (designado entre 2008 e 2020 como o Português para Falantes de Outras Línguas – PFOL– ou Português para Todos – PPT). Estes últimos programas têm sido promovidos pelos estabelecimentos de ensino da rede pública, pela rede de centros de gestão direta e participada do Instituto do Emprego e da Formação Profissional, I.P. (IEFP, I.P.), e pelos Centros Qualifica8 8 Ver mais informação em: https://www.acm.gov.pt/ru/ad-ent-c-acm. Acesso em: 24 ago. 2022 . Complementarmente, desde 2016 se promove a aprendizagem online da língua portuguesa9 9 O curso está disponível em: https://pptonline.acm.gov.pt/ Acesso em: 31 ago.2022 através da Plataforma de Português Online (com carácter opcional). No seu conjunto, são programas destinados a pessoas adultas, portadores de títulos de residência ou em processo de requisição, cuja língua materna não é a língua portuguesa e não possuem certificação no mínimo de A2 nesta língua.

Por serem programas pensados para aprendentes com um significativo nível de literacia pelo menos numa língua (MATIAS et al., 2016MATIAS, A. R.; OLIVEIRA, N; ORTIZ, A. (2016). Implementing training in Portuguese for Speakers of Other Languages in Portugal: the case of adult immigrants with little or no schooling, Language and Intercultural Communication, vol.16 n. 1, p. 99-116, DOI: https://doi.org/10.1080/14708477.2015.1113754.
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), até à data estes cursos tenderam a não considerar suficientemente os perfis dos educandos e as suas necessidades educativas excluindo a população com baixa ou nenhuma escolarização. Em relação à alfabetização e ao desenvolvimento da literacia, foi lançado em 2010 o programa Formação em Competências Básicas (FCB, hoje inserido nas propostas educativas do Programa Qualifica), pensado para adultos com baixa ou nenhuma escolarização com vista a uma posterior integração nos cursos de Educação e Formação de Adultos (EFA) ou o encaminhamento para o processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências (RVCC). O FCB contém um módulo de alfabetização estruturado para quem a língua materna é o português ou que tem um intenso e contínuo contacto com a língua (MATIAS et al., 2016MATIAS, A. R.; OLIVEIRA, N; ORTIZ, A. (2016). Implementing training in Portuguese for Speakers of Other Languages in Portugal: the case of adult immigrants with little or no schooling, Language and Intercultural Communication, vol.16 n. 1, p. 99-116, DOI: https://doi.org/10.1080/14708477.2015.1113754.
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), excluindo pessoas não alfabetizadas cujo português não é língua materna. Deste modo, a ausência de aulas de alfabetização nas ofertas da aprendizagem da língua portuguesa para imigrantes adultos força os educandos com baixa ou nenhuma escolarização a fazer duas coisas simultaneamente quando frequentam estes programas: aprender uma língua estrangeira e aprender a ler e escrever numa língua não materna, sem recurso a metodologias adequadas ao perfil dos aprendentes em causa.

Em suma, na análise das políticas de ensino de português para imigrantes adultos em Portugal, sublinhamos a necessidade de considerar dois fatores subestimados nas propostas existentes até à data (MATIAS et al.; 2016MATIAS, A. R.; OLIVEIRA, N; ORTIZ, A. (2016). Implementing training in Portuguese for Speakers of Other Languages in Portugal: the case of adult immigrants with little or no schooling, Language and Intercultural Communication, vol.16 n. 1, p. 99-116, DOI: https://doi.org/10.1080/14708477.2015.1113754.
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): por um lado, a representação demográfica dos imigrantes adultos com pouca ou nenhuma escolaridade, por outro, a (suposta) homogeneidade em termos de necessidades de aprendizagem na língua oficial do país de acolhimento. No entanto, recentemente regista-se uma intenção política de considerar os perfis destes educandos. Nomeadamente, o Plano Nacional de Implementação do Pacto Global das Migrações10 10 Plano nacional de políticas de integração mais recente, surgido a seguir do Pacto Global para as Migrações Seguras, Ordenadas e Regulares, aprovado pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 19 de dezembro de 2018, Resolução A/73/L.66 assume o incremento do ensino do português como medida prioritária para a integração, prevendo a revisão e inovação do PTT para os novos cursos PLA. As novidades do programa visam

dar resposta a alguns dos desafios específicos que se colocam aos imigrantes na aprendizagem da língua de acolhimento, procurando-se diversificar a oferta e ajustá-la em função das características e necessidades dos migrantes, indo assim ao encontro das recomendações da Comissão Europeia nos seus documentos estratégicos para a inclusão (MONTEIRO, 2021, p. 17MONTEIRO, R. (2021). A aprendizagem da língua de acolhimento por imigrantes, Boletim Estatístico OM N.º 7, Coleção Imigração em Números (coord. Oliveira, C. R.), Observatório das Migrações. Disponível em: http://www.om.acm.gov.pt/publicacoes-om/colecao-imigracao-em-numeros/boletins-estatisticos. Acesso em: 24 ago. 2022.
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).

Nas novas medidas, é prevista a coordenação com os Centros Qualifica e o reencaminhamento para o processo RVCC, articulando a aprendizagem da língua portuguesa com o acesso a percursos formativos que permitem o reforço de competências e qualificações; é ainda introduzida uma unidade de formação especificamente dirigida a quem utiliza outro sistema de escrita, ou outro alfabeto que não o latino; os cursos devem dispor de horários de funcionamento mais flexíveis; devem ainda reduzir-se o número mínimo de educandos necessários à criação dos grupos de aprendizagem (até ao mínimo de 15-20 formandos em vez de 26 a 30 como no PPT), considerando o conhecimento de partida da língua portuguesa (possibilitando a abertura de turmas mais homogéneas); assim como é fixada a idade mínima de 18 anos. Sendo estas medidas relativamente novas, e adotadas num período marcado por interrupção de ações educativas devido à pandemia COVID-19 a partir de 2020, ainda não temos dados sobre o seu impacto. Podemos, ainda assim, observar que demonstram uma maior atenção face às necessidades reais e os perfis socioeconómicos e sociodemográficos da população migrante em relação à aprendizagem da língua.

Dos dados disponíveis sobre os participantes durante a última década no Programa Português para Todos11 11 Dados do Programa Português para Todos analisados e sistematizados nos Relatórios Estatísticos Indicadores de Integração de Imigrantes do Observatório das Migrações (OLIVEIRA, 2021, p. 139-140). até 2019, podemos observar que o número de educandos sem escolaridade formal foi de 30,4% e o nível de escolaridade mais frequente foi o 3.º ciclo do ensino básico (34,9%). Na situação face ao emprego, registaram-se 44,6% de empregados contra 55,4% de desempregados. Nas nacionalidades mais significativas entre os inscritos destacam-se, por ordem de importância: ucraniana (12,6%), nepalesa (10,8%), indiana (8,0%), venezuelana (4,3%), bangladeche (3,8%) e portuguesa (3,6%). O número de educandos portugueses evidencia a existência de pessoas que, apesar de terem adquirido a nacionalidade, ainda procuram adquirir ou desenvolver conhecimentos de português12 12 Para dados detalhados e sobre idade, sexo e distribuição dos educandos por região, consultar Monteiro (2021). . Apesar de, como vimos, existir uma unidade que pretende introduzir um módulo de aprendizagem para aprendentes que não usam o alfabeto latino ou utilizam sistemas de escrita diferentes na própria língua materna como no caso dos migrantes ucranianos, nepaleses ou indianos, não foi ainda introduzido um curso de alfabetização em português.

A escassez de programas e políticas pensadas para pessoas com baixa ou nenhuma escolarização tem limitado, até hoje em Portugal, a elaboração de conteúdos e metodologias específicas para a alfabetização e desenvolvimento de literacia numa língua não materna (MATIAS et al., 2016MATIAS, A. R.; OLIVEIRA, N; ORTIZ, A. (2016). Implementing training in Portuguese for Speakers of Other Languages in Portugal: the case of adult immigrants with little or no schooling, Language and Intercultural Communication, vol.16 n. 1, p. 99-116, DOI: https://doi.org/10.1080/14708477.2015.1113754.
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). A maioria dos professores de português envolvidos nos cursos de língua para imigrantes, são formados em ensino da língua estrangeira ou língua não materna mas não em alfabetização nas mesmas. Ainda, as turmas heterogéneas em termos de literacia e português dificultam as possibilidades de um ensino diferenciado, assim como uma dinâmica progressiva e homogénea (MATIAS et al., 2016MATIAS, A. R.; OLIVEIRA, N; ORTIZ, A. (2016). Implementing training in Portuguese for Speakers of Other Languages in Portugal: the case of adult immigrants with little or no schooling, Language and Intercultural Communication, vol.16 n. 1, p. 99-116, DOI: https://doi.org/10.1080/14708477.2015.1113754.
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). Projetos desenvolvidos por diversas entidades públicas e privadas sem fins lucrativos com financiamento comunitário, municipal ou de fundações privadas têm procurado realizar cursos de alfabetização e/ou língua portuguesa para adultos13 13 O ACM, I.P. apoia, no âmbito do Fundo para o Asilo, a Migração e a Integração, ações de ensino/aprendizagem da língua portuguesa e alfabetização. Mais informações sobre a estrutura, programas financiados e tipologias de projetos: https://www.acm.gov.pt/-/como-posso-frequentar-um-curso-de-lingua-portuguesa-para-estrangeiros-. Acesso em: 24 ago. 2022. . O governo financia, deste modo, ações no ensino/aprendizagem da língua portuguesa incluindo alfabetização no âmbito do FAMI – Fundo para o Asilo, a Migração e a Integração, enquadrando a oferta em tipologias de ensino entre quais são previstas ações de alfabetização “que visam dotar os participantes de competências de leitura e escrita que contribuam para a sua autonomia enquanto cidadãos imigrantes, com vista à sua integração em outras ofertas formativas”14 14 Disponível em: https://www.acm.gov.pt/ru/-/como-posso-frequentar-um-curso-de-lingua-portuguesa-para-estrangeiros-. Acesso em: 24 ago. 2022. . É difícil identificar as tipologias e quantidade das propostas presentes atualmente no âmbito de alfabetização (para pessoas língua materna português ou não), por não existirem ainda estudos específicos neste âmbito em Portugal de que as autoras tenham conhecimento.

Sabemos que aprender uma língua e, ainda mais, alfabetização numa língua não materna, são processos de aprendizagem muito complexos e progressivos, necessitando tempo e prática para consolidar-se. Neste sentido, são necessárias políticas e propostas educativas coordenadas e continuadas ao longo do tempo. A realidade mostra-nos que muitos projetos, mesmo inseridos em programas internacionais ou nacionais, têm desenvolvimento e sustentabilidade limitados, por causa da descontinuidade ou ausência de financiamento.

Por fim, consideramos que uma intervenção educativa realizada em comunidades em situações socioeconómicas vulneráveis, deve ser realizada integrando o contexto em que os educandos atuam, tentando responder a outras questões sociais e práticas do quotidiano. É, por isto, necessária uma formação específica dos educadores envolvendo, quando possível, pessoas da comunidade que possibilitam a mobilização e a participação de todos os sujeitos. Discutiremos, de seguida, a relevância da literacia crítica em contexto não formal de ensino aprendizagem de uma nova língua junto de populações imigrantes pouco ou nada escolarizadas.

2. CONTEXTUALIZAR A LITERACIA

Se no passado a literacia era considerada como um mero processo mental e cognitivo (GEE, 2015GEE, J. P. (2015). The New Literacy Studies. In: Rowsell, J; Pahl, K. (eds.)The Routledge Handbook of Literacy StudiesTop of Form, London: Routledge Handbooks Online, p. 35-48.Bottom of Form. Disponível em: https://www.routledgehandbooks.com/doi/10.4324/9781315717647.ch2. Acesso em: 13 maio 2022.
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), hoje a literacia é analisada na sua relação com os significados atribuídos à palavra e ao texto, não tidos como universais mas numa perspetiva ecológica, ou seja, inseridos nos contextos sociais que lhe são específicos (BARTON, 1994BARTON, D. (1994). Literacy: An Introduction to the Ecology of Written Language, Oxford: Blackwell.). A literacia não é, portanto, uma prática individual e estática (obtida num determinado período e válida para sempre), antes contínua pela transformação e negociação de significado constante decorrente das interações entre os indivíduos e os indivíduos e o ambiente (BARTON,1994BARTON, D. (1994). Literacy: An Introduction to the Ecology of Written Language, Oxford: Blackwell.).

Será a partir dos anos 1980, com base nas teorias socioconstrutivistas, que surgem diversos trabalhos e estudos em diferentes áreas disciplinares, que consideram a literacia como um fenómeno social em que a linguagem escrita representa uma tecnologia que dá e desenvolve significado. O desenvolvimento e o uso da linguagem escrita são, nesta linha de pensamento, determinados pelas práticas sociais, culturais, históricas e institucionais dos diferentes grupos sociais (GEE, 2015GEE, J. P. (2015). The New Literacy Studies. In: Rowsell, J; Pahl, K. (eds.)The Routledge Handbook of Literacy StudiesTop of Form, London: Routledge Handbooks Online, p. 35-48.Bottom of Form. Disponível em: https://www.routledgehandbooks.com/doi/10.4324/9781315717647.ch2. Acesso em: 13 maio 2022.
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). Partindo destas premissas, não se pode considerar a literacia como uma competência descontextualizada e pensar num ensino/aprendizagem focando em representações linguísticas e culturais universais e padronizadas. Uma abordagem em relação ao contexto social dos educandos reflete um entendimento alargado sobre as literacias, focando sobretudo na forma como os adultos aprendem, ou seja, através da sua experiência e uso da literacia nas suas práticas e contextos quotidianos em continuidade e evolução na aquisição de novas e diferentes literacias. Neste sentido, ser literato vai além da dicotomia alfabetizado/não alfabetizado, podendo assumir significados diferentes em relação ao contexto ou situação. Por exemplo, uma pessoa pode ser perfeitamente letrada na leitura de um romance, mas sentir-se iletrada quando confrontada com formulários burocráticos de imigração (WRIGLEY; GUTH,1992WRIGLEY, H.S.; GUTH, G. J. (1992). Bringing Literacy to Life. Issues and Options in Adult ESL Literacy. San Mateo, CA: Aguirre International. Disponivel em: https://files.eric.ed.gov/fulltext/ED348896.pdf. Acesso em: 24 ago. 2022.
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) – questão particularmente pertinente quando aplicável à população envolvida no projeto em análise neste texto.

2.1 Aquisição de literacia por alfabetização em língua não materna

No caso dos aprendentes duma língua segunda (L2) a questão é, segundo Kurvers (2015)KURVERS, J. (2015). Emerging literacy in adult second-language learners: A synthesis of research findings in the Netherlands. Writing systems research, vol. 7 n.1, p. 58-78., ainda mais complexa. A autora explica que a aprendizagem de uma nova língua depende significativamente da literacia na própria língua materna, que permite o acesso à leitura e escrita na L2, assim como o desenvolvimento da consciência metalinguística. Sabemos que o domínio do vocabulário representa um recurso importante para o reconhecimento intuitivo da palavra. Ora, pessoas não alfabetizadas em qualquer língua, precisam, como os demais, primeiro aprender, reconhecer e categorizar fonemas diferentes da L2, para poder posteriormente descodificar a palavra no momento da leitura. Não sabendo ler e escrever, a oralidade representará aqui o único meio para a aquisição lexical. A língua de aprendizagem, enquanto meio de comunicação e sistema de referência, será refletida na sua função comunicativa oral, ou seja, de como as coisas são ditas (avaliando, por exemplo, o tom de voz – educado, agressivo, alegre…- e a sua intenção comunicativa). Diferentemente, a língua representa objeto de reflexão na sua forma e estrutura uma vez escrita no papel (KURVERS, 2015KURVERS, J. (2015). Emerging literacy in adult second-language learners: A synthesis of research findings in the Netherlands. Writing systems research, vol. 7 n.1, p. 58-78.).

Nos casos em que o vocabulário é limitado e se observa pouca familiaridade com a estrutura linguística, surgem dificuldades na conexão entre o que o aprendente conhece e o que está no papel. No ensino/aprendizagem em literacia, são necessários, portanto, processos de cima para baixo (top-down), que partem dos conhecimentos e experiências que as pessoas já têm, focando nos significados e comunicação; e de baixo para cima (bottom-up), que partem da base, das letras no papel, focando na fonética e gramática (WRIGLEY; GUTH,1992, p. 24WRIGLEY, H.S.; GUTH, G. J. (1992). Bringing Literacy to Life. Issues and Options in Adult ESL Literacy. San Mateo, CA: Aguirre International. Disponivel em: https://files.eric.ed.gov/fulltext/ED348896.pdf. Acesso em: 24 ago. 2022.
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). Os dois processos permitem interligar a aquisição da leitura e escrita com o seu uso (sobretudo oral) na comunicação. Existem muitas abordagens e metodologias diferentes no ensino/aprendizagem linguístico algumas das quais privilegiam aspetos sociais (social-context models), enquanto outras, focam nos aspetos técnicos da língua (skills-based model) (WRIGLEY; GUTH,1992, p. 24WRIGLEY, H.S.; GUTH, G. J. (1992). Bringing Literacy to Life. Issues and Options in Adult ESL Literacy. San Mateo, CA: Aguirre International. Disponivel em: https://files.eric.ed.gov/fulltext/ED348896.pdf. Acesso em: 24 ago. 2022.
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). Considerando a prática educativa do projeto em análise no presente estudo, poderá ser vantajoso, sobretudo em contextos linguísticos heterogéneos, combinar diferentes modelos, ou seja ter presente uma metodologia que considere o nível comunicacional e as práticas de literacia no quotidiano, combinados com metodologias que expliquem e proporcionem instrumentos técnicos para a codificação e descodificação da linguagem escrita.

2.2 Literacia crítica

A este propósito, será relevante discutir a necessidade de ter presente uma abordagem de literacia crítica (WRIGLEY; GUTH,1992WRIGLEY, H.S.; GUTH, G. J. (1992). Bringing Literacy to Life. Issues and Options in Adult ESL Literacy. San Mateo, CA: Aguirre International. Disponivel em: https://files.eric.ed.gov/fulltext/ED348896.pdf. Acesso em: 24 ago. 2022.
https://files.eric.ed.gov/fulltext/ED348...
). A literacia crítica baseia-se na ideia de que a heterogeneidade da sociedade deve ser analisada tendo por referência um mundo estruturado de forma desigual em relação ao género, raça, classe e etnia dos educandos, enquanto fatores de potencial marginalização na sociedade (NORTON, 2000NORTON, B. (2000). Identity and language learning: gender, ethnicity and educational change. Boston: Allyn & Bacon.). Por exemplo, a politicidade do ato educativo está presente na teoria do conhecimento de Paulo Freire (1968)FREIRE, P. (1968). La pedagogia degli oppressi. Tradução de Linda Bimbi. Torino: Edizioni Gruppo Abele, 2011., segundo o qual o questionamento e o diálogo são indispensáveis para se conseguir relacionar as experiências dos educandos com a criação de saberes socialmente construídos. Nesta perspetiva, literacia e alfabetização são considerados processos que possibilitam uma leitura crítica da realidade necessariamente integrados numa ação que se quer também reflexiva, dialógica e consciencializadora, permitindo, assim, o encontro de sujeitos interlocutores em busca da significação dos significados (FREIRE, 1968, p. 69FREIRE, P. (1968). La pedagogia degli oppressi. Tradução de Linda Bimbi. Torino: Edizioni Gruppo Abele, 2011.).

Na visão freiriana, o ponto de partida de qualquer aprendizagem é, em suma, considerar a literacia como prática social em que se promove a criação de um espaço que possibilite o diálogo. Tendo em conta que o conhecimento de cada um só é válido quando compartilhado com alguém, e que a veridicidade de um ponto de vista depende igualmente do olhar do outro e da comunicação que se cria, o diálogo representa a estratégia pedagógica mais eficaz e o critério mais abrangente de compreensão da realidade (GADOTTI, 2000GADOTTI, M. (2000) Saber aprender: um olhar sobre Paulo Freire e as perspectivas atuais da educação. In: Um olhar sobre Paulo Freire, Congresso Internacional Évora, Portugal 20 a 23 de setembro de 2000. Acervo do Centro de Referência Paulo Freire. São Paulo: Instituto Paulo Freire. Diponível em: http://www.acervo.paulofreire.org:8080/jspui/bitstream/7891/2999/1/FPF_PTPF_01_0366.pdf . Acesso em: 24 ago. 2022.
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apud ANTUNES, 2002ANTUNES, Â. (2002). Leitura do mundo em Paulo Freire. Tese de Doutorado em Linguística Aplicada. Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, FE-USP, São Paulo. Disponível em: http://acervo.paulofreire.org:8080/xmlui/handle/7891/137. Acesso em: 24 ago. 2022.
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). Numa abordagem de literacia crítica, trata-se principalmente de criar um contexto em que seja possibilitada a discussão através de uma constante reflexão sobre relações de poder, implicando abordar perspetivas históricas que reflitam também sobre o quê, como e porquê (NORTON; TOOHEY, 2004NORTON, B.; TOOHEY, K. (2004). Critical pedagogies and language learning: An introduction. In: Norton, B.; Toohey, K. (orgs.). Critical Pedagogies and Language Learning, Cambridge University Press, p. 1-15. Disponível em: https://faculty.educ.ubc.ca/norton/Norton%20&%20Toohey%20(2004)%20-%20Critical%20Pedagogies%20-%20Introduction.pdf. Acesso em: 26 ago. 2022.
https://faculty.educ.ubc.ca/norton/Norto...
).

2.3 Adaptação das metodologias

É ainda importante ter em conta que os contextos de aprendizagem de uma língua junto de populações adultas com origem imigrante se caracterizam, em geral, por uma grande diversidade linguística entre os aprendentes, reflexo de diferentes origens étnicas e nacionais, assim como dos seus percursos escolares e profissionais. Nestes casos, temos de considerar que, além da localização geográfica de origem, outros fatores ajudam a perceber as diferentes pré-condições nas necessidades e nos ritmos de aprendizagens, nomeadamente o nível e tipo de escolarização; a diferença nos tempos de permanência no país de imigração; a situação socioeconómica e profissional; a variação nos conhecimentos linguísticos prévios na língua de aprendizagem; as possibilidades de contactos linguísticos e a variação nos conhecimentos de outras línguas; as práticas de literacia; entre outros aspetos (ver, para o caso português, GROSSO; TAVARES; TAVARES, 2008GROSSO, M. J. (coord); TAVARES, A.; TAVARES, M. (2008). O Português para Falantes de outras Línguas– O Utilizador Elementar no País de Acolhimento, Lisboa: Ministério da Educação Direção – Geral de Inovação e de Desenvolviemnto Curricular. Disponível em: https://www.dge.mec.pt/sites/default/files/Basico/Documentos/referencial_independente.pdf. Acesso em: 24 ago. 2022.
https://www.dge.mec.pt/sites/default/fil...
).

Um dos maiores desafios face à diferença linguística e cultural em presença é conseguir ultrapassar abordagens que tomem as diferenças como socialmente estereotipadas, ou que considerem as diferenças sociais e culturais presentes como se estas não tivessem relação com as desigualdades na sociedade e efeitos reais, estruturais e materiais (McKINNEY; NORTON, 2008McKINNEY, C.; NORTON, B. (2008). Identity in Language and Literacy Education. In: Spolsky B.; Hult M. F. The handbook of educational linguistics. Blackwell Publishing Ltd, p. 192-205. DOI: 10.1002/9780470694138.ch14.
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). E se por um lado, na pedagogia crítica, se procuram situações significativas da realidade para nela atuar através do processo de renegociação dos significados, temos ainda de considerar alguns aspetos ao optar por este tipo de abordagem. No ensino/aprendizagem, deve-se procurar perceber a abertura e o interesse que os educandos têm em discutir aspetos sociais e desigualdades. Entender como se posicionam a si próprios, evitando refletir dogmatismos ou visões binárias (dos educadores e dos educandos), explorando assuntos de diversidade em diferentes níveis e interseções não estáticas e em acordo com os contextos e os sujeitos (McKINNEY; NORTON, 2008, p. 198McKINNEY, C.; NORTON, B. (2008). Identity in Language and Literacy Education. In: Spolsky B.; Hult M. F. The handbook of educational linguistics. Blackwell Publishing Ltd, p. 192-205. DOI: 10.1002/9780470694138.ch14.
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). Posições demasiado unidirecionadas e políticas podem não estar em acordo com as posições e os interesses dos educandos e, portanto, deve-se prestar atenção em não impor (mais uma vez) a própria visão e categorização em relação à(s) identidade(s). É preciso igualmente ter presente que em sala de aula podem estar presentes culturas ou etnias em conflito histórico ou cultural, tornando arriscado ou pouco sensível abordar algumas questões (McKINNEY; NORTON, 2008McKINNEY, C.; NORTON, B. (2008). Identity in Language and Literacy Education. In: Spolsky B.; Hult M. F. The handbook of educational linguistics. Blackwell Publishing Ltd, p. 192-205. DOI: 10.1002/9780470694138.ch14.
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).

Face às considerações teóricas que informam a análise do projeto, descreveremos de seguida sumariamente o contexto empírico em que este tem lugar.

3. O CHÃO E O BAIRRO

O bairro onde as aulas acontecem é um bairro de autoconstrução, situado na Área Metropolitana de Lisboa (AML), onde, nos anos 1980, os moradores terminaram de construir prédios abandonados por uma empresa construtora, estabelecendo, por meios próprios, ligações às redes de eletricidade e água. A população residente carateriza-se por pessoas de diversas etnias, culturas e uma grande variedade de línguas, incluindo uma minoria de pessoas Roma/Ciganas portuguesas (possivelmente entre os primeiros a chegar) e principalmente imigrantes dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP) (CÂMARA MUNICIPAL DE SEIXAL, 2012CÂMARA MUNICIPAL DE SEIXAL (2012) – Diagnóstico Social do Concelho de Seixal, Divisão de Ação Social – Concelho de ação Social do Seixal. Disponível em: https://www.cm-seixal.pt/sites/default/files/documents/diagnostico_social_seixal_2013.pdf. Acesso em: 01 jun. 2022.
https://www.cm-seixal.pt/sites/default/f...
). E se no bairro existem famílias que ali residem há décadas, este é também caracterizado por uma alta mobilidade dos seus moradores que se transferem para outras zonas da AML, ou migram novamente para outros países europeus. (ALVES; FORMENTI; FRANGELLA et al., 2018ALVES, A. R.; FORMENTI, A.; FRANGELLA, S.; CHÃO – OFICINA DE ETNOGRAFIA URBANA (2018). Em Busca do Colectivo – Diálogos para uma Cartografia Social no Bairro da Jamaika, In: Carmo, A.; Ascensão, E.; Estevens, A. (org.), A Cidade em Reconstrução: Leituras Críticas, 2008-2018. Lisboa: Outro Modo Cooperativa Cultural, p.120-126.).

Em 2017, o Ministério do Ambiente anunciou que procederia ao realojamento de 234 famílias do bairro, numa colaboração entre o Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU), a Câmara Municipal do Seixal (CMS) e a Santa Casa da Misericórdia do Seixal (Comunicado da CÂMARA MUNICIPAL DE SEIXAL, 2018CÂMARA MUNICIPAL DE SEIXAL (2018.01.19) Realojamento das famílias de Vale de Chícharos vai avançar. Comunicado da CMS. Disponível em: http://www.cm-seixal.pt/noticia/realojamento-das-familias-de-vale-de-chicharos-vai-avancar. Acesso em: 24 ago. 2022.
http://www.cm-seixal.pt/noticia/realojam...
)15 15 Disponível em: https://www.cm-seixal.pt/noticia/realojamento-das-familias-de-vale-de-chicharos-vai-avancar. Acesso em: 15 maio 2022. . O processo aconteceu por fases, mas permanece ainda inacabado, sendo que só as famílias de um dos três grandes prédios em alvenaria e tijolos foram realojadas em 2018. Desta forma o bairro contínua em mutação com pessoas que vão e que vêm, e famílias que continuam a viver desde muitos anos em condições habitacionais extremamente precárias, sujeitas a graves carências em termos de serviços e infraestruturas básicas, e não vendo garantido o seu direito constitucional a uma habitação condigna (Art. 65 da Constituição da República Portuguesa).

Em 2015, num contexto em que estavam a ser realizadas um conjunto de demolições de bairros de autoconstrução na AML, um grupo de antropólogas reuniu-se com a intenção de encontrar formas de apoiar as lutas das comunidades onde era previsível que este processo iria acontecer. Nasceu assim o grupo Chão – Oficina de Etnografia Urbana, com a proposta inicial de realizar uma cartografia social construída em conjunto com os moradores do bairro para produzir mapas e conhecimentos que pudessem servir como meios de reivindicação ao realojamento digno. O grupo atua no bairro em estreita colaboração com a Associação para o Desenvolvimento Social de Vale de Chícharos – ADSVC, e visa, através da reflexão conjunta, a realização de atividades e instrumentos para a mudança, assim como, o reconhecimento dos direitos coletivos e dignidade dos moradores do bairro (ALVES et al., 2018ALVES, A. R.; FORMENTI, A.; FRANGELLA, S.; CHÃO – OFICINA DE ETNOGRAFIA URBANA (2018). Em Busca do Colectivo – Diálogos para uma Cartografia Social no Bairro da Jamaika, In: Carmo, A.; Ascensão, E.; Estevens, A. (org.), A Cidade em Reconstrução: Leituras Críticas, 2008-2018. Lisboa: Outro Modo Cooperativa Cultural, p.120-126.). Desta forma, o Chão solidarizou-se na luta pela eletricidade e pelo realojamento e realizou, ao lado da ADSVC, outros projetos entre os quais a renovação da sede comunitária, a criação de pontes com outros bairros de autoconstrução e a organização de oficinas (para adultos e crianças), entre outros (SIGNORELLO, 2021, p.31SIGNORELLO, A. L. (2021), “Eu sei screvé bonito com caneta...divagarinho, divagarinho...” Estudo de caso sobre um projeto coletivo em alfabetização e literacia em português língua não materna, junto de migrantes adultos., Tese de Mestrado em Educação e Sociedade, Lisboa: ICTE – Instituto Universitário de Lisboa.).

Foi nesta partilha que em 2015 foi sugerida pela associação (na altura ainda Associação para a Defesa e Inserção das Minorias Étnicas – ADIME) a realização de aulas de alfabetização e português. A associação disponibilizou a sua sede para se poder desenvolver o projeto, representando este o único espaço comunitário onde, além de se constituir como sala de aula, têm lugar reuniões e eventos. A participação no projeto é livre e aberta a toda a comunidade e, após consulta dos interessados, determinou-se que o melhor horário seria todos os domingos entre as 14h e as 16h.

Os conteúdos e atividades das aulas são preparados pelo Chão durante as reuniões semanais. Após cada sessão, os educadores presentes gravam um relato áudio e, a partir deste resumo, são pensadas e desenvolvidas coletivamente as propostas educativas seguintes. O projeto é caracterizado pela sua informalidade e por não estar inserido em programas específicos, independente, por isso, de financiamentos e avaliações. Se, por um lado, esta autonomia representa uma forma de liberdade e flexibilidade na sua gestão e organização, por outro lado, a ausência de financiamento e a organização voluntária dos membros do grupo implica limitações no acompanhar a um grupo de educandos tão heterogéneo.

Cada dia de aulas conta sempre com dois educadores num sistema rotativo entre os educadores disponíveis, de forma a garantir a presença semanal do coletivo nas aulas. Esta rotatividade produz outro efeito menos positivo, visto que o mesmo educador só regressa ao bairro cada três a quatro semanas, o que combinando com a alguma imprevisibilidade na assiduidade dos educandos, potencia situações em que educadores e educandos não se encontrem por muito tempo.

Sendo do conhecimento geral que as práticas educativas necessitam de tempo para se consolidar, quando se associa literacia a alfabetização numa língua não materna falamos, necessariamente, de processos ainda mais demorados, onde a prática e o contacto são fatores decisivos. Por estas razões, reconhece-se que não constituem condições ideais que a organização do grupo se caracterize pela rotação dos educadores e frequência das aulas de duas horas em turmas heterogéneas, questões que iremos problematizar ao longo deste texto.

Por fim, na caraterização do Chão e na abordagem educativa e metodologias do grupo, deve ser considerada a sua posição, comprometida politicamente na luta pela justiça social, a solidariedade, contra a discriminação e o racismo. Deste modo, as aulas de alfabetização e literacia em português inserem-se também nestas lutas, não se podendo perder de vista os aspetos sociopolíticos da ação educativa do grupo (SIGNORELLO, 2021SIGNORELLO, A. L. (2021), “Eu sei screvé bonito com caneta...divagarinho, divagarinho...” Estudo de caso sobre um projeto coletivo em alfabetização e literacia em português língua não materna, junto de migrantes adultos., Tese de Mestrado em Educação e Sociedade, Lisboa: ICTE – Instituto Universitário de Lisboa.).

4. O ESTUDO: OBJETIVOS E METODOLOGIA

A análise aqui proposta teve como objetivo entender como se foi construindo, ao longo do tempo, a relação entre educadores/educandos e de ensino/aprendizagem nas aulas de português e alfabetização do Chão. Procuramos sobretudo compreender como os educadores têm respondido aos perfis socioeconómico e sociolinguístico dos educandos. Nesse sentido, orientamos a pesquisa em torno das estratégias educativas (atividades, metodologias, materiais...); do papel da sociabilidade em contexto formativo; das percepções dos educandos sobre o projeto e na identificação dos fatores valorizados pelos educandos e educadores. Face a estes objetivos, foram aplicadas entrevistas semidiretivas a seis educandos com a intenção de entender as suas percepções enquanto sujeitos envolvidos. Foi também analisado o arquivo do Chão que contém os relatos das aulas, fotografias e material realizado ao longo do tempo, por forma a recolher algumas reflexões dos educadores, caraterizar os mesmos e analisar as atividades e propostas realizadas.

Em 2021, o grupo era constituído por dez educandos, seis dos quais em processo de aprendizagem da leitura e da escrita, e quatro na aprendizagem da língua portuguesa e respetivas competências de literacia. Para efeitos do estudo, selecionaram-se 3 pessoas de cada grupo, num total de seis participantes: cinco mulheres e um homem, com idades compreendidas entre 40 e 83 anos. Todos iniciaram a sua participação no projeto há pelo menos três anos e no máximo seis anos.

Aplicaram-se seis entrevistas semidiretivas (cinco em português e uma em inglês), a partir das quais foram recolhidas informações sociodemográficas e sociolinguísticas, experiências migratórias e contextos familiares, experiência escolar, eventuais experiências em cursos de educação formal e não formal e as práticas de literacia no quotidiano (em português e noutras línguas). Através das entrevistas foram também investigadas as motivações e representações sobre o projeto educativo e a importância da sociabilidade e participação em contexto de aula. As entrevistas, organizadas no seu guião por temas, foram transcritas literalmente, preservando-se a estrutura linguística da fala de cada entrevistado, e atribuindo a cada um, um nome fictício.

Apesar da estrutura temática do guião, as entrevistas resultaram numa conversa livre em que as perguntas seguiram, de forma flexível, a lógica do discurso dos entrevistados. A informação recolhida foi posteriormente organizada em grelhas de análise divididas em quatro dimensões (caracterização sociodemográfica e migratória: educação, família e trajetos migratórios; caracterização sociolinguística: conhecimentos linguísticos e práticas de literacia em português; as expectativas e objetivos em relação às aprendizagens; perceções sobre as aulas). Estas dimensões foram, por sua vez, divididas em temas emergentes dos trechos de cada entrevista transcrita.

Os dados para analisar as aulas e o desenvolvimento do projeto ao longo do tempo, foram coletados através do arquivo do grupo (período de referimento 2016 – fevereiro 2020). Conforme indicado acima, depois de cada aula, os educadores realizam depoimentos áudio, posteriormente discutidos nas reuniões semanais. Estas gravações, servem de preparação da aula no domingo seguinte e representam um instrumento importante na continuidade das aulas, dada a rotação semanal e a descontinuidade da presença dos educadores. Recolhemos a informação que corresponde a 137 gravações áudio de cerca 10 minutos cada (num total de cerca 22 horas de gravação), complementadas com os (poucos) relatos escritos. Os dados foram organizados por mês e ano, transcritos de forma resumida com o objetivo de descrever a composição do Chão, as atividades realizadas, o desenvolvimento das aulas ao longo do tempo, e registar as observações dos educadores sobre as atividades e os educandos.

Nesse sentido, para a análise da informação, o material recolhido foi selecionado e organizado em grelhas de análise construídas segundo: temas organizados em tipologias (o quotidiano, bairro, biografias, cidadania, história, saúde, etc.), materiais usados e metodologias aplicadas, palavras da grelha fonético-silábica; observações dos educadores sobre oralidade, leitura e escrita, interação e participação; assiduidade nas aulas dos educandos e presença/ rotação dos educadores. Considerando a quantidade da informação coletada através da análise do arquivo, tentamos resumir as informações para apresentar um quadro geral das estratégias educativas e das atividades realizadas, tendo em conta, também, que não se registou grande variabilidade sobre metodologias e materiais usados (áudio, texto, vídeo, imagem).

5. RESULTADOS

Nesta secção apresentaremos a análise das entrevistas e do arquivo do Chão, descrevendo as principais características sociodemográficas e socioeconómicas dos entrevistados, seguida de uma descrição dos seus perfis linguísticos (da origem ao país de acolhimento), assim como experiências de aquisição de literacia em contextos de aprendizagem formal e informal. Posteriormente, refletimos sobre a importância do projeto em análise enquanto fator de socialização cidadã, assim como o impacto da heterogeneidade de todos os envolvidos (educandos e educadores) na dinâmica da intervenção. Adicionalmente, de forma resumida são apresentados os temas, recursos didáticos e estratégias escolhidas durante o período 2016 – 2020 para entender como o ensino/aprendizagem se foi construindo tendo em conta aspetos organizacionais do grupo e a heterogeneidade dos educandos.

5.1 Breve descrição sociodemográfica

O grupo total dos educandos entrevistados é formado por cinco mulheres e um homem (ver Quadro 1, abaixo), com idades compreendidas entre 40 e 83 anos, cujas origens são diversificadas: Cabo Verde, Gâmbia, Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe. O tempo de residência em Portugal varia entre os quatro anos e vinte e cinco anos. Atualmente, duas ainda moram no bairro, outros três já foram moradores (realojados ou mudaram por iniciativa própria), e uma nunca residiu no bairro.

Quadro 1
Dados sociodemográficose línguas das educandas e educandos

Entre as mulheres entrevistadas, quatro são solteiras, viúvas ou separadas, e uma tem um parceiro que vive noutro país. Todas têm filhos, que ainda vivem no mesmo agregado familiar no caso de serem menores ou estudantes, enquanto que os filhos adultos moram com as próprias novas famílias em Portugal (principalmente na Área Metropolitana de Lisboa) ou migraram para os Estados Unidos da América, França ou Inglaterra. Em relação ao homem entrevistado, este é solteiro e não tem filhos.

5.2 Oportunidades de escolarização e alfabetização

Três mulheres trabalharam desde crianças no setor agrícola, doméstico ou em cuidados familiares, o que, entre outras razões, não lhes permitiu frequentar a escola ou apenas durante um ano (ver Quadro 2). Outras duas frequentaram a escola até ao 2.º ciclo do ensino básico, e apenas o entrevistado chegou a estudar no ensino secundário. Mesmo para quem teve oportunidade de estudar, vários fatores pareceram limitar o seu desempenho e participação, nomeadamente a necessidade do trabalho, as responsabilidades domésticas, a imposição de ideologias diferenciadas de género na família, a existência de uma rede escolar afastada do local de residência e a pedagogia e estrutura do ensino (SIGNORELLO, 2021SIGNORELLO, A. L. (2021), “Eu sei screvé bonito com caneta...divagarinho, divagarinho...” Estudo de caso sobre um projeto coletivo em alfabetização e literacia em português língua não materna, junto de migrantes adultos., Tese de Mestrado em Educação e Sociedade, Lisboa: ICTE – Instituto Universitário de Lisboa.).

Quadro 2
Educação e profissões – antes de migrar em Portugal

Nos trechos das entrevistas a seguir, é possível perceber a frustração destas mulheres por não terem conseguido estudar ou continuar os estudos, associada a várias situações bloqueadoras, algumas reconhecendo esta circunstância como um fracasso pessoal.

“Bom… no tempo que eu estava a estudar… parece, já não... a minha cabeça não dá muita coisas. Pois não dava. Quando fez prova não conseguia passar. No fim, eu desisti. Pois, pa’ ir pa’ o sétimo lá no tempo, tens que fazer prova no Senegal.” (…)“Professores não tem culpa a culpa vem para mim. Porque se não estás a estudar mais… não conseg’ estudar, estou a pensar outra coisas. Como é que vai dar...? Não vai dar. Naquele tempo…o trabalho do mato...”

(Dona Teresa, 47 anos, Guiné-Bissau)

“Antigamente na África…escola de mulher...ele [o pai] não liga nada nisso… vai dizer “Ah, vai meter na escola? Ela vai casar!” África, olha meu pai fazia muit’ muit’ trabalho. Se eu tenho escola... opá! Perdi muita coisa…”

(Dona Tina, 52 anos, Guiné Bissau)

“Eh, eu fui um ano só na escola e gostava de ir, a minha avó chorouuuu, eu choreeei… Mas a senhora [madrasta] diss’: Se você vai pa’escola eu não lavo[a roupa e a casa]. Mmh, eu não faço comida pa’ ti! Po’ ficou… O que foi de mim?! Burra.”

(Dona Ana, 83 anos, São Tomé e Príncipe)

“Mes pais também não sabem ler escrever, por isso também que eles não poram-me na escola. Porq’ si eu na altura sabe ler e escrever (…) Eu com mais irmão que nós criamo em cima naquela aldeia, que não consegui estudar. Tava longe a escola. Tava longe e tinha situação também em que eu, [era] uma filha primeira… e eu que fazia tarefa de casa.“

(Dona Helena, 53 anos, Cabo Verde)

Dona Nádia conta também que, na altura em que frequentou a escola, os professores batiam muito e que por isto muitas crianças afastaram-se da escola:

“A infância foi difícil, era na era colonial... A gente ia pra escola, a gente gostava de ir mas ia com muito medo. Alguns fugiam da escola. (…) A gente aprendia, mas aquilo não tinha lógica. A professora não brincava com criança…chegou, rezou, chicou usavam varapau. Onde bateva onde levava.”

(Dona Nádia, 68 anos, São Tomé e Príncipe)

Uma entrevistada foi alfabetizada em português (em São Tomé e Príncipe), língua já usada na comunicação com alguns familiares e, no caso dos outros dois entrevistados, a alfabetização aconteceu em francês (no Senegal) ou inglês (na Gâmbia), duas línguas com quais os contactos linguísticos anteriores à alfabetização tinham sido quase nulos. O entrevistado Dinis foi, por exemplo, alfabetizado em inglês na Gâmbia e relata de punições sempre que as crianças fossem apanhadas a falar outras línguas.

Sabemos que alfabetização numa L2 é um processo que contém muitas dificuldades fonológicas, sintáticas e de vocabulário (KURVERS, 2015KURVERS, J. (2015). Emerging literacy in adult second-language learners: A synthesis of research findings in the Netherlands. Writing systems research, vol. 7 n.1, p. 58-78.). Aprender a ler e escrever na própria língua materna, ao contrário, facilita a aprendizagem duma L2 (oral e escrita), além dos efeitos positivos relacionados com a motivação, o sucesso e a autoestima que influenciam a relação com a linguagem escrita e as experiências educativas (formal ou não formal). Face à variedade de contactos linguísticos na família e fora do contexto escolar, nem todos os educandos que relatam experiências escolares tiveram, deste modo, acesso a contextos de aprendizagem mais adequados ao seu perfil, ainda mais sabendo que para a maioria destes o contacto com a escola não foi para lá do ensino básico (e para alguns incompleto)16 16 Recordamos que não iremos aqui abordar a necessidade de ter ainda presente as metodologias de ensino em línguas segundas na alfabetização de crianças nos sistemas de ensino coloniais e pós coloniais, cuja discussão tem sido alvo de uma extensa literatura. .

5.3 Perfil sociolinguístico dos educandos

Todas as pessoas entrevistadas falam pelo menos duas línguas (Quadro 1), adquiridas na infância ou na escola (no caso dos três entrevistados alfabetizados), através das migrações ou a convivência com pessoas de outras etnias ou nacionalidades na terra de origem e/ou no bairro. Verifica-se, por isso, uma grande diversidade linguística entre as línguas maternas, nomeadamente: manjako, santomé, cabo-verdiano, mandinka, kriol guineense, wolof, e como línguas segundas, ainda: português, francês, jola, fula, inglês. Ao longo das entrevistas foi possível aferir um multilinguismo ainda maior que inclui também conhecimentos noutras línguas.

Entender de forma unívoca as línguas que representam a língua materna ou segunda língua resulta difícil, sendo que podem existir mais de uma língua materna, e as delimitações entre o que representa língua(s) materna(s) e língua(s) segunda(s) nem sempre são claras. Deste modo, apesar do caráter classificatório em relação à escolarização ou conhecimentos ao nível da língua portuguesa, deve ser considerada a abundância de experiências e saberes que os educandos trazem consigo, promotores de conhecimentos em diversas áreas profissionais, dos diferentes países onde passaram e que permitiram que contactassem com uma quantidade significativa de línguas e culturas. Falamos de conhecimentos que se refletem em estratégias e competências comunicativas que lhes têm permitido encontrar trabalho, construir famílias e redes comunitárias, assim como lidar com a burocracia dos diferentes sistemas (de ensino, de saúde, administrativos…) no país de acolhimento. Estas experiências e saberes acumulados representam um recurso fundamental para a construção da metodologia e contexto de literacia em sala de aula, a partir das quais se podem proporcionar partilha de experiências com consequências ao nível do empoderamento dos educandos.

5.4 Ausência de mobilidade profissional em Portugal

Do ponto de vista profissional, os educandos trabalharam em diversos lugares e profissões nos seus países de origem ou outros países para onde migraram, enquanto em Portugal trabalharam principalmente nos sectores da limpeza ou construção civil (Quadro 2). As situações económicas em Portugal revelam-se, assim, frágeis: mulheres reformadas por motivos de saúde ou por idade, com pensões muito baixas, situações de trabalho precárias (quase exclusivamente na limpeza) com salários mínimos, tendo de trabalhar em diferentes lugares em simultâneo para compensar os baixos salários.

O Dinis, apesar de ter sempre conseguido trabalho graças à sua rede de contactos, desde a sua chegada trabalhou na agricultura e construção civil de forma temporária e precária. Os educandos revelam por isso, uma ausência de mobilidade profissional, não obstante, estejam há muitos anos em Portugal, o que é demonstrativo das reduzidas oportunidades profissionais que, entre outros fatores, estão relacionadas com as baixas qualificações e níveis de literacia em português, assim como falta de acesso à formação em idade adulta.

5.5 Contactos linguísticos em Portugal

O contacto linguístico, claramente, é um dos fatores principais de aprendizagem linguística, sobretudo quando são ausentes competências de leitura e escrita que possibilitam, como vimos, um diferente acesso a L2.

Além dos anos de estadia em Portugal, deve-se considerar a quantidade e qualidade dos contactos linguísticos que dependem das redes sociais, do contexto de trabalho e da participação na sociedade de acolhimento. Apesar dos educandos se encontrarem inseridos num contexto de língua portuguesa como, por exemplo, no trabalho, os contactos linguísticos diferem na sua qualidade e quantidade segundo o tipo de trabalho e as posições de poder assimétricas no seu interior, sendo que, como refere a autora Norton (2000)NORTON, B. (2000). Identity and language learning: gender, ethnicity and educational change. Boston: Allyn & Bacon., o sistema de hierarquia e poder social reflete-se também na comunicação e suas possibilidades de agenciamento. Se por um lado temos que considerar estes aspetos, por outro, ao uso do português sobrepõem-se diferentes línguas na comunicação em contexto de trabalho, família ou vizinhança. Os entrevistados relatam, assim, que têm aprendido outras línguas através das migrações e contactos no bairro com pessoas de outras etnias ou nacionalidades.

“Com colega eu falava português e crioulo… depend’ de onde estav’ a trabalhar. Era cabo-verdiano, era sãotomense…” “Eu conheci crioulo guineense aqui em Portugal. Aqui que conheci o guineense. (…) Aqui [no bairro] todas as línguas quase. Mais mais do bairro línguas, é são-tomense, cabo-verdiano e guineense. E angolano.”

(Dona Ana, 83 anos, São Tomé e Príncipe)

“É como aqui, aqui estamos guineenses, cabo verdianos, angolanos. Então é assim, sendo vizinhos vamos falando e vamos entendendo. Aprendendo. Mesmo que não percebemos tudo... Cabo Verde também é dividido por ilhas… e cada um vai puxando … não é todos que falam um crioulo só. Entre eles entendem-se. Então eu entendo, em geral, quando falam [cabo-verdiano]. Crioulo guineense é um pouco mais difícil. Entendo, mas falar está difícil.”

(Dona Nádia, 68 anos, São Tomé e Príncipe)

A única exceção regista-se na transmissão da língua materna junto dos descendentes, por vezes ausentes por se privilegiar antes o uso do português.

“Nós [com os próprios pais em Cabo Verde] é mesmo crioulo.(…) [Com a minha filha] eu falo português com ela. De vez em quando vem criuolo. Pa’ ela na esquec’. Ela pediu pa’ eu ela ensinar. E ela fala bem português e ela me ensina português.”

(Dona Helena, 53 anos, Cabo Verde)

Em casa falamos mandjako. Ma’ tambem, falamos português porque eu tenho meu filho mais novo, não sabe falar mandjako. Quando vôce fala ele tem que perguntar, preguntar tantas vezes...

(Dona Teresa, 47 anos, Guiné-Bissau)

5.6 Contactos com literacia em português

O estatuto socioeconómico e laboral pode representar um fator de desigualdade no acesso aos programas oficiais de ensino linguístico para imigrantes e, mais em geral, em cursos de educação e formação para adultos (SUNDERLAND; MOON, 2008SUNDERLAND, H.; MOON, P. (2009). England: Policy development impacting on ESOL basic literacy, LOT Occasional Series, vol. 15, p.185-194. apud OLIVEIRA et al., 2016OLIVEIRA, N.; MATIAS, A.R.; ORTIZ A. (2016). Políticas de ensino da língua Portuguesa para imigrantes adultos em Portugal: Institucionalização e desafios., IX Congresso Português de Sociologia: Portugal, território de territórios, Associação Portuguesa de Sociologia.). Além das razões ligadas com horários e precariedade no trabalho, exigência das tarefas familiares e cansaço daí resultante, as ofertas educativas para adultos também tendem, como vimos, a não ser estruturadas do ponto de vista metodológico e programático para pessoas não alfabetizadas em qualquer língua. Duas educandas relatam sobre esta situação, a primeira admitindo que não conseguia acompanhar o ensino/aprendizagem do curso, dado que este era muito formal:

”Eu também ‘ndava na escola com ciganos. Mas os ciganos entrava na escola como grupo de pessoas que sabem ler.(...) Até depois fui pra um curso de pasteleira eu tive que me levar. (...) Era tudo aquilo, eu achei que era eu. (…) Caí em baixo, porque eu sei copiar, copio um texto tudo. Eu sou muito teimosa mas botei cabeça pra baixo...[mais tarde ingressa noutro curso de formação] Eu andava com grupo que tinha 9.º ano. Só um analfabeta no meio. Até nós eram dois, um da Guiné desistiu e foi trabalhar no aeroporto. (...) Porque eu viv’ de RSI17 17 RSI – Rendimento Social de Inserção, apoio da Segurança Social destinado a pessoas que se encontrem em situação de pobreza extrema. Para mais informação, ver site oficial: https://www.seg-social.pt/rendimento-social-de-insercao. Acesso em: 31 ago. 2022. de vez em quando manda-me pa’ escola. As vez’ manda pa’ fazer cursos. Mas não ensina como… como vocês no bairro. Porqu’ estamos no grupo com aquele que já tem metade. Como pessoa que está assim, independente. Eles passam folhas pra ler e eu fico com folha na mão. O que que eu faço?”

(Dona Helena, 53 anos, Cabo Verde)

Entre os fatores não linguísticos que influenciam a aprendizagem, a questão da autoestima pode ser encontrada em muitas respostas obtidas, originando um sentimento de culpabilização face às dificuldades no estudo, ao abandono escolar na infância, e reforçando por vezes o fato que não falam bem português (mesmo quando esteja num nível comunicacional oral muito bom). Também o cansaço e as preocupações relacionadas com a própria situação socioeconómica são reconhecidos como fatores que dificultam a concentração e a dedicação no estudo hoje como no passado porque a “cabeça está cheia “ e “vai pra’ longe”. Estes aspetos são também evidenciados nos depoimentos dos educadores durante a aula, debitando as causas em fatores psicológicos (isolamento, ansiedade e preocupações ligadas a problemas de saúde, trabalho ou habitacionais) e cansaço devido a horários de trabalho prolongados, trabalhos fisicamente pesados ou, ainda, repouso insuficiente à noite.

Para compreender melhor a relação dos educandos com o português questionamos, ao longo do estudo, o uso das diversas línguas e as práticas de literacia dos educandos. As entrevistadas não alfabetizadas relacionam-se com linguagem escrita no seu quotidiano, sobretudo em momentos condicionados pela necessidade prática, como a leitura das direções e números de autocarro, dos preços e nomes de produtos no supermercado, na televisão e dos destinatários das cartas do correio (uma entrevistada), ou ainda a leitura da lista telefónica. Estes eventos de literacia, representam um momento para praticar a leitura, com esforço e resultados diferentes conforme a complexidade das palavras/textos, do lugar e momento em que a leitura acontece. Estes eventos são reconhecidos também pelas educandas como uma ocasião de exercício de leitura.

“Agora correiro… aqui, quando chegar carta de [nome do filho], aqui. Eu reparei essa carta dele. Quand’ chegar a mia carta eu reparei essa é mia carta. Quando chegar a carta da [nome da filha] eu reparei, essa carta é de [nome da filha]. Mas antigamente não [conseguia]…”

(Dona Tina, Guiné Bissau, 52)

Banana eu leio, o preço… 99 euro isto é 99 euro e tal. Eu sei fazer de conta não, só ba-na leio e 1,20 e vou saber o preço. Preço vou saber…”

(Dona Ana, São Tomé e Príncipe, 83)

Eu to’ a fazer sempre [exercício de leitura]. Isto que ajuda muito pa’ ler. Até na televisão se tá… só que às vezes passa de pressa. Eu tente ler, ah...qualqu’ palavra que diz assim...aah… e depois começa no meio. Ah sim… e diz já percebi.”

(Dona Helena, Cabo Verde, 53)

As entrevistadas alfabetizadas, leem através da televisão e revistas principalmente em português, mas admitem que estas práticas são relativamente pouco frequentes devido à falta de tempo, concentração ou cansaço que, como vimos, desmotivam as práticas de leitura. Em relação à escrita, esta é pouco usada e acontece principalmente na comunicação do aplicativo WhatsApp.

O entrevistado mais jovem, que conhece uma variedade de línguas, faz um uso maior da leitura e escrita através do celular, no WhatsApp, nas redes sociais e acedendo a internet na pesquisa de informações e artigos, mas só uma pequena parte destas práticas de literacia acontecem em língua portuguesa.

O trabalho é muit’. (...) Eu entro a seis da manhã...saio as nov’, no transporte, tem [tempo para ler um livro que foi-lhe dado nas aulas], pode… mas se tem outro tempo, fica cansado faz um cochilinho! Outro trabalho as duas hora. Entre as 4 tem um pouco de distância para ler um bocadinho depois até...outro tempo fica cansada…[ri].”

(Dona Teresa, Guiné-Bissau, 52)

Eu vi aquelas fotografias, nas revistas de viagem, gosto de ler revistas de viagem, para ver as ofertas de viagem.” (…)“Eu gosto de escrever, mas neste dias... Olha eu to’ assim, não me apetece escrever...as vezes dá pra escrever alguma coisinha...mas escrever mesmo, tze, a pessoa fica… a cabeça vai pra longe... mas pronto, eh.”

(Dona Nádia, São Tomé e Príncipe,68)

Através das práticas de literacia e os contactos linguísticos, seja em sala de aula, seja no exterior, os educandos reconhecem também as aprendizagens adquiridas como escrever o próprio nome, ler palavras simples do dia a dia, comunicar de forma clara com colegas de trabalho, ou ler senhas nas filas de espera como, por exemplo, na segurança social, entre outras situações.

“Eu não sabia escrevé o me’ nome... mas depois acabei de sabé isso e mais ainda. Aprendé da Itália...e de outros sítios. Mas eu sei escrever o me’ nome e também o resto. (...) Eu sei screvé bonito com caneta. Divagarinho, divagarinho…”

(Dona Ana, São Tomé e Príncipe, 83)

Não, não, primeiro não sabe [escrever] o meu nome. Até o meu documento, tava… não sabe assinar. Agora ta’ a lutar aqui, mudou o meu documento, passaporte e residência tudo. Agora tá assinado o meu nome. Pois esta escola ajuda muito.(...) Até no centro de saúde (...) quand está a tirar senha, pa’ tirar o número… agora que reparei. Agora. Mas antigamente não.”(…)

“Primeiro que eu comecei a trabalhar no Tags parco...[ri][O senhor da] segurança...quando chega lá, ta’ falar com segurança e ela tá a dizer… ”O dona, dona Tina! Va i pa’ escola primeiro... a gent’ não entende naada!” [ri] E eu ta’ a dizer a ela: “Olha eu vou pa’ escola! Vou vir aqui [de novo]!” [ri] Depois [de algum tempo] ele: Agora Dona Tina que a gent’está entendé bem.!” Mas primeiro…não não, não...Oi Dona Tina, eu não entendia nada.”

(Dona Tina, Guiné-Bissau, 52)

[O curso] Ta ’ ajudar a nós, é uma coisa que você vai aprender muito. Porqu’ este tipo de trabalho de grelha…ajuda a juntar a letras. (...) Eu aqui já aprendi a escrever… já sei copiar tudo certinho todas as letras.” (…) “Aqui aprende muit’ coisa…não só le e ‘screvé’. É isto que eu quero, aprende muita coisas. Como daqueles quadros…ou dos outros, as histórias… é como na escola, as crianças não faz só matemática e escrev´. Eu gosto…aprendo…mas o que eu quero, é mesmo lê e escreve.”

(Dona Helena, Cabo Verde, 53)

As educandas reconhecem não só aprendizagem de tipo linguístico, mas também identificam a aula como um lugar onde se aprende sobre diferentes temáticas. A entrevistada Dona Teresa, por exemplo, diz que a aula representa um momento de reflexão que muda “a manera que to’a ver as coisas”. Ela refere também que acredita que vir as aulas ajudará do ponto de vista do português oral e escrito a passar o exame para obtenção da carta de condução.

Ao longo das entrevistas resultou também que a interrupção das aulas e a sua frequência descontínua durante o período da pandemia COVID -19 (2020-2021) foi reconhecido como uma “regressão” no próprio português e, nas práticas de leitura e escrita. Estes aspetos resultaram também nos comentários dos educadores recolhidos através da análise do arquivo.

5.7 A sala de aula no Chão: a importância da socialização como prática cidadã

O facto de os educandos participarem nas aulas aos domingos, num dia tipicamente de descanso em Portugal, demonstra a determinação na aprendizagem e a importância do projeto do ponto de vista da socialização. As aulas são reconhecidas pelos educandos como um momento de encontro e diversão, ocasiões de partilha sobre diversos assuntos privados ou de caráter mais prático. Os educandos encontram apoio através das experiências partilhadas entre colegas, e com os educadores pelos contactos e conhecimentos sobre a burocracia e o sistema português.

Os educadores acompanham os educandos na resolução de problemas de trabalho, problemas relacionados com a residência ou obtenção da nacionalidade ou, ainda, questões habitacionais em relação ao realojamento. Este apoio emocional e prático é reconhecido pelos educandos, como demonstra este trecho:

Dona Tina: “Um dia eu está a pensar, pensar, pensar…e pensei, olha, ao final já tem família aqui na Portugal. A me dar força… pensei isto.”

Entrevistadora: A família ...os amigos...?

Dona Tina: Vôces! Vôces mi dá a força aqui na Portugal. (...) Força grande. Eu penso isto. [silêncio] Vocês ajuda muito pa’ puxarme pa frente. (...) Sem você não conseg’ ir mais longe.”

(Tina, Guiné Bissau, 52)

Como já anteriormente mencionado, o Chão desenvolve uma ação que não se limita ao ensino/aprendizagem e à realização das aulas, mas atua de forma integrada com a comunidade do bairro na resolução de outras questões (habitacionais, educativas, sociais, participativas...) através da ação junto com a ADSVC. Deste modo, a relação entre educadores e educandos reflete também este aspeto com o reconhecimento de relações de amizade e estima recíproca. O Chão integra nas aulas momentos de convívio (comemorações, festividades) e saídas do bairro como idas ao museu, festivais, pequenos espetáculos com o objetivo de fortalecer as interrelações pessoais e criar contextos de discussão e reflexão. Também, quando possível, são convidados especialistas para conversar sobre assuntos específicos, como no caso de aulas dadas por profissionais da área da saúde, visita de duas deputadas nacionais negras ou ainda encontros com advogados especializados nas leis de migração.

É valorizada a entreajuda entre os educandos com ênfase na dimensão interpessoal. São discutidos assuntos em grupo e tomadas decisões que representam reciprocamente recursos de informações como, por exemplo, a escrita em grupo duma carta, a construção duma casa em papel, pequenos grupos de trabalho e leitura, rodas de conversas em círculo sobre diferentes assuntos. A entreajuda reflete-se também dando um papel mais ativo aos educandos alfabetizados, como na silabação e escrita de palavras, leitura em alta voz ou até, em algumas situações de mediação linguística quando existe uma dificuldade comunicativa em português.

Em relação à interação na aula, o relato de um dos educandos é bem explicativo dos problemas de compreensão e interpretações diferentes que podem ser atribuídas, sugerindo uma comunicação mediada entre os mais experientes e os outros educandos. Esta dinâmica também é valorizada nos comentários dos educadores.

Yo u know there are different people there. Everybody talks, says something…But sometimes they don’t understand what you are talking. They go home and they forget because they didn’t really understand. For example, people like Dona Nádia or Emanuel could help, and you can teach them to help. So, they can translate or explain better some meanings. And so they remember “.

(Dinis, M, Gâmbia, 40)

5.8 A heterogeneidade presente em sala de aula: um desafio para educadores e educandos

Trabalhar com um grupo heterogéneo em níveis em literacia e em português apresenta muitos desafios. Por exemplo, torna mais difícil definir as caraterísticas que dificultam a compreensão dos conteúdos, que pode depender da dificuldade em distinguir elementos fonológicos (que, como veremos mais à frente, diferem na forma de falar dos educadores), da falta de vocabulário, confusão de aspetos lexicais ou, ainda, de interpretações diferentes sobre os significados atribuídos (SIGNORELLO, 2021SIGNORELLO, A. L. (2021), “Eu sei screvé bonito com caneta...divagarinho, divagarinho...” Estudo de caso sobre um projeto coletivo em alfabetização e literacia em português língua não materna, junto de migrantes adultos., Tese de Mestrado em Educação e Sociedade, Lisboa: ICTE – Instituto Universitário de Lisboa.). Nas aulas de português do Chão, recorre-se a outras línguas como mediação linguística para a comunicação inicial. Este é sobretudo o caso de alunos novos que não têm nenhum conhecimento em português ou que ainda não estão inseridos nas dinâmicas da aula e precisam esclarecimentos suplementares na discussão. Os outros educandos ajudam, portanto, na tradução, ou, quando existe uma língua em comum com os educadores (inglês ou francês geralmente), esta é utilizada na comunicação. O trabalho em pequenos grupos, sejam estes heterogéneos ou homogéneos em termos de níveis em literacia, é um ulterior fator valorizado pelos educandos nas entrevistas, afirmando que ajuda na compreensão ao propiciar mais espaço para colocar as próprias questões.

Para lidar com a heterogeneidade em presença, as aulas dividem-se em duas partes: uma primeira sessão de uma hora com todos juntos em que se promove a discussão oral, seleção de palavras novas e os seus significados, e a seguir, numa segunda sessão, o grupo é dividido principalmente entre alfabetizados e não alfabetizados. Esta divisão é possibilitada pela presença em cada aula, de dois educadores. Na segunda parte da aula, trabalha-se nos dois grupos aspetos que se relacionam com a literacia básica: no caso dos não alfabetizados divisão em sílabas, aspetos fonético, grafia, caracteres, etc. com base no modelo Paulo Freire (grelha silábica), enquanto com o grupo dos alfabetizados, trabalha-se com o texto e a leitura de parágrafos e o seu significado, produção textual livre ou ditados.

O método silábico e a divisão das palavras na grelha silábicas relaciona-se sobretudo com a escolha metodológica baseada em Paulo Freire (1968)FREIRE, P. (1968). La pedagogia degli oppressi. Tradução de Linda Bimbi. Torino: Edizioni Gruppo Abele, 2011. tendo em conta as palavras geradoras levantadas durante a parte oral no início da aula. Apesar de ser uma metodologia que ajuda a divisão inicial das palavras e a criação de novas sílabas através a combinação com outras vogais, o método deve-se adaptar ao contexto e, portanto combinado com outras abordagens e estratégias individualizadas como a combinação com o método alfabético para isolar os diversos fonemas ou a utilização de imagens para estimular a memorização visual das palavras. Neste tipo de trabalho, os educadores tentam escolher palavras de uso comum dos educandos e/ou palavras com que podem ser confrontados em eventos e práticas de literacia do próprio quotidiano.

Através da análise do arquivo foi possível apresentar os recursos didáticos e os temas abordados durante as aulas. Estes últimos referem-se a aspetos que fazem parte da realidade dos educandos de forma mais pragmática (idas ao supermercado, organização e pagamento de contas, idas ao médico, culinária…) ou mais abstrata (direitos humanos, cidadania, liberdade...). As temáticas são apresentadas utilizando diferentes meios e materiais como: áudio (músicas em português de diferentes países e sobre temas variados), vídeo (visualização de documentários, entrevistas, breves vídeos), textos (artigos, poemas, contos, letras de músicas, cartas) e imagens (fotografias, pinturas, obras de arte…). Posteriormente dinamiza-se a aula através técnicas como teatralização, jogos, rodas de conversa, mímica, colagem, passeios, gravações (SIGNORELLO, 2021, p.53SIGNORELLO, A. L. (2021), “Eu sei screvé bonito com caneta...divagarinho, divagarinho...” Estudo de caso sobre um projeto coletivo em alfabetização e literacia em português língua não materna, junto de migrantes adultos., Tese de Mestrado em Educação e Sociedade, Lisboa: ICTE – Instituto Universitário de Lisboa.).

A arte é também largamente utilizada nas suas mais diversificadas formas, sendo este um meio que, através do seu simbolismo, permite a abstração e construção de diferentes sentidos e leituras partindo duma experiência comum. O projeto do Chão orientou-se no seu começo em 2015 no projeto Ler Com Arte, tendo sido a troca e workshops com a sua coordenadora essenciais na definição metodológica em alfabetização e literacia em português. Neste projeto a arte é um elemento central, utilizada como pré-texto de literacia (AZEVEDO, 2014, p. 32AZEVEDO, N. R. (2014). “Esta é uma escola diferente”. Alfabetizando adultos em contexto não formal. Mediações – Revista OnLine da Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Setúbal, vol. 2, n. 2, 2014. p. 26-45.). Através da observação, fruição e interpretação (individual e coletiva) de obras de arte (i.e., pintura, fotografia, música), os educadores procuram construir uma narrativa conjunta, a partir da qual vocabulário, frase, significados e palavras para a grelha silábica são levantados (SIGNORELLO, 2021, p.32SIGNORELLO, A. L. (2021), “Eu sei screvé bonito com caneta...divagarinho, divagarinho...” Estudo de caso sobre um projeto coletivo em alfabetização e literacia em português língua não materna, junto de migrantes adultos., Tese de Mestrado em Educação e Sociedade, Lisboa: ICTE – Instituto Universitário de Lisboa.).

Temos ainda que considerar, na nossa análise, as especificidades e heterogeneidade em termos linguísticos e sociodemográficos do grupo dos educadores ao longo dos seis anos do projeto (Quadro 3). O número médio de educadores a dar aula é de 7-8 pessoas, considerando que nem todos os participantes do Chão têm disponibilidade continuada para participar no projeto específico de português e alfabetização. Considerando de forma representativa o período de referimento 2019 – 2020, nota-se que o grupo é composto por uma maioria de mulheres (seis mulheres e quatro homens); os membros são ligados ao ambiente universitário, sendo maioritariamente investigadores ou estudantes em doutoramento, com exceção de dois mestres; as naturalidades mais representativas são a brasileira (quatro) e italiana (duas), seguidas por portuguesa, angolana, alemã e suíça.

Quadro 3
caracterização das educadoras e educadores do Chão (2019-2020).

Como podemos observar, nenhum dos educadores tem formação em ensino linguístico, o que se poderá refletir nalguma dificuldade de acesso a recursos didáticos específicos, experiências anteriores de ensino e formação prévia. No entanto, a reflexão e a troca de experiências que acontecem semanalmente nas reuniões são organizadas de forma a permitir a discussão em torno de novas estratégias, preparar os temas e os recursos a mobilizar. Estes processos de reflexão-intervenção são considerados indispensáveis por todos os membros para a continuação do trabalho, requerendo, ao mesmo tempo, atenção e tempo que dependem das disponibilidades dos educadores do grupo (lembramos que o trabalho é inteiramente voluntário), podendo por isto resultar efeitos na qualidade dos recursos escolhidos e nas oportunidades educativas.

Ao nível fonético, o português falado pelos educadores é influenciado pelas próprias línguas maternas que estão destacadas no quadro 3. As línguas segundas variam entre espanhol, francês, inglês, italiano e português (exceto dois educadores que têm apenas a língua materna). Por um lado, as diferentes origens nacionais e a variedade linguística dos educadores representam um recurso que enriquece o espectro de interpretações e leituras, possibilitando um interessante diálogo intercultural. Por outro lado, as diferenças de pronúncia no português (do Brasil, de Portugal e português enquanto língua não materna) assim como o uso diferente das palavras e significados que lhes são atribuídos, podem representar um elemento de confusão no momento de aprendizagem duma nova língua. O Dinis (que se encontra numa fase bastante inicial da aprendizagem do português) diz, por exemplo, que entende mais facilmente alguns educadores, por falarem mais devagar e pela pronúncia mais clara ou aberta. O grupo tem como referência o português de Portugal, mas os sotaques e as diferenças entre o português do Brasil e português de Portugal estão presentes, tanto na sala de aula como fora desta, sendo utilizados em muitas ocasiões para aprofundar e investigar a língua portuguesa.

CONCLUSÕES

Apresentar o projeto do Chão e compreender as necessidades educativas do ponto de vista linguístico e social face às especificidades dos educandos representa o ponto de partida deste artigo. Deste modo, a literacia e o domínio do português no projeto são entendidas como competências que vão além da capacidade de codificação e descodificação da língua, mas entendidas de forma abrangente para a comunicação e compreensão do outro e do mundo, inseridas nos contextos sociais dos educandos.

Nesse âmbito, tivemos presente que o projeto atua num território caracterizado por mobilidades internacionais contínuas tanto dos educandos como dos educadores, revelando perfis e práticas comunicativas multilingues que, no caso dos educandos, se encontram associados a níveis de escolaridades baixos e situações socioeconómicas particularmente vulneráveis. Tornou-se, por isso, imperativo discutir como a diversidade de perfis sociolinguísticos, tanto dos educadores como dos educandos, impactam no projeto de alfabetização e literacia em português, nomeadamente na forma como essa heterogeneidade é abordada em sala de aula, e como os diferentes atores envolvidos mobilizam recursos e ultrapassam as suas dificuldades em contexto de ensino não formal.

No grupo de educandos entrevistados, existem pessoas não alfabetizadas com níveis de português oral diferenciados, pessoas alfabetizadas na infância (em português ou numa outra língua não materna) e pessoas com um nível médio de literacia noutras línguas, mas com baixos níveis em português (oral e escrito). Observamos, sem surpresas, que aprender a ler e escrever na língua materna, seja na infância ou em idade adulta, facilita significativamente o processo de aquisição de literacia além de incentivar a motivação e o sucesso na aprendizagem, e portanto, a autoestima. Ao mesmo tempo, o domínio da escrita na própria língua facilita aprendizagem duma nova língua (KURVERS, 2015KURVERS, J. (2015). Emerging literacy in adult second-language learners: A synthesis of research findings in the Netherlands. Writing systems research, vol. 7 n.1, p. 58-78.) e, por isto, consideramos a importância da língua materna (oral e escrita) no desenvolvimento de competências linguísticas em todos os níveis. Outros fatores não linguísticos, precariedade e exigências laborais, problemas económicos, acrescentam dificuldades de concretizar a aprendizagem desejada, independentemente da motivação demonstrada pelos próprios educandos.

Deste modo, em sala de aula, as diferenças são abordadas em grupos mistos, promovendo-se atividades de entreajuda e o diálogo com o objetivo de melhorar as competências linguísticas orais no interior da grande diversidade linguística dos educandos e dos educadores envolvidos. Estes momentos têm, portanto, duas vertentes: uma de aprendizagem e prática linguística, outra de reflexão e partilha. Assim, o diálogo e a solidariedade representam fatores reconhecidos pelos educandos, seja entre eles, seja com os educadores. Ao mesmo tempo, em relação à produção escrita e à leitura, a divisão na segunda parte da aula em dois grupos, permite diversificar as necessidades de aprendizagem. A interação mediada entre os educandos com níveis em literacia e português oral mais avançados, é mobilizada também, quando possível, através leituras em voz alta ou correção de tarefas.

Em relação às metodologias, estas são pensadas através de atividades e meios diferentes, sendo também a arte muito utilizada como meio para a criação de significados e ponto de partida para a reflexão. Os temas para a discussão são selecionados a partir de experiências partilhadas que podem servir para o diálogo e, ao mesmo tempo, ser informativos; o trabalho com texto é analisado do ponto de vista metalínguistico e gramatical, mas também é interpretado, questionado e desmistificado nos significados; foca-se nos aspetos da língua e da linguagem escrita através diferentes dimensões da literacia como, por exemplo, a dimensão individual ou interpessoal (através de trabalhos sobre biografias; percurso migratório; família) ou a dimensão socioeconómica (discussão sobre o trabalho, sistemas educativos, questões políticas…).

Em suma, nestes processos educativos a reflexão-ação representa ponto de partida para a adaptação às necessidades dos educandos, tendo presente a heterogeneidade dos níveis de literacia e de repertórios linguísticos. Estes momentos são representados pelas reuniões semanais do Chão em que, mesmo com as suas limitações em termos de formação prévia dos educadores e limitações de tempo e organização, a partilha das experiências dos educadores representa a base para o desenvolvimento contínuo do ensino-aprendizagem. Procura-se, deste modo, responder às exigências de aprendizagem linguística e alfabetização no quadro duma literacia contextualizada e crítica.

  • Com financiamento da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), através do apoio à segunda autora pela Norma Transitória de acordo com o DL 57/2016, alterado pela Lei 57/2017.
  • 2
    Portal de estatística SEFtat: https://sefstat.sef.pt/forms/distritos.aspx. Acesso em: 24 ago. 2022
  • 3
    Em 1985, por exemplo, num total de 79.594 estrangeiros legalmente residentes no país, 44% tinham a nacionalidade de um país africano de língua oficial portuguesa – PALOP (BAGANHA et al., 2009BAGANHA, M. I.; MARQUES, J. C.; GÓIS, P. (2009). Imigrantes em Portugal: uma síntese histórica. Ler história, vol. 56, p. 123-133.).
  • 4
    Dados do SEF, apresentados por Oliveira (2021, p. 54)OLIVEIRA, C. R. (2021). Indicadores de Integração de Imigrantes: Relatório Estatístico Anual 2021. Imigração em Números – Relatórios Anuais (Vol. 6). Lisboa: Alto Comissariado para as Migrações (ACM, IP)..
  • 5
    Apesar de Oliveira (2021)OLIVEIRA, C. R. (2021). Indicadores de Integração de Imigrantes: Relatório Estatístico Anual 2021. Imigração em Números – Relatórios Anuais (Vol. 6). Lisboa: Alto Comissariado para as Migrações (ACM, IP)., assim como a maioria dos documentos analisados nestas questões referir “língua de acolhimento”, a demografia da maioria dos países europeus revela que estes são países multilingues, sendo, por seu turno, as políticas analisadas nestes documentos direcionadas para o ensino da(s) língua(s) oficial(is).
  • 6
    Regulamento da Nacionalidade Portuguesa: Decreto-Lei n.º 26/2022. Disponível em: https://dre.pt/dre/detalhe/decretolei/26-2022-180657814. Acesso em: 24 ago. 2022
  • 7
    Recentemente atualizado no âmbito da Portaria n.º 183/2020, de 5 de agosto.
  • 8
    Ver mais informação em: https://www.acm.gov.pt/ru/ad-ent-c-acm. Acesso em: 24 ago. 2022
  • 9
    O curso está disponível em: https://pptonline.acm.gov.pt/ Acesso em: 31 ago.2022
  • 10
    Plano nacional de políticas de integração mais recente, surgido a seguir do Pacto Global para as Migrações Seguras, Ordenadas e Regulares, aprovado pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 19 de dezembro de 2018, Resolução A/73/L.66
  • 11
    Dados do Programa Português para Todos analisados e sistematizados nos Relatórios Estatísticos Indicadores de Integração de Imigrantes do Observatório das Migrações (OLIVEIRA, 2021, p. 139-140OLIVEIRA, C. R. (2021). Indicadores de Integração de Imigrantes: Relatório Estatístico Anual 2021. Imigração em Números – Relatórios Anuais (Vol. 6). Lisboa: Alto Comissariado para as Migrações (ACM, IP).).
  • 12
    Para dados detalhados e sobre idade, sexo e distribuição dos educandos por região, consultar Monteiro (2021)MONTEIRO, R. (2021). A aprendizagem da língua de acolhimento por imigrantes, Boletim Estatístico OM N.º 7, Coleção Imigração em Números (coord. Oliveira, C. R.), Observatório das Migrações. Disponível em: http://www.om.acm.gov.pt/publicacoes-om/colecao-imigracao-em-numeros/boletins-estatisticos. Acesso em: 24 ago. 2022.
    http://www.om.acm.gov.pt/publicacoes-om/...
    .
  • 13
    O ACM, I.P. apoia, no âmbito do Fundo para o Asilo, a Migração e a Integração, ações de ensino/aprendizagem da língua portuguesa e alfabetização. Mais informações sobre a estrutura, programas financiados e tipologias de projetos: https://www.acm.gov.pt/-/como-posso-frequentar-um-curso-de-lingua-portuguesa-para-estrangeiros-. Acesso em: 24 ago. 2022.
  • 14
  • 15
  • 16
    Recordamos que não iremos aqui abordar a necessidade de ter ainda presente as metodologias de ensino em línguas segundas na alfabetização de crianças nos sistemas de ensino coloniais e pós coloniais, cuja discussão tem sido alvo de uma extensa literatura.
  • 17
    RSI – Rendimento Social de Inserção, apoio da Segurança Social destinado a pessoas que se encontrem em situação de pobreza extrema. Para mais informação, ver site oficial: https://www.seg-social.pt/rendimento-social-de-insercao. Acesso em: 31 ago. 2022.
  • DECLARAÇÃO DE DISPONIBILIDADE DE DADOS DA PESQUISA
    As informações públicas, como dados sociodemográficos da população migrante em Portugal ou dados sobre programas e políticas públicas que apoiam este estudo, estão disponíveis nas referências indicadas no artigo. As entrevistas completas e os dados documentais do arquivo consultado não estão disponíveis ao público, uma vez que este material contém informações que podem comprometer a privacidade dos participantes na investigação. Mais informações podem ser encontradas na tese de mestrado: SIGNORELLO, A. L. (2021)SIGNORELLO, A. L. (2021), “Eu sei screvé bonito com caneta...divagarinho, divagarinho...” Estudo de caso sobre um projeto coletivo em alfabetização e literacia em português língua não materna, junto de migrantes adultos., Tese de Mestrado em Educação e Sociedade, Lisboa: ICTE – Instituto Universitário de Lisboa., “Eu sei screvé bonito com caneta...divagarinho, divagarinho...” Estudo de caso sobre um projeto coletivo em alfabetização e literacia em português língua não materna, junto de migrantes adultos., Tese de Mestrado em Educação e Sociedade, Lisboa: ICTE – Instituto Universitário de Lisboa. (disponível aqui: https://repositorio.iscte-iul.pt/handle/10071/24371)

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2022

Histórico

  • Recebido
    21 Jun 2022
  • Aceito
    05 Out 2022
  • Publicado
    10 Out 2022
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